A conspiração escarlate escrita por Drafter


Capítulo 9
Gritos, lágrimas e o silêncio


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo não tem ação ou muito desenrolar do mistério. Quis focar na relação Kurama x Kiki um pouco, para desenvolver mais a personagem. Espero que gostem!



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Kurama virou a esquina, distraído, enfiando as mãos no bolso da calça. Desviou de um grupo de colegiais que corria animado em direção a uma loja de roupas, virando o rosto em direção a uma das meninas. Por um segundo, pensou se tratar de Kiki, mas logo afastou a ideia. Pelo pouco que conhecia dela, não parecia ser do seu feitio aquela animação juvenil frente à última moda da estação. Por via das dúvidas, olhou por mais um instante o grupo e, já convencido do seu engano, voltou ao trajeto inicial.

Ele andava sem prestar muita atenção, porém sabendo exatamente em que ruas deveria virar. Tinha uma memória fotográfica que lhe era bem útil de tempos em tempos. Aproveitou os minutos de caminhada que tinha pela frente para tentar entender o quebra-cabeça que estava se formando à frente deles. O Esquadrão de Defesa do Mundo Espiritual havia fechado o único portal existente entre os dois mundos. Eles não saberiam se houvesse outro — ou outros —abertos? O próprio Sensui era obcecado em quebrar a barreira do Makai, e precisou da energia de Kuwabara para isso. Será que o outro portal já estava aberto este tempo todo? Nem mesmo Sensui sabia da existência dele?

Kurama chegou ao seu destino com duas hipóteses claras em sua mente: Yusuke teria se enganado e o túnel encontrado não levaria ao Makai, ou — e essa parecia ser a teoria mais devastadora e ao mesmo tempo mais provável — o conhecimento do portal era encoberto por autoridades do Mundo Espiritual.

(...)

Estava escuro, mas ela conhecia aquele lugar. Já estivera ali antes, milhões de vezes. Sabia que teria uma parede sólida à direita e outra mais à frente, limitando seu espaço. Sabia também que estava sozinha, como das outras vezes. Isto é, até surgir aquela mulher, a mesma de sempre, com seu sorriso apagado e o sangue escorrendo da testa. Ela vinha e ficava parada, fitando o vazio, como se esperando alguma coisa. Kiki tentava chamá-la, chegar até ela, gritar, mas todos seus esforços eram em vão. A mulher parecia não a ouvir ou ver, e virava o rosto, desaparecendo para sempre na escuridão enquanto ela continuava suplicando por sua atenção. Por que tinha que ser desse jeito? Ela só queria um olhar, queria poder dizer o quanto ela sentia muito, o quanto ela queria que as coisas fossem diferentes.

Kiki gritou e soluçou até acordar, ensopada em suor e lágrimas, a garganta ardendo. Demorou alguns segundos para entender o que estava acontecendo. Passou as mãos trêmulas pelo rosto e cabelos úmidos e notou que sua pele estava fria. Seu estômago se contorceu de dor e ela subitamente sentiu seus pulmões encolherem, a deixando sem ar. Com a respiração ofegante, ela levantou do sofá onde havia caído no sono naquela tarde e cambaleou até a porta. A casa parecia se fechar sobre ela e sua cabeça só conseguia pensar em sair dali o mais rápido possível. Abriu a porta e saiu apressada, ansiosa pelo ar fresco da rua. Agitada, não reparou na figura alta de cabelos ruivos parada a poucos metros da sua casa.

Ela alcançou correndo o parque circundado de grades próximo a sua casa, diminuindo a velocidade ao passar pelas árvores que levavam a um pequeno bosque escondido na lateral oposta. Localizou a trilha encoberta parcialmente pela grama e começou a subir, desviando dos galhos e troncos que espremiam o caminho. Ela apertou o passo, usando as mãos como apoio nas partes mais íngremes, até as árvores começarem a rarear e darem lugar a uma clareira. Ela desabou, caindo sentada na grama rala que cobria o lugar, tentando conter a respiração e o choro que ameaçava surgir.

Levantou o rosto, olhando a paisagem na tentativa de desanuviar a mente. Aquele lugar tinha sido uma descoberta e tanto. Era silencioso e, muito provavelmente, desconhecido pelas pessoas que frequentavam o parque diariamente. Nunca ouviu ou viu outra pessoa sequer passar pela mata fechada da trilha que levava à clareira, motivo pelo qual passava cada vez mais tempo por lá, perdida em seus pensamentos. O espaço não era muito grande: apenas poucos metros de área, as árvores atrás bloqueando a vista e um desfiladeiro a frente, encerrando abruptamente o chão. Em seus piores momentos, gostava de sentar na borda e deixar as pernas balançando no vazio abaixo dela. Da beirada ela conseguia ver uma parte da cidade, pessoas e carros reduzidos a tamanhos insignificantes dali de cima. 

Ela já sentia sua respiração normalizar e a cor voltar à sua face quando um barulho às suas costas a assustou. Olhou incrédula quando Kurama apareceu entre as árvores, afastando cuidadosamente as folhas dos galhos próximos ao rosto.

— O que diabos você está fazendo aqui? — ela já estava de pé, confusa e furiosa ao mesmo tempo.

— Você está bem? Você estava pálida, parecia assustada... aconteceu alguma coisa?

E ela sentiu raiva da atitude dele. Aquela não era a primeira vez que ele respondia sua pergunta com outra pergunta, algo que Kiki odiava. Fechou os punhos e sentiu seu rosto ficando vermelho, a raiva bloqueando qualquer outro pensamento.

— Vai embora, não era para você estar aqui!

— Eu preciso falar com você, por favor se acalme.

— Não, eu não quero falar nada agora! — ela sentiu os olhos se encherem de lágrimas e virou de costas na mesma hora, tentando escondê-los. Passou as mãos com força pelo rosto e sentou agarrando os joelhos junto ao corpo, ainda irritada pela presença dele naquele momento.

Kurama notou as lágrimas, mas achou melhor não mencionar. Não sabia o que tinha acontecido, mas sabia que não conseguiria falar com ela naquele estado. Apesar da atitude agressiva, Kiki estava diferente da noite anterior. Parecia frágil, prestes a desmoronar. Por alguma razão, ele não conseguiu ir embora.

— Tudo bem se eu sentar aqui?

Ele se aproximou e sentou ao lado dela, evitando encará-la. Não queria invadir seu espaço.

— Eu não quero conversar!

— Tudo bem — ele respondeu, ainda sem olhar diretamente a ela. Ficou em silêncio admirando a paisagem, dando tempo para ela se acalmar.

Ela olhou pelo canto do olho, prestes a explodir mais uma vez, mas acabou reprimindo a vontade. Ele olhava para a frente, imóvel, e ela preferiu não falar nada. Os olhos ainda estavam vermelhos por terem sido esfregados com força para conter as lágrimas e ela temeu atrair ainda mais a atenção dele.

Decidiu simplesmente ignora-lo, apesar de aquilo ser tão difícil. A presença dele a deixava inquieta, quase como se ele pudesse compartilhar tudo que se passava em sua cabeça.

Ficaram sentados lado a lado, por um longo período de silêncio. Continuaram assim enquanto assistiam o dia se esvair em um por de sol que avermelhou o horizonte, e enquanto Kurama acompanhou Kiki de volta para a casa, sem trocar palavras ou olhares. Se despediriam também em silêncio, não fosse pela voz da menina, que declarou:

— Amanhã. Ok?

Kurama assentiu, satisfeito. Ela ainda não sabia, mas naquela tarde ele havia aprendido mais sobre ela do que em qualquer outra conversa.


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Notas finais do capítulo

Não sei se vai sair romance ou algo assim, vamos ver onde isso vai dar!