A conspiração escarlate escrita por Drafter


Capítulo 45
Destino


Notas iniciais do capítulo

Opa, olha quem chegou! =D

Desculpem por ter sumido mês passado... acho que subestimei dezembro. O fim d ano foi super corrido, mais do que eu esperava! Enfim, enjoy!



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Koenma permaneceu em silêncio enquanto Botan acrescentava fatos à sua narrativa. A guia falava rápido e gesticulava na mesma medida, tendo certa dificuldade em manter a voz baixa nos momentos mais tensos do relato. Koenma, no entanto, não prestava atenção nos gestos exagerados ou nas oscilações de volume na fala da guia. Atentava-se apenas às palavras.

Um leve tremor no canto do olho acompanhou seu silêncio. A sombra de Kai se projetava timidamente dentro da cela, a uma distância em que era difícil saber se o cadete estava meramente preocupado em vigiar o complexo prisional ou se havia algum interesse em ouvir a história. A ajuda do jovem oficial foi aceita sem cobrar explicações, e Kai também não se ofereceu para justificar suas motivações. Naquele momento crítico, ninguém as julgou necessárias.

— O que vamos fazer? — Botan perguntou, quase emendando a pergunta com o fim de seu relato (que recapitulou desde o roubo das relíquias até o mais recente ataque de Bozukan).

O som morreu no ambiente logo em seguida. Koenma não respondeu de imediato, e a guia aguardou, seus olhos cor de violeta igualmente vacilantes.

— Eu sei que Kurama não devia ter rouba-

— Isso é irrelevante agora — Koenma falou, impedindo Botan de continuar. Preferia não entrar no mérito de encontrar os culpados daquela situação. Intimamente, sabia que nem mesmo ele próprio sairia ileso se decidisse mergulhar naquela questão — Primeiro temos que sair daqui.

Ele se dirigiu para a porta da cela, mas não chegou a dar nem dois passos antes de interromper a curta caminhada. Ficou por alguns segundos parado, suspenso nos próprios pensamentos e sob o olhar atento de Botan.

— A General Ayaka... ela ainda não sabe disso, não é? — ele perguntou.

— Eu... não sei... — Botan balbuciou — A última notícia que tive dela foi quando ela estava indo ao Ningenkai com uma equipe para fechar as barreiras ainda abertas...

Koenma virou ligeiramente o rosto, sem, no entanto, conseguir focar em nada. Pequenas rugas de expressão surgiram em sua testa.

— Mas os meninos, Kurama, Yusuke, eles vão nos ajudar — Botan desatou a falar novamente, atropelando as palavras — Vão derrotar Liu, vão recuperar as relíquias, eu sei que eles não iriam nos abandonar, Kurama disse que viria, ele disse que...

— Botan — Koenma a interrompeu novamente. A voz firme, mas ao mesmo tempo, frágil — Eles não podem nos ajudar.

— Mas...

— Vamos ter sorte se ao menos conseguirem derrotar Bozukan.

— N-não...

— Vamos ter sorte se ao menos eles continuarem vivos.

Botan abriu os lábios novamente, hesitantes, mas dessa vez não conseguiu formar nenhuma palavra. Por um segundo, o silêncio se afundou de novo entre os dois.

— Temos que fazer isso sozinhos, Botan.

Koenma se virou novamente para a porta da cela, evitando encontrar os olhos da guia. Sabia que estariam petrificados e gostaria de ao menos conseguir oferecer algum suporte, um pouco de confiança a que ela pudesse se agarrar. Mas como poderia fazer isso se ele próprio tinha suas dúvidas?

E a solidão que antes somente o rondava finalmente se instalou em seu interior.

(...)

Eles estavam no escuro novamente, com apenas o som de suas respirações para os guiarem. O cheiro de decomposição voltou ainda mais forte assim que o sentido da visão foi prejudicado, mas era tão indiferente que era como se viesse de seus próprios corpos machucados e já fizesse parte de seus olfatos.

Nenhum deles também ousava proferir nem ao menos uma sílaba, com medo de que mesmo uma minúscula fração de segundo pudesse comprometer a atenção apurada que desenvolviam naquele instante.

Kiki chegou a fechar os olhos algumas vezes para tentar se adaptar à escuridão, mas percebeu que era perda de tempo. Não porque suas pupilas não haviam dilatado o bastante para lhe permitir visualizar as formas na sombra, mas porque percebia que era inútil querer confiar em seus olhos quando podia enxergar muito mais com seus outros sentidos.

Ela podia ouvir seu próprio coração batendo em seu ouvido e conseguia distinguir nitidamente a energia de seus companheiros. Eram fortes, ameaçadoras, mas de certa, forma, reconfortantes. Incrivelmente diferentes uma das outras, apesar da semelhança na essência. Tão únicas quanto uma impressão digital.

O que a deixava receosa, na verdade, era a energia maligna de Bozukan — a única que ela não conseguia perceber de jeito algum, por mais que se esforçasse.

Kiki apertou ainda mais os dedos fechados da mão, sentindo o sangue quase seco grudando na pele. Ela mordiscava a parte interna dos lábios inconscientemente enquanto tentava se manter quieta até que algo chamou sua atenção.

Uma ligeira, e ainda assim brusca mudança na atmosfera. Ela não compreendeu prontamente o motivo daquilo, mas foram seus instintos que a compeliram a se mover também, seguindo o fluxo que parecia se deslocar.

Quando saltou para o lado e agachou ela entendeu que os cinco agora estavam dispersos. Era a agitação dos outro quatro que criava a turbulência que havia sentido imediatamente antes de sua ação. A aura de Bozukan também viera à tona, agora bem mais forte do que sentira antes, ao lutar com uma de suas cópias momentos atrás. Não apenas isso; era devastadora, opressora. De tal forma que inundou os seus sentidos e ela se viu paralisada, a mente se agitando em sensações desconexas enquanto o corpo estagnava.

Um cheiro de queimado chegou até ela, pungente o bastante para tirá-la da inércia. Kiki se levantou com pressa e recuou, ainda incerta em como reagir. Na sua frente, ela podia sentir os vultos dos amigos se deslocando de um lado para o outro — com uma rapidez tamanha que mesmo à luz do dia seriam invisíveis. Bozukan, por sua vez, era impossível de ter a localização determinada. Era como se estivesse em toda parte.

Ela sabia que não teria a velocidade dos companheiros, muito menos sua força, mas a determinação bloqueava a racionalidade de se afastar daquele campo de batalha e buscar abrigo. Naqueles poucos segundos ela soube que quanto mais hesitasse, mais se arrependeria. E, por isso, mesmo sem saber ao certo como, ela avançou.

(...)

— Por aqui — Kai falou, guiando Botan e Koenma pelos corredores do Centro de Detenção.

Botan relutou a seguir a ordem imediatamente, e lançou um olhar interrogativo para Koenma, que apenas respondeu com um breve aceno de cabeça. Ele esperou que a guia começasse a andar para seguir depois dela, ambos alguns passos atrás do cadete.

— Ele está do nosso lado? — ela cochichou.

Koenma continuou caminhando sem alterar o passo ou se virar para Botan. Fitou com o olhar sério a figura do jovem oficial na sua frente por alguns segundos. Ele também já tinha se feito essa pergunta. Não era a exata mesma pergunta que se fizera quando Liu o ofereceu ajuda pela primeira vez semanas atrás? Ou teriam sido meses? Tudo parecia tão distante agora.

— Ainda é cedo para dizer — Foi sua resposta.

Botan não pareceu ter gostado do que ouviu, mas seguiu em silêncio a seu lado, pousando discretamente a mão no ombro de Koenma. Ele não soube dizer quem estava reconfortando quem.

Ao chegarem no fim do longo corredor de celas, o eco das pesadas botas de Kai se silenciou. O cadete ergueu a mão, sinalizando para que os outros dois também aguardassem. Ele se dirigiu para o exterior do complexo, a postura rija como um oficial em missão. Olhou para ambos os lados, o olhar arguto e o semblante sério. Quando se voltou novamente para Koenma e Botan, o rosto já tinha desfeito a rigidez inicial. Estava quase totalmente transformado, com o mesmo olhar vacilante com que ele havia encarado Koenma ao abordá-lo no corredor e ao deixá-lo na cela.

Era quase como se aqueles pequenos atos de rebeldia contra as ordens que havia recebido fossem extremamente penosos.

— Não posso seguir com o senhor… — ele falou, a voz morrendo devagar.

Botan se adiantou. Segurou as mãos do cadete entre as suas e as ergueu na altura do peito, tomando o oficial de surpresa.

— Obrigada, Kai — disse — O Mundo Espiritual não vai esquecer da sua ajuda.

Kai abriu a boca e gaguejou algumas palavras, sem conseguir esconder o quanto ele não esperava por aquilo. Em seguida, sacudiu a cabeça, como se tivesse acabado de acordar. Soltou as mãos que estavam presas com a guia e fechou a boca ainda semi-aberta, recompondo a seriedade de antes.

— Eu não estou fazendo isso pelo Rei Enma — ele disse — O Reikai precisa de mudanças. Só não concordo com os métodos do Comandante.

Koenma sabia que Kai esperava que ele mostrasse alguma reação, que respondesse de alguma forma. Mas Koenma nada fez. Apenas o encarou com uma expressão neutra, branda quase.

— Eu sei que muitos concordam comigo — o cadete continuou, o olhar um pouco mais confiante — Mas não têm coragem de se voltar contra o Comandante Liu. A ordem de execução expedida pelo Rei só os deixou mais inconformados. Nós temos lealdade para com o Reikai, mas mais ainda para com o Esquadrão.

— E por que está me ajudando? — Koenma enfim perguntou — Esqueceu que sou filho de Enma? E se eu decidisse apoiar meu pai?

Botan, que até então continuava com sua atenção voltada para Kai, de repente se voltou para Koenma.

— Não esqueci — o oficial respondeu — E admito que não compreendo sua amizade com alguns youkais. Mas você não é seu pai.

A última frase repercutiu dentro de Koenma como um eco que reverbera dentro de um túnel, se multiplicando para aos poucos sumir. A diferença era que aquelas palavras, ao invés de dissiparem, dilatavam.

Não, ele não era seu pai. Já vinha buscando sua independência há um tempo, e já ousara o enfrentar em alguns momentos. Mas ele sabia que agora seria preciso mais do que mera ousadia se quisesse seguir adiante.

Koenma jogou a chupeta para o canto da boca, pensando em uma boa resposta. Botan permanecia estática com a cena. Kai ainda o fitava.

— Você sabe onde Liu está? — ele perguntou.

— O comandante está no Palácio — Kai respondeu. Hesitou por um instante antes de continuar — Se o Rei resistir, o plano era usar o senhor para forçá-lo a renunciar. E conhecendo o Rei…

O cadete parou de falar, hesitando novamente.

— E conhecendo o Rei, ele não vai ceder às chantagens de Liu — Koenma completou — Então ele está vindo por mim.

Botan soltou uma exclamação de assombro enquanto os outros dois permaneciam imóveis. Kai não confirmou nem negou aquela suposição, mas não seria preciso. Koenma já sabia que estava certo. Assim como já sabia o que deveria fazer.

— Leve Botan para um lugar seguro — ele pediu.

Começou a caminhar sem mais olhar para nenhum dos dois, se aproximando da saída do Centro de Detenção. Segurava as mãos atrás das costas e tinha um olhar resignado de quem encontra a solução amarga para um problema mais amargo ainda.

— Koenma, espere! — Botan gritou, chegando a dar um passo em direção a ele — Onde o senhor está indo?

Koenma parou, mas permaneceu olhando para frente, deixando Kai e Botan atônitos atrás de si.

— Liu não está me procurando? Então vou encontrá-lo.

Saiu sem ouvir o resto das súplicas de Botan.

(...)

Kiki caiu pela quarta vez, agora causando um impacto ainda maior contra a parede. Tinha quase certeza que o punho esquerdo estava torcido, mas ela não perdeu muito tempo pensando nisso. Teria sorte se estivesse certa — a adrenalina a impedia de sentir as dores excruciantes do osso quebrado do braço e dos edemas que formavam na perna e outras partes do corpo. Até os cortes profundos e a perda de sangue eram ignorados, e ela lutava contra a tontura insistente que sentia todas as vezes em que era jogada para o lado como um boneco de pano.

Levantou novamente, passando as costas da mão no rosto para secar as gotas que se formavam — e que ela não sabia se eram de sangue ou de lágrimas.

Ela continuava pois sabia que não era a única a cair. Sabia que os outro quatro também apanhavam brutalmente e igualmente insistiam em levantar. Sabia que o sangue dos cinco já havia se misturado na terra seca que formava aquela câmara subterrânea macabra e sombria.

Mesmo naqueles poucos minutos de batalha já tinha presenciado golpes que a fizeram se perguntar como alguém conseguiria sair vivo daquela violência. E no entanto, eles sempre saiam. Um a um levantavam, alguns até mais machucados do que ela — não por serem menos resistentes, mas por arriscarem mais, se aproximarem mais.

Yusuke era o mais próximo dela. Viu quando ele foi jogado para trás, desviando de um golpe que o atingiu mesmo assim. Seus cabelos escuros estavam desgrenhados, um dos olhos fechados pelo inchaço, mas a determinação era exatamente a mesma desde o início.

Os ataques que o garoto atiravam já tinham causado uma onda de destruição, e pareciam tão mortais quanto os do próprio Bozukan. Ainda assim, para o youkai não passavam de meros arranhões. Era inegável que, dentre todos, o demônio era o que melhor mantinha suas condições físicas. E Kiki não sabia até quando o grupo aguentaria.

Ela, pelo menos, não tinha pretensões de sair com vida. O pensamento, em vez de a causar pânico, a tranquilizava. Para ela era muito mais fácil ignorar a defesa e partir para o ataque quando a morte não era mais um medo. Chegou até mesmo a achar que a ideia lhe fortalecera; que, em vez de esmorecer cada vez que caía, ela voltava mais forte.

Já conseguia distinguir um pouco melhor o movimento dos demais, algo que no começo lhe parecia impossível. Enxergava com alguma precisão os saltos absurdamente altos que Hiei dava antes de mergulhar com o braço em chamas na direção do inimigo. E, com surpresa, via como Bozukan parecia ter pouca ou quase nenhuma dificuldade em aparar tais ataques.

E quando Hiei congelou por um segundo no chão antes de partir novamente para a ofensiva, ela também pode ver que seu corpo igualmente sofria com aquela batalha aparentemente sem fim.

Kiki se preparou novamente para atacar, mesmo sabendo que não produziria nem cócegas no youkai. Sua esperança naquele ponto era conseguir distraí-lo por meio segundo que fosse para que qualquer um dos outro quatro pudesse produzir alguma espécie de dano em Bozukan.

No entanto, ao ir para frente, foi puxada para trás. Um pouco zonza, achou que tinha sido atacada de novo. Mas fora apenas Kurama a segurando pelo braço.

Ele estava tão machucado quanto qualquer um deles, com enormes marcas escuras pelo peito e antebraços. Parecia sem ar e, se estivessem à luz do sol, Kiki teria visto como seus olhos verdes agora estavam opacos.

A garota nada falou. Apenas olhou sem emoção para ele, esperando pela justificativa daquele gesto. Não sabia se aquela era a ideia dele de uma despedida, não sabia se era novamente sua mania de se preocupar com ela. Não sabia e isso não fez importância. Ela apenas o encarou.

— Não acabe com toda a sua energia — ele falou, um pouco rouco, a voz abafada, mas totalmente inteligível.

Kiki arqueou as sobrancelhas, sem compreender. Abriu a boca para produzir algum ruído de dúvida, mas a resposta logo veio.

— Nós vamos precisar dela.


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