A última canção escrita por Maíra Viana


Capítulo 1
Capítulo único


Notas iniciais do capítulo

Vamos, vamos! Sente-se que já venho servir o café. Enquanto não volto, que tal ler o capítulo?



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/652285/chapter/1

Todos os dias, ao anoitecer, ela colocava o seu vestido mais bonito, prendia os cabelos e ia para a sala de sua casa. Era cautelosa, tirava os sapatos para que a madeira não rangesse, e evitava acessórios barulhentos. Não queria acordar seus pais.

Gostava da sala de estar porque fora ali que, em uma noite de insônia, recebeu a visita do seu amor. A roupa era elegante, olhos intensos e sorriso provocador. Ela logo se pronunciou:

– Desculpe, não sei onde estou com a cabeça! Sente-se, por favor!

E o seu amor se aconchegou no sofá, rodeado por almofadas. Não reparou nas velharias ou no cheiro de mofo que a casa continha; só conseguia prestar atenção nas mãos trêmulas de nervosismo dela. Achou engraçado, e, ao mesmo tempo, adorável. Ainda era uma menina.

E foi nesse dia que o seu amor parou de ser somente um visitante e passou a morar em seu coração. Eles conversavam por muito tempo, falavam sobre tudo. As cidades que queriam conhecer, contavam piadas que não eram engraçadas, planejavam sonhos, dividiam angústias.

Quando chegava o momento de partir, ele sempre pedia:

– Toca uma música?

Na primeira vez, ela arregalou os olhos, confusa, e negou.

– Meus pais vão escutar.

Ele segurou o seu queixo e a fez olhá-lo. Havia uma adrenalina no corpo dela, um fogo dentro dele. Foram prudentes dessa vez.

– Você confia em mim?

Deram um suspiro longo que quase durou a eternidade.

– Mais do que em mim mesma.

Ele sorriu, satisfeito.

– Então toque. – ela não estava tentando se enganar, bem sabia que os pais escutariam. Mas sentou-se no banco preto acolchoado, soprou as teclas tirando a poeira e tocou.

Ficou assim por meia hora, e mais meia hora no dia seguinte, e no outro. Seus pais nunca acordaram, nunca descobriram nada sobre as perguntas audaciosas que eram feitas, a troca de olhares fervorosa, a mudança de menina para mulher.

Depois que longos meses se passaram, chegou finalmente, o seu aniversário. Usava um vestido longo e azul, um coque nos cabelos, e para agradá-lo, quis se enfeitar um pouco mais. Colocou brincos de brilhante, bem pequenos, mas que refletiam a luz do luar que entrava pela janela.

– Hoje faço quinze anos.

– Eu sei e trouxe-lhe um presente.

Ela sorriu com aquele ar sapeca.

– Gostaria de tomar um chá, antes de me entregar o presente? – ele recusou com a cabeça. Não podia demorar tanto para mostrar-lhe a surpresa.

– Hoje, quero ouvir algo especial.

Ela assentiu de imediato. Colocou os fios rebeldes atrás das orelhas, ajeitou o vestido e posicionou os dedos nas teclas brancas e pretas do piano. Estava tocando uma música do Brian Crain, chamada Wind.

Fechou os olhos, sentindo a música tocar-lhe no mais profundo que havia em si. As lágrimas que escorriam pelo seu rosto, caiam sobre seus dedos e lavava sua tristeza. Ele a segurou de leve por trás, pois não precisava de esforço, ela já estava entregue.

– Me leva com você essa noite. – ela pedia quase em prantos. A ideia de imaginar-se longe de tudo, era mais do que tentadora. Era escapatória.

– Levo-a, meu amor. – e abaixou-se para dar-lhe a surpresa. A garota havia acabado de tocar a música, agora, só restava o gosto amargo do beijo da morte.

Aquela foi a última canção. E foi a canção mais bela que havia tocado.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Música citada: https://www.youtube.com/watch?v=ymWfl86Mybg

Nossa, já leu? Deu o tempo certinho de eu voltar então! Me conta o que achou do conto que eu estou servindo o café. Com ou sem açúcar?



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A última canção" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.