Scribbled Lines escrita por Perséfone Black


Capítulo 1
Parte I


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal.
Essa é uma fanfic antiga que resolvi repostar no Nyah.
Espero que curtam.



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Scribbled Lines

Linhas Rabiscadas

- Parte I -

Se ao menos tivesse me dito não. Se tivesse me parado, talvez — e apenas talvez — eu não estivesse a escrever-te estes rabiscos incoerentes dignos de alguém completamente insano. Percebo que esta palavra me descreve bem agora. Estou mais velho, mais fraco, mais irracional. A cada dia que passa estou mais perto da morte. Quantos dias se passaram? Já não consigo acompanhar a passagem do tempo. Perdi­-me totalmente nele.

Penso estar desperdiçando as horas de uma maneira descontrolada, mas o tempo para mim já se tornou irrelevante. Eu existo apenas para juntar pedaços de memórias num dia monótono, deixando as horas passarem desgovernadas por mim sem nem dar­-me conta de sua passagem.

Eu estou perdendo a noção da realidade. Vejo apenas... Borrões do que já foi meu. Como lembranças aleatórias num espelho partido em milhares de pedaços. Incrivelmente, em todas elas está você. Imagens suas encarando-­me como milhares de olhos. E você está por toda a parte desta minha vida cretina que, sinceramente, já não serve para nada.

Você é jovem e a vida é longa para ti, não devia dar-se ao trabalho de ler estas poucas palavras rabiscadas num pergaminho de quinta e com tinta de pior qualidade. Mas é tudo do que eles dispõem aqui. Não faço queixa, não há nenhum pergaminho ou tinta que tornem melhores palavras vãs de alguém à beira da morte.

É, eu vou morrer. Eu sei. Você sabe. Todos sabem. Tenho até data e horário marcado para me entregar aos braços da paz eterna. Tremenda mentira, se quer saber. Nunca terei paz.

Você provavelmente pensará em diversos argumentos estúpidos e utópicos, que, na realidade, não fazem o menor sentido dentro destas quatro paredes. Eu te digo porquê.

Não sabemos o que se passa aí fora. Somos apenas almas condenadas ao sofrimento eterno. Saber que a pessoa ao lado vai morrer também só colabora para aumentar a sua loucura, que parece estar mais perto da plenitude a cada dia.

Nem sabemos se é dia, para falar a verdade. Contamos a passagem do tempo baseadas nas parcas refeições que recebemos duas vezes. Só quem repara nisso são aqueles que não enlouqueceram ao ponto de esquecerem de comer e implorar pela morte.

Assim sendo, te asseguro que nenhum argumento funcionará nesta prisão. Não adianta convencer alguém de que vale a pena lutar se tudo o que ele ganhou ao fazê-­lo foi um uniforme listrado com um número no bolso.

Eu apenas desejo que esteja chovendo agora. Poderia perguntar, mas as únicas companhias que temos são seres sem alma, literalmente. Logo, só posso ter esperanças de que gotas de água caiam do céu tempestuoso enquanto escrevo.

Porque a tempestade me lembra você. E você é a única coisa que me resta.

Um nevoeiro de lembranças suas me assola com intensidade sem igual. É apenas delas de que tenho vivido ultimamente. Elas me impedem de pegar uma pedra pontiaguda e pressioná-­la contra meus pulsos agora mesmo.

Eu consigo recordar com riqueza de detalhes do dia em que a vi debaixo de uma frondosa árvore próxima ao Lago Negro. Eu lembro porque chovia naquela noite. Tão forte e intensamente que dava a impressão de que o céu resolvera lavar todas as desgraças do mundo de uma só vez, noutro enorme dilúvio.

Lembro-­me que era minha noite de ronda e estava com tanta raiva por perder a festa no salão comunal que puniria qualquer pessoa fora da cama àquela hora da madrugada. E te encontrei. Sozinha. Perdida. E com lágrimas nos olhos.

Aproximei­-me sem dar importância a chuva que me castigava. Apontei a varinha e perguntei o porquê de estar ali. Estavas tão alheia que só veio perceber minha presença depois que gritei. Mirou­-me com olhos vermelhos e quase tão insanos quanto me encontro hoje.

Dei-­te uma detenção e, de tão parva que estava, nem reclamou. Saiu em silêncio. Apenas acenou com a cabeça e partiu para dentro do castelo. Nunca entendi o olhar que me lançou. Até hoje me pergunto o que se passava contigo que de tão intenso chegava a transbordar.

Nunca esqueci teus olhos.

No outro dia, me procuraste. Não pude deixar de reparar em teus olhos vermelhos. Mas vieste até mim com tanta firmeza que não fiz a pergunta que martelava em minha mente desde o dia anterior. Querias saber da detenção. Resolvi monitorar eu mesmo tua punição. Não foi tão ruim. Recebida a tarefa e entregada a varinha, ficaste tão quieta e calada quanto qualquer troféu que limpava.

Foi aí que passei a reparar mais em ti. Tu eras intensa. Em todos os sentidos. Ia da alegria a tristeza em segundos e lutava para que ninguém realmente reparasse nisso. Mas eu... Eu estava fascinado. Não havia melhor palavra para descrever minha obsessão ao descobrir a miríade de emoções que transparecia por seus olhos.

Talvez fosse a Guerra iminente e seus efeitos catastróficos pesando sobre você. Ou talvez fossem os exames finais. Ou, quem sabe, ainda pudesse ser o lerdo do Weasley. Nunca soube, realmente.

Quiçá eu não tivesse tempo para mais conjecturas. Uma marca pairava na pele de meu pulso esquerdo — e é por ela que estou sendo punido agora. Lembro­-me de ter sumido da escola por uns tempos e com isso freado inesperadamente minha recente fascinação. Ironicamente, a única que havia percebido foi você.

Rio sem esperanças agora. O que eu não daria para que não houvesse me visto ao retornar daquela missão! Eu poderia dar tudo para que tivesse me dito não inúmeras vezes durante o curto espaço de tempo em que ficamos "juntos". Não há como voltar atrás, certo?

Eu só posso voltar atrás tendo como instrumento minha memória, que não me permite esquecer. Não sei se é bom ou ruim, mas sei que ela me mantém aqui — por enquanto, me traz outra lembrança tua. A primeira vez em disseste sim, mesmo que eu não tivesse te pedido nada.

A cena chega aos meus olhos com nitidez, como se refletida num enorme espelho. Eu voltava de uma missão. As mãos sujas de sangue e um fardo demasiado pesado sobre os ombros caídos. Esgueirava­-me pelos corredores, não podia deixar ninguém ver-me naquele estado lamentável. Para a minha (in)felicidade, era sua noite de ronda e não estava tarde o suficiente. Xinguei­-me em pensamentos.

Você veio até mim com expressão de dó na face que eu detesto. Não era digno de pena naquele momento — agora, entretanto, não posso dizer o mesmo. Você se colocou em baixo do meu braço, servindo-­me de muleta. Quis sair, correr ou empurrar­-lhe. Mas não tinha forças e isso acabava comigo e com meu inflado ego. Não sei o que fizeste comigo, sinceramente. Antes de chegar à sala precisa, eu havia desmaiado. Sem força nenhuma para manter os olhos abertos.

Acordei após um sono agitado e a encontrei encolhida sobre uma poltrona negra ao lado da cama. Estava com as pernas dobradas e os braços ao redor delas. O rosto na melhor posição que encontraste apoiado no encosto aveludado. Um grosso cobertor te envolvia, de modo que eu só pudesse ver seu rosto.

Tão sublime. Tão em paz.

Eu tive inveja. Pura e perversa inveja.

Observando-­a sem nada que turvasse meu julgamento, eu vi o quão boa você era. E te odiei por isso. Você tinha amigos, família e uma causa pela qual lutar. Eu não tinha — e continuo sem ter — absolutamente nada. Naquele momento, eu percebi que jamais seria digno de nada na vida, porque seria injusto que pessoas como você deixassem de ter o que quer que fosse em prol de pessoas como eu.

Sabe por quê? Sabe a diferença?

Porque há fogo em teus olhos. Há paixão, há intensidade, há verdade. Eu olhava em teus olhos e via neles algo tão profundo, tão arraigado, que Guerra nenhuma seria capaz de destruir. Havia um brilho tão intenso que eu soube não haver outro vencedor para aquela Guerra senão você.

Porque nos olhos do inimigo havia, acima de tudo, medo. Medo de passar por este mundo sem deixar sua marca, medo da morte. E em teus olhos eu via que serias capaz de morrer na certeza que tua ida ajudaria a criar um mundo melhor. E essa certeza fazia toda a diferença.

E eu? A mim resta apenas esta cela que habito há alguns meses. Porque nunca houve fogo em meus olhos. Apenas frio. E dor. Talvez por ser tão diferente eu nunca esqueci os teus. Escrevo na esperança de que este brilho não tenha se esvaído junto com a minha pouca lucidez.

Não sei se estarei aqui quando receberes esta carta. Há tantas outras rascunhadas nas paredes... Fico a pensar se estas barras de ferro que me aprisionam são capazes de manter em cárcere também a minha alma. Ela já não vale muito. Está desgastada pelos percalços dolorosos do destino. Velha e acabada como qualquer outra ao meu redor. Ela logo não estará aqui, de modo que não faz realmente muita diferença.

Rio fraco. Dementadores me cercam. Mal sabem que não tenho muito a ofertar. Nem a eles, nem a ninguém. Riquezas materiais não são de muita importância por aqui. De qualquer modo, não posso tocar na maioria delas. Apenas um velho cofre de minha finada mãe, que ela manteve escondido de todos por esses anos.

Paro e vejo o que me tornei. De aluno mimado e comensal importante a um prisioneiro sem nenhuma regalia. Trágico, não? De qualquer maneira, logo acaba. Ao contrário de ti. Tens anos e mais anos pela frente. Uma carreira firmada no Ministério e uma futura família com um marido. Um homem que te ame como não fui capaz e que te proteja como tentei fazer uma vez.

Dizem que quando estamos perto do fim, paramos para pensar no início. No princípio de tudo. É curioso como às vezes nós estamos submetidos a uma rota de colisão e não sabemos.

Em algum lugar nas montanhas, Voldemort planejava um ataque à casa dos Weasley. Naquele mesmo instante, talvez estivesses embarcando no Expresso para as férias de fim de ano. Enquanto isso, Snape ouvia cada palavra saída daquela boca imunda. No dia seguinte, ele saía para repassá-­las a Ordem, no exato instante em que eu descia as escadas. Então, enquanto ele discutia comigo, você abria seus presentes na manhã de natal. E Voldemort planejava um ataque. À noite, você se arrumava. E eu também. A Ordem se preparava. Então, os Comensais atacaram.

Se eles tivessem saído um pouco mais cedo, talvez eu não soubesse do ataque. Talvez se você houvesse se atrasado como uma garota normal, eles não tivessem se dado conta de sua presença. Mas estas são apenas ilusões. Porque você desceu na hora marcada, assim como os comensais. Então, eles a capturaram. Ah, como é doloroso lembrá-la amarrada e ferida como eu estava um dia!

Aqui, preso, eu lembro dos momentos agonizantes que passaste nesta mesma situação. E isso me corrói como um ácido forte derramado aos litros sobre minha carne. Porque, de algum jeito, era errado que estivesse ali. O fogo em seus olhos era demasiado perigoso em contado com o medo dos seus carrascos. Como uma faísca em contato com gasolina: explosivo. Lembro­-me que fui nomeado para vigiar sua cela. Afinal, eu não gosto de ter dívidas com ninguém. Havia me ajudado uma vez. Eu não esqueci. E precisava, de qualquer forma, fazer o mesmo. Do contrário, estaria eternamente preso a ti. O que não faz muita diferença, pois continuo preso a ti do mesmo jeito.

Naqueles monótonos dias, garanti para que não fostes torturada. Ou maculada de qualquer jeito. Não tocaram em ti em minha ausência, não é? Por favor, minta para mim. Não ouse pôr mais peso em minhas costas. Elas estão fracas, já não aguentariam. Minta-­me. Diga­-me o que não é verdade. Deixe-­me partir com a ilusão de que servi ao menos para protegê­-la por poucos dias.

Então, sua preciosa Ordem atacou a fortaleza. Eu ouvi os estrondos e corri para libertá­-la. Eles jamais te encontrariam onde estavas. Talvez com tantas mortes saísse dali morta também. Eu não suportaria. Se morresses, eu morreria também. No mundo mágico dívidas são levadas a sério. E eu tinha uma dívida contigo. Se alguma das partes, por qualquer motivo, acabasse morta, a outra também entra num caixão.

No mais, eu te libertei. Acabaria por morrer ali se não o fizesse. Então, acho que servi ao menos para isso. Salvar sua vida enquanto estive em meu território. Assim como me ajudou uma vez. Estávamos quites.

Não reclame comigo. Eu não o fiz por você. Fiz por mim. Mas não nego. Sempre fui egoísta — e morrerei assim. Não invento desculpas ou justificativas. Não gosto de dividir o que considero meu, ponto. Por isso eu não gostei quando foi com o Weasley no Baile de Gala da formatura, depois da Guerra.

Ele é tão imbecil para você! Como pode amar aquela lerdeza? Ele é tão... Tapado! Só o que sabe é voar em cima de Cleansweep e jogar xadrez! O que ele pode te oferecer além do posto de namorada de jogador famoso? Rio sem vontade. O que posso te oferecer além de uma alma pobre e um corpo machucado?

Eu lembro com clareza daquele dia. Raramente existiam bailes em Hogwarts, mas aquele era especial. Marcava não somente a formatura de quatro turmas, mas o fim de uma era de Guerra. Por isso, a escola estava mais enfeitada que o normal. Estrelas brilhantes do céu noturno estavam às vistas dos alunos através de um poderoso feitiço de ilusão. Enormes mesas de comidas e bebidas a disposição de todos. Um enorme lustre de cristal pendia do teto, brilhante e majestoso, que parecia refletir a luz do luar e das estrelas, dando um ar de Contos de Fadas a ocasião.

Você brilhava mais que todas as estrelas juntas. Seu vestido era todo talhado em pequenas pedras brilhantes no busto, que iam esmiuçando na saia levemente rodada. Seu cabelo estava preso num penteado elegante, que deixava à mostra a pele alva de seu pescoço. Algumas madeixas insistiam em cair do coque, emoldurando seu rosto. Em seus olhos, aquele mesmo fogo que me fascinou. Eu me escondia de sua beleza estonteante, com medo que caísse em seu método de sedução. O retardado do Weasley estava retardadamente ao seu lado. Mongolóide e idiota como sempre foi, com um baita sorriso imbecil na face.

Então, houve música. Clássica, como sempre apreciou. Você dançou com o tapado do Weasley. Eu fiquei largado em alguma das mesas, tendo uma garrafa de uísque como companhia. Nada me interessava além de você.

Em um giro particularmente longo, seu olhar caiu sobre mim. Eu tenho certeza disso, nunca esqueci seus olhos. O seu olhar era como labareda em minha carne. Eu senti­-me queimar, o coração batendo tão rápido e forte que ameaçava rasgar meu peito e correr a ti — sua dona por direito. Senti meu estômago afundar e a mente nublada, estranhamente leve.

Houve uma troca de pares e o ruivo te largou para buscar bebidas. Você veio até mim outra vez. Sem uma palavra, tirou­-me para dançar. Era a sua música favorita — Sheherazade, de N. Rimsky Korsakov.

Segurei teu corpo contra o meu, querendo sentir em ti a mínima parcela do desejo que me assolava. Eu queria sentí-­la minha, mesmo que por poucos minutos antes da separação final. Não havia palavras para descrever aquele momento, e até hoje elas fogem ao tentar narrar tão sublime dança. Sentir teu corpo contra o meu e seu suspiro me fez alerta de que aquela poderia ser a última vez. Uma última chance de fazer tudo dar certo.

Eu estava plenamente consciente das pessoas ao nosso redor, fora da redoma que a iminente separação fazia ao redor de nós. Eu girei contigo pelo salão, sem importar­-me com mais ninguém. Eu só tinha o que restava de ti, não podia deixar o momento passar como poeira ao vento.

Eu não queria deixá-­la. Queria ser o senhor do tempo, para obrigá­-lo a andar para trás enquanto estivesse comigo. Para alongá­-lo o quanto eu pudesse, o quanto eu aguentasse. Mas eu não era. A música acabou. E você foi embora.

Não sem antes tocar seus lábios nos meus, num gesto que exalava saudade pelo amor não vivido. Beijava-­me como a um amante há muito desejado, com o fervor de quem sabe que aquilo não durará o suficiente. Pois eu nunca teria o suficiente de ti. Aquele beijo deixou em mim não apenas uma lembrança forte, como também uma profunda marca no órgão que quase não pulsa mais sob meu peito magro.

Eu não queria que terminasse. Eu queria que durasse para sempre.

Movido pelo meu desejo insano, eu a tomei nos braços e a levei dali. Não me importei com as pessoas que riam ao nosso redor, aos cacos de vidro nas mãos do ruivo ou a música que havia parado. Queria apenas levá-­la dali e sentí-la minha.

Ganhamos os corredores com velocidade sem igual, parando vez ou outra quando a vontade de sentir teus lábios sobre os meus era sufocante. Você ria e me olhava com adoração. Eu retribuía e beijava­lhe a face, apenas para ver o corar que subia por ela.

Sempre foi bonita envergonhada. Suas faces coram e seus olhos se tornam mais brilhantes, como chocolate derretido. Suas mãos se unem num tique nervoso e seus ombros caem timidamente. Seus pés descrevem circunferências no piso e você morde os lábios.

Eu sei. Prestei atenção em cada detalhe seu. Cada expressão, cada sentimento, cada olhar. E seus lábios eram quase tão fascinantes quanto seus olhos. E você os morde quando está ansiosa, nervosa ou preocupada. Não uma mordidinha qualquer. É precisa, firme e... Convidativa.

Lembrando agora de como me olhaste enquanto estava presa entre a parede e meu corpo, percebo que mordias o lábio inferior. Então, eu descobri uma outra justificativa para este gesto.

Chegamos a Sala Precisa eufóricos e ansiosos. Eu sentia o seu nervosismo em sua negação a olhar­-me nos olhos. Minha paixão me assolava e eu tinha pressa em confirmar o que sentia desde que a encontrei na chuva. Desejei imensamente uma janela, para que pudéssemos ver as gotas que caiam do céu em fúria. E ela apareceu, trazendo como fundo musical o quebrar da tempestade nos terrenos de Hogwarts e, um pouco mais distante, o tinir de água contra água no Lago.

Esse som embalou nossos beijos desgovernados pelo que pareceu um milênio... Um precioso tempo aproveitado no doce sabor de sua boca e no cheiro terreno de sua pele cálida. Eu a beijei com fúria, paixão... Meus lábios reclamavam os seus com desejo e possessão. E você correspondia com igual intensidade.

Logo estávamos sobre os lençóis de seda vermelho da enorme cama. Vermelho como o desejo que queimava em cada poro de meu corpo... Como a paixão intensa que fazia cada gota de sangue meu necessitar sentí-la por inteira. Quão descontrolado eu estava!

Sentir seus lábios em meu pescoço, as mãos pequenas descendo por minhas costas só fez acentuar ainda mais aquela insana necessidade. Eu precisava sentir seu sabor, a maciez de sua pele, o calor de teu corpo... Despi­-te do vestido de baile, só naquele momento reparando na cor... Azul acinzentado.

A cor dos meus olhos, que naquele momento estavam enegrecidos pelo desejo. Você estava ali para mim, e apenas para mim. Seria minha de corpo e alma. Completa e intensamente. E eu seria seu. Para sempre seu.

Logo minhas roupas também estavam no chão. A reação física de nossos anseios separadas pela fina camada das roupas íntimas que ainda usávamos. Olhei em seus olhos em busca de qualquer sinal de dúvidas ou arrependimentos. Só havia uma certeza extremada em se entregar completamente a mim.

Lembro-­me deste momento. E me dói. Eu me recordo de perguntar, com todas as letras, se querias realmente o que aconteceria mais que em breve. Respondeste-­me com tanta firmeza que me senti tolo.

"Sim".

Cada gota de sangue em mim a desejava. Cada célula de meu corpo gritava pelo teu. Logo, éramos um. Eu queria mais daquela sensação inebriante que era te ter por completo. Estava envolto em sensações poderosas quando senti tuas mãos em meu rosto.

Abri meus olhos apenas para ver­te prestes a se entregar as sensações do apogeu. Você parecia querer me dizer alguma coisa, pois seus lábios abriam e fechavam, proferindo gemidos de puro prazer. Nunca esqueci o que me disse ao se abandonar ao êxtase.

"Olhe para mim". Não era preciso, eu só estava consciente da sua presença em meus braços. "Quero que me olhe nos olhos quando eu for sua. Completamente sua".

Não precisei esperar muito, logo se perdeu na plenitude do prazer, gemendo e se entregando a mim. Minha. Sem reservas. Explodindo meu mundo em tons de vermelho e me tornando consciente apenas do teu corpo em total atrito com o meu, me envolvendo em todos os sentidos.

Eu queria que tivesse durado para sempre.

Mas nada dura.

Logo as sensações inebriantes passaram e recuperamos a consciência e o controle de nossos atos. Você partiu e me deixou. Nunca mais você voltou. Lançou-­me um último olhar cheio de pedidos de perdão.

Eu sempre odiei despedidas.

Relembrando agora, eu acredito que esse foi o momento em que deverias ter dito não. Se tivesse dito não, se tivesse me parado... Eu jamais viveria nessa eterna solidão. Sem você. Sem nada. Se tivesse dito não, eu partiria sem o teu sabor em meus lábios e a sensação de tê­-la em meu corpo. Eu continuaria vivendo um inferno, mas sem ter o vislumbre do paraíso que representaste. Naquela noite, eu tive ideia do que seria o meu paraíso. Eu e você, nos amando para sempre. Sem dúvidas, sem reversas.

Mas, cruelmente, isso me foi retirado sem aviso prévio. Como se alguém dissesse "Hei, Draco está feliz! Vamos acabar com isso!". Eu tive um vislumbre do que poderia ter apenas para viver remoendo esta eterna lembrança no meu inferno particular. E dói.

Você foi cruel, insana e, acima de tudo, egoísta! Pois você teria uma vida memorável, sua história nas embalagens de doces, independente do quanto me faria sofrer para isso! É, eu sofri. E não foi pouco! Imagine você ter tudo o que sempre quis, o que sempre sonhou, e isso lhe ser tirado com a maior brutalidade possível. Multiplique por cem. Tem uma ideia do que me fez, agora?

Pela primeira vez na sua incrível vida, agiu por você. Pela primeira vez, pensou em você primeiro que nos outros. Foi egoísta. Mas você nega isso. Você tenta esconder suas atitudes vis atrás de um véu puritano, querendo dar razões nobres a uma atitude reprovável.

Quer saber a verdade? A verdade é que você tem a mania de consertar tudo que é imperfeito. Quer deixar tudo tão perfeito quanto pensa ser.

Você não me ama. Não abra a boca para proferir tal blasfêmia. Você quer me consertar, como tentou consertar a tolice do Weasley e o retardado do Potter. Você quer consertar tudo a sua volta e achou a sua obra prima em mim. Você não me quer pelo que sou, pelo meu caráter ou dinheiro.

Não sou o que você quer. Sou o que você precisa.¹

Um homem solitário, tão egoísta quanto você, sarcástico e arrogante. Uma pessoa defeituosa. Alguém que carrega algo que você tenta consertar mais que tudo: uma marca negra.

Ela ainda está aqui. No mesmo lugar de sempre.

Você lerá esta carta até o fim, porque, mesmo depois de me dar um vislumbre do paraíso, isso não foi o bastante para me fazer mudar. Tornar­-me uma pessoa melhor. Não foi o bastante para me consertar.

Eu sei que estará aqui amanhã, pois esta será sua última chance. Porque eu terei uma solução definitiva para o meu problema temporário — a minha vida inútil. E você terá a sua última chance de me consertar.

Então, só posso dizer que aguardo esta cela ser aberta e eu, conduzido até lá fora. Será no pôr-do-sol. O pequeno espaço de tempo que liga o dia e noite, onde sai o sol e sobe a lua. Uma transição. Onde um cai para o outro poder reinar.

Onde eu morrerei, para você poder viver.

Eu só posso pedir para que esteja chovendo, que as gotas de água caiam do céu enegrecido para quebrarem nos rochedos molhados pelo mar que cerca Azkaban.

Até o pôr-do-sol, Hermione Granger.

Draco Malfoy.


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Notas finais do capítulo

¹ Créditos ao seriado House, M.D. pela frase "Não sou o que você quer. Sou o que você precisa".



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