Ilha de Esme por Edward Cullen da Lua de Mel até a Gravidez escrita por csb


Capítulo 7
CAPÍTULO 07 - INESPERADO




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7. INESPERADO 

 

Saltei pela varanda e larguei em disparada pela praia, na direção oeste, sentindo o vento quente e úmido me abraçar por completo, infiltrando nas tramas do tecido da roupa, tocando gentilmente cada mínimo pedaço de meu corpo, como se eu estivesse mergulhando numa piscina aquecida. Era bom.

Eu gostava de correr, de me sentir livre e ágil, de voar sem tirar os pés do chão. De ser completamente capaz de tudo, munido de sentidos ainda mais acentuados e um instinto extraordinário de auto-preservação que parecia brotar em cada poro de minha pele: a energia da sobrevivência.

Embora silenciosas, minhas pernas se mexiam vorazes; meus pés descalços deixavam pegadas precisas por onde pisavam. Eu não olhava para trás, mas sentia meus dedos afundando a areia, espalhando os grãos ao redor do calcanhar. Os cascalhos eram ásperos e secos, mas de modo algum feriam minha dura carcaça, nem superficialmente.

Em comparação aos outros de minha espécie, eu era rápido. E sabia disso. Ainda assim, forcei meus músculos, lançando-me estrategicamente para frente, calculando o espaçamento ideal entre o corpo e os braços, na tentativa de atingir uma velocidade ainda maior. Pareceu funcionar.

Se eu demorasse muito, Bella poderia acordar e talvez se sentisse insegura ao notar-se sozinha — mesmo se lesse o bilhete que eu tinha deixado, dobradinho, ao lado de seu travesseiro.

Por um segundo, cheguei a rir ao me lembrar de ter endereçado a carta à Sra. Cullen, na parte externa do papel. Bella certamente acharia atraente e eu perderia o espetáculo de suas bochechas corando, acanhadas, mesmo sem ninguém por perto para intimidá-la. Seus mistérios pessoais — ou boa parte deles — já não eram segredos para mim, acostumado com a pureza e inocência, reveladas em seus devaneios noturnos. Ela não gostava, mas isso era inevitável.

Rapidamente, pensamentos e lembranças foram afugentados por minhas urgências inumanas — ambos enjaulados num canto paralelo da mente; de onde ainda funcionavam, de forma bem precária, porém. À medida que meu corpo avançava no sentido da mata nativa, minha garganta queimava, mais e mais, de modo que a sede e necessidade de saciá-la assumiram praticamente todos os espaços do cérebro reservados à concentração.

Eu andava tão “humano” recentemente, que quase havia me esquecido das sensações ativas de um legítimo predador, um vampiro cruel, louco pelo prazer do sangue se espalhando pela boca e, dela, ao resto do organismo; satisfazendo plenamente cada célula, reabastecendo a existência e a força. Acertando tudo em seu devido lugar.

Um calafrio momentâneo perpassou meu corpo quando me choquei à minha própria — e ultimamente inerte —, identidade: o monstro, o assassino, que urravam doentios dentro de mim. De início, tal como duas partes separadas do meu eu.  E depois, feito uma mistura concentrada; uma massa incorruptível. Eu, inteiro; a criatura impiedosa, naturalmente projetada para matar. Meus excelentes hábitos “vegetarianos”, que se mantinham a um custoso e admirável esforço diário, aliviavam a culpa, mas não corrigiam os erros de um passado nebuloso...

Apesar disso, as feridas e as consternações pessoais de nada valiam agora. Porque a sede abrasava tudo, queimava compulsiva... E mais uma vez, restou-me apenas ela...

Corri, forçando os ligamentos musculares, tirando proveito de minhas habilidades; completamente focado. Não havia o cansaço —na verdade, eu nada sabia sobre fadiga, perda de fôlego ou afobação... Se preciso fosse, eu correria ininterruptamente por dias, semanas ou meses...

Mesmo velozes, as imagens passavam límpidas por minhas vistas e eu as enxergava em estupenda nitidez, cada mínimo detalhe separadamente. As moléculas de ar se movimentavam agitadas, espaçadas devido ao calor. Misturadas graciosamente às partículas de sal e areia, gotas de umidade brilhavam aos raios tímidos e levemente inclinados da manhã... Como um pisca-pisca de luzes.

Eu também avistava os montes, bem longe, no continente, onde o emaranhado de árvores verdes e altas, algumas com mais de quarenta metros de altura, se fechavam, construindo um interior sombrio, completamente vedado à luz do sol. E muito abaixo de tudo, envolvendo e protegendo a mata com um abraço gigantesco, estava o mar — o azul reluzente se misturava à branca espuma formada pela fúria da água ao pé da encosta.

Não havia outro jeito: o percurso tinha de ser concluído a nado —, embora essa constatação não fosse um problema para mim. Eu era veloz, no chão ou na água, sem restrições.

Deixei minhas roupas na areia e me lancei violentamente no mar, afundando o corpo a uma altura ótima, à pressão ideal — a facilidade da apnéia descomplicava situações aparentemente complexas; uma de minhas mais interessantes e úteis peculiaridades.

Nadei...

Muito...

Braços e pernas batiam vorazes, espantando tudo o que, de perto, fosse vida: peixes e plantas, crustáceos e moluscos. O colorido era bonito, mas o gosto de iodo e alga em minha boca era ruim — era azedo, mas não me distraía: a sede incendiava...

Subitamente, houve uma forte inversão no sentido da corrente marinha — a sucção, porém, não conseguiu alterar um milímetro de minha direção. A temperatura da água também variou: de fria para gélida. Não me importei. As ondas contínuas passavam sobre mim; pela quantidade de água que deslocavam, não tive dúvida: elas eram gigantes, monstruosos volumes. Ainda assim, os efeitos se assemelhavam a cócegas delicadas em minhas costas — para não dizer que eu nada sentia.

Meu foco era a floresta tropical; somente ela e os diferentes animais — típicos do lugar —, que me aguardavam indefesos e saborosos, sem chance alguma de sobrevivência. Eu já estivera no Brasil outras vezes, e minha garganta pareceu se fechar à simples lembrança da onça-pintada — que certamente disputava, com o leão da montanha, o primeiro lugar em minha lista de presas preferidas. O sabor era quente e picante; inigualável. Suculento, talvez pelo tempero do diferente. Embora fosse difícil elaborar uma boa comparação, eu supunha ser tal como uma típica refeição num lugar estranho, feita com ingredientes raros e saborosos, inexistentes no país de origem...

Foi de repente que minha cabeça transformou-se num buraco vazio. Agora não havia nada ali, nada mesmo, além da sede. Por um bom tempo, nadei em meio a um profundo silêncio mental.

Quando dei por mim, um enorme paredão de pedra se formou a poucos metros de meus olhos submersos e levemente embaçados. Era ali... E eu não podia colidir às rochas. Na medida do possível, eu precisava preservar a natureza... Então, desacelerei com vontade, sentindo na própria carcaça toda a força da reversão, minha cabeça ligeiramente pressionada pelo peso da água; nada considerável.  

Minhas mãos chegaram a tocar as pedras, mas nenhum calhau se quebrou.

Sem perder um segundo, meus pés bateram ferozes na água e me levaram rapidamente à superfície. No momento em que minha cabeça insurgiu na atmosfera, fui inundado dos mais diversos aromas externos. Foi bom.

Completamente rígido e estático à vibração das ondas, fitei o alto, maravilhado. A encosta não devia ser muito elevada, mas dali, de onde eu a enxergava, ela parecia alta o suficiente para que meus olhos não alcançassem o fim. O cume praticamente se fundia ao céu azul esmaltado e brilhava aos raios solares. Uma rara perfeição.

Centrado em meus objetivos, agarrei-me depressa às pedras —fincando firmemente os dedos nas fissuras —, e comecei a escalar como uma aranha. À medida que eu subia o declive, a Ilha de Esme surgia no cenário bem atrás de mim, na direção oposta. Virei o rosto.

Agora, eu podia ver a casa como uma leve pincelada na paisagem. Veio-me a única lembrança que se destacava dentre tantas, pulsando viva e latente, e que não se perderia jamais: ali, em algum cantinho daquele simples borrão, dentro de um quarto silencioso, dormia a outra metade de mim.

Estremeci.

O que Bella pensaria se soubesse onde eu estava nesse exato momento? Certamente ficaria nervosa ou quem sabe, desistisse de vez da transformação. Para um humano, era difícil entender que, naquelas condições, nada de errado aconteceria a um ser naturalmente imortal. E tampouco havia um pingo de adrenalina, por não existir o perigo.

Em menos de um minuto, cheguei ao topo da montanha e logo uma extraordinária e densa floresta se abriu em minha frente; amarronzada e sombria como eu bem suspeitara.

Costurei depressa os caminhos fechados, sem esbarrar em nada, acompanhando perfeitamente o labirinto de galhos e cipós. Novamente, o perfeito equilíbrio entre velocidade e clareza... Enxerguei as nervuras das folhas verdes, seus caules aveludados, a terra condensada e molhada com gotículas de umidade, e até as minúsculas criaturas que habitavam o lugar. Bem acima de mim, em algum lugar do céu, a passarada se agitou em fuga. Eu ainda ouvia as ondas furiosas nas rochas distantes e o vento cortante, balançando com vigor a copa das árvores.

Mas foi um barulho longínquo que me pôs em alerta: o bramido da fera.

Aproximei-me lentamente, guiado pelo som. Meus perfeitos sentidos se acentuaram pela perspectiva da presa. Instintivamente, eu escondia meu corpo atrás dos galhos e pedregulhos enquanto caminhava, pé ante pé, com o silêncio absoluto que me era peculiar.

E então avistei: bem ao fundo, a pelagem amarelada se destacava no verde da folhagem. Era manchada em rosetas dispersas, algumas com pequenos pontos pretos no meio — grande parte do interior, porém, era de um tom dourado, mais escuro que o resto do corpo. Minha memória trabalhou frenética, preparando-me para as características de defesa intrínsecas àquele animal.

Quando o cheiro conhecido e apetitoso inundou minhas narinas, o odor de terra molhada e mato fresco foi completamente abafado. Não existia mais nada. Eu só ansiava o sangue, quente e despejado pelas batidas de um coração molhado e vivo.

Experimentei meus dentes de aço com a língua, armando-os para o bote enquanto meu corpo se posicionava em ataque. Agachei-me, pronto para o impulso necessário ao salto. De tocaia, eu estava completo à caça perfeita.

Aconteceu tão rapidamente que só o que consegui ouvir foram patas correndo inutilmente e meu próprio rosnado, ditando o rumo final. No instante em que o predador encontrou a presa, tudo se completou impecavelmente: um, marcado para a morte; o outro, para a eternidade.

Injusto? Quem sabe... Mas tinha de ser assim.

 

 

Eu estava bem próximo de casa e o coração — que eu praticamente considerava meu —, já batia perfeito em meus ouvidos. Pela cadência de sua respiração, Bella ainda dormia, embora eu tivesse certeza de que ela não estava no quarto, onde eu a deixara antes de sair para caçar.

Os motivos para tanta certeza eram que, primeiro, eu também ouvia o som da televisão — era o mesmo musical que tínhamos visto anteriormente, ou melhor, que tínhamos tentado ver — e, segundo, um cheiro de comida recente pairava no ar. Essas duas verificações me levavam a crer que Bella tivera intervalos no sono e passeara pela casa vazia.

Não fiquei preocupado, nem nervoso. A situação estava, aparentemente, normal. Mas minha desmedida curiosidade me fez correr ainda mais.

Passei silenciosamente pela porta da cozinha e caminhei até a sala, de onde vinham os sons. Quando a vi, adormecida no sofá, braços e pernas confortáveis e o controle remoto preso molemente à mão, mergulhei instantaneamente na alegria profunda: as duas partes de mim estavam juntas novamente.

Com cuidado, deitei-me a seu lado, no chão, e fechei os olhos para curtir meu paraíso interior. Eu estava completamente saciado — livre da sede torturante —, e de volta ao lar, onde a mulher mais perfeita do mundo compunha graciosamente o ambiente para mim.

Senti-me como um pai de família atravessando o portão de casa depois de uma longa viagem a trabalho, ou um filho que regressa ao lar depois de anos de estudo no exterior. Bom, eu havia ficado apenas algumas horas longe de Bella — mas já era muito; e a saudade doía.

Eu compreendia tão bem os laços humanos agora, que, ali, ao lado de minha amada, minha face “monstro” desaparecia por completo, sem deixar rastros de que um dia existira de verdade. Eu gostava disso.

Embriaguei-me do silêncio de minha terna e perfeita realidade... Não me faltava nada. Eu conhecia inteiramente todas as faces do amor que me eram possíveis — de fato, eu nunca tinha pensado que pudesse haver tantas. O amor pela família, o romântico e carnal, e o pelo próprio “eu” — revelado quando descobri meu verdadeiro lugar no universo ao me apaixonar por Bella.

Continuei sorvendo a energia da prosperidade. Lentamente. Deixando a felicidade se espalhar em cada pedacinho do corpo, em cada cantinho de mim...

E assim fiquei.

O que me fez abrir os olhos, depois de longos e incalculáveis minutos, foi o calor que subitamente emergiu do corpo de Bella. Eu havia me esquecido de que o equilíbrio da temperatura de sua pele dependia diretamente de mim; de meu corpo gélido. Com o sol no meio do céu, a casa certamente devia parecer uma sauna para Bella. O calor não nos incomodava — a mim e a minha família — e, por isso, não existia ar condicionado em nenhum dos cômodos. No meio de tantos acertos, tentando transformar a casa em um ambiente humano, eu tivera uma falha terrível...

Ajoelhei-me no chão, reclinando o corpo para tocar sua testa. Fervia.

Deslizei a mão por seus braços e pernas: tudo estava tão quente... 

Ligeiramente, eu a envolvi em um abraço gélido, cuidando para não acordá-la; buscando alguma maneira de tornar seu sono mais confortável.

Mas ao toque de minha pele, mesmo suave como pluma, Bella despertou. Os olhos piscando com rapidez.

— Desculpe. Tanto cuidado que tive! Não pensei em como você ficaria quente sem mim. Terei de instalar um ar-condicionado antes de sair de novo.

Ela permaneceu em silêncio, a expressão indecifrável. Depois seu rosto assumiu uma tonalidade pálida, e foi embranquecendo ainda mais até que gotículas de suor começaram a minar repentinamente na testa e nas têmporas.

— Com licença! — disse ela, lutando para se libertar de meus braços.

Eu a soltei automaticamente.

— Bella?

Mas ela não respondeu. Disparou para o banheiro, com as mãos na boca. Eu a segui, louco de preocupação. Sua saúde estava muito frágil...

Bella se agachou diante a privada e vomitou. Aproximei-me e segurei seus cabelos por trás, mantendo-os longe do rosto.

— Bella? Qual é o problema?

— Droga de frango estragado!

Não disfarcei a tensão em minha voz:

— Você... está bem?

— Estou. É só uma intoxicação alimentar. Você não precisa ver isso. Saia daqui.

Bella só podia estar delirando ao cogitar a hipótese de que eu a abandonaria no banheiro, visivelmente trêmula e indisposta. Será que ela ainda não me conhecia?

— Nem pense nisso, Bella.

— Vá embora — gemeu.

Ela lutou para se levantar sozinha, empurrando meus braços sem sucesso. Eu a conduzi até a pia para que ela limpasse a boca, e depois a carreguei para a cama, onde ela se sentou, escorando-se em meus braços.

— Intoxicação alimentar?

— É — resmungou. — Fiz frango, mas o gosto estava ruim e então joguei fora. Mas antes havia comido uns pedaços...

Lembrei-me do cheiro de comida que eu sentira algumas horas atrás. Embora eu não conhecesse muito bem os alimentos humanos, nada ali me parecera estragado. Não discuti.

— Como se sente agora?

Ela ficou pensativa.

— Bem normal. Na verdade, com um pouco de fome. — E alisou a barriga.

Franzi a testa.

— É bom esperar, amor! Vou pegar um copo com água e quando se sentir bem, bem mesmo, prepararei um lanchinho para você. Fique quietinha aqui.

Pousei os dedos carinhosamente em sua testa; já estava bem mais fria. Eu passava pela soleira da porta quando Bella me chamou:

— Edward?

Virei o pescoço e apenas sorri. Ela continuou:

— Fiquei com saudades... — E fez seu melhor biquinho enlouquecedor.

Sentei-me na cama, controlando os desejos, guardando-os a sete chaves para depois, e inclinei-me para beijar sua bochecha.

— Eu amo você, Bella. Sei que a frase é redundante e que também não é o bastante para expressar tudo o que sinto, como nós bem sabemos. Mas eu amo você. Muito... — Encostei minha testa na dela e fechei os olhos. — Não faz idéia da saudade que senti, que sinto quando estou longe... Você é a minha vida, Bella. E não gosto de dividir minha vida em duas partes, como acontece quando nos separamos.

Seu coração arfou.

— Posso fazer uma pergunta?

— Claro.

— Onde esteve? O que conseguiu caçar?

Recuei.

— Essas respostas terão de ficar para outro momento, amor. Não creio que gostaria de ouvi-las agora, estando com o estômago fraco desse jeito...

— Tudo bem...

— Já volto.

Em menos de um minuto, retornei ao quarto e deitei-me a seu lado. Bella tomou a água com vontade. Depois bocejou e procurou meu corpo, ansiosamente, aconchegando-se espaçosa.

Seus olhos pestanejavam sonolentos. Entre uma e outra cochilada, ela me fitava de esguelha, seu estômago roncando. Ela esperava, inquieta como criança, a hora do lanchinho.

— Amor, estou com fome... — murmurou.

Olhei o relógio em cima da mesinha.

— Bom, já virou uma hora completa. Vou buscar seu lanche, minha lindinha...

E devolveu-me um sorriso.

Rapidamente preparei uma omelete e enchi um copo com refrigerante. Arrumei tudo na bandeja e arranquei duas rosas vermelhas de um dos vasos floridos da cozinha. Pus uma de cada lado do prato e caminhei lentamente em direção ao quarto — eu estava tão “humano” que nem me preocupei em correr dessa vez.

Eu subia as escadas, cantando baixinho, quando ouvi meu telefone chamar. No primeiro instante, fiquei parado; completamente estático no último degrau, sem saber o que fazer.

Eu havia esquecido o celular no quarto, em cima da cama. Ao lado de Bella.

Só podia ser...

E então corri.

Bella estava sentada na cama e olhava a telinha reluzente do telefone com uma expressão confusa no rosto.

— Que estranho... Ligação não identificada.

Deixei a bandeja sobre a pequena mesa e sentei-me a seu lado. Ela esticou o braço com a intenção de me entregar o aparelho. Mas afastei sua mão.

— Atenda, Bella — disse, sem hesitar.

Seus lábios se estreitaram em uma linha intrigante.

— Mas...

— Atenda — repeti. — É Jacob.

Ela franziu o cenho.

— Como sabe? Agora também lê pensamentos que estão a milhares de quilômetros?

Não sorri. Apenas abaixei a cabeça, evitando seu olhar, e murmurei:

— Ele ligou há alguns dias. Queria falar com você, claro, mas ainda era madrugada e...

— Jacob ligou? Há alguns dias? Por que não me disse nada, Edward?

— Estou lhe dizendo agora — respondi, baixinho. O celular em sua mão tocava sem parar. Foi a minha sorte. — Vai deixá-lo esperando?

Ela bufou, fez força para levantar meu queixo e lançou-me um olhar aborrecido. Depois atendeu.

— Alô.

— Bells! — exclamou Jacob, a voz em visível êxtase. Eu podia escutar tudo tão nitidamente...

— Jake! — disse Bella alegremente, esquecendo-se, no mesmo instante, de seu último e desastroso encontro com o cachorro fedorento. Não sei se toda aquela empolgação era uma forma que ela encontrara de externar seu aborrecimento em relação à minha pequena omissão dos fatos. E eu preferia acreditar nisso a pensar que ela ficara realmente feliz em ouvir a voz de Jacob em nossa lua de mel. Argh!

— Ah, Bella... Eu sinto muito. Sou um completo idiota. Nem sei... Eu quase estraguei seu casamento... É só que...

— Tudo bem, Jake — disse ela, lançando um olhar indecifrável para mim.

Inclinei a cabeça outra vez e comecei a cantarolar bem baixinho numa tentativa inútil de me focar em qualquer outra coisa, mas a voz do outro lado da linha continuou ali, passeando livremente em meus ouvidos. 

— Você me perdoa? — insistiu Jacob.

Houve um breve silêncio. Depois Bella começou a rir. Sem parar. Praticamente em gargalhadas...

Eu ficava realmente atordoado com isso: Bella tinha todo um jeito diferente quando falava com Jacob. Parecia mais alegre, espontânea, não sei... Seria eu uma companhia enfadonha? Talvez eu tivesse de rever meus gostos antiquados ou quem sabe meu vocabulário démodé... Cruzei os braços.

— Jake, você é um idiota sem tamanho! Mas tudo bem. Eu gosto assim...

Então era esse o segredo do sucesso: eu precisava treinar minha idiotice. Rosnei baixinho enquanto ele se divertia do outro lado da linha. Bella continuou:

— Como você está? Billy, Sam? Emily? Tem notícias de Charlie?

— Todos estão ótimos. E eu... Bom, eu sinto falta de você.

Bella suspirou, constrangida.

Milagrosamente, Jacob percebeu e logo mudou o assunto:

— Só liguei para saber como estão as coisas por aí...

Que educação! Então agora era comum que as pessoas telefonassem aos recém-casados só para perguntar: Oi! Como estão as coisas em sua lua de mel? E se a pessoa em questão fosse o maior rival do noivo? Tenha dó!

— Está tudo muito bem — disse Bella. — Maravilhoso. A ilha é perfeita e...

— Vocês estão em uma ilha? Meu Deus... Será que lobo reencarna? Porque, sério, se isso for possível, quero nascer rico na próxima encarnação!

— Ai, Jake! Como você consegue ser assim? Tão bobinho? 

Jacob ficou calado. Depois sussurrou, pigarreando:

— E então? Você... você ainda é... a Bella?

— Claro que sou. Bom, se alguém mudou meu nome não se lembrou de me contar.

Eles riram juntos novamente. Mantive minha carcaça séria e rígida.

— Entendo essa resposta como um “sim”. Pelo jeito irônico, tenho certeza de que ainda é a minha Bella...

Mas que atrevimento! Minha Bella? Que falta de respeito... Virei o pescoço, mas Bella não me encarou. Com os olhos mirando o chão, ela apenas disse debochada:

— Por quê? Acha que vou perder o espírito esportivo depois que a transformação ocorrer?

— Então você ainda não desistiu...

— Eu não vou desistir.

Instantaneamente, Jacob aquietou-se, murchando como balão. Não me incomodei nem um pouco com sua tristeza.

— Certo, Jake. Não vamos mais tocar nesse assunto.

— Acho melhor.

— Mas você ligou só para se desculpar e saber como estou? Ligações internacionais são muito caras...

— Já seriam dois motivos muito relevantes, não acha?

— Claro. Mas então tem mais alguma coisa. — Não era uma pergunta.

— É que... — A voz dele agora era fria, entrecortada. — Eu realmente estou muito preocupado com... hã, aquele outro assunto...

Eu sabia qual era o “outro assunto” a que ele se referia. Bella também.

A lembrança dos ferimentos espalhados pelo corpo de minha amada cruzou amargamente meus pensamentos e tive vergonha em admitir a lógica da preocupação de Jacob.

A verdade é que ele estivera certo. O tempo todo.

Eu era mesmo um monstro; uma criatura egocêntrica que insistia na loucura de atos insólitos. Porque sim, eu havia encontrado uma forma de canalizar os excessos. Mas a chance de erro, embora reduzida, ainda existia; e isso bastava para manter, intacta, minha condição de irresponsável.

Bella ainda esperava quieta. Fitei seu rosto e encontrei a sombra da dúvida em seu olhar. Não expressei nada, nenhum movimento que pudesse direcionar sua decisão. Se ela preferisse dizer a verdade, eu entenderia.

Quando se ama alguém por quem se pode dar a própria vida, não lhe restam alternativas: o amado sempre virá em primeiro lugar. Eu me sentia assim em relação à Bella — e eu não exigia nada em troca; nenhum gesto de concordância, nenhuma frase. Como eu poderia querer qualquer coisa? Se só por existir, Bella já me dava tudo...

Depois de muito pensar, ela respondeu baixinho:

— Estou bem, Jake. Inteira.

Jacob suspirou, mas não parecia aliviado.

— Não posso dizer que estou feliz por isso, porque não consigo sequer imaginar aquele sanguessuga idiota tocando o dedo em você, mas...

— Ei, ei, ei! — Bella o interrompeu. — Por favor: um assunto que agrade a ambos. Não vamos entrar nos detalhes de minha lua de mel agora, vamos?

— De jeito nenhum! Só fiz um comentário. Quem disse que quero saber os detalhes dessa irresponsabilidade? Você enlouqueceu? Já tenho pesadelos demais...

— Pesadelos?

— Todas as noites. Coisas malucas da minha cabeça.

— Sobre o que são?

— Não se preocupe, Bella.

— Mas eu quero saber — insistiu.

Já não bastava a pontada de inveja que eu sentia desse infeliz no quesito “dormir”, eu agora seria obrigado a ouvi-lo contar seus delírios noturnos? Isso era demais... Fiquei de pé e fui até a varanda, desejando imensamente que o barulho do mar ou do vento abafasse qualquer som interno. Mas não funcionou.

— É o mesmo pesadelo — explicou Jacob. — Sempre. Ele vem me perseguindo há dias.

— Conte logo, Jacob Black! Sem rodeios.

— Eu... sonho com uma garotinha. Ela é realmente linda, surreal... Nós estamos na floresta; sozinhos. E nossos olhos não se desgrudam, nem por um segundo, como se estivessem conectados por um fio. É estranho... Consigo até sentir a energia atravessando de um lado ao outro, sabe? E não é ruim. Mas é tão forte que acordo assustado.

— E por que isso é um pesadelo? Mais parece um sonho bom.

Ele bufou.

— Porque a cada noite, a garotinha está diferente. Está maior... Um pouco mais crescida, entende? E é muito apavorante, por me parecer tão impossivelmente real. Mas essa não é a pior parte...

— Qual é a pior parte?

— A garotinha... Bom, ela tem os olhos idênticos aos seus.

Bella calou-se.

— Bells? — perguntou Jacob.

Nada.

— Bells?

Estranhei: alguma coisa parecia errada e me virei rapidamente para ver o que era.

O rosto de Bella estava pálido. Ela já suava frio.

Agachei-me em frente a ela e fiz sinal para que desligasse o celular. Bella precisava comer; se alimentar. Estava tão fraca...

Mas ela não me obedeceu.

— Jake... não fique... eu... eu...

De repente, o telefone escorregou de seus dedos, deslizando até a cama — a telinha continuava reluzente.

Bella correu para o banheiro com a mão tapando a boca. Fui atrás dela, louco de preocupação, com a voz de Jacob ecoando aflita em meus ouvidos: Bella? O que está acontecendo? Bella! O que você tem? Eu vou matar esse idiota! O que ele fez a você?

No meio de tantos desacordos entre mim e Jacob, de tanta desarmonia e ofensas, havia então uma seta convergente que nos levava à mesma constatação: algo estava acontecendo à mulher que amávamos. E parecia ser grave.

O espaço em volta do qual costumava bater meu coração transformou-se em puro gelo. Embora eu soubesse que alguma coisa estava errada com a saúde de Bella, eu não fazia a menor idéia de que meu peito permaneceria congelado por um longo tempo... Talvez para sempre.

Eu estava prestes a desvendar o destino que, durante os longos e tenebrosos anos de minha existência, eu jamais havia sequer suspeitado que pertencesse a mim.

Bella! Bella!, Jacob gritava.

Bella enfiou a cabeça no vaso e vomitou.

Novamente, segurei seus cabelos por trás, lutando facilmente contra a força que ela fazia para soltar-se de mim.

— Talvez devamos voltar ao Rio e procurar um médico, amor — sugeri. — Estou tão preocupado com sua saúde... — Na verdade, eu estava apavorado, mas não queria deixá-la nervosa.

Ela não disse nada, apenas levantou-se para lavar o rosto na pia. A água corrente em sua pele parecia agradável. Bella respirou fundo, duas vezes, depois secou as bochechas e o pescoço com a toalha.

Eu sei que você está me ouvindo, seu palhaço sanguessuga! O que está acontecendo? Por que não me diz nada? Eu vou matar você.

Tive vontade de gritar, de implorar para que o infeliz calasse a boca e me deixasse em paz. Quem sabe ele pudesse me escutar se eu berrasse bem alto... Mas tentei ignorar a voz gutural que ecoava em minha cabeça e me concentrar nas prioridades.

— Como está se sentindo? — Toquei as costas de Bella com leveza. Eu queria abraçá-la, beijar sua testa, mas fiquei receoso de que ela pudesse sentir-se ainda mais incomodada.  — Estou falando sério sobre o médico.

Ela franziu o cenho enquanto abria as gavetas do armário e disse, sem fitar meus olhos:

— Vou ficar bem depois de escovar os dentes.

Eu sabia que ela fingia tranqüilidade, mas não sabia o porquê de tanta cena. Talvez fosse para me acalmar... Embora a carcaça impecável, meu peito queimava em ansiedade por dentro.

Depois de secar o rosto outra vez, Bella correu para o quarto, agachou-se em frente à sua mala e começou a revirar as roupas e objetos com aflição.

— O que está procurando? — perguntei.

— A caixinha de primeiros-socorros que Alice preparou para mim. Deve haver algum antiácido — respondeu ela, ainda sem me encarar.

— Posso ajudar, se você quiser...

— Não, obrigada. Tem que estar aqui... Em algum lugar...

Estou ouvindo a sua voz! Bella, Bella!

Ele outra vez. Eu precisava resolver isso.

Sem tirar os olhos de Bella, sentei-me na cama e peguei o celular:

— Jacob...

Foi então que aconteceu algo muito estranho.

À simples menção do nome de Jacob, Bella lançou-me um olhar inesperado, como se tivesse acabado de se lembrar da existência do amigo; depois entrou em choque, completamente estática — segurando uma caixinha azul em suas mãos.

Um misto de confusão e ciúme acertou meu corpo como um tufão. Desde que Bella correra para o banheiro, era a primeira vez que ela olhava para mim, frente a frente; a primeira vez que realmente que me dava alguma atenção. Será que ela considerava a presença de Jacob mais do que a minha própria? Como ela podia se importar tanto com as angústias dele? Como?

Balancei a cabeça, absorto, e, por alguns instantes, o mundo pareceu congelar à minha volta. Vozes, visões, cores e formas. Tudo se perdeu na desordem de meus pensamentos. Bella... Jacob...

Aquilo tudo não fazia sentido algum... Bella me amava. Muito. Eu morreria por essa certeza se preciso fosse.

Seu comportamento estranho, porém, não se encaixava às evidências de seus sentimentos... Ou talvez eu quisesse acreditar apenas nas evidências que me eram convenientes...

— Seu desgraçado! — gritou Jacob, do outro lado da linha, trazendo-me de volta à realidade. — O que está acontecendo? Quero falar com a Bella?

— Jac...

— Não quero ouvir a sua voz, seu monstro! Cadê a Bella?

Suspirei, procurando as últimas gotas da paciência que parecia se esvair acelerada de meu corpo a cada segundo.

Bella ainda estava silenciosa, os olhos cravados nos meus. Eu a fitei mais profundamente e, quando o fiz, senti uma corrente aflita perpassar meu corpo, como se água gelada agora corresse em minhas veias secas.

Os olhos doces e castanhos não expressavam mais paixão ou dor. Não eram calmos ou desejosos. Tristes ou pacientes. Destemidos ou inseguros.

Eram olhos novos para mim. Indecifráveis... Olhos que possuíam qualquer lampejo diferente de todas as costumeiras expressões que eu tão bem conhecia — catalogadas uma a uma em meu cérebro. Olhos que me levaram a um estado súbito de pavor por me parecerem tão incoerentes.

De repente, Bella se mexeu; tão rápido que foi como se sua alma — que parecia perdida em qualquer lugar do espaço — tivesse voltado ao corpo de uma só vez. Ela começou a balançar os braços freneticamente; pedindo com lábios mudos para que eu desligasse o telefone.

Então ela não queria falar com Jacob?

Eu estivera enganado o tempo todo?

— Chame a Bella! — explodiu o cão fedorento.

Mas... se não Jacob, o que mais poderia tê-la deixado em estado de choque?

— Escute-me! — gritei.

— Eu já dis...

— Cale a boca!

Ninguém esperava por minha reação. Nem Bella ou Jacob. Nem eu mesmo...

Houve um silêncio profundo; um filme pausado no momento decisivo. Eu não ouvia sequer um sussurro do outro lado da linha, tampouco conseguia desviar os olhos de Bella, que se calou completamente. Até seu singelo coração pareceu estacionar, em alerta para o que quer que viesse em seguida.

Eu não sei dizer ao certo quanto tempo se passou até que eu resolvi rodar a cena novamente. Tudo o que sei é que as palavras agora saíram bem mais calmas de minha boca, quase cadenciadas:

— Jacob, desculpe-me, mas... Mas terei de desligar...

Apertei o botão vermelho, larguei o telefone na cama e corri para envolver o corpo de Bella em um abraço.

— O que está acontecendo, meu amor? Você está enjoada de novo?

— Sim e não. Há quantos dias foi o casamento?

— Dezessete — respondi sem hesitar. — Bella, o que foi?

Ela ficou quieta, mas pensativa. Ergueu a mão, pedindo para que eu a esperasse; e eu obedeci, também em silêncio. Eu estava tão perdido nos acontecimentos que o pavor só se fez por crescer dentro de mim quando a confusão tomou conta de tudo.

Esperei. Esperei mais um pouco. Ela, porém, continuava absorta, perdida em outra dimensão. Então não pude me conter:

— Bella, você está me deixando maluco. — Toquei sua testa com leveza. — O que está acontecendo, meu amor? O que foi?

Ela ergueu a caixinha azul como se o objeto fosse a chave da questão. Absorventes femininos; tudo bem, e daí? Eu sabia muito para que serviam... Novamente, fiquei sem entender.

— O que é? Está achando que esse mal-estar é TPM?

— Não — ela me interrompeu, visivelmente sufocada. — Não, Edward. Estou tentando dizer que minha menstruação está cinco dias atrasada.


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Notas finais do capítulo

 AGUARDEM O OITAVO E ÚLTIMO CAPÍTULO   LEIAM TAMBÉM: "Ilha de Esme-o início" http://fanfiction.nyah.com.br/viewstory.php?sid=64853

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