A filha de Gaia escrita por Goth-Lady


Capítulo 2
A reclamação


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura.



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Jasmine desembarcou na estação de Nova York ainda naquela tarde, afinal trens são mais rápidos que ônibus. Ela teve que pegar um ônibus até Long Island e de lá se virar para encontrar o acampamento. Assim que entrou na floresta, Jasmine pediu informações a uma árvore. Desse ponto em diante, as árvores sussurraram o caminho que ela devia tomar.

Era quase noite quando ela chegou ao seu destino. Ela passou pela grande entrada erguida por colunas gregas para o centro do acampamento. Percebeu vários olhares sobre si. Não sabia o que fazer, se sentia nervosa e queria se esconder de todos os olhares. Um centauro se aproximou dela.

— Não tenha medo, menina, está segura aqui. Como se chama?

— Jasmine. Jasmine Oak.

— Sou Quíron, o diretor de atividades desse acampamento. Diga-me, sabe quem é o seu pai ou a sua mãe?

— Não, não conheci nenhum dos dois.

— Hum... Então terá que ficar no Chalé de Hermes, pelo menos até hoje à noite quando o seu pai reclamá-la, mas estamos com um problema.

— Que problema?

— Muitos novos semideuses vieram para cá e infelizmente o Chalé de Hermes está lotado. Mas não se preocupe, você ficará em um anexo provisório até lá. Se seu pai não tiver um chalé que o represente, não se preocupe, ficará lá até haver uma vaga.

Quíron deu uma camiseta laranja para Jasmine mostrou a ela o anexo provisório em que ficaria. O anexo nada mais era que uma pequena construção de madeira feita de qualquer jeito que ficava em algum canto atrás do Chalé de Hermes. Como era um lugar provisório, não iria precisar de muito trabalho, pois seria demolido algum dia.

Ao entrar no anexo, ela viu que o interior era todo de madeira sem nenhum acabamento, possuía seis camas e uma porta que levava ao banheiro. Três das camas, que na verdade eram futons com uma coberta áspera e vagabunda, estavam ocupadas por mais três garotas, sendo que todas tinham a mesma idade dela.

A primeira possuía a pele alva e seus cabelos ruivos escuros estavam presos em duas longas tranças rudimentares e uma curta franja cobria a testa. Seus olhos eram azuis e ela vestia calça jeans, camisa vermelha e coturnos militares marrons.

A segunda possuía pele morena, cabelos negros extremamente lisos como se fossem fios de linho negro, sendo que possuía franja e duas mechas mais curtas que as demais. Seus olhos eram de um castanho profundo e ela vestia um short branco com uma blusa azul marinho, sandálias e assessórios dourados e usava maquiagem dando destaque para o lápis de olho.

Mas foi a terceira que surpreendeu Jasmine. Ela possuía a pele pálida como se nunca tivesse conhecido o sol e olhos cinzentos, mas o que chamava realmente era seu cabelo parte preto e parte branco. Era a garota do museu de arte.

— Você é a garota do museu!

— Conhece ela, Helena? – Perguntou a ruiva.

— Não. – Deu de ombros.

— Você é a garota que me salvou mais cedo no museu em Connecticut. Você matou a minha professora, que na verdade era uma mulher serpente.

— Deve ser isso.

— Como se chama? – Retornou a perguntar a ruiva, mas dessa vez direcionada para Jasmine.

— J-Jasmine. Jasmine Oak.

— Prazer em conhecê-la! – A ruiva se aproximou dela em um salto, agarrou sua mãe e a apertou com força. Jasmine pôde jurar que ela podia quebrar seus dedos só com aquele aperto de mão. – Sou Diana Niamburg. A garota que salvou sua vida é a Helena.

— Helena Nifelmung. – Apresentou-se a garota de cabelo preto e branco.

— E eu sou Raven. – Foi a vez da morena se apresentar. – Raven Oally.

— Seremos colegas de quarto. – Anunciou Diana.

— Quer dizer colegas de barraco! – Reclamou Raven. – Esse lugar é pior que uma espelunca!

— E o que esperava? Um hotel cinco estrelas?

— Esperava pelo menos uma cama descente e não um ninho de rato!

— Pelo menos não vamos dormir no chão.

— Mas ainda está longe de ser uma cama.

— Eu acho que vou ao banheiro. – Disse Jasmine querendo se ver livre da discussão entre as duas. – Talvez...

— Se dá para chamar aquilo de banheiro. – Raven a cortou.

— O que quer dizer?

— É melhor ver por si mesma.

Jasmine se encaminhou até a porta do banheiro e a abriu. O cômodo tinha uma tina de madeira, um balde, sabão de coco e um buraco no chão para as necessidades.

— Eu não entro aí de jeito nenhum. – Anunciou Raven.

— Nisso eu concordo com você. – Disse Diana. – O jantar vai começar em breve. Vamos.

Diana puxou Helena para fora enquanto Raven esperou que Jasmine colocasse a mochila em uma das camas para saírem juntas. Como Diana e Helena estavam muito na frente, Raven decidiu puxar conversa com a recém-chegada.

— Então... – Começou a morena. – Você é grega?

— Hã? Não, eu sou americana.

— Então é grega.

— Mas eu sou...

— Eu me referiria à mitologia.

— Eu não entendi.

— É grega total. Mudando de assunto, quem é o seu pai divino?

— Pai divino?

— Somos semideusas. Todo semideus é filho de um deus e um mortal, ou seja, uma pessoa comum. Esse deus é o nosso pai divino enquanto esse mortal é o nosso pai mortal.

— Entendi, mas não conheci nenhum dos dois.

— Eu sinto muito. Hey, o pavilhão é logo ali.

Raven apontou para o prédio e em seguida segurou o braço de Jasmine e começou a correr. Elas entraram e procuraram Diana e Helena nas outras mesas e se sentaram com elas em uma mesa grande amontoada de gente. No início da refeição, era costume cada um jogar um pouco de comida na fogueira como oferta para os deuses, o que não agradou Diana e Helena, mas foram obrigadas a cometer tal ato.

— Meu pai teria um ataque se me visse fazendo isso. – Confessou a ruiva. – Não se desperdiça comida jogando-a na fogueira, ainda mais a melhor parte dela. É como cremar uma coxa de frango ou a melhor parte do javali.

— Minha mãe odeia desperdício de comida. – Confessou Helena. – Mas não da mesma forma que meu bisavô e os filhos e netos dele.

— Meu pai não tem problema com isso. – Disse Raven tomando um gole de suco de uva. – Mas eu tenho problema com o “beber o que quiser”.

— Nem comenta. Eu daria tudo por um corno de cerveja, mas acho impossível de servirem isso no acampamento. – Disse Diana antes de dar outra dentada no pão com queijo e geleia de morango.

— E eu por uma taça de vinho.

— E é assim que os Três Maiores educam as filhas. – Comentou Helena revirando os olhos.

— Três Maiores? – Perguntou Jasmine.

— Na verdade são Três Grandes. – Respondeu um garoto qualquer que estava sentado perto delas. – É o termo usado para se referir a Zeus, Poseidon e Hades.

As três colegas de barraco de Jasmine olharam para o garoto com um olhar tão mortal como se fossem esfolá-lo vivo, jogar azeite nas feridas e atear fogo. O garoto rapidamente se voltou para grupo que conversava.

— A ignorância deles me enoja.

— A culpa não é deles, Helena. – Comentou Diana. – Eles não têm culpa pelos pais não se voltarem para nada além de si mesmos.

— Nem meu pai é assim.

— Seu pai vê que todos podem ser uma potencial ameaça, Raven. Sorte nossa que nossos pais se dão bem.

Jasmine preferiu ficar calada, apesar de ter muitas perguntas. Não entendia nada do que elas falavam, só sabia que eram ligadas aos pais. Mais tarde começaram a chamar os novatos para serem reclamados e com isso o Chalé de Hermes vagaria. Alguns, após a reclamação, se dirigiram para as outras mesas e alguns retornaram para as mesas do Chalé de Hermes. Diana, Raven e Helena avisaram desde já que já tinham sido reclamadas, mas que seus pais não tinham representatividade. Quando foi a vez de Jasmine, ela estava nervosa, mas caminhou até o centro e ficou perto da fogueira. Não demorou para ver que o acampamento inteiro olhasse para sua cabeça, o que não esperava era que os olhos de todos se arregalassem. Murmúrios começaram a brotar das mesas e o Senhor D cuspiu a sua coca diet.

— Mas é filha da Gaia! – Exclamou o dito Senhor D quando se recuperou.

— Quem?

— Ela pode querer vingar a mãe! – Gritou alguém em uma das mesas.

— Depois de tudo que Gaia ainda deixam a filha dela entrar no acampamento?!

— Ela é perigosa demais para continuar solta.

Copos voaram e acertaram as cabeças dos gritantes, nocauteando-os. Antes que Jasmine pudesse perceber, Diana e Raven estavam ao seu lado com porte de rainhas, mas algo dizia que estavam prontas para brigar.

— Vocês duas, se afastem dessa garota! – Ordenou o Senhor D.

— Por quê? Só porque é filha de Gaia? – Perguntou Diana. – Pensei que o acampamento fosse para todos os semideuses.

— Para a filha de um deus sem representatividade, tem uma língua afiada, menina.

— Meu pai pode não ter representatividade, mas se viesse aqui, chutaria a sua bunda sem o menor esforço.

— IIIIIIIIHHHHHHH! – Gritou uma multidão.

— Se seu pai estivesse aqui, eu o colocaria...

— Deveria tomar cuidado com o que fala. Está se referindo à filha de um deus estrangeiro. Na verdade, a duas filhas de deuses estrangeiros. – Advertiu Raven. – É bom se lembrar do pacto dos Três Maiores.

O Senhor D perdeu a fala. Ele acabou liberando as três, que saíram do pavilhão. Helena as esperava na porta. O silêncio caiu sobre as garotas enquanto cruzavam o acampamento até o anexo e só foi quebrado quando estavam nele.

— O que foi tudo aquilo? – Perguntou Jasmine. – Eu não entendi nada.

— Quando você foi reclamada, a árvore de Gaia apareceu sobre sua cabeça. – Explicou Raven. – Você é filha de Gaia.

— Jasmine, há várias coisas que precisa saber. – Disse Diana sentando no futon. – A primeira delas é que sua mãe não é bem vista aqui, ela tentou derrubar o Olimpo e os deuses que nele vivem, mas conseguiram impedi-la.

— Então a minha mãe está...

— Viva. – Concluiu Helena. – Seria burrice matá-la.

— Gaia é responsável pela vida em Midgard. Matá-la seria o mesmo que aniquilar o planeta e a existência humana.

— Eu não acredito nisso! – Gritou Jasmine com os olhos marejados. – Minha mãe... Ela estava viva esse tempo todo?! Eu pensei... Então ela me abandonou assim como o meu pai?! Como ela pôde?!

— Você não sabe como as coisas funcionam. – Disse Raven segurando o ombro da outra. – Você não é como nós.

— O que quer dizer com isso?!

— Você é grega. Os deuses gregos vivem fazendo filhos, deixando para os outros os criarem e depois os jogam nesse acampamento para treinarem e resolverem seus problemas sem precisarem sair do Olimpo. – Disse Helena dando de ombros.

— Isso é horrível! Quer dizer que sou só mais uma que será treinada para servir aos deuses?

— Servir não, limpar as merdas que eles fazem ou deixam de fazer. – Disse Diana.

— Vocês estão assustando ela! – Reclamou a morena.

— Você sabe que isso é verdade. – Proferiu Helena.

— Infelizmente com os gregos é assim, diferente de nós.

— Eu ainda não entendo! Em que somos diferentes?!

— Na mitologia. – Disseram as três em uníssono.

— Nós não nos apresentamos adequadamente. Meu nome é Diana Niamburg e sou filha de Odin, o deus da sabedoria e da guerra, rei de Asgard e dos Aesir e supremo chefe da mitologia nórdica.

— Meu nome é Raven Oally e sou filha de Rá, o deus do sol, o faraó dos faraós e soberano da mitologia egípcia.

— E eu sou Helena Nifelmung, filha de Hel, a morte, senhora de Helheim e Niflheim, filha de Loki, o filho adotivo de Odin.

— Diferente dos gregos, os deuses nórdicos e egípcios criam seus filhos. – Finalizou Diana.

Jasmine mal pôde acreditar no que ouvia. Toda aquela conversa sobre deuses e pais fazia sua cabeça girar. Elas não eram da mesma mitologia e as outras tinham sido criadas por seus pais enquanto ela nem conhecia sua mãe.

— Jasmine, você está bem? – Perguntou a egípcia.

— É muita informação para um dia só. – Comentou a Diana. – Precisa de tempo para digerir tudo. É melhor conversarmos mais sobre isso amanhã.

— Eu concordo com a minha tia avó. – Disse a morena albina.

— Tia avó é o caralho! É parenta.

— Agora, vamos dormir porque eu estou cansada e acordo cedo pela manhã. – Disse Raven batendo as mãos. – Esse barraco maldito não tem espaço para me trocar.

— Tem o banheiro.

— Eu me recuso a entrar naquilo que chamam de banheiro! – Disse cruzando os braços e batendo o pé.

— Tem o banheiro comunitário do acampamento.

— Filhos de Rá não usam banheiros comunitários, ainda mais no meio da noite.

— Tem uma moita lá fora.

— Que os outros te levem, Diana! Eu prefiro me trocar na frente de vocês três a ter que me trocar em uma moita.

Diana agarrou o pulso de Jasmine e correu para fora do anexo enquanto Helena pegou a própria mochila e se trocou no banheiro.

— Por que estamos aqui? – Perguntou a grega.

— Porque Raven é louca. Posso tê-la conhecido hoje, mas não tenho dúvidas de que ela iria se trocar na nossa frente para não ter que fazer isso em outro lugar. Eu só não espero que não passe ninguém por aqui e resolva encher o saco sobre o que aconteceu no Pavilhão de Jantar ou nem meu pai irá salvá-los de mim.

— Por que fizeram aquilo no jantar?

— Você precisava de ajuda naquela hora. É uma questão de honra ajudar seus companheiros.

— Obrigada. Você e Raven se arriscaram para me ajudar.

— Não precisa me agradecer.

— Eu não entendo. Helena ficou na porta. O que pretendia com isso?

— Se Helena tivesse ido conosco, Dionísio iria surtar e causar alarde desnecessário.

— Dionísio?

— O Senhor D é na verdade Dionísio, o deus do vinho e das festas. Não é difícil perceber um deus.

— Mas se ele é um deus, por que Helena o surtaria?

— Você não conhece a mãe dela. Hel é capaz de causar temor no coração dos deuses e nem mesmo Zeus está livre dela.


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Notas finais do capítulo

Pai divino é um termo criado e usado para se referir a deuses e pai mortal para se referir aos humanos.
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O Chalé de Hermes é conhecido por abrigar além dos filhos do mesmo, os sem-chalé e os que ainda não foram reclamados.
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Para os gregos, jogar um pouco de comida na fogueira é uma oferta para os deuses, principalmente Héstia, a deusa do lar, da lareira e do ambiente familiar, como demonstrado nos livros, porém para os nórdicos a prática é vista como desperdício de comida, insulto ao anfitrião e motivo para começar uma briga.
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Três Maiores é um novo termo criado por mim para distinguir Zeus, Odin e Rá, pois as mitologias grega, egípcia e nórdica são amplamente conhecidas e lembradas em todo mundo, não é difícil encontrar seus mitos, difícil é encontrar das mitologias menores.
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Embora a mitologia hindu seja grande e conhecida (graças à novela da Globo ou ao Smite), seu nível de conhecimento ainda é restrito e não chega à popularidade das outras três. Ela é bastante lembrada, mas não tanto quanto as outras, o mesmo vale para a celta.
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Gaia é a deusa primordial e ao mesmo tempo personificação da Terra, sendo conhecida como a Deusa-Mãe ou Mãe-Terra. Na verdade é uma delas, há outros deuses que possuem a mesma função (deuses, contando com Geb, mas futuramente falarei mais sobre ele).
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Odin é o deus nórdico da sabedoria e da guerra, rei de Asgard e dos Aesir, comandando não só os Aesir e Asgard como também sua mitologia.
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Rá egípcio do sol, criador do mundo, enquanto Atum era o criador do cosmos, e o primeiro faraó, passando o cargo depois para Osíris e depois Hórus. Ele atravessava os céus em sua barca solar.
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Hel é deusa da morte, governante de Helheim e Nifleheim fica pro futuro) e filha mais nova de Loki e Angrboda, uma giganta. Ela é metade uma mulher bonita e saudável e metade um cadáver em decomposição. Sua aparência inspirou a criação do personagem Duas-Caras. Hel não era nem boa e nem má, era apenas justa e ficava com as almas que morriam de doença, velhice ou outra forma que não fosse em batalha, as almas mortas em batalha iriam para Asgard, onde parte delas ia para Valhalla e a outra parte para o palácio de Freya. Hel também é a irmã mais nova de Fenrir, o lobo gigante, e Jormungand, a serpente de Midgard (Terra).
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Dionísio é o deus do vinho, das festas, das comemorações e das orgias, é um deus pacífico, só um pouquinho estressado.
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Puts, até eu iria querer distância daquele barraco. Veremos o que acontecerá de agora em diante.