Cosmos escrita por Deusa Nariko


Capítulo 3
Capítulo III: Madara


Notas iniciais do capítulo

Terceiro capítulo dedicado à Weitzel pela linda recomendação! Espero que goste! *-*
...
Boa leitura!



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Cosmos

 

Capítulo III:

MADARA

⊱❖⊰

 

ANTES:

 

Desde muito cedo, compreendi que o nascimento e a morte representam, respectivamente, o início e o término de um ciclo que completa a existência, e não me refiro apenas à humanidade.

Toda espécie de vida está fadada, desde a sua concepção, a findar-se algum dia.

Nossa finitude é apenas uma parte da engrenagem que movimenta o universo vasto que nos rodeia. A mortalidade é o que impulsiona a humanidade a viver cada segundo de sua existência intensamente, a buscar sentido e propósito para existirmos. Afinal, se pereceremos mais cedo ou mais tarde, é natural que procuremos preencher as lacunas que tal efemeridade nos causa.

Ao longo dos séculos, e ainda na aurora dos tempos, o homem passou a buscar uma compreensão mais profunda do que o rodeia. Nossa necessidade por repostas e pela verdade já moveu a humanidade até os recantos mais obscuros desse mundo e, inclusive, às partes mais incompreensíveis das nossas mentes e almas.

Ciências surgiram e desvaneceram, filosofias foram moldadas a partir dessa busca pelo saber. A religião, por fim, se tornou um viés, um meio de justificar o injustificável ou amenizar nossas angústias.

Foi por isso que alguns homens dedicaram-se ao saber, outros quiseram acumular bens materiais tão findáveis quanto nós mesmos e ainda houve outros que procuraram apenas honrar os seus entes queridos e antepassados.

E houve, é claro, aqueles que procuraram sentido para as suas vidas na guerra.

Eu nasci numa era marcada por conflitos territoriais. Nós, os Shinobis, éramos as ferramentas usadas por nossas próprias vontades para a guerra. Morrer no campo de batalha significava uma prerrogativa inquestionável porque representava a honra máxima para um Shinobi, haver encontrado sentido para a sua existência na morte era mais do que esperávamos, era o que buscávamos.

Apesar de haver sido praticamente criado no clangor da batalha, eu me sentia vazio ou nunca fui particularmente atraído por uma morte honrosa. Inúmeros outros pereceram perante os meus olhos e mais alguns caíram ante a minha espada — embora minha idade fosse tenra — e, ainda assim, eu não me satisfiz.

Tinha de haver um propósito para a minha existência, uma razão para eu haver sido concebido nesta época, nessa terra que clama pelo sangue dos seus.

É claro que eu sempre mantive os meus questionamentos para mim mesmo, jamais os manifestara ou ousara questionar em voz alta o mundo que me rodeava. Mas a inquietude dentro da minha alma, por vezes, era mais forte do que a minha vontade e dobrava o meu silêncio.

A primeira pessoa com quem me abri a respeito dessas dúvidas foi Hashirama, não confiava tão cegamente em nenhum outro alguém, mesmo que me achasse no fundo imprudente por isso.

Porém, houve outra pessoa a entrar em minha vida com quem senti que podia desafogar o que tanto me atormentava. E esse alguém foi Koyo. Ela era o meu segredo, de certa forma, mas um segredo que escondi até mesmo daquele a quem chamava de amigo.

Meu egoísmo impedia-me de compartilhá-la com qualquer outro. Hashirama e Koyo eram partes da minha vida que pertenciam apenas a mim; não ao clã, não à família, não à parte minha que pertencia à guerra ou ao mundo de violência no qual cresci.

Um alento pequeno, mas um alento.

Nas últimas semanas, vinha mantendo a minha palavra e ajudado Koyo a alimentar sua avó idosa e adoentada.

Surrupiar a comida das cozinhas e levar até ela nunca era muito difícil para alguém treinado desde cedo na arte da sutileza. Não conversávamos muito, admito, e eu preferia que fosse desse modo. Às vezes, o silêncio era mais reconfortante e revelador do que o som de mil palavras.

Mas, quando essas conversas aconteciam, era Koyo quem as sustentava. Para ela, era fácil falar sobre sua vida simples, embora marcada pela miséria que a guerra trouxe. Ela nunca tocava muito nos nomes dos seus pais, mas falava bastante da avó, que a criava já havia alguns anos, e dos amigos que tinha em sua vila.

Certo dia, numa tarde de outono particularmente inquieta — os ventos já ciciavam nas árvores desnudas, trazendo o prenúncio de um inverno rigoroso —, eu me despedi de Hashirama e peguei a mesma estrada para retornar para a base do meu clã. Mais tarde, eu levaria a comida para Koyo no lugar em que sempre combinamos de nos encontrar.

Foi nessa tarde, enquanto seguia de volta pela estrada com a comida em mãos, talvez um pouco mais descuidado e distraído, que não percebi que era seguido. Bem, apenas as habilidades dele se equiparavam ou talvez superassem as minhas, afinal, e, por isso, eu o respeitava e invejava.

Koyo estava me esperando no mesmo lugar, recostada a um tronco e sob a mesma árvore em que nos vimos pela primeira vez. As ramagens vistosas haviam murchado nas últimas semanas com a proximidade do inverno e suas poucas folhas vermelhas pendiam de galhos finos e tortos.

O leito da floresta estava forrado por outras, entretanto, que já escureciam para um tom amarronzado e tornaram-se secas e quebradiças. O cheiro de suas putrefações adensava o ar frio. Uma nesga do céu de outono, da cor de um fruto amadurecido, transparecia através da sua copa rala.

— Por um momento, achei que não fosse vir hoje — ela comentou com um sorriso tão logo pôs os olhos em mim.

— E alguma vez eu deixei de vir? — retruquei com uma nota de azedume na voz.

Koyo aquiesceu e pegou o bentō de minhas mãos que o ofereciam caridosamente. Ela escorregou até o leito de folhas, ainda tendo as costas apoiadas contra o tronco, e sentou entre as raízes mais salientes. Desembrulhou-o com calma, convidando-me com os olhos a fazer o mesmo. Sentei-me enquanto ela comia a sua parte da comida. Ela nunca comia nem mais nem menos do que achava ser o suficiente para si, o restante, já me dissera, guardaria para sua avó.

— Obaa-sama está desconfiada da comida que levo para ela — disse-me ao mordiscar apenas a pontinha de um onigiri. — Acha que estou roubando novamente para consegui-la.

— E o que você disse para aplacá-la? — perguntei com pouco interesse, mal disfarçado no meu tom.

Koyo mostrou-me um sorriso gentil, surpreendendo-me.

— Digo que um amigo está nos ajudando e que ela não precisa se preocupar.

Na verdade, ela chamar-me de amigo foi o que verdadeiramente me pegou com a guarda baixa e me fez engolir em seco. Ela nunca havia se referido assim a mim até então. Éramos... amigos? A única pessoa a quem eu chamava de amigo era Hashirama.

— Está tudo bem, Madara-kun — ela garantiu. — Não disse a ela que era você, muito menos que era um Shinobi. Na realidade... — E seus olhos âmbares perderam-se dos meus, envergonhados. — Obaa-sama detesta Shinobis. Disse que eles são a causa dessa guerra perdurar tanto, porque se permitem serem usados para lutá-la.

— E você? — perguntei a ela com franqueza, atraindo seus olhos de volta para o meu rosto, arregalados. — Você também detesta os Shinobis?

Koyo partiu os lábios num arfar surpreso e quando tentou me responder, meus sentidos aguçados detectaram a presença de um terceiro indivíduo ali, um intruso. Pus-me de pé num salto e Koyo me acompanhou, lívida. Pela minha reação exagerada, acredito que ela entendeu o que estava havendo.

Dei-lhe as costas para sondar a floresta, desconfiado. Koyo agarrou a manga da minha vestimenta e manteve-se às minhas costas. Senti sua respiração ofegante na pele da minha nuca; arrepiou-me.

Foi então que a figura que eu detectei antes surgiu da floresta com as palmas erguidas em sinal de rendição e um sorrisinho que não agradou nem um pouco nos lábios. Ele intercalou sua atenção do meu rosto, zangado, à menina assustada que se agarrava ao meu braço em busca de proteção.

— Hashirama — murmurei seu nome como uma repreensão por sua atitude desonesta; há quanto ele me espionava? O quanto ouvira?

— Madara, você nunca me disse que tinha uma namorada — ele disse e não escondeu o quanto se divertia com tudo aquilo.

Senti ondas de calor rapidamente subirem por meu pescoço e se alastrarem por meu rosto. Detestei-me quando percebi que estivera prestes a corar, então me recordei de Koyo, ainda agarrada ao meu braço e o puxei do seu agarre, soltando-me e distanciando-me um pouco dela.

— Ela não é minha namorada — retruquei com irritação e seu risinho zombeteiro acentuou o meu mau humor.

Espiei Koyo com o canto dos olhos e rangi os dentes quando percebi que ela também tentava disfarçar seu constrangimento, as maçãs do rosto fortemente coradas e o olhar baixo, evitando-me.

— Por que estava me seguindo?

Mudei de assunto a fim de desviá-lo da suposição ridícula de que Koyo era minha... namorada. Hashirama alisou a nuca num gesto que claramente indicava constrangimento. Então, sorriu, sem graça.

— Você esteve estranho nas últimas semanas, só queria saber a razão.

— Ridículo — rosnei, condenando sua atitude invasiva, e cruzei os braços, emburrado.

Percebi depois que Hashirama já não direcionava sua atenção a mim, mas sim à Koyo, parada bem ao meu lado. Ele voltou a sorrir, mas dessa vez com espontaneidade, e se aproximou alguns poucos passos.

— O meu nome é Hashirama. Eu sou amigo do Madara — apresentou-se.

Koyo, mesmo que um pouco constrangida ainda — não deixei de notar —, curvou-se um pouco; seu longo cabelo vermelho caiu fluído sobre o seu rosto, ocultando-o do seu e do meu olhar.

— Eu sou Koyo. Muito prazer, Hashirama-san! — assentiu vigorosamente para Hashirama.

Por alguma razão, senti uma pontada no peito devido à aparente camaradagem entre ambos. Até aquele momento, Hashirama e Koyo haviam sido partes distintas em minha vida, mesmo que no fim ambos fossem o meu maior segredo. Vê-los lado a lado, entretanto, me causou, ao mesmo tempo, um sentimento de desagrado e de que aquilo era o certo.

— Então, como a conheceu, Madara? — Hashirama perguntou-me.

Franzi o cenho, ainda preso às divagações que permeavam a minha mente inquieta, e resmunguei qualquer coisa a ele como resposta. Foi Koyo quem forneceu os detalhes de nosso primeiro encontro, foi ela a enfeitar nossa história e atribuí-la ao destino.

Eu nunca entendi aquele sentimento que ardia no meu peito. Por muito tempo, falhei em compreendê-lo. Na verdade, só descobri a razão de minha inquietude apenas muitos anos depois.

Depois disso, parece que uma nova rotina foi estabelecida.

Não era sempre que Hashirama se reunia a nós, na maior parte das vezes ainda éramos apenas eu e Koyo. Não tornei a perguntá-la o que achava dos Shinobis, talvez não precisasse da resposta, talvez não a quisesse. Ou, ainda, ela não faria diferença.

O destino tem a má reputação de ceder aos seus próprios caprichos e de traçar seus caminhos dos modos mais questionáveis e falhos, por vezes. O que parece errado a princípio, pode vir a se tornar o certo tempos depois. E o que começa como um desastre pode vir a ser ajustado. Infelizmente, o contrário também pode acontecer — e ele acontece, aconteceu a mim.

Hashirama e Koyo ocupavam espaços diferentes na minha vida, eram laços distintos que no fim se tornaram o que havia de mais certo na minha existência vã. Eu amava minha família, mas eles me arrastavam para algo que não me completava, muito pelo contrário, apenas aprofundava o abismo que havia em mim. Mas Hashirama e Koyo resgatavam algo que eu nem sequer sabia que estivera perdido.

Sempre há um ponto decisivo, definitivo, em nossas vidas que inevitavelmente molda todo o nosso futuro. E o meu ponto sem volta deu-se em dois momentos importantes: a ruptura de minha amizade com Hashirama pela necessidade e pela vontade de minha família, e o momento em que meus sentimentos por Koyo tomaram proporções e caminhos inesperados.

E isso aconteceu. Gradualmente, sem que eu pudesse me dar conta, sem que eu percebesse ou pudesse evitar. Numa tarde em especial, faltando poucos dias para a chegada definitiva do inverno, o imprevisível aconteceu.

O vento frio sussurrava para as árvores desfolhadas e o canto das aves minguara já havia semanas. Despedi-me de Hashirama à margem do rio, como sempre fazia, e tomei o caminho de volta para a base do meu clã. Peguei a comida, como era de costume, e voltei pela estrada para encontrar Koyo.

Diferentemente das outras vezes e apesar do semissilêncio, a floresta estava inquieta demais para mim. Quando cheguei ao ponto de encontro, não havia ninguém lá. Sondei os arredores à procura de Koyo, mas estava sozinho.

Com um suspiro, embrenhei-me na floresta ranzinza. Tudo havia se tornado marrom nos últimos dias, a beleza do outono já não se encontrava mais ali, e as árvores que outrora se tingiram de tonalidades vibrantes agora jaziam tão amargas e velhas como as suas cascas.

Ouvi o som que o vento frio fazia ao chicotear os galhos finos e nus — quase uma prece —, e meus pés quando se moviam pelo solo úmido mal quebravam essa cadência fantasmagórica. Franzi o cenho, àquela altura estava mais do que desconfiado, estava eriçado pelas possibilidades. Koyo nunca deixara de vir nem uma única vez.

Foi quando ouvi seu grito reverberar pela floresta que soltei tudo o que carregava e corri na direção da sua origem. Enxerguei vermelho nas bordas dos meus olhos e cerrei os dentes tão logo a encontrei; absorvi a cena de uma vez: os bandoleiros que a cercavam, homens fortes e sujos vestindo trapos e portando espadas velhas assomando sobre ela, caída de bruços no chão da floresta, a face tombada sobre a terra.

Não dei aos homens qualquer chance de fuga nem mesmo me senti misericordioso ao espreitá-los com uma sede selvagem por sangue. O primeiro tombou devido à kunai (que eu trazia escondida na manga de minha roupa) que alojei até o cabo em suas costas, bem na altura de um dos seus pulmões; ele arquejou, curvando-se quase ao ponto da sua espinha quebrar em dois, e expeliu o sangue que lhe enchia a boca.

O segundo eu empalei com sua própria espada enferrujada. Roubei-a de sua mão num gesto furtivo e então a usei contra ele, desviando do seu golpe e contra-atacando, atravessando seu estômago com a lâmina velha, mas afiada o bastante para estripá-lo.

O terceiro eu degolei, depois de haver removido a espada do corpo do seu comparsa, marcando a terra com uma trilha espessa de sangue. Abri sua garganta com um balanço do meu braço e ele a segurou com as duas mãos carnudas de dedos hirsutos. Seu rosto lavou-se no próprio sangue que jorrava do talho, turvando seus olhos arregalados de horror.

Quando saí daquela espécie de frenesi sanguinário, deixei a espada ensanguentada cair de minha mão e soltei todo o ar que havia em meus pulmões. O sangue ainda pulsava forte nos meus ouvidos. Houve um único instante de silêncio, de quietude, então os soluços de Koyo sobrepuseram a ausência de sons.

Percorri meu corpo com os olhos devagar e então a olhei, desnorteado. Não havia uma única gota de sangue em minhas roupas ou mãos, mas eu me senti maculado de alguma forma. Os olhos dela sondavam-me, mesmo que toldados pelas lágrimas.

Levantou-se num rompante, sem se importar com as manchas de terra em seu quimono amarelo, e correu até mim. Passou os braços ao meu redor e apertou o rosto no meu peito. Suas mãos tremiam ao se firmarem na minha roupa, e seus ombros se chacoalhavam com seus soluços.

E entre esses soluços, ela me chamava. Não, ela clamava por mim.

Eu soube o que aqueles bandidos fariam com ela no momento em que avistei a cena desagradável, eu soube que a violariam e certamente depois a matariam, então alguma espécie de fúria cega se apoderou de mim e me fez matá-los.

Não disse nada à Koyo, não ofereci a ela qualquer espécie de conforto. Mas deixei que chorasse e expelisse o medo no meu peito, tremendo junto a mim.

Tudo mudou desde aquele dia e não apenas em mim. Nós não éramos mais os mesmos. Nunca mais fomos.


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Notas finais do capítulo

As coisas se desenvolverão depressa porque a Fanfic é curta, ok? Então haverá muitas passagens de tempo, não estranhem.
...
Eu estive travada/com bloqueio/sem inspiração nenhuma para escrever SasuSaku nas últimas semanas, mas aos poucos vou voltando ao ritmo.
Nos vemos nos reviews! ;)
Até o próximo.



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