A cara que ela fizera quando ele tirou o legume da sacola de compras teria o assustado caso já não estivesse acostumado a aversão da garoto por tudo que não fosse carne ou milho.

-Que... Que negócio é esse? - Ela murmurou, indignada.

-Isso é uma abobora, Tomori, você sabe o que é.

Os olhos cor do céu da garota o encararam, afiados.

-Eu não vou comer isso.

-Você vai comer isso. - Yuu colocou o pedaço verde e laranja envolto em saco plástico em cima da bancada da sua cozinha.

-Olha pra essas cores! - Ela se aproximou um pouco, usando um tom como se quisesse que ele recobrasse a razão. - Qualquer coisa que é "verde" não é gostosa!

Ele suspirou.

-Você é que sabe, mas a pessoa que tá com a saúde em risco porque não tá comendo direito não sou eu.

E a encarou pelo canto do olho. Riu internamente quando viu Nao estremecendo, eram poucas as ocasiões em que ele conseguia levar a melhor nesse tipo de discussão, então gostava de apreciar o momento.

... Além do que, o bico irritado que a garota fizera ficava bem fofo nela.

Quer dizer.

Foco, Yuu, foco.

Ele coçou a cabeça e voltou a tirar os ingredientes da sacola. Aqueles sentimentos que se manifestaram no garoto após todos os eventos que ocorreram eram - acreditem-se se quiser - muito novos pra ele e por isso não tinha ideia do que fazer.

Quer dizer, claro que já se interessara por garotas antes, mas tudo que sentira por elas havia sido algo tão simples, as achava bonitas e queria passar tempo com elas.

Mas com ela era diferente.

Yuu a achava bonita? Claro. Sentia vontade de passar tempo com ela? Também.

Porém, era tudo mais forte, tudo mais nítido quando se tratava dela.

Ás vezes, conseguia ouvir a voz dela com muito mais clareza que as dos outros, notava com facilidade o tom suave puxado para o agudo que ela tinha.

Conseguira reparar também que as pontas de seus cabelos eram mais claras que o resto dos fios, que nas íris dos olhos dela possuíam finas linhas de um azul mais escuro.

Sentia pequenos choques correrem por sua pele quando ela segurava seu pulso, sentia-se feliz quando ela também estava feliz, pelo motivo que fosse e não conseguia evitar o sangue que subia em suas bochechas quando percebia cada uma dessas coisas.

Coisas que ele nunca percebera em mais ninguém, só com ela.

-Cenoura também?! - Nao deu quase um salto pra trás, exclamando. Ayu, por sua vez, tombou do sofá por causa do susto que levara.

-Sim, cenoura também. - O moreno a encarou, incrédulo e depois se virou para a irmã mais nova. -Tudo bem, Ayumi?

-S- Sim... - A mais nova voltou para o seu assento. - Ayu estava tão entretida no programa que tomou um susto, hehe.

-Desculpa, Ayumi-chan. - A garota inclinou a cabeça levemente na direção dela e a outra sorriu.

-Tudo bem, Tomori-nee-chan! - E então ela levantou o dedo indicador. - Mas sabe, cenouras são fontes de fibras e minerais, elas são importantes numa boa refeição!

-Sei, sei... - E fez careta, derrotada.

Era interessante como até os defeitos dela o atraiam, mesmo que eles acabassem o chateando algumas vezes.

No meio disso tudo, também desenvolvera uma preocupação pela garota, que costumava ser muito mais difícil de ignorar do que a preocupação que teria por uma simples amiga. Por esse motivo, não conseguira deixar de lado o problema dela com alimentação e se oferecera para ajudá-la.

E era também por esse exato motivo que não podia se deixar levar pelo que sentia e devia se concentrar no bem-estar da garota ao seu lado.

Não devia ser algo difícil.

Pelo menos, era o que achava.

-Certo, então vamos começar. - Yuu puxou a tábua e faca para o centro da bancada. - Você corta a cenoura?

A garota dos cabelos loiro acinzentados cruzou os braços e tombou a cabeça, ponderando.

E ponderou.

Ponderou.

Ponderou um pouco mais.

Para alguém que era tão objetiva quando precisava encurralar uma pessoa com habilidades, aquilo era ridículo.

-Vai se acostumar mais fácil se cortar. - E a entregou a faca, depois foi sua vez de cruzar os braços e sorrir.

Nao, com a faca em uma das mãos, o fuzilou com o olhar, mas suspirou e segurou uma cenoura.

-Podemos, ao menos, colocar frango nessa sopa que você inventou de fazer?

O moreno deu de ombros.

-Claro, por que não? Frango desfiado ficaria bom.

-Ah, desfiado, sério? - Ela reclamou.

-Pedaços inteiros não ficariam bons na... - E parou. - Tomori, o que raios você tá fazendo?

Nao ergueu uma sobrancelha, parada na posição em que iria cortar a cenoura.

Com o legume deitado na vertical e o fio da faca na mira do seu dedo.

-Cortando a cenoura, ué.

-A cenoura e o seu dedo, você quis dizer!

-Ah, como eu vou saber? Nunca cortei cenoura na vida!

-A situação é muito pior do que eu pensei. - Yuu pensou com uma gota descendo por sua testa. - Eu te mostro, peraí.

E moveu-se por instinto, da mesma maneira que fizera com Ayu uma vez quando a garota precisara de ajuda quando estava aprendendo a cozinhar.

O garoto ajeitou a cenoura na posição certa e cortou um pedaço.

-Viu? É simples assi-

Foi só então que seu cérebro registrou o que estava acontecendo.

Percebeu que praticamente a abraçara, com seu braço repousando sobre o dela e sua mão sobre a dela que segurava a faca. Os fios acinzentados tinham cheiro de baunilha e faziam cócegas na ponta do seu nariz, as costas dela pareciam quentes em contato com o seu peito e ele engoliu em seco.

A pele dela sempre fora tão macia assim? Precisou resistir a tentação de mover o dedo polegar de sua mão para sentir melhor.

-Otosaka?

A voz dela estava calma, serena e se não fosse pelo sangue pulsando em suas orelhas, poderia jurar que havia um resquício de um sentimento diferente nela.

-... O que foi? - Conseguiu murmurar.

-Já pode me soltar.

As palavras da garota - seguidas por um familiar "huhuhu" - foram suficiente para fazê-lo recobrar os sentidos e saltar para trás com toda a rapidez que seu corpo permitia.

Quando voltou sua atenção para a sala de estar, encontrou uma Ayumi sorridente com os cotovelos apoiados no braço do sofá.

-Q- Que que é, Ayumi?

-Nada, nada. - A pequena sorriu ainda mais, se é que isso era sequer possível. - Desculpa, eu não queria interromper, viu.

-Não tem nada para interromper. - Yuu foi rápido em dizer, tentando manter a calma em sua voz. - Eu tava ensinando a Tomori a cortar cenoura, só isso!

-Claaaro. - Ela assentiu, ainda sorrindo.

-Ayumi!

De frente para a bancada, cortando a cenoura da maneira certa e até bem demais para alguém que acabara de aprender, a garota de cabelos claros comprimia os lábios para impedir o seu sorriso.

Ah, ele era tão óbvio.