Espiral escrita por Gaia


Capítulo 4
Consequentemente




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I

Crescer não foi tão ruim quanto eu achei que seria. Foi um processo lento e rápido ao mesmo tempo, daqueles que passam despercebidos na maioria das vezes. Até um dia estar trabalhando e ter que lidar com imposto de renda e resolver problemas no banco na madrugada de julho e perceber que você não é mais criança. Que você sabe o que é imposto de renda e sabe que o horário que banco fecha. E talvez isso te faça ser adulto, mesmo que você tenha os mesmos medos e sonhos de criança.

Eu morava com o meu namorado, com quem eu tinha uma relação estável e normal, coisa que não me incomodava. A acomodação da minha vida era satisfatória e eu até gostava da mesmice da minha rotina de médica. Acho que fiquei muito tempo sem surpresas para voltar a gostar delas.

Naruto estava casado com Hinata e era um advogado bem famoso, ele era conhecido por não se corromper, não importasse o caso. Eu não me surpreendia com isso, sempre soube que ele seria esse tipo de pessoa para sempre, aquele meu amigo sorridente que fazia o mundo um lugar melhor sem muitos esforços.

Nós mantínhamos contato o quanto a vida adulta permitia, o que não era muito, já que ambos tínhamos rotinas muito ocupadas. Éramos amigos distantes que nos mantínhamos presentes com pequenos comentários em alguma foto no facebook e mensagens esporádicas dizendo que precisávamos sair.

A verdade era que eu já não o conhecia muito bem como antes, não sabia de seus medos e inseguranças. Não o via chorar e nem falar coisas constrangedoras, não sabia reconhecer suas expressões quando estava mentindo. Nossa amizade que parecia tão sólida há anos parecia estar evaporando cada vez mais, em cada feriado que não passávamos juntos ou memórias que deixávamos de formar.

Acho que a série de traumas que nos envolveram foi demais para que formássemos uma relação saudável. Como se falar com ele fosse um lembrete de tudo de ruim que já tinha acontecido. Sabia que ele também se sentia assim. Que lembrar de mim automaticamente o faria lembrar de Sasuke e Jiraya e isso era doloroso demais para superar.

Então permanecíamos em um estado de inércia, adormecidos e fingindo que nada tinha nos separado.

Até um dia, muitos anos depois de me aceitar como adulta, eu ouvi a campainha da minha porta como se fosse um dia qualquer. Não lembro exatamente o dia e nem porque meu namorado não estava em casa naquela tarde, mas lembro de achar que era alguém tentando vender alguma coisa.

Abri a porta pronta para dispensar qualquer pessoa que me aparecesse, enquanto usava roupas completamente casuais e meu cabelo preso de qualquer jeito no topo da minha cabeça.

Mas eu não vi um qualquer e nem precisei usar de discursos prontos para dispensá-lo. Quando percebi quem era, a última coisa que eu queria fazer era que ele fosse embora.

Sasuke Uchiha estava parado na minha frente, me encarando como se nada tivesse acontecido entre nós, como se ele não tivesse ficado anos desaparecido, sem dar nenhuma notícia. Como se ele não tivesse quebrado meu coração e se tornado a lembrança mais triste que eu tinha.

– Boa tarde. – foi o que ele resolveu dizer depois de tanto tempo.

Eu não soube o que dizer. Eu pensei que me lembrava do rosto de Sasuke, de sua voz e de seus olhos, mas a verdade era que a realidade era muito diferente, era muito melhor. Seus olhos eram ainda mais intrigantes, sua voz muito mais misteriosa e seu rosto muito mais bonito.

Quase não acreditei que ele realmente estava na minha frente, era como se todos os anos que eu tivesse vivido sem ele zombassem de mim, dizendo “como você achava que era feliz? Como você se deixou conformar?”.

Tive vontade de chorar, mas existia uma parte muito orgulhosa que eu tinha cultivado nos meus anos adultos que me impediu.

– Quer entrar? – perguntei, não acreditando que estava o tratando com a mesma banalidade com que ele tinha me tratado.

Ele não respondeu e entrou, esperando eu sentar na mesa de jantar para me acompanhar. Ele sentou do outro lado da mesa, longe demais, criando uma barreira ainda mais sólida entre nós. Com a luz mais forte, percebi os traços de seu envelhecimento. Seus traços estavam ainda mais definidos e seus olhos estavam mais cansados, mas ele continuava incrivelmente bonito.

Percebi, com um suspiro, que meus sentimentos não tinham mudado nada e estava novamente no colegial, querendo beijá-lo como se nunca fôssemos nos ver de novo.

Eu não disse nada, mas meu silêncio já dizia o suficiente. Meus olhos indagadores e minha posição de apreensão questionava tudo o que eu precisava. Ele percebeu, mas mesmo assim ficamos em silêncio por um bom tempo, apenas decidindo o que realmente precisava ser dito e o que podíamos poupar.

– Depois de algum tempo na faculdade, eu percebi algumas coisas sobre o incêndio que matou minha família. – ele disse, simplesmente, de forma indiferente.

– Você não precisa falar nada se não quiser. – eu respondi.

Ele apenas me encarou em resposta e eu entendi: era claro que precisava. Não só ele tinha que me contar de alguma forma, eu também tinha que saber para ficar em paz.

– Não vou entrar em tecnicalidades, mas eu acabei descobrindo que Itachi não tinha se matado e que na verdade tinha sido assassinado por uma gangue que tinha se formado por causa da empresa Uchiha. Eles foram demitidos em uma injustiça e resolveram se vingar tentando divulgar toda a corrupção. Itachi, apesar de não se envolver com os esquemas, acabou descobrindo e tentando blindar meus pais dos ataques da gangue.

“Eles descobriram e resolveram agir. O incêndio e o assassinato do meu irmão foram propositais.”

Não soube o que dizer. Eu sempre suspeitei que Itachi não tinha se suicidado, mas nunca quis parar e pensar no assunto, preferia aceitar aquela dura mentira do que ter que encarar uma verdade ainda mais dolorosa. Sasuke não pensou assim, ele foi atrás da verdade e demorou anos para descobri-la.

– Sinto muito. – foi tudo que consegui dizer, ainda esperando respostas.

– Eu fui atrás deles, Sakura... Para me vingar.

Tentei entender, mas não pude. Fiquei irritada por ele não ter nos contado tudo aquilo desde o começo e ainda mais por não ter nos chamado para ajuda-lo. Ele não parecia arrependido e eu não estava pronta para perdoá-lo, não depois de tudo o que ele nos tinha feito passar.

Me levantei, cansada daquilo tudo, cansada dos sentimentos, das questões não resolvidas e do passado me alcançando e falei:

– Eu fico feliz que esteja de volta. Você devia ir ver Naruto, ele vai ficar feliz também.

Sasuke ficou sem reação, talvez ele não esperasse tanta frieza da minha parte, talvez ele achasse que eu iria abraça-lo, chorar e agradecer por ele estar de volta. Reclamar de seu destino injusto e fingir que nada tinha acontecido. Mas eu estava cansada, triste e amargurada com todos os anos que tinham passado sem que eu os aproveitasse.

Ver Sasuke na minha frente só tinha me feito perceber que todos aqueles anos sem ele não tinham sidos vividos e eu ainda não estava pronta para encarar aquele fato. Então deixei Sasuke ir, esperando conseguir encará-lo propriamente mais tarde, quando eu estivesse em paz com a horrível peça que o universo tinha pregado.




II

Demorou três semanas para que eu conseguisse encarar Sasuke novamente, depois de Naruto insistir arduamente para que pudéssemos nos encontrar e reviver os bons tempos, como se revivê-los fosse realmente possível.

Quando finalmente não consegui mais achar nenhuma desculpa, concordei em encontrá-los no nosso apartamento antigo, que era onde Sasuke morava. Entrar lá foi como encarar o olho do furacão de frente, sabendo que ele iria me engolir inteira e me deixar sem fôlego até me sufocar.

Tudo naquele apartamento remetia boas e péssimas memórias e era impossível não se sentir sobrecarregada ao entrar ali. Ainda mais agora, quando o lugar estava transbordando de pertences de Sasuke.

Ele não me encarou direito quando eu sentei no sofá que compartilhamos tantas vezes, mas resolveu sentar do meu lado, enquanto Naruto ficou na poltrona. Tentei respirar fundo, aquilo tinha tudo para ficar uma discussão de relação e era a última coisa que eu queria. Olhei para Naruto esperançosa, eu sabia que ele iria arranjar algum assunto para quebrar aquele clima.

– Vocês não acreditam em quem eu esbarrei ontem! – ele comentou, para a minha satisfação. – Rock Lee!

Ficamos um tempo relembrando nossos tempos de faculdade e, por um instante, tudo pareceu voltar ao normal, parecia que nunca tínhamos nos separado e que o tempo tinha compensado nossos traumas de alguma forma. Isso até Naruto lembrar de uma memória que só nós dois compartilhávamos.

– Como você não lembra, Sasuke? Foi quando a Ino fez aniversário e tivemos que levar ela pro hospital, depois disso, nós...

– Ele não estava aqui, Naruto. – interrompi e ele parou de falar imediatamente, mudando a expressão conforme entendia o que estava acontecendo. Da mesma forma que tudo se tornou confortável, tudo se quebrou e o silêncio ensurdecedor voltou. Não ousávamos falar de quando Sasuke não estava, sua ausência era a coisa mais presente na nossa relação, mesmo sem mencioná-la.

Após muitos momentos desse tipo, finalmente nos conformamos em aceitar que precisávamos de um tempo para que tudo voltasse ao normal e que não seria em uma tarde que isso iria acontecer.

Naruto, como sempre, não soube ler a situação e foi embora antes que eu, de forma abrupta e sem muitas delongas para me ganhar tempo. Encarei os olhos negros de Sasuke em silêncio e peguei a minha bolsa, me preparando para ir também, com uma ansiedade absurda em sair dali.

Mas ele me pegou de surpresa ao puxar meu braço quando eu me virava. Pronta para me desvencilhar e começar um discurso de como ele não devia usar da força física, eu quase não percebi sua expressão de pânico.

Sem palavras, apenas congelei e esperei para que tudo se desmoronasse. Vi o abismo no negro de seus olhos e seus movimentos lentos em minha direção.

Então ele me abraçou, me deixando tão surpresa que a minha única reação foi um arquejo. Senti seu peito se mexer e sua respiração ficar irregular e percebi, em choque, que ele estava chorando. Sua intensidade me fez sentir como se ele não tivesse chorado desde que éramos crianças e ele reclamava de seu irmão. Suas lágrimas caiam e eu tentei me manter forte, finalmente retribuindo o abraço, tentando mantê-lo firme dentro dos meus braços.

Mas sua tristeza, como sempre, era compartilhada. Era como se eu sentisse o vazio dentro do peito dele e a ânsia em expressar toda angústia que estava acumulada em sua garganta. Mordi meus lábios, me proibindo de chorar e ficamos nessa posição insuportável por algum tempo.

Lembrei-me do que Naruto disse anos atrás “Eu o conheço. Ele vai guardar tudo até o ponto de quebrar. E quando ele ceder, nós temos que estar lá por ele, promete?” e mantive a minha promessa, me mantive forte.

Sasuke finalmente se viu livre de mim e não me encarou nos olhos, quando virou de costas e enxugou suas lágrimas. Quis dizer que estava tudo bem ele chorar na minha frente, que eu lembrava de seu rosto daquele jeito de quando éramos crianças. Porém, não disse nada. O meu silêncio era o meu consentimento para a verdade do que eu fui pra ele todos aqueles anos: a única coisa livre da corrupção e trevas em sua vida.

Eu sabia que era seu bálsamo, que era o otimismo e a esperança, que era a única que não estivera envolvida em nenhuma tragédia e que servia para o lembra-lo de que existia o bem e o certo. Saber que ele tinha chorado e finalmente deixado essa barreira cair só me deixava ainda mais triste, porque era como se ele dissesse: a esperança acabou.

– Sasuke... – foi tudo o que saiu da minha boca. Eu queria dizer que estava tudo bem, que eu estava ali por ele, que ele não precisava mais fugir. Que estávamos juntos agora.

– Eu não sabia para onde ir ou o que fazer... – ele respondeu, ainda de costas. – Eu queria ir pra casa.

É claro que ele queria. Era tudo o que importava.

– Quando fui atrás daquela gangue, eu achei que estava fazendo um bem para mim mesmo, achei que estava fazendo justiça. Que de alguma forma, me vingar ia me fazer me sentir melhor. – sua voz era fria e passava todo o arrependimento e inquietude que estava o consumindo.

– Mas não fez. Tudo o que eu fiz... Agora eu só fico pensando em tudo o que eu...

O silêncio sufocante supriu as frases incompletas dele e eu só pude imaginar o que ele fez com os homens que destruíram a sua vida e se teve o mesmo tom de horror e tragédia.

– Agora eu preciso fazer ficar tudo bem. – então ele se virou, finalmente me deixando encarar seus olhos negros, que agora me fitavam cheios de súplica, implorando para que eu os desvendassem.

Mas como eu poderia? Eles tinham se fechado para mim há muito tempo.

– Sasuke, eu não me importo com o que você fez. E nem Naruto. Você não precisar se justificar para gente, eu achei que você soubesse disso. Você tem que saber que qualquer coisa que você faça, nós...

– Eu não conseguiria encarar você de novo. – ele me interrompeu e sua voz parecia firme novamente. – Eu preciso ir consertar tudo.

Eu não pensei quando disse:

– Eu vou com você.

– Talvez da próxima vez. – me respondeu com um meio sorriso que já era quase uma memória esquecida que eu fazia questão de guardar.

Se eu soubesse que aquela seria as últimas palavras de Sasuke para mim antes dele viajar por muitos anos, talvez eu insistisse em ir junto. Talvez eu corresse atrás dele e implorasse para que ele ficasse. Talvez eu o beijasse e o dissesse que o amasse.

Mas eu não sabia. Eu achava que ele voltaria em pouco tempo. Eu achava que redenção era uma viagem rápida, não um compromisso de vida toda.

III

Apesar de ser uma atitude muito condenada pelas minhas amigas, eu esperei Sasuke. Esperei porque ele deixava mensagens e ligava. Porque ele não sumiu como fez da outra vez, fingindo que nunca tinha existido, ele se fazia presente na distância e isso me dava a esperança de que talvez as coisas podiam funcionar.

Ao me enviar uma foto em algum lugar do mundo, onde estava fazendo caridade, eu via em seu sorriso um anseio de voltar, enquanto seus olhos ainda estavam transbordando de arrependimento. Todos nós sabíamos que ele nunca poderia se redimir com os seus pecados e que passaria a vida toda tentando.

Se sua redenção significava sua felicidade, eu esperaria até ele se sentir merecedor de estar em casa e com a sua família o tempo que fosse necessário, por mais angustiante que fosse.

Os meses passaram como uma grande neblina e tudo o que eu lembro deles é de trabalhar muito e terminar com o meu namorado, percebendo que a vida não era pra ser daquele jeito. Comigo conformada com as coisas, fingindo que nada tinha acontecido e que eu não tinha sentimentos para seguir.

Depois que Sasuke tinha reaparecido nas nossas vidas, era como se eu e Naruto pudéssemos ser amigos novamente, já não havia aquele fantasma que nos lembrava o tempo inteiro da nossa solidão e fracasso.

Estávamos em casa, tomando vinho, enquanto Hinata preparava alguma comida gostosa na minha cozinha, o que era um feitio incrível, considerando que eu, médica plantonista, não tinha quase nenhuma comida na geladeira que não fosse de preparo rápido.

– Aí, o meu cliente admitiu que tinha matado o cara. Eu não podia fazer nada, não ia...

Mas eu nunca ouvi o fim da história de Naruto, porque a campainha tocou e eu me levantei, indo atender a porta como se fosse mais um dia qualquer, mais um correio, mais um religioso ou um vizinho.

Era Sasuke, ali, com malas em mão, barba por fazer, olhos experientes e um meio sorriso intruso que parecia estar ali com o único proposito de me enfraquecer. Não consegui conter a minha felicidade, que se demonstrou com o meu abraço forte, que o fez derrubar as malas e me segurar de volta.

Logo, Naruto e Hinata estavam ali e tudo passou rápido demais. Histórias de onde ele foi e o que fez, de aventuras e perrengues que passou em suas viagens. Mas tudo o que queria era que ele olhasse para mim e dissesse que iria ficar dessa vez, que estava tudo bem, que estava pronto para encarar a vida.

Depois que Hinata e Naruto foram embora e o silêncio prevaleceu, foi quando eu me dei conta de que ele realmente estava ali e que tinha voltado. Estava ao meu alcance, não precisava ver fotos ou mandar mensagens para entrar em contato.

Sem pensar muito, o abracei de novo. Dessa vez de forma íntima, como se dissesse que eu não queria que ele se soltasse nunca mais.

– Que bom que você voltou. – disse, me preocupando em selecionar as palavras certas. Não queria me dar as esperanças de que ele fosse ficar de vez. Eu ainda não sabia o que estava passando em sua mente e não queria força-lo a nada também.

– Estou em casa. – ele disse, com a voz abafada pelos meus cabelos e eu não consegui mais conter minhas lágrimas. Passei minhas mãos por seus cabelos e comecei a relembrar de seu corpo como eu pude. Ele finalmente estava ali. Finalmente ia ficar.

– Por favor, podemos parar de pique-esconde, agora? – perguntei, tentando conter meus soluços de forma patética e eu o senti sorrindo. – E vamos admitir para nós mesmos que isso, agora, é o único destino possível para nós?

Porque era claro pra mim que tudo o que passamos, desde sempre, foram pequenos indícios de que éramos para ficarmos juntos. De que não havia outras circunstâncias, outra dimensão ou outra cadeia de eventos que não nos guiasse para a inevitável verdade: que éramos conectados de uma forma profunda e inexplicável.

Sasuke me soltou e colou a testa na minha, me desarmando.

– Você acha que negar isso foi fácil? Não importa o quanto eu tentasse te afastar e o quanto eu me fechasse, você sempre encontrava uma forma de aparecer nos meus pensamentos. Eu tentei negar esse destino, Sakura, acredite.

– Por quê?

– Porque você merece melhor. Eu sinto muito. – ele respondeu simplesmente, ainda encarando minha alma pelos seus olhos negros.

Com as lágrimas caindo soltas, eu passei minha mão pelo seu rosto e sussurrei:

– Você é a melhor pessoa que eu conheço. O mundo só foi cruel demais com você.

Ele pegou a minha mão e me beijou de uma forma que me fez perceber que aquilo iria se repetir por muito, muito tempo e que talvez dessa vez nós finalmente teríamos nosso final feliz.

VI

Quando eu passei a atender por Sakura Uchiha, já tínhamos passado por todas as desventuras que um casal poderia pedir e aguentamos por muito anos sem nunca desistir de nós mesmos, o que me fazia acreditar que éramos, de fato, para sempre.

Naruto tinha sido nosso padrinho e ele chorou a cerimônia inteira, lágrimas bem gastas depois de tudo que tínhamos conquistados juntos. Lembro bem de vê-los conversando durante a festa e rindo juntos, concluindo que nunca mais seríamos só nós três novamente. Que aquele grupo que formamos quando criança tinha sido desfeito e formado laços muito diferentes.

Sasuke agora era meu marido e Naruto era nosso amigo, não éramos mais nós três contra o mundo, a dinâmica tinha mudado e, apesar de estar imensamente feliz, aquilo me deixava com um senso de nostalgia que me assombrava ao ver fotos daqueles três adolescentes espinhentos ou crianças sorridentes.

A minha vida de casada não podia ser mais feliz, eu e Sasuke conseguimos compensar todos os anos que passamos separados nos amando incondicionalmente todos os dias. Ele não viajava mais, já que o assunto com a sua família estava resolvido, mas nós nunca falávamos sobre isso. Era um assunto que ambos não gostávamos de mencionar, como se reviver o passado fosse trazer alguma daquela tristeza de volta.

Sasuke ainda tinha pesadelos e eu ainda era uma espectadora de seus pensamentos angustiados, mas dessa vez eu tinha um papel a cumprir e sentia que tinha liberdade de confortá-lo e tornar-se sua confidente. Ele compartilhou muito de suas dores comigo e eu, que sempre as absorvi sem seu consentimento, agora tinha permissão de senti-las com ele.

Percebi então, que passei minha vida, que sempre fora fácil de viver, como espectadora da vida desses dois meninos e de suas aventuras, sempre infiltrando-me em suas mentes e momentos, absorvendo qualquer emoção que eles possuíam. Era uma testemunha, talvez nem um pouco relevante.

Quando compartilhei desses meus pensamentos, que nunca me foram negativos, Sasuke respondeu uma coisa que eu nunca vou esquecer:

– Você sempre foi o que nos manteve juntos, Sakura. Sem você, nada do que você presenciou teria acontecido.

Com um sorriso, comecei a reviver os momentos na minha mente, percebendo então que minha presença talvez fosse mais determinante do que achara. Talvez eles precisassem de alguém que não sofria para dar-lhes esperanças. Talvez precisassem de um ouvido neutro para desabafar, de alguém que não conhecia a perda e o horror. Precisam de um sorriso realmente sincero e de algum comentário supérfluo.

Talvez, na verdade, eu nunca tivesse sido uma testemunha, mas sim uma peça importante naquele trio único. Uma luz que os lembrava que a felicidade existia, que a simplicidade podia ser alcançada e que nem tudo era dor e caos.

Satisfeita com o meu papel na nossa relação peculiar, me vi cobiçando por um vislumbre daquelas três crianças que se apaixonaram pela vida há muito tempo. Em uma tarde de outono e, talvez afetada pelos meus hormônios de grávida, liguei para Naruto e pedi para ele passar em casa sozinho porque precisava muito ir em algum lugar.

Seu filho tinha acabado de nascer e eu sabia que ele era muito ocupado com seu trabalho, mas acho que o meu estado físico e emocional o fez pensar duas vezes antes de recusar. Foi ainda mais fácil de convencer Sasuke, que tinha se tornado em uma pessoa completamente diferente ao atender todos os meus anseios, pensando que eu ia quebrar a qualquer momento.

– Onde vamos? – Naruto perguntou, enquanto coçava sua barba por crescer. Eu percebi as noites sem dormir em seus olhos e o cansaço em seu cabelo desgrenhado. Sorri feliz, porque ele precisava disso o tanto quanto nós.

E com uma facilidade que não me surpreendeu, me vi indo em direção ao nosso ponto de encontro, onde compartilhamos tantas dores e lágrimas, mas também segredos, sorrisos e amores. Nas nossas raízes, perto da nossa antiga escola, que agora estava abandonada. Fiquei encarando as ruínas do que foi o nosso palácio por alguns minutos antes finalmente chegar na árvore e perceber que ela, ao contrário de seus arredores, estava imponente e firme.

Naruto riu ao finalmente perceber onde estávamos e Sasuke se contentou em dar um suspiro de alívio justificável, porque eu já levara eles em lugares inimagináveis por causa dos meus impulsos hormonais.

– Lembra quando conseguíamos nos apoiar e nos esconder totalmente nessas raízes? – Naruto falou, nostálgico e eu sorri, olhando para onde ele apontava. Nosso ninho parecia muito menor do que eu lembrava, era quase como se pudesse ser o ninho de qualquer outra pessoas e raízes comuns. Mas logo, vi de relance a energia aconchegante que aquele lugar passava e quase me senti em casa novamente. Não tinha trabalho para me preocupar, ou barriga para me incomodar.

Demorou um tempo até eu finalmente achar o que eu queria, um pequeno “7” que incrivelmente ainda estava cravado na madeira daquela árvore enorme. Eu sabia o que estava embaixo dele. Sasuke viu minhas intenções de me abaixar e se propôs em meu lugar, cavando o lugar em procura de um pequeno baú que nós três lembrávamos bem de termos escondido, junto com nossas previsões para o futuro.

Quando tiramos o pequeno baú daquela terra abandonada, eu quase pude enxergar as três crianças felizes que enterraram nos olhares dos meus amigos. Eu não lembrava o que eu tinha colocado ali e sabia que Naruto também não, mas tínhamos toda a certeza o que Sasuke iria encontrar. De mãos dadas, fortalecendo nosso laço de anos, eu abri e nos deparamos com a foto desbotada de Itachi Uchiha sorrindo com o seu irmão mais novo.

Naruto pegou o livro de Jiraya com os olhos lacrimejando e eu sorri ao ver meu laço vermelho. A memória daquela tarde passou pela minha mente em detalhes e eu quis voltar no tempo e abraçar cada uma daquelas crianças, dizendo que tudo iria ficar bem e que eles não precisavam se preocupar com o futuro.

Ficamos um tempo em silêncio, apreciando nosso próprio passado e tentando apontar exatamente o exato momento em que deixamos de nos tornar nós e nos tornamos três pessoas diferentes, em caminhos e escolhas distintas.

Quando deixamos de ser aquele time infalível para nos tornarmos adultos chatos e cheios de contas a pagar. Quando, em um milhão de anos, imaginaríamos ter filhos e responsabilidades? Era engraçado pensar em um passado no qual aquele futuro era inimaginável. Em que a Sakura de 7 anos nunca pensaria que se casaria com seu melhor amigo.

– Olha, minha lição de casa. – Naruto disse, puxando um papel velho de dentro do livro. – É, acho que entendi porque eu ia tão mal na escola.

Livres de nossa nostalgia interna, encaramos ele e começamos a gargalhar, agora relembrando as memórias em voz alta. Eu lembrei de quando tomamos nosso primeiro porre e percebi que nós três tínhamos uma versão bem diferente daquela história. E percebi, então, que a vida era assim. Percepções diferentes das mesmas memórias.

Memórias que pra mim eram absolutamente dolorosas, talvez fossem lembradas com muita ternura por outra pessoa e isso que tornava tudo tão maravilhoso. Nunca estávamos livres do passado e o futuro sempre continuava incerto. Continuaríamos criando novas memórias e nos moldando por elas e qualquer obstáculo que estava por vir só serviria como aprendizado e continuaríamos sorrindo, lembrando dos sonhos de infância e dos nossos olhos esperançosos.

E do gira-gira, das lápides, do abandono e daquelas três crianças que apreenderam a se amar em um mundo cheio de ódio.


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Notas finais do capítulo

Oieee, tá aí, último capítulo. Gostaram?

Essa fic foi bem diferente de tudo o que eu já escrevi, resolvi testar um estilo e tentar uma história cronológica comprida, mas ~editada~ pela narração. Não sei se funcionou ou não, mas acabei gostando da experiência. Normalmente faço histórias ENORMES haha

Enfim, o que acharam? Aceito críticas, pedras e qualquer coisa, deixem uma marquinha para eu saber que estiveram por aqui (:

Obrigada por acompanhar até aqui S2

Beijocas :*