Espiral escrita por Gaia


Capítulo 1
Sete




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I

A primeira lembrança que eu tenho de nós – e com essa palavra eu quero dizer eu e ele como... nós... e não eu e ele como indivíduos – é de quando tínhamos 5 anos. Éramos inocentes, vizinhos, amigos... crianças. E víamos o mundo como o mundo nos via, com inocência, com diversão, com cor e alegria incondicional.

Tudo era novo e tudo era um descobrimento maravilhoso, como se fosse importante viver cada pequena descoberta intensamente e tudo importasse mais do que qualquer coisa que fossemos viver. Porque não sabíamos o que era o futuro e que cresceríamos em sua direção. Tudo o que importava era o ali e o agora e éramos livres de qualquer preconceito imposto pela sociedade, de qualquer pré-disposição e expectativas.

Estávamos no parquinho da escola, o único lugar que conhecíamos de verdade e que era nosso refúgio livre de pais.

– Sasuke! Gira mais forte! Seu fracote! – Naruto berrava, com aquele sorriso de orelha a orelha que só ele conseguia dar. Ele era uma criança energética e feliz e eu lembro de seu sorriso como lembro de seus olhos: calorosos, corajosos e persistentes.

– Gira você, então! – Sasuke retrucou, sentando de braços cruzados no gira-gira, enquanto Naruto aproveitou a deixa para levantar e mostrar toda a sua força. Eu estava segurando com as duas mãos dos ferros como se fossem a minha única conexão com a vida e olhava para os dois maravilhada. Eles eram tão fortes, tão espertos, tão engraçados.

Naruto girou, girou e girou e sentou-se enquanto ainda era possível. Lembro do vento batendo no meu rosto, trazendo lágrimas para os meus olhos, dos meus cabelos rosados se embaraçando e as cores se misturando. Lembro do sorriso dos meus melhores amigos e dos meus gritos histéricos. Do suor da minha mão e o meu desespero ao tentar segurar com mais força, enquanto rodava e rodava e rodava.

Pouco a pouco, o brinquedo parou e o que sobrou foram três crianças - amigos desde que nossos pais decidiram esse destino para nós - rindo alto e acreditando que a vida era aquilo: cores, risadas e amizade.

Mesmo na escola, a nossa harmonia era quase magnética. Sasuke era quase um prodígio, sabia o alfabeto de trás pra frente e até escrever seu nome completo em letra cursiva. Ele era dedicado e muito concentrado, todos os professores o elogiavam por aprender tão rápido.

Comparada a ele, eu era só esforçada. Não tinha nenhum talento especial e estudava bastante para ter as mesmas notas que Sasuke tinha sem nenhum esforço. Prestava atenção nas aulas e tentava fazer minhas lições de casa assim que chegasse em casa.

Mas Naruto, apesar de ser extremamente perspicaz com muitas coisas, tinha uma dificuldade imensa em decorar qualquer coisa que lhe era ensinado. Era barulhento, reclamão e impaciente.

Um dia, em uma aula de artes, Naruto encarou o desafio no pedaço de papel a sua frente e logo bufou, se recusando a fazer. Começou a reclamar, como sempre fazia, quando Sasuke o puxou pelo braço e o mostrou a sua folha.

– É assim que se faz. As linhas você tem que fazer com a régua, se não nunca vai ficar certo! – ele insistiu e Naruto bufou. – Ah, deixa pra lá, eu faço pra você! Mas não conta pro professor, ok?

Fiquei inconformada por eles estarem trapaceando, como podia Sasuke fazer a lição de alguém que não era a dele? Aquilo era contra as regras! Olhei para o professor e vi se ele estava ciente do grave crime que estava sendo cometido, quando Sasuke olhou pra mim e colocou o indicador na boca, fazendo um “shh” e sorrindo logo depois.

Finalmente entendi tudo. Era um segredo e eu não podia contar pra ninguém, nem mesmo o nosso professor podia saber daquele assunto super secreto que tinha sido confiado a mim. Então não contei. E sorri de volta.

Lembro de ter me sentido a guardiã de um segredo importante, parte de alguma coisa que só nós três podíamos saber e entender. Foi a primeira vez que eu me senti pertencente de algum lugar e como se realmente se importassem comigo.

Quando recebemos nossos trabalhos de volta, todos nós tiramos 7 e achamos que era uma coisa legal demais para ser simplesmente coincidência. Não nos ocorreu que era óbvio que Sasuke tinha tirado a mesma nota de Naruto porque os trabalhos eram iguais, estávamos felizes demais com as coincidências do destino para pensar logicamente. Pensamos que estávamos ligados de alguma forma, como podíamos ter acertado as mesmas coisas?

Naquele dia, quando nos encontramos no parquinho, decidimos juntar os nossos papeis com fita crepe e enterrá-los na areia. Era a maior prova de que éramos iguais.

Lembro-me bem de enxergar Naruto e Sasuke como meus cavaleiros nobres, que me salvavam e protegiam de todos os obstáculos da vida. Eles tiravam o inseto nojento do meu cabelo, me faziam rir quando eu caia e machucava meu joelho, encaravam feio qualquer um que risse da minah testa e dividiam qualquer doce que tinham. Eram meus heróis e eu era a princesa que devia ser protegida.

Eu me sentia bem, me sentia especial e amada. Éramos um time, éramos inseparáveis. Eu tinha toda a certeza que podia caber em uma criança de 5 anos que ficaríamos daquele jeito para sempre.

II

O nosso esconderijo exclusivo era no parquinho, atrás de uma árvore antiga que tinha raízes grandes o suficiente para nos acolher entre elas como se fosse uma pequena cabana aconchegante. Era o nosso confessionário, onde nos encontrávamos para fazer coisas secretas como trocar nossos lanches ou falar mal de algum professor.


Combinávamos brincadeiras, nos escondíamos juntos e usávamos como forma de nos comunicarmos quando tínhamos aulas diferentes. Colocávamos uma pedra em cima dos nossos bilhetes e amarrávamos um fio de cabelo para sabermos de quem era.

Mas principalmente, era onde podíamos ser nós mesmos. Eles não podiam chorar na frente de ninguém por serem meninos, então quando se machucavam ou alguém era muito maldoso, sempre corriam para as raízes e deixavam as lágrimas cair.

Eu chorava porque falavam que eu tinha uma testa grande, Naruto chorava porque o chamavam de burro e Sasuke chorava por seu irmão ausente.

– Ele disse que ia voltar essa semana. – ele choramingava. – Mas não voltou. Acho que meus pais odeiam ele.

– Isso é mentira, meus pais disseram que pais não podem odiar os filhos. – Naruto respondeu imediatamente.

– Como assim? – perguntei, realmente interessada naquela teoria.

– É impossível os pais odiarem os filhos. Não dá. – ele explicou e eu o encarei encantada com todo aquele conhecimento. – É verdade, Sasuke, meus pais nunca mentiram!

Sasuke encarou o amigo com curiosidade e enxugou o rosto na manga.

– Seu irmão deve estar em um lugar secreto e não pode falar pra ninguém. Tenho certeza!

– É... Pode ser.

Ele deu um sorriso e eu fiquei feliz por saber que os pais de Sasuke não odiavam seu irmão.

– Vem, vamos pegar minhocas! – Naruto sugeriu e nós levantamos em um pulo e fomos correndo mexer na terra.

Mas por mais que eu tentasse, não consegui parar de me perguntar que lugar secreto o irmão de Sasuke tinha ido.

Eram raras as vezes que Sasuke realmente chorava e falava do seu irmão, normalmente ele se encolhia no canto das raízes e ficava calado por muito tempo, enquanto brincávamos e Naruto tagarelava. Não entendia direito porque ele não queria brincar, nós estávamos nos divertindo tanto! Ele não percebia que não precisava de seu irmão para brincar?

Mas eu o deixava quieto, porque não queria fazê-lo ficar ainda mais triste. Eu não gostava de vê-lo chorar, preferia muito mais quando ele sorria para mim e eu sorria de volta. Era como se pudéssemos ler a mente um do outro e transmitir a felicidade.

Nesses casos eu percebia que os olhos de Sasuke estavam distantes e que o negro parecia um vazio que eu podia explorar, como o escuro do meu quarto que eu odiava. Ele normalmente me encarava de volta e dava um meio sorriso que eu sabia que era forçado. Mas algo naquele sorriso me dizia para não investigar e não perguntar nada, então eu acenava com a cabeça e continuava ouvindo Naruto.

– Ei, Sasuke! O que foi? – Naruto perguntava de vez em quando. Ele não era tão perceptivo quanto eu, ele não entendia que Sasuke talvez quisesse ficar em sua bolha de tristeza.

– Nada! – mas os olhos dele sempre diziam outra coisa. Sua voz falhava e sua boca tremia. Eu conhecia essa expressão, eu fazia todo dia quando era mais nova e minha mãe insistia em me dar verduras de almoço.

Eu percebia que ele não queria falar, mas também conhecia Naruto e sabia que ele conseguia tudo o que ele queria por causa de sua persistência.

– Quem nada é peixe! – ele sempre respondia, como se sua afirmação fosse a mais brilhante possível toda vez. – Vamos lá tentar pegar umas balas da bolsa da diretora!

O sorriso cativante de Naruto e seu entusiasmo exagerado em ir comer balas sempre nos fazia levantar também e, quando eu tinha sorte, eu conseguia ver a sombra de um sorriso brotando no rosto de Sasuke.

Depois de doces, esquecíamos qualquer tristeza, mas mesmo depois de anos, eu nunca esqueci o olhar que Sasuke tinha naquelas tardes.

III

A minha primeira lembrança de chorar de rir foi alguns anos depois, quando ainda éramos crianças, mas nos sentíamos adultos, porque afinal, sabíamos de tudo sobre tudo. Estávamos escondidos nas raízes em uma brincadeira de caça ao tesouro, éramos um time e precisávamos planejar uma estratégia infalível para decifrar as pistas e ganhar o jogo.

Naruto, que odiava perder, já tinha pensando em mil jeitos criativos de encontrarmos o tesouro sem ter que decifrar as pistas, enquanto Sasuke, com a mesma aversão pela derrota, se concentrava em analisá-las com muita concentração.

Apesar de todos os nossos esforços, ficamos em segundo lugar, perdendo para o time de um dos meninos mais inteligentes da nossa sala, o Shikamaru. Eu não gostava muito dele, porque ele era preguiçoso e mesmo assim ganhava os jogos de estratégia e eu achava extremamente injusto o talento vencer o esforço.

Frustrados e derrotados, nos encontramos depois da aula para reavaliar nossa conduta.

– A gente só perdeu porque você me confundiu com a última pista! – Sasuke acusou Naruto, como eu previ que iria acontecer. Apesar de serem melhores amigos, eles brigavam sempre por coisas irrelevantes, sem perceber que eram exatamente iguais em muitas maneiras.

Enquanto eles brigavam e culpavam um ao outro por uma coisa que obviamente era inevitável, eu pensei em algum jeito de fazê-los sentir-se melhor pela derrota.

– Ei, e se nós fizéssemos nosso próprio tesouro? – sugeri, feliz. – E daqui uns anos, podemos desenterrar e vender, já que coisas antigas sempre são valiosas!

Vi o sorriso dos meninos se abrirem e fiquei satisfeita com a minha própria ideia. Mais tarde, nos encontramos com uma coisa valiosa de cada um.

– Olha, eu encontrei esse baú em casa. – falei, mostrando um pequeno baú que minha mãe usava para guardar suas joias. Eu tinha certeza que ela não ia sentir falta e ele não era brilhante, nem nada.

– Eu começo! – Naruto exclamou, tirando um pequeno livro de dentro de sua blusa. – Meu padrinho escreveu esse livro e tem o meu nome, é de onde meu pai tirou a ideia pro meu nome!

– O que é um padrinho? – perguntei, pegando o livro e lendo o título com dificuldade.

– É tipo um segundo pai! Se algum dia meu pai viajar, meu padrinho que vai cuidar de mim, legal, né? – respondeu, eufórico e eu acenei que sim com a cabeça.

Devia ser legal ter dois pais.

– Esse livro não é valioso! – Sasuke acusou.

– É sim! Só tem ele com o meu nome! – Naruto retrucou e colocou o livro dentro do baú, empurrando até o fundo. – O que você trouxe de tão especial?

Sasuke segurava alguma coisa bem apertado perto do seu corpo e parecia hesitante em mostrar, então eu mostrei o que eu tinha levado. Era o meu laço vermelho favorito, que eu tinha começado a usar depois que a minha amiga Ino me ensinou a não ter vergonha do tamanho da minha testa.

– Sakura-chan! Vão existir laços vermelhos no futuro! – Naruto reclamou.

– Não como esse, esse é especial! Ele tem poderes. – falei, sabendo que ele não ia entender.

– Não acredito! – ele insistiu, mas eu já tinha colocado o laço dentro do baú.

Então, olhamos para Sasuke e ele encarou o chão quando estendeu uma foto sua nas costas de um menino mais velho que era muito parecido com ele. Os dois estavam sorrindo e pareciam extremamente felizes, paralisados naquela imagem como se nada no exterior os afetasse.

Mesmo com toda a minha inocência eu percebi que não era a foto que era valiosa para Sasuke, mas sim o momento congelado nela, um instante de pura felicidade, no qual ele estava com seu amado irmão. Um momento que talvez não vivesse muitas vezes.

Eu lembro do silêncio que se estabeleceu depois e como eu e Naruto não sabíamos o que falar. Nós não sabíamos como Sasuke se sentia e não entendíamos o que tudo aquilo significava, mas decidimos silenciosamente que se era precioso para ele, era precioso para nós.

Peguei a foto com cuidado e coloquei dentro do baú e o fechei. Naruto cavou um buraco e nós enterramos nossas memórias dentro, como se fossem uma relíquia imortal que seria procurada por todos os melhores colecionadores do mundo.

Sasuke pegou uma tesoura de seu estojo e escreveu um 7 na árvore, em cima de onde tínhamos enterrado.

– Por que sete? – eu e Naruto perguntamos em uníssono.

– Porque hoje é dia 7 e temos 7 anos e todos tiramos 7 naquele trabalho. E não podemos escrever nossos nomes, se não vão descobrir. – ele explicou, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. Mas para nós, fazia todo sentido do mundo.

Quando finalmente o número estava cravado e nosso tesouro enterrado, sentamos na terra e ficamos conversando sobre o último episódio de um desenho de ninjas que assistíamos todos os dias. De repente, Naruto fez um expressão de puro horror e levantou-se ao exclamar:

– Eu acho que minha lição de casa estava dentro daquele livro!

Eu encarei Sasuke e demorou segundos para começarmos a gargalhar até nossos olhos lacrimejarem. Naruto coçou sua cabeça e deu um sorriso nervoso, mas logo juntou-se a nós, enquanto lágrimas caiam de nossos olhos, expressando a euforia das nossas risadas.

E se eu pudesse congelar um momento, seria aquele. De nós rindo excessivamente e felizes de verdade, com todas as nossas essências expostas, em nossa forma mais pura e inocente, ainda tão intocáveis pelas crueldades do mundo. Com nossas lágrimas só de felicidade e nosso futuro todo pela frente, com toda a incerteza do que poderia acontecer e milhares de escolhas a serem feitas.

Seria uma linda foto de três crianças esperançosas por um futuro em que estariam juntas e se divertindo da mesma forma, com sorrisos no rosto e amor nos olhos.


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Notas finais do capítulo

Oiee, espero que tenham gostado.

Essa é só a primeira parte, claro. Pensei em fazer capítulos longos e divididos assim mesmo, mas se preferirem, posso dividir tudo.

É que pra mim faz mais sentido assim, já que contarei ~momentos~ da vida deles. De qualquer forma, gostaram?

Comentem, critiquem, façam o que quiserem S2

Beijocas :**