Hunter - A caçada começou escrita por Julia Prado


Capítulo 4
Um recado para Jacob Black


Notas iniciais do capítulo

Nos falamos la embaixo ;*



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Eu cumpri minha promessa fielmente. Para falar a verdade, não era tão difícil assim. Eu mal tinha contato com o pessoal da reserva, a não ser por Colin e Brady. Esquecer do que tinha acontecido foi a coisa mais fácil que já fiz. Mas isso é por que me empenhei. Passei a sair mais com Austin, Graham e Lali. Por mais que a última pessoa não ficava tão feliz ao me ver com eles. Por vezes também saia com Colin e Brady, quando eles tinham tempo para isso, mas era muito raro. Eu ainda achava muito curioso e estranho todo esse segredo que a Reserva Quileute tinha com sua cultura. Para mim, quando as pessoas se esquivavam de respostas e de contato social, isso só significava uma coisa: sujeira.

Não conseguia ver no que a reserva poderia estar fazendo de errado, mas até pouco tempo eu também não sabia que uma gangue circulava por ali. Com Jacob como líder, ao que tudo indicava. Para cumprir com mais eficiência minha promessa, também não arranjei motivos para ir até a reserva, não que já tivesse feito isso. Foi muito simples. Ao começar a sair com Austin e os outros, John e Jane pararam de se preocupar com o meu isolamento, então não me arrastavam mais para a reserva sempre que precisavam ir até lá. Na verdade, comecei a notar que meu pai estava indo muito para lá. De longe ele era o morador de La Push mais próximo dos nativos quileutes.

Uma semana se passou. Duas semanas. Três semanas. Um mês.

Tudo parecia muito diferente. Eu já não via mais como uma obrigação sair com o pessoal, nem rir com eles no refeitório, ou durante as aulas. La Push tinha atravessado minhas barreiras sem eu nem perceber, sem nem dar tempo de ficar na defensiva. Quando vi, já estava planejando saídas como todos os outros. Toda sexta-feira nós buscávamos por qualquer coisa que não fosse caro demais e muito longe. Passávamos poucos finais de semana separados, às vezes só andando pela praia. Outras vezes indo para festas que outros alunos davam.

Eu não podia chamar aquilo de festa, não quando vinha de Los Angeles, mas acho que a intenção era o que contava. Naomi não ficou muito feliz com as minhas saídas constantes, ela sempre foi uma amiga muito ciumenta, mas superou assim que a convidei para passar as férias comigo. Por mais que ela odiasse cidades pequenas, a perspectiva de nos encontrarmos superava essa aversão.

Puxa. Eu nem tinha notado, mas já estávamos entrando no outono. O tempo aqui estava piorando, se é que um dia foi bom. Houve alguns dias de sol, mas não o suficiente para esquentar. Eu tinha tentado aproveitar ao máximo que podia, sempre ficando fora pelo mesmo tempo em que o sol também ficava.

Mas não era só o tempo voando que estava me surpreendendo, e sim minha relação com Austin. Eu nunca me imaginei com uma irmã, nem com o sentimento de ter uma. Naomi era minha melhor amiga, mas até ela eu conseguia manter uma distância. Era minha amiga e não minha irmã. Austin tinha conseguido, bem aos poucos, conquistar um espaço maior do que eu jamais fosse admitir. Eu me divertia com ela o tempo todo, fazíamos coisas juntas sem nem ao menos eu me dar conta que estávamos juntas. Era algo tão natural e leve, que só notei quando demos uma pequena festa do pijama.

A primeira noite em que todo mundo ficou junto.

Tivemos que implorar para os pais de Colin e Brady os deixarem ir, seja qual fosse o que os segurava dentro da reserva, não era páreo para as minhas suplicas. De uma forma ou de outra, eu sempre conseguia o que queria. Tinha sido uma noite bem divertida, John não pegou muito no nosso pé, não o tanto que achei que ele fosse pegar. Deixou a televisão livre, assim como suas guloseimas de final de semana. Todo mundo dormiu na sala.

Tive o desprazer de saber que Colin e Brady roncavam mais do que meu pai, e que Graham falava dormindo. De resto tinha sido tudo bem normal, sem nenhuma nojeira dos meninos.

E foi assim que conheci as melhores pessoas que eu poderia um dia conhecer.

Eles eram simples, engraçados e leais. Não havia nada mais que eu poderia pedir. De repente me imaginava saindo daqui e deixando tudo isso para trás, em busca de novos amigos e novas experiências. No início eu via isso como uma luz no final do túnel, mas agora já não era tanto assim. Eu tinha a completa noção de que não encontraria pessoas como eles em lugar nenhum do mundo. A bondade disfarçada de Brady sempre me fazia sentir acolhida; as piadas de Colin que salvavam qualquer um de um clima ruim; a lealdade silenciosa de Austin em cada olhada e sorriso; a amizade inabalável de Graham, junto com suas investidas amorosas; e até Lali conseguia ser legal quando queria. Era algo que eu tinha descoberto. Lali não tinha um problema direto comigo, ela tinha um problema com todo mundo. Era uma menina grossa e rabugenta, mas que às vezes poderia ser extremamente gentil.

Descobri que ela não me odiava tanto quanto alegava quando, na fila do refeitório, uma menina grandona me empurrou para o lado, tentando passar na minha frente. O xilique de Lali foi tão alto que todo mundo parou para assistir, ela até falou depois que o xilique foi por causa da fura-fila, mas enquanto berrava ela deixava bem claro que se encostassem um dedo em mim as coisas ficariam feias.

Era engraçado como as pessoas demonstravam suas afeições. Poderiam ser escandalosas e diretas, como Graham; brincalhonas e sorridentes como Colin; preocupado e atento como Brady; durona e marrenta como Lali ou tímida e gentil como Austin. E até havia a mim. Que demonstrava minha afeição da única forma que eu sabia: estando com eles.

Eu era mais do que grata por todos eles terem conseguido, mesmo sem saber, fazer com que eu me esquecesse do recado para Jacob Black, ou até mesmo do estranho quem me pediu para passar.

– Amanhã vai ter sol! – Graham anunciou assim que chegou ao refeitório. Muitos olharam para ele e riram, mas estavam tão acostumados com esses anúncios de Graham, que outros nem olharam.

Ele veio correndo para a nossa mesa, com uma lata de refrigerante na mão. Procurava não derrubar em ninguém, ao mesmo tempo em que parava para conversar com algumas meninas que jogavam risadinhas para ele. Esse era o problema de Graham, ele nunca conseguia seguir um caminho reto sem se desviar para as garotas que lhe olhavam. Honestamente, Graham não era tão bonito assim, mas seu sorriso fazia toda a diferença. Era largo, simpático e causava covinhas em suas bochechas. Era fofo.

– Último sol do ano então. – Colin disse se espreguiçando na cadeira. Estava cansado o tempo todo, assim como Brady. Eles andavam com olheiras todos os dias, bocejando para lá e para cá. Já tive que socar Brady nas costelas na aula de Matemática, pois ele tinha começado a roncar. Meu cotovelo ainda estava roxo com os diversos impactos em suas costelas antes de decidir socá-lo.

– Vamos para a praia! – Graham pediu.

Eu até poderia me cansar de ir à praia, mas as águas de La Push mudavam instantaneamente assim que o sol as tocava. Era lindo de se ver. As pedras também ganhavam novas cores, deixando a areia cinzenta como um quadro futurista. Eu gostava bastante dessa visão, por isso não me incomodava quando sempre íamos até lá.

– Ah não vai dar, tenho umas coisas para fazer na reserva. – Colin disse. – Não é mesmo, Brady?

Brady murmurou algo como um consentimento, mas tinha os olhos fechados e a cabeça apoiada em uma das mãos. Ele estava comendo o bolo de chocolate, mas parou no meio do pedaço para dormir. O que é que estava acontecendo com eles? Pareciam estar trabalhando a noite toda. Isso não era bom para ninguém, muito menos para alguém que estudava e tinha os exames finais chegando.

– Qual é! O que é que vocês tanto fazem por lá? – perguntei pela décima vez, mais por hábito do que em busca de uma resposta. Eles geralmente não diziam nada, só desconversavam, como se as minhas perguntas fossem uma brincadeira.

Eu não buscava saber por mais. Como disse antes, estava tentando me manter fora do radar da reserva, me preocupando mais com a minha vida social do que com qualquer outra coisa de fora. Eu só vi Jacob Black umas duas vezes depois da visita de seu amigo-não-tão-amigo. Uma no serviço de meu pai (virei as costas e sai assim que ele me olhou) e outra vez no restaurante novamente, enquanto buscava por mais sorvetes (larguei os sorvetes na bancada e fui embora sem eles). Eu não poderia explicar com precisão o motivo dessas minhas ações. Mas parecia mais certo me manter longe dele, caso qualquer pessoa dessa cidade estivesse prestando atenção, do que deixar que todos ficassem imaginando uma situação que não existia. Que nunca ia existir.

– Bom. Pena para vocês. – Lali disse bufando. – Graham e eu estávamos pensando em fazer um piquenique.

Antes que Colin respondesse, a mão de Brady escorregou e ele teve sua cabeça enfiada no bolo de chocolate, acordando com um sobressalto. Todo mundo começou a rir. Colin não se aguentava, estava dobrado em sua cadeira ameaçando Brady de comentar isso para todo mundo da reserva entre os acessos de risada. Minha barriga estava doendo de tanto rir, e não ajudou em nada enquanto Brady limpava o rosto sujo de chocolate com um guardanapo, as bochechas quase roxas de vergonha, mas com um sorriso nos lábios.

* * *

Graham estava certo. Havia um sol mais forte do que qualquer outro que vi desde que cheguei. Ele chegava a esquentar minha jaqueta de frio, a deixando um pouco acima do aquecido. Não era motivo suficiente para tirar, mas eu queria sentir esse calor na minha pele, então puxei as mangas da jaqueta e a retirei. Eu vestia uma blusa de manga longa branca por debaixo, mas arregacei as mangas o máximo que eu podia, para poder sentir melhor.

O céu não estava todo azul, mas em sua maioria sim. Fiquei olhando para cima até meus olhos lacrimejarem pela luminosidade. Queria gravar esse azul bonito em minha mente. Era tão raro por aqui, que ficava muito mais especial do que o céu de Los Angeles, que era constantemente azul. Eu andava com calma pela areia rochosa. Havia muitas famílias hoje, por mais que fosse quinta-feira. Elas se esticavam em lençóis e abriam suas cestas com comida. As crianças não podiam entrar na água congelante, mas brincavam em sua beirada, correndo todas as vezes em que o mar chegava perto demais, ou caçando conchas coloridas.

E mesmo assim, não era o suficiente para lotar a praia. Acho que isso era a melhor parte. Como se a First Beach fosse exclusiva. Para poucos. Só para aqueles que enxergavam sua beleza nas cores acinzentadas e brancas. Até mesmo o verde, que cobria alguns troncos caídos.

Graham, Lali e Austin andavam na minha frente, bem mais longe. Graham tinha ameaçado jogar Austin no mar e ela saiu correndo, com Graham no seu encalço e Lali atrás, gritando para que eles parassem de ser idiotas. Depois de um tempo passaram a andar juntos, trocando os pés quando um empurrava o outro. A cesta balançava perigosamente na mão de Lali, que não parecia estar prestando atenção o suficiente para notar que qualquer coisinha faria os lanches caírem. Antes de virmos, passamos na casa de Lali, pois sua mãe tinha feito os sanduiches e colocado algumas frutas.

Eu fiquei parada, encarando o mar. Os três tinham se sentado a não muito longe. Eu só queria curtir mais um pouco esse tempo sozinha. Apreciar o sol que batia nas ondas e as deixava brilhantes. Era um raro dia de sol. Então eu tinha que aproveitar o máximo possível.

Com um pouco de ousadia, eu fui me aproximando da beirada do bar, onde a areia já era mais mole e macia. Minhas botas deixavam pegadas e grudavam um pouco, mas não me incomodei em sujá-las. Eu gostaria mesmo era de entrar, se tivesse coragem. Mas nem quando morava na Califórnia eu entrava. O meu maior medo era o mar. Não por sua força e grandeza visíveis. Mas por que eu não tinha controle dentro dele. Não enxergava meus pés, não conseguia controlar o repuxe. Isso me deixava insegura, por isso entrei poucas vezes.

Mas gostava de sentir a água gelada nos meus pés, as conchas fazendo cócegas em meus dedos.

Eu tiraria as botas agora se não estivesse tão frio e se tivesse trazido alguma toalha. Mas eu não queria voltar com os pés molhados e azuis. Por isso só me agachei com cuidado para não me desequilibrar e toquei a ponta dos dedos nas águas que vinham em intervalos de segundos. Era extremamente gelada.

Abaixo dos meus dedos senti uma concha mais firme. Era azulada e cinza. A peguei nas mãos. Quando a colocava no sol, ela brilhava com um arco-íris de cores, o azul metálico sendo tão forte que machucava os olhos se encarasse demais.

– É muito bonita.

Olhei para o lado, mas nem precisei levantar muito o rosto. A garotinha era bem pequena e não me encarava, tinha os olhos grudados na concha, seu desejo se tornando muito óbvio. Era uma careta engraçada, que ela fazia. Tinha os olhos amendoados levemente arregalados, de um verde escuro e raro. Os cabelos eram negros e ondulados, pendendo em sua cintura. Ela vestia roupas de frio, mas tinha os pés descalços e as calças enroladas de qualquer jeito. A pele era marrom-avermelhada.

– Você quer? – perguntei contendo um sorriso. Não precisava nem perguntar.

Ela balançou a cabeça. Coloquei a concha em suas mãos pequenas.

– Tem que tomar conta dela. – falei – É muito rara.

A garotinha analisou a concha no sol, como eu estava fazendo antes. Seu rosto se abrindo em um sorriso bonito e infantil. Os dentes eram pequenos e bem brancos. De leite ainda. Ela não devia ter mais do que quatro anos.

Eu me levantei, pronta para ir embora.

– Qual é o seu nome? – ela perguntou, colocando a mão na frente dos olhos ao levantar o rosto para me ver. Voltei a me agachar.

– Gaele. E o seu?

– Gaele? Que tipo de nome é esse? – pendeu a cabeça para o lado.

Eu ri.

– É grego. – admiti, mas sabia que ela não saberia o que isso era. Para a minha surpresa, ela assentiu com o rostinho bem sério.

– Como Atenas e Afrodite?

– Isso mesmo. – minha voz não poderia soar mais surpresa. Ela não parecia ter idade para saber ler, como saberia sobre a Grécia Antiga? Era curioso.

Um sorriso cresceu em seu rosto.

– Meu nome é Lynn Call. – disse animada. Um peso se formou na boca do meu estomago ao reconhecer o nome. Não poderia haver muitas Lynn por aqui, não é mesmo?

Então isso significava...

Ergui meu corpo e olhei para trás. O ar saiu quente de meus lábios, formando um vapor denso na minha frente. Eu ouvia Lynn comentar alguma coisa a mais sobre a concha que segurava, acho que era sobre seus bolsos cheios de conchas bonitas e coloridas. Mas meus olhos estavam pregados em outra pessoa.

Jacob Black estava parado há não muito longe de mim. Ao seu lado eu sabia que o pai de Lynn também estava. Ele era mais baixo que Jacob, mas bem mais esguio também. Vestia um jeans e uma camiseta simples. Ele me olhava, curioso. Então começou a andar na nossa direção, enquanto Lynn corria na sua com a concha na mão. Eu desviei meus olhos de Jacob para a cena que se seguia na minha frente. O pai de Lynn abriu seus braços no momento em que a filha se jogou neles. Sem titubear, de uma confiança e ritmo incríveis. Ele a segurou bem alto, enquanto também colocava a concha no sol para observar. Havia muito cansaço em seus olhos, e ele era muito jovem, mas com feições mais velhas. No entanto, nada no mundo poderia ser interpretado se não por amor incondicional ao olhar para Lynn.

Minha atenção voltou para Jacob enquanto ele caminhava na minha direção. Não para Lynn e seu amigo, mas diretamente para mim. Dei um passo para trás e balancei a cabeça. Jacob parou onde estava, com o cenho franzido. Acho que eu nunca tinha propriamente negado a chegada dele. Tanto por que não dei espaço para isso nas outras vezes e por que também não nos víamos com tanta frequência assim. Poderia ser algo muito estranho mesmo para alguém como ele. Que mal conversou comigo, mas que eu já estava fugindo.

A garotinha bobinha que não quer falar com ele. Poderia ser embaraçoso se a minha mente não tivesse trazido as palavras do recado. Havia mais um motivo oculto pelo qual eu preferi reprimir qualquer contato e a entrega da mensagem: curiosidade. Eu tinha certeza de que iria atrás de respostas, sendo elas por Jacob Black ou qualquer outra pessoa. Eu ia querer saber o que aquele estranho estava querendo dizer, confirmar as histórias de Austin e descobrir se Jacob, realmente, tinha feito/fazia parte de alguma gangue.

Nada disso era da minha conta. Mas eu me sentia no dever de saber, já que um dos lados tentou me usar como correio.

Jacob colocou as duas mãos nos bolsos da calça, não avançou mais, mas também não deixou de me olhar. Lynn acenava para mim com um sorriso grande, a concha nas mãos. Acho que ela estava me chamando, mas eu não iria até lá. Acenei de volta e me virei, indo até meus amigos. Que eram tão fiéis que já tinham comido metade dos sanduiches quando cheguei.

– Eu ia guarda alguns para você! – Austin disse na defensiva assim que cheguei.

– É, sei que ia. – rolei os olhos e me sentei ao seu lado.

Eles começaram a brincar enquanto comiam, mas eu não estava realmente prestando atenção, por mais que um sorriso educado se mantinha no meu rosto. Havia um zunido estranho nos meus ouvidos, fazendo com que eu escutasse as coisas meio abafadas. Eu sentia minhas mãos tremerem também, mas não atribui isso à Jacob. Era só a minha preocupação em ser vista com ele. E o vento também estava mais gelado.

Apertei meu casaco no corpo. Meus olhos foram para o leste, observando a orla do mar. Jacob, Lynn e seu pai brincavam ali. Olhando assim, não dava para desconfiar que Jacob era um cara metido em coisas erradas, ele nem exalava tanto perigo. Mas acho que isso era por causa de Lynn. Ele parecia outra pessoa perto dela, do pouco que eu o vi. Estava agachado como eu, observando Lynn correr na orla da praia, fugindo de seu pai que tinha algas nas mãos e um sorriso travesso. Eles estavam se aproximando de nós.

Voltei meus olhos para Jacob rapidamente e notei que ele também me encarava. Tinha se levantado agora e os olhos estavam cravados em mim. Antes eu até conseguia ver a confusão em seus olhos quando neguei sua chegada, mas agora não havia nada para interpretar. Só um monte de segredos que o deixavam novamente com a aparência perigosa.

– Olha. É o Embry. – Austin disse animada acenando.

Quase a soquei para parar. No entanto, para o meu alívio eles não vieram até nós. Apenas cumprimentaram de longe. Agora era Jacob Black quem brincava com Lynn. Ele segurava seus bracinhos finos e todas as vezes que as ondas chegavam perto demais, ele a levantava e ela batia as pernas no ar.

– O Collin e o Brady também! – Graham disse animado.

Mas a minha animação morreu assim que notei com quem eles estavam. Eu não conhecia muitos jovens da reserva e também não sabia quem era essa gangue, mas parecia muito claro ao olhar. Eram meninos tão altos quanto Collin e tão fortes quanto Brady, com a mesma aparência jovem em um corpo muito desenvolvido. Eles andavam juntos, quase sincronizados. Uns empurravam os outros nas brincadeiras. Eles vestiam shorts e regata. Nada mais. Exatamente como Colin e Brady sempre andavam, não pareciam se incomodar com a temperatura.

Havia uma áurea de irmandade em todos, como se aquilo não fosse algo ruim ou uma obrigação. Austin também perdeu o sorriso dos lábios.

– Parem com isso! – Graham disse observando Lali também. – Eles são bacanas!

– São estranhos. – Lali bufou e passou a prestar atenção nas crianças na nossa frente. Como se dar ibope para os amigos de Colin e Brady fosse ridículo.

– Seth é legal! – Austin defendeu e depois corou. – Ele conversa com todo mundo.

– Seth é uma eterna criança. – Lali contra-atacou. – Mas não deixa de ser estranho também.

Eu não sabia de quem eles estavam falando, por isso não opinei. Só observei. Eu fazia muito disso e gostava dessa parte de mim. Eu era observadora, gostava de saber onde estava pisando e com quem estava lidando antes de emitir qualquer opinião. Acho que era por isso que ficava tão estranha ao lado de Jacob. Ele era uma das únicas pessoas que eu não consegui interpretar no curto período de tempo que tivemos juntos.

Colin e Brady nos olharam, acenaram com a cabeça, mas não vieram até nós. Seus rostos estranhamente sérios. Estava claro que eles não vieram nos ver e que não pretendiam nos encontrar aqui. Isso incomodava todos nós, mas acho que Lali era a que mais se irritava. Acredito que sua aversão a todos da reserva seja por isso, por afastar seus amigos. Ou talvez por que ela era explosiva mesmo, dada a reações de violência.

Eles pararam para conversar com Jacob e Embry. Enquanto Lynn mostrava suas conchas para um rapaz magro, mas com braços bem definidos. Ele tinha um sorriso de covinhas, com olhos e cabelos castanhos. Parecia ser muito jovem, mas ao redor de seus olhos era de uma seriedade não natural.

– Vamos embora? Não quero mais ficar por aqui. – Lali disse. Ela mesma já estava recolhendo as nossas coisas sem nem ter uma resposta.

Eu também não queria ficar, mas por motivos diferentes. Ainda via Jacob Black me olhando de tempos em tempos e preferia sair de lá antes que ele resolvesse burlar o meu pedido e vir tirar satisfação. Mandando-me parar de ser uma adolescente imatura que ficava fugindo dele assim que tinha a chance.

Ajudei Lali com algumas coisas, pronta para sair dali. Eu me levantei e limpei minha calça com as mãos. No entanto, Lali virou para trás e disse:

– Não podiam vir, né?! – seu rosto estava virado para Colin e Brady, que estavam encarando a nossa saída.

De imediato eu vi a tristeza no rosto deles ao nos olhar. Eu puxei Lali pelo braço, antes que ela decidisse ir acertar as contas com os dois com murros e tapas. Eu estava tempo o suficiente aqui para saber que Lali tinha a tendência de resolver seus problemas dessa forma. Nós subimos as escadas para o estacionamento. Lali bufava a cada passada, completamente transtornada que Colin e Brady tinham basicamente nos ignorado.

Eu não estava muito feliz também, mas não o suficiente para ficar com raiva. Mas sim para notar o quão estranho era a relação com o povo de La Push e os nativos da reserva. Colin e Brady pareciam outras pessoas quando estavam com eles, era isso o que eu sentia. Também sentia que aquele grupo que exigia que eles fossem assim, por que conosco eles eram muito diferentes, havia toda uma energia diferente.

Graham deixou eu e Austin em nossa casa enquanto seguia com Lali para a dela. Austin estava estranhamente quieta, eu não sabia se era por causa dos meninos ou qualquer outra coisa. Também não perguntei, ela viria me falar se sentisse essa necessidade. Havia coisas que eu não contava para ela (como o recado e como vinha me sentindo nesses dias), então seria injustiça minha tentar tirar isso dela.

Enquanto Austin ia fazer sua lição de casa eu refletia sobre como aquele grupo era estranho. Todos muito altos, todos fortes – uns mais do que os outros -, todos muito unidos também. Mas havia algo a mais. A forma como andavam, como se portavam, como conversavam uns com os outros. Não era só irmandade, era mais, era confidência. Podia ser típico de uma gangue, mas o que eu sabia sobre gangues? Minha mente tomou uma vertente inesperada. Repassei a cena na minha cabeça. Na forma como o grupo envolveu Jacob. Não sei se estou errada, mas eles pareciam pedir permissão, opinião. Jacob Black era, visivelmente, um modelo a ser seguido. E isso era estranho.

Ele parecia ser o líder, algo assim.

Balancei a cabeça para tirar esse pensamento. Eu não ia por esse caminho. Uma gangue em La Push? Pelo amor de Deus. O que é que eles iam fazer aqui? Contrabandear para Seattle, para Forks? O porto de La Push nem era tão grande, só recebia os barcos pesqueiros, nada demais. Fora que aqui não tinha importância o suficiente para poder se tornar um ponto vital para uma gangue se estabelecer. A fronteira com o Canadá era perto, esse poderia ser o único motivo.

Precisava fazer alguma coisa, ocupar a mente para não começar a divagar novamente sobre tudo o que eu observava e tudo o que Austin tinha me contado. Eu não queria ficar aqui remoendo tudo isso. Mas também estava cansada de ficar me policiando em cada pensamento e em cada ação.

A curiosidade me corroía por dentro, quase me destruindo. Eu ia morrer se não soubesse quem era de fato aquele estranho e o que ele tinha a ver com Jacob. O que tinha a ver comigo.

Fui tomar um banho, para ver se a água quente apagava esses pensamentos e relaxava os meus músculos o suficiente para que eu fosse dormir. Necas. Eu coloquei uma roupa qualquer e fui deitar, mas mesmo assim minha mente não parava. Eu pensava na mensagem, no estranho, no grupo da reserva, em Colin e Brady... Eu estava enlouquecendo!

Agindo mais por impulso do que por razão, eu vesti minhas calças jeans pretas, tendo um pouco de dificuldade por ser apertadas e meu corpo ainda estar um pouco úmido por causa do creme que passei. O dia estava bom o suficiente para eu arriscar um top cropped branco solto de alcinhas, mas um casaco preto para não sentir muito frio. Calcei meus coturnos e joguei a bolsa no ombro. Nem me importei com o cabeço molhado e que poderia ficar novamente doente. Na verdade, nem sei por que tinha me arrumado tanto.

Era algo natural para mim, sempre me vestir da melhor forma possível. Uma antiga tradição que eu tinha com Naomi em Los Angeles. E eu gostava muito de moda para perder isso aqui. Desci as escadas do pressa, os degraus rangendo com cada passada que eu dava. Peguei a chave do nosso caso e falei, por cima do ombro, que estava saindo e que não demorava.

Eu não sabia se isso ia dar certo. Provavelmente não, mas não tinha outra opção. Liguei o carro e dei a ré. Eu tinha uma vaga noção para onde tinha que ir, mas acho que se pedisse instruções no caminho eu conseguiria chegar. Eu sabia que o local ficava após o Departamento de Polícia de La Push, bem no início da reserva, mas mesmo assim não sabia exatamente onde. Então dirigi com cuidado pela Ocean Front Drive. Passei por alguma casas afastadas, mas no início da La Push Road.

Já estava dentro da reserva, então diminui a velocidade. Não havia muitos carros por aqui. As famílias tinham as portas de sua casa abertas, sem qualquer preocupação com assaltos. Eu sabia que La Push não constava no índice de violência da Península de Olympic, mas mesmo assim era exagero. Era algo que eu não tinha percebido quando vim algumas poucas vezes com meu pai. Estava focada demais em minha quase-depressão para me importar com isso.

Nem precisei de instruções. O local ficava antes de entrar na vila da By-Yak-Way. Era o único lugar do local grande o suficiente para comportar aquele número de carros e afastado, sendo a única casa daquele pequeno espaço. Eu não sei o que esperava do local, mas certamente não era isso.

A construção não era de madeira, era de ferro batido e tijolo. Tinha dois andares e era bem quadradinha. Na frente tinha muitos carros estacionados e não havia nome identificando, ou um logo. Apenas “Oficina Quileute”. Mas não acho que todos esses carros eram dos moradores da reserva. Estacionei no meio fio e sai do carro.

O vento abriu o meu casaco para o lado e minha barriga se encolheu com o leve frio, mas era algo bom. Eu estava me acostumando com esse tempo. Andei entre os carros, tomando cuidado para não tocar em nenhum, vai que meu azar quebrasse todos eles. Antes mesmo de entrar eu já ouvia o barulho de uma música de fundo e metal batendo contra metal, conversas e risadas.

A oficina estava cheia de homens, todos em volta de alguns carros conversando, enquanto algumas pessoas trabalhavam, mas também conversavam. Um garoto baixo para os padrões dos moradores da reserva veio até mim. Não pude deixar de notar seu olhar na minha barriga quase a mostra. Isso não me intimidou, na verdade, me irritou.

– Oi, sou o Quil. – ele disse sorrindo. – Quil Ateara, um dos donos. Posso te ajudar?

– Estou procurando por Jacob Black – falei com mais firmeza do que gostaria. Eu não sei por que estava tão tensa.

– É claro que está. – disse um dos homens, eu sabia que ele não era propriamente da reserva pelo seu jeito de se portar. Os quileutes eram mais contidos e simpáticos. E também por que eu já estava tempo o suficiente para saber quem era quem aqui.

Também não gostei do comentário daquele homem.

– Ele está lá no fundo, consertando alguns outros carros. – Quil disse estreitando os olhos para mim. – Vou chamá-lo.

– Não se incomode. Eu posso ir até lá. – falei erguendo a mão para fazê-lo parar de falar. – É por aquela porta? – perguntei apontando para uma porta atrás do balcão.

Quil ia negar, eu sabia que ele ia, mas não o deixei decidir. Passei por ele. Se ia ou não antes me impedir, não o fez. Acho que notou que eu não estava ali brincando. Passei por alguns homens que ainda brincaram sobre a situação. O balcão estava cheio de quinquilharias e papeis. Ergui a taboa e abri a porta.

Parecia uma segunda oficina, só que mais reservada. E eu entendia o motivo. Aqueles carros ali não eram para qualquer um. Eu nem sabia o que carros daquela marca estavam fazendo em um lugar como esse. Se havia uma coisa que eu entendia do meio automobilístico era de marcas. Havia um pessoal na minha escola que ia com esses carros-ostentação.

As minhas dúvidas sobre uma possível gangue estavam ficando mais confirmadas.

Não encontrei Jacob a princípio, por que estava distraída demais com os carros. Mas ele saiu debaixo de um Volvo prata reluzente. Tinha se trocado. Usava uma calça jeans suja típica para o trabalho, uma regata branca um pouco encardida também. Havia um lenço pendurado em seu bolso traseiro quando ele se levantou e o usou para limpar as mãos. Parecia surpreso com a minha chegada ali.

Eu absorvi o local aos poucos. Os quatro carros estavam um ao lado do outro, um pouco apertados, mas tinha espaço. Havia máquinas para levantar os carros, havia mesas cheias de ferramentas que eu nunca saberia para o que serviam. Assim como ferramentas nas paredes também. Um frigobar, uns sofás no canto e uma mesa cheia de papeis. A parte detrás do local estava fechada, mas eu podia ver as portas de madeira balançando um pouco por causa do vento.

Voltei meu olhar para Jacob enquanto entrava ainda mais no recinto. A coragem que me assolou em casa continuava pulsante aqui. Eu estava mais ousada perto dele do que jamais estive. Então notei, com satisfação, que eu estava – pela primeira vez – sendo eu mesma ao lado de Jacob Black. Estava no total controle da situação.

– O que está fazendo aqui? – ele perguntou. Havia um pouco de grosseria em seu tom, mas de resto não consegui interpretar mais nada.

– Checando a umidade do ar. – ironizei. Caminhei um pouco pelo lado dele, sentindo seu olhar me acompanhando a cada passada que eu dava.

Coloquei a bolsa em cima de uma mesa com ferramentas, por que não havia mais nenhum outro lugar para colocar. Eu ainda não estava me sentindo desconfortável, mas sabia que logo, logo eu me sentiria. Jacob ergueu as sobrancelhas para mim. Acho que tanto pela minha resposta quanto pela minha descontração.

– Preciso falar com você. – anunciei.

Jacob Black cruzou os braços e encostou o corpo esguio no capô do Volvo prata. Tinha curiosidade rondando o seu olhar, mas havia mais sentimentos ali. Entrando e saindo de foco, mas nunca realmente revelados. Jacob era um cara que segurava seus pensamentos com muita eficiência.

– Prossiga. – disse com um tom divertido.

Foi ai que eu titubeei. Ele estava no ambiente dele, aquela energia perigosa que me atraia e me afastava ao mesmo tempo o cercando como antes. Mas havia algo de terrivelmente belo nessa áurea. Um magnetismo que me deixava nervosa em como me atingia e na sua magnitude. Ele não era um homem que se brincava.

– Recebi a visita de um amigo seu. – falei cruzando os braços também, tentando absorver a descontração dele. Era mais fácil espelhar as atitudes deles do que se focar nas minhas, que tendiam a ficar tremulas ao redor dele.

Jacob franziu o cenho quando não continuei.

– Tenho muitos amigos.

– Farad.

– Nenhum deles chamado assim. – ele sorriu pela primeira vez em muito tempo que o via. Era um sorriso zombador, divertido e puramente travesso.

Meu coração disparou e eu tentei controlar minha respiração. Não havia motivo para me sentir assim perto de Jacob Black. Ele era só um cara durão que estava metido em algumas sujeiras, era óbvio só de olhar para a potência dos carros que estavam estacionados ali.

– Ele parecia conhecer você. – falei mantendo a voz firme. – Na verdade, parecia saber muito sobre você. Pediu que eu te desse um recado.

Jacob parecia estar se divertindo com aquilo, como se a situação toda fosse uma piada para ele. Como se ele não tivesse a mínima ideia do que eu estava falando. Eu senti que ele não tinha, talvez aquele cara nunca falou com Jacob, mas certamente não o queria fazer. Pensei sobre isso, no que tinham me metido.

– Recado? – ele riu baixinho. – Tudo bem, estou pronta para ouvir o recado.

Ergui um dedo.

– Antes de passar o recado. Gostaria de saber o porquê fui escolhida para dar ele. Talvez você consiga me iluminar, venho tentando descobrir, mas não consegui chegar muito longe.

Jacob ficou em silencio um minuto, pensando na minha pergunta. Então deu de ombros. Todo o humor se esvaiu de seus olhos, mas o sorriso zombeteiro continuava no canto de seus lábios, como se ele quisesse bancar o engraçado enquanto se preocupava.

– Não tenho ideia. Não sei nem de quem está falando.

Ele não parecia estar mentindo. Em geral eu tinha uma noção quando as pessoas tentavam me enganar, como um sexto sentido. Ou acho que por ser uma mentirosa hábil eu também conseguia identificar outros mentirosos.

Dei de ombros, decidindo arriscar.

– Vou parafrasear aqui. – aviei. – “Diga a ele que me encontrou. E que lhe darei um prazo de um mês. Diga também para que seus amigos do Alasca se retirem”. Gostaria de me explicar o recado tão esclarecedor? – avaliei suas feições.

O rosto de Jacob Black parecia entalhado em severidade e raiva. Eu me abracei com mais força, preocupada com essa faceta dele. Parecia um cara prestes a cometer algum ato de violência extremamente bárbaro. Eu via suas mãos tremendo. Nunca o tinha visto assim. Nunca fiquei tempo o suficiente com ele para saber que ele poderia ficar assim, mas a intenção era a mesma. Eu estava com medo.

Senti meu peito estremecer de pavor e agora as minhas mãos apertavam forte os meus braços. Concentrei todo o meu pensamento nessa tensão nas minhas mãos, que passavam para os meus braços. Eu não ia perder o controle. Não ia sair correndo e gritando como tinha vontade de fazer. Trabalhei a minha respiração e concentrei minha mente em algo além do medo. Concentrei minha mente em como Jacob, mesmo silenciosamente transtornado, era muito lindo. Uma beleza quase desconcertante, mas muito natural. Nada forçado demais.

Quando vi que esses meus pensamentos estavam sobrepujando o medo e que agora eu poderia reprimi-lo com mais força, consegui fazer. Respirei fundo e coloquei o medo para dentro, lidando com ele depois. Eu tinha respostas para conseguir.

Jacob também parecia estar se controlando, pelo menos suas mãos pararam de tremer.

– Qual era o nome dele mesmo? – perguntou com a voz baixa.

Sobrepujei novamente o medo para poder responder com a voz firme. Quando senti minha garganta se desprender, falei.

– Farad. Deixe-me ver: nunca viu esse cara na sua vida, não é mesmo? – pendi a cabeça de lado. Descruzei os braços para não me machucar.

Comecei a andar um pouco e isso tirou mais a tensão dos meus ombros. Fui para outra mesa, avaliando o material que Jacob tinha, mais para descontrair do que por interesse. Eu não entendia nada de carros. Então passei meus olhos para um Aston Martin raro. Ergui as sobrancelhas para Jacob com isso. Passei de leve os dedos no capô do carro. Admirando.

– É um belo carro. – falei.

– Sim. – ele parecia longe dali.

– Onde é que pessoas como essas andam por aqui? – minha voz trazia uma certa acusação.

– Pessoas diferentes de nós. – dessa vez ele voltou para o local onde estava, cravando os olhos em mim.

Senti aquela pressão no peito que às vezes sentia quando ele me olhava dessa forma. Tentei me posicionar melhor para passar mais segurança, fiz isso aprumando um pouco mais meus ombros. Ele não deixou de notar isso e sorriu divertido. Trinquei meus dentes, mas não fiz mais nada.

– Quando é que esse meu amigo te passou o recado?

Uh, não era uma pergunta que eu ia responder. Então dei de ombros.

– O importante é que eu te passei.

Jacob coçou o queixo enquanto me olhava.

– O que me faz imaginar o motivo.

Voltei a caminhar para perto da minha bolsa, de frente para Jacob. Caminhar me desestressava. Me deixava mais calma e assertiva. Eu gostava de estar calma, de sentir que estava no controle da situação. E esse era um dos problemas em estar próxima de Jacob: eu raramente me sentia assim.

– Me colocaram de gaiato nessa história toda. – falei e voltei a cruzar os braços. – Esse cara vem me procurar na escola, com esse negócio de recadinho, como se eu fosse muito próxima de você. – rolei os olhos. – O que me leva a pensar o quanto ele sabe sobre você e o quanto você não sabe nada sobre ele. Esse tal de Farad está observando você, e de alguma forma eu entrei no radar. Quero saber o motivo.

– Adoraria te dizer se ao menos eu soubesse o motivo. – ele tornou a coçar o queixo.

– Mentiroso. – acusei. Sabia reconhecer uma mentira quando a escutava e Jacob Black estava mentindo na cara dura. – Seja lá o que você apronta nessa cidade, não é problema meu. – eu nem percebi de imediato, mas estava me aproximando dele, como se isso fosse fazer a ameaça mais eficiente. – Eu não quero estar metida em nada que tenha a ver com você e com seus amigos apavorantes. Não quero ninguém me seguindo até a escola, e muito menos me sentir paranoica que podem estar me observando.

Eu parei a um passo de Jacob. Ele era muito mais alto assim tão de perto. Ainda mais que tinha ajeitado a postura, desencostando do carro e descruzando os braços. A cabeça dele estava abaixada na minha direção. Não me intimidei com isso, não quando estava com tanta raiva dele e dessa situação toda. Mas havia mais coisas por eu estar aqui, que eu não sei se diria. A gangue, o passado dele.

Não, eu não iria me intrometer em seu passado. Mas acho que sondaria a possibilidade de uma gangue. E a julgar pelos carros, eu tinha minha confirmação.

– Acha que eu quero você metida nisso também? – ele disse se aproximando ainda mais. Perdi minha confiança nisso e dei um passo para trás. Jacob segurou de leve o meu pulso, sua mão extremamente quente quase queimando a minha. Minha garganta ficou presa e senti meus olhos se arregalando um pouco. Era uma eletricidade quase palpável. Arrepiava a minha pele.

Seus olhos estavam cravados em mim. Exatamente como antes. Mas traziam uma sensação diferente. Um aperto no estomago, uma vontade de me aproximar mais. Umedeci os lábios, que estavam seco demais, assim como a minha garganta. Isso atraiu a atenção de Jacob. Eu via o que ele queria com uma clareza surpreendente, como nunca tinha visto antes. E eu não sabia se era isso o que eu queria. O cheiro dele me invadiu, amadeirado, salgado. Preencheu minhas narinas e fez com que eu perdesse um pouco o fio da meada. Mas não o suficiente.

Acho que não.

– O que você quer de mim? – perguntei com uma voz baixa, quase sussurrando. Desejando que ele não tivesse escutado.

O dedão de Jacob fazia círculos em meu pulso, que deixavam minha pele sensível, como um fio desencapado. Eu não tinha ideia do que estava acontecendo, não sabia como controlar essa emoção, que eu nunca tinha sentindo antes.

– O que você quer de mim? – ele sussurrou de volta.

O que eu queria dele?

Eu não poderia querer nada dele. Eu não poderia nem pensar em tê-lo. Jacob era sombrio, perigoso e estava metido em coisas que eu sabia que não eram boas. Tudo nele exalava perigo. Era como se gritasse para que eu me afastasse, ao mesmo tempo em que outra parte da minha mente me mandava investigar, aproximar e ver no que poderia dar. Mas nada de bom poderia vir de Jacob Black. O comentário dos homens na sala anterior deixou isso bem claro. Jacob não era do tipo de homem que ficava com meninas que estavam no colegial ainda. E eu não tinha nada a ganhar aqui.

Então o que eu queria dele?

– Absolutamente nada. – falei, minha voz soando mais fria do que eu imaginava. Afastei meu pulso de sua mão com um puxão. Ele não tentou segurar mais firme.

Jacob trincou o maxilar, seus olhos voltaram a se fechar em mil segredos. Deu dois passos para trás, voltou a se encostar no capô do carro e cruzou os braços. Eu me virei sem olhá-lo nos olhos, sentindo um gelo em meu peito onde, momentos antes, pulsava de uma maneira estranha. Peguei a minha bolsa em cima da mesa de ferragens e segui em direção a porta. A abri, mas não sai de imediato.

– Por que eu tenho a sensação de que você está mexendo com algo sombrio? – perguntei por cima do ombro, meus olhos indo de relance para os carros caros.

– Por que estou.

O tom de sua voz reverberou por todo o meu corpo, assombrando meus pensamentos. Não havia mentira em sua voz, assim como não havia arrependimento, raiva, frustração, tristeza ou qualquer outro sentimento. Ele estava me constatando um fato. Comprovando algo que eu já sabia, só precisava que alguém esfregasse isso na minha cara.

Assenti, mais para mim do que para ele.

– Então me mantenha fora disso. – falei e sai, fechando a porta com cuidado.

Os homens ainda conversavam e riam na oficina maior, de carros mais baratos, enferrujados e gastos. Era uma realidade estranha, distante. Eles pararam de conversar assim que comecei a caminhar, meus olhos fixos na saída. Quil Ateara estava limpando as mãos em um pano bem sujo, o que eu não entendi o propósito.

– Obrigada. – falei e balancei a cabeça.

– Disponha. – ele sorriu animado. Não havia a mesma malícia em seus olhos do que o dos outros. Ele estava sendo gentil, de uma maneira própria dele. Um pouco zombeteira.

Caminhei de volta para o carro com o sentimento de que eu estava deixando um fardo para trás. Não sei por que segurei essas informações por tanto tempo, ela só estava me fazendo mal, criando problemas na minha mente, fazendo com que eu ficasse paranoica o tempo inteiro. Eu não precisava mais disso, só tinha que me concentrar em passar de ano, escolher uma boa faculdade e sair daqui.

Sem Jacob Black para me deixar desse jeito.


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Notas finais do capítulo

Entããão? O que acharam?
Gente... Cadê os comentários? :( Queria agradecer a Amando, que sempre comenta nos capítulos, um beijo floooor!
Vamos comentar galera! Isso incentiva a escrita!
Espero que tenham gostado desse capítulo, desculpe qualquer erro de gramática ou ortografia que talvez tenha passado batido na edição.
Beijos e até a proxima!
;*



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