Hunter - A caçada começou escrita por Julia Prado


Capítulo 14
Aceitação


Notas iniciais do capítulo

Olá!!! Só para avisar a todox algo que é bom explicar: Ao pensar na personagem Gaele e em todo o contexto da fanfic, não poderia deixá-la completamente ok com toda a situação do lobo. A única pessoa que ficaria ok com uma situação dessas é a Bella, o que, enquanto eu lia a série, realmente me irritava um pouco essa naturalidade para aceitar coisas tão extremas a nós.
A Gaele foi criada em uma época (a atual) onde a ciência, infelizmente, prevalece demais na mente dos jovens. Tentem se colocar em uma posição dessas: estaria tudo ok descobrir que existem vampiros e lobisomens?
Então vamos ter um pouquinho de paciência com ela durante o capítulo, como eu disse para a linda da Lee Girlrock, a Gaele é um ser extremamente racional e cético, essa foi a forma como ela foi criada, em um mundo completamente digital, onde nada de muito fora do comum existe.
Nos falamos lá embaixo!!! ;*
Enjoy



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Eu não tinha nenhum casaco longo preto, e acho que isso não fazia muita diferença para os quileutes. Olhei meu corpo inteiro no espelho. As roupas estavam ok, acho. Um vestido preto de manga longa e decote no arco do pescoço, tinha leves pregas, ficava acima de meu joelho; meia preta de fio grosso até as cochas; bota preta; luvas e lenço pretos. O casaco longo era vinho escuro, mas gostaria que fosse preto. Sobre o rosto eu não podia – nem queria – fazer muito. Havia olheiras, cansaço e tristeza.

Maquiagem não apagava isso.

Tudo ao meu redor parecia em preto, cinza e branco. Eu nunca tinha lidado com a morte de algum amigo. Nunca tinha ido em funerais – minha mãe sempre me proibia. E eu queria que esse fosse o último. Não havia mais como chorar, eu já tinha bloqueado isso da minha mente. Diferente da maioria das pessoas eu lidava com situações traumáticas de um modo bem raro. Chorava o máximo que podia e o quanto queria para, no dia seguinte, superar. Era assim que eu me movimentava, foi só assim que eu consegui levantar da cama hoje. Eu sentia que já tinha chorado, as lágrimas fizeram seu papel ao livrar meu peito da dor profunda do dia. Agora eu tinha que lidar com as lembranças, com o dia-a-dia. E não ia fazer isso chorando.

Extremamente diferente de Austin. Ela não parou de chorar desde que acordamos. Ao se vestir, fazia tudo com muita lentidão. Então me lembrei que ela era amiga de Collin há muito mais tempo do que eu, sua dor deveria ser mais profunda que a minha, com mais lembranças torturando sua mente.

Lali e Graham foram para suas casas se trocar. Nos encontraríamos no começo da reserva. Eu não sabia onde as celebrações fúnebres dos quileutes eram feitas. Nem sabia o que esperar deles. Ajudei Austin colocar suas luvas pretas, pois suas mãos estavam tremendo demais. Tentei não encarar os olhos que avaliavam o meu rosto. Eu sabia que ela estava procurando cumplicidade para a dor dela. Mas eu estava fechada no momento. Havia dor em mim, mas a dor era só minha. Eu não ia compartilhar com ninguém.

Quando a olhei, sei que foi de maneira fria, distante. Mas eu era assim, era o único modo que eu conseguia lidar com coisas dolorosas. Eu as reprimia dentro de mim, eu buscava encarar as coisas com mais razão do que emoção, pensamentos mais técnicos que distraissem a minha dor. E não era diferente agora.

Terminei de ajudá-la, mas ela não parou de me encarar, sentada na cama com o rosto para cima. Havia lágrimas não derramadas ainda em seus olhos, havia a busca na qual ela fazia em meu rosto atrás de cumplicidade. No entanto, havia algo muito mais aparente além da dor. Havia raiva. Indignação.

– Você sabe quem fez isso. – ela disse baixinho.

Eu estremeci. Ali estava, a lembrança mais dolorosa que eu estava empurrando para o fundo de minha mente. A situação mais apavorante na qual passei desde que cheguei em La Push. O lobo. Engoli em seco.

– John disse que foi um animal. – disse seca, minha voz exatamente na mesma temperatura de La Push.

– Você não acredita nisso. – ela falou um pouco mais irritada agora. – Você estava fuçando nessa história. John disse que você estava. Sei que encontrou alguma coisa.

Encontrei mais do que você poderia um dia imaginar, Austin.

Eu não conseguia mentir para Austin. Não só por ela se manter bem atenta nas minhas expressões e tom de voz, mas por que Austin era minha irmã. E eu não conseguia olhar em seu rosto e mentir sobre algo assim. Algo que envolvia nós duas. Algo que nós duas estávamos com raiva.

– Vai continuar a buscar? – ela perguntou.

– Não. – disse virando o rosto e indo até a minha cama, pegando meu celular e o colocando no bolso do casaco de frio. Apoiei o pé na cama, verificando se a bota preta de salto estava com seus cadarços amarrados, mas eu só estava sendo evasiva. Os cadarços estavam bem amarrados há tempos.

– Por que não?

– Não quero ter nada a ver com isso mais. – falei, minha mente traiçoeira foi direito para a madrugada de hoje, na qual eu passei no pequeno lavabo do andar debaixo, entrando em pânico diversas vezes durante a noite.

– Mas é de Collin que estamos falando. – ela disse mais brava, mas insistente. Suas lágrimas agora eram de nervoso. – Não é qualquer pessoa.

– E de que vai adiantar, Austin? – falei um pouco mais alto. – O que você vai fazer se encontrar quem fez isso? Vai chamar a polícia? – soltei uma risada irônica. – Não seja tão inocente.

– Não sou inocente. – ela disse. – Mas alguém precisa fazer alguma coisa!

– E vai ser você?

Austin abriu a boca para falar, mas a fechou. Depois fez isso novamente. Ela nunca faria mal a ninguem e tinha noção da sua própria limitação. Austin era bondosa, o máximo que poderia fazer seria alertar alguém de La Push. Mas se ela soubesse o que eu sei, ela seria dada como louca. Ninguém nunca acreditaria nela, assim como ninguém acreditaria em mim. E é por isso que eu tenho tentado fingir que nada de estranho aconteceu nessa madrugada. De que me adianta? Não posso contar para ninguem, pois não acreditariam em mim.

Eu sei o que matou Collin. Sei o que tem matado as pessoas ao redor de Forks e La Push. O mais terrível de tudo: sei que Jacob Black está envolvido nisso. Mas não vou fazer Austin carregar o mesmo terror e peso que eu.

Surpreendendo-me completamente, Austin caiu no choro novamente, cobrindo o rosto com as mãos. Fiquei um momento chocada, olhando para ela. Então, lentamente, fui caminhando até me sentar ao seu lado, colocando um braço em seu ombro. Austin virou a cabeça para chorar em meu ombro.

– Não... Consigo... Fazer n-n-nada... Sou uma c-c-covarde.

– SH... É claro que não. – falei baixo. – Não há nada que ninguém poderia ter feito, Austin. Seja quem for que fez isso, já sabemos que é letal. Não é por que você não consegue lidar com isso com suas próprias mãos que a faz uma covarde. Só lhe faz uma pessoa muito bondosa.

– Você nem p-p-parece afetada...

– Lido diferente de você.

– É m-m-mais forte... – ela fungou e foi parando de chorar aos poucos, os soluços passando. – Você é uma p-p-pessoa f-f-forte.

Não, eu não era. Se ela ao menos soubesse o pavor que corria por minhas veias a cada dez minutos. Se ela soubesse o medo que eu sentia da minha própria sombra no momento, ela não me veria como uma pessoa forte. Eu só era muito boa para esconder o que sentia, essa sempre foi minha melhor habilidade. Isso não fazia de mim uma pessoa forte.

Talvez me fizesse mais covarde, por não querer lidar com os sentimentos, apenas os trancando para longe de mim.

– Temos que ir. – falei um pouco firme pelo rumo de meus pensamentos.

Austin se levantou depois de enxugar as lágrimas. Ela ainda se apoiava em mim, por mais que fosse mais alta. Saímos pela porta juntas. John e Jane nos esperavam no andar debaixo, com a porta já aberta.

O vento era gelado, os flocos de neve – mais fortes agora – entravam dentro de casa. Apertei o lenço preto em meu pescoço para me proteger, abaixando a cabeça também. Nós entramos no carro, decidi ir na frente com John, enquanto Jane ia no banco de trás com a filha, para consolá-la.

Por um breve momento eu gostaria de conseguir chorar e sentir como Austin sentia, livremente. Assim as pessoas também me consolariam. Mas eu não era assim, e as pessoas não viam a necessidade de me consolar, por que muitas vezes parecia que eu não precisava. Nem meu pai tentou, por mais que me olhasse a cada cinco minutos.

Fiquei imaginando, durante o trajeto, até onde meu pai conhecia os segredos dos quileutes. Até onde permitiram que ele fosse? Não acho que ele soubesse do maior segredo de todos. As pessoas não podem viver suas vidas normalmente depois que soubessem disso. Eu nem sei como viveria a minha.

Era um segredo pesado demais.

Fiquei olhando a praia enquanto John dirigia até a reserva. As ondas estavam violentas hoje. Tinha alguns surfistas se arriscando nesse dia gelado, mas o mar não parecia estar para brincadeiras. Vi dois caindo. O tempo de La Push parecia exemplificar muito bem o sentimento que todos os que conheciam Collin estavam sentindo.

Chegamos na reserva e paramos o carro para dar espaço para Lali e Graham. Os dois se apertando no banco detrás. Lali estava um pouco melhor do que Austin, mas havia claro sinais de que estivera chorando desde que acordara também. Graham ainda chorava silenciosamente, as lágrimas escorrendo de seus olhos enquanto ele olhava pela janela.

A floresta parecia mais sombria hoje. Tudo estava mais sombrio. Eu não dramatizei quando disse que hoje, para mim, tudo estava em tom de preto, branco e cinza. Não havia cor para onde quer que eu olhasse.

A casa dos pais de Collin eram exatamente como as tantas outras da reserva. Era de proporções pequenas, bem aberta e com um sentimento de casa gritante. Havia um belo jardim ali também, a mãe de Collin cuidava muito bem dele, era nítido. O jardim era de inverno, havia rosas, glicínias, hortênsias e jardim-dos-poetas. Eram espalhadas de forma bonitas e traziam um cheiro adocicado e suave, nenhum se destacando mais do que o outros.

O funeral aconteceria nos fundos da casa de Collin. Acho que era assim com todos os quileutes, mas eu não soube dizer, ainda sabia muito pouco dessa cultura. Na verdade eu não procuraria muito mais por respostas. A única que busquei com afinco havia me deixado tão... Desorientada em relação ao resto do mundo. Eu só queria ir embora. E eu iria.

Os pais de Collin nos receberam na porta de sua casa. Eu desejei que não tivesse os vistos. Collin era a perfeita mistura de ambos, e relembrar de detalhes que eu vinha reprimindo desde essa manhã não era fácil. A mãe era alta e, como o filho, trazia os mesmos gestos desengonçados por sua altura. Tinha o rosto de linhas suaves e intensas, os olhos negros eram profundos e traziam a tristeza de uma mãe que perde seu filho. Os cabelos estavam trançados em um coque simples, pretos como piche. Ela nos cumprimentou com um aceno, mas abraçou forte Jane.

Já o pai de Collin era mais baixo e bem robusto, o rosto, no entanto, era de Collin – só que mais velho. Os olhos castanhos estavam marejados, mas não deixaram que nenhuma lágrima caísse. Ele assentiu quando passamos, trocando poucas palavras com John. Jane ainda estava com a mãe de Collin, seu nome era Abellia e de seu pai era Okan. Fiquei encarregada de tentar consolar Austin, que redobrou seu choro conforme íamos para o fundo da casa.

O jardim do fundo dava para a floresta, como tantas outras casas. Mas havia toda uma preparação para o funeral. Havia muitas flores. Eu via a terra remexida ao lado do caixão simples e longo de madeira escura. Abellia tinha colocado muitas flores ao redor do caixão. Eram tantas flores que era difícil ver o caixão. Havia muitas pessoas de pé também, familiares e amigos.

Brady veio até nós, seus olhos vidrados e secos. Ele abraçou Austin por mais tempo, pois ela caiu em um choro mais angustiante ao vê-lo. Ele tentou consolá-la com palavras distantes, mas parecia preocupado demais com outras coisas. Seu rosto era grave e ele perdeu toda a juventude do olhar.

Era isso o que a morte fazia com as pessoas.

Brady soltou Austin para abraçar Graham e Lali. Então se virou para mim. Eu lhe dei um sorriso curto, mas não queria ser abraçada – por mais que meu interior gritasse por isso. Eram sentimentos conflitantes dentro de mim, sentimentos que todas as vezes que algo assim acontecia se chocavam. Eu queria e não queria. Brady não ligou quando estendi a mão, tentando pará-lo. Ele me abraçou mesmo assim.

Travei meu maxilar enquanto circulava sua cintura grande e firme com meus braços. Eu não ia chorar, eu não ia chorar, eu não ia chorar. Senti meus olhos marejando, então fiz o que sempre faço. Analisei a textura de sua camisa sob a minha bochecha. Era áspera, não devia ser algodão. Tinha um cheiro forte de mato molhado também, minha mente viajou para lugares que ele talvez tenha ido para estar com esse cheiro. A floresta, provavelmente...

– Como você está? – havia algo no tom de sua pergunta que eu não entendi, mas não forcei minha mente para trabalhar na questão. Com meus olhos secos novamente, consegui me afastar dele.

– Como você está? – perguntei.

– Lidando. – ele deu de ombros, sua voz tremeu junto com seus lábios, os olhos se encheram de lágrimas por breves minutos, então eles secaram. Quase tão rapidamente que me perguntei se tinha imaginado.

– Ele tinha irmãos?

– Não. Era filho único.

Isso era ainda pior.

O caixão estava aberto, mas eu não ousei ir até lá para ver, como algumas pessoas faziam. Elas choravam em volta, tocavam o corpo gelado. Eu nunca ousaria ir até lá.

Uma coisa que minha mãe nunca me contou sobre funerais era o quanto ele era contagioso. Sua energia deprimente parecia atingir até as pessoas mais controladas no ambiente. Esse era o meu caso, eu estava no controle durante a viagem, estava no controle nesta manhã. Porém, eu sentia meu controle escorrendo aos poucos.

Meu corpo travou e se arrepiou quando olhei para além do caixão. Era lá que a maioria dos quileutes estavam. Era lá que Jacob estava. Seus olhos atentos aos meus. Suas roupas pretas o deixando ainda mais perigoso. Meu peito se apertou de medo e fiz algo que raramente fazia: segurei Brady ao meu lado.

– Fique, por favor. – pedi com um fio de voz.

O lobo gigante. Ele estava bem ali, do outro lado do caixão. Ele me olhava. Ele ia me devorar viva. Ele ia matar todo mundo que eu amava. Meu corpo tremia e eu estava entrando em pânico novamente, eu estava surtando novamente. Meus olhos se encheram de lágrimas.

O lobo ia matar todo mundo.

– Gaele, o que foi? – Brady perguntou longe, bem longe.

Ao meu redor tudo passava como um borrão de cinza, preto e branco. Havia uma única cor ali, e era os pelos longos e esverdeados do lobo. Ele rosnava. Ele ia me matar.

– Gaele?! – Brady me sacudiu.

Eu acordei da alucinação com um baque. Minha cabeça girando para os lados conforme os barulhos, as cores e os cheiros voltavam. Pisquei confusa por um momento. Então notei que tudo não passou do meu pânico.

Austin, Lali e Graham estavam ao meu redor. Quando eu fui parar no chão? Por que estava sentada sobre meus joelhos? Por que estava tremendo tanto? Ah... O meu ataque de pânico.

– Estou bem. – falei baixinho. Tentei me levantar, mas minhas pernas não pareciam querer me sustentar mais. Brady me ajudou, não parecendo ser nenhum esforço sustentar todo o meu peso em um braço só que circulava minha cintura.

– Estou bem. – assegurei mais uma vez.

– Acho que ela está tendo um ataque. – Lali disse fungando. – Alguém de um tapa nela.

Eu a encarei um pouco feio. – Eu estou bem.

– Vem se sentar. – Brady disse já me levando para uma das poucas cadeiras que tinha alai.

Eu me sentei um pouco contrariada, mas meu corpo ainda tremia, minhas pernas ainda estavam moles. Meus dedos formigavam, indicando que meu ataque não tinha passado ainda. Meus dentes começaram a bater e eu abaixei a cabeça quando tudo começou a rodar. Eu não ia desmaiar aqui.

– Quer uma água? – Brady perguntou.

– Não. Vou ficar bem. Só... Só fique comigo, por favor. – pedi.

Brady se sentou ao meu lado, tinha suas mãos quentes nas minhas, fazendo um casulo quente com elas. Isso estava ajudando. Funguei para distrair as lágrimas, que ainda não tinham sido derramadas. Não queria atenções em mim, por isso tratei de engolir todo o pânico e lidar com ele depois.

Foi como se meu corpo obedecesse exatamente o comando. Eu parei de tremer, parei de chorar e parei de entrar em pânico. Ajeitei meus ombros para ficar mais segura. Eu lidaria com isso depois, quando ninguém estivesse por perto.

– Parece bem melhor. – Brady disse estreitando seus olhos. – Sabe, esse seria o lugar ideal para chorar.

– Você primeiro. – falei.

Se ele pudesse, Brady sorriria. Mas ele não podia e eu também não. Por isso ficamos os ambos se encarando. E foi com Brady que compartilhei a minha dor, por que eu não precisava chorar para isso. Não precisava mostrar para ninguém. Brady também não. Então era seguro compartilhar isso com ele.

– Vai ficar melhor com o tempo. – garanti a ele.

– Sei que vai.

Quando os pais de Collin voltaram, nós nos levantamos. Havia um cântico sendo feito em uma língua muito antiga, com tambores e cordas. Era triste e meloso. De uma lentidão quase parando. Parecia que a morte estava levando Collin lentamente sob o véu que nos separava deste e do outro mundo.

Foi o único momento que não consegui reprimir a tristeza. Foi, também, o momento que me dei conta do que nunca mais teria.

Eu não teria mais ninguém para fazer piadas em momentos desconfortáveis; não teria mais ninguém para me fazer rir de coisas idiotias; não teria mais ninguém para observar o modo desengonçado como andava; não teria mais ninguém para sentar ao meu lado na aula de História e dormir o tempo todo; não teria mais ninguém para ir à festas e me zoar; não teria mais ninguém para puxar a cadeira para eu me sentar no refeitório como algo tão natural; não teria ninguém para fazer piadas dos comentários masculinos quando eu passava; não teria mais ninguém que dormiria em casa e me ajudaria a pregar peças nos outros.

Eu não teria isso com mais ninguém além de Collin.

As lembranças foram passando rapidamente pela minha mente, tão rápidas que em alguns momentos minha cabeça doía. Notei que as lembranças estavam crescendo seu ritmo como a música também crescia. E quando ela parou, quando o silencio dominou todo o ambiente, meu peito afundou em depressão. Eu consegui reprimir as lágrimas, mas não conseguia reprimir a respiração rápida e o modo como minhas mãos tremiam.

Percebi que Brady ficou preocupado, ele passou os braços em meus ombros e me puxou para mais perto, seus braços também tremiam. Ele também estava tremendo, mas havia uma raiva mal controlada em suas feições. Havia lágrimas não derramadas de puro ódio. Acho que nunca o vi com tanto ódio. Estava claro que ele queria vingança.

Eu o apertei, temendo esse sentimento dele, temendo que esse sentimento também virasse o meu. Estava tendo muito trabalho para não sentir a raiva que no fundo eu sentia, a raiva que me faria ficar em La Push e tentar descobrir ainda mais sobre a morte de Collin, para poder pegar o responsável por isso.

Mas já que eu sabia o que era, não havia esperança nisso. Eu não podia nutrir a esperança de um dia o pegar, por que ele provavelmente me mataria também. E eu viraria uma das pastas.

Quando acabou o caixão começou a descer, os pais de Collin não choravam, estavam em um silencio conformado e sério. Ambos de cabeças erguidas ao olhar o caixão descer. A crença de que Collin iria para um outro lugar era nítida em seus rostos, a crença de que um dia iriam se encontrar. Mas havia algo mais além disso nos rostos. Havia orgulho. De quê, eu não sabia.

Quando tudo acabou eu estava tensa. Parecia que qualquer coisa me faria estourar. Brady me soltou, dizendo que precisava estar com o seu povo. Eu entendia, por isso não objetei. Ele me abraçou apertado antes de ir.

– Fique segura, por favor. – ele pediu ao me apertar ainda mais, seu corpo quente esquentando o meu. – Não dê motivos para que algo ruim aconteça com você.

– Não darei. – falei. Eu sairia de La Push, eu estaria melhor longe daqui.

Brady saiu e foi em direção ao outro lado do túmulo, que agora as pessoas jogavam flores e objetos de madeira que eu não conseguia distinguir suas formas. Assim que os familiares acabaram, ninguém mais se moveu. Havia uma formação estranha do lado oposto do túmulo.

Jacob era a ponta da formação, ao seu lado direito estava Leah, em seu lado esquerdo estava Seth. Então vinha Embry ao lado de Leah, Quil ao lado de Seth. Atrás deles haviam ainda mais quinze meninos da tribo, Brady assumiu o lugar ao lado de Embry. Eu não conhecia os outros rostos, eram muito jovens, havia duas meninas no meio de mais tantos meninos. Jacob andou primeiro, havia um colar enrolado em suas mãos. Forcei minha vista para ele. Era o formato de um lobo, sua cor era cinza escura. Jacob se agachou e jogou o colar ali.

Foi o único momento em que Abellia deixou uma lágrima escapar.

Jacob se posicionou novamente em seu lugar. A formação se seguiu com Leah. Ela depositou outro colar com o mesmo formato e cor. Depois foi Seth, fazendo o mesmo que Leah. A formação se seguiu com todos fazendo o mesmo, Embry – Lynn chorando em seu colo. Lynn jogou sua concha azul prateada que encontrei para ela – uma bile se formou em minha garganta com o significado disso, Quil, Brady, e todo um grupo jovem de quileutes. Meninos e meninas que eu nunca tinha visto antes.

Quando a fila acabou, notei que foi a vez dos conselheiros da tribo. Billy foi levado por Rachel, ele não tinha colar. Billy tinha um arranjo de plantas silvestres nos braços, era longo e formava uma coroa. Ele a jogou dentro do túmulo. Após isso foi a vez de Quil, com uma coroa de plantas igual. Sam, Emily, Sue e mais conselheiros que eu não conhecia.

Nada foi dito – além do cântico cantado anteriormente. Os familiares começaram a ir embora e eu notei que já tinha terminado.

Meu pai me puxou pelos ombros. Prestamos as últimas condolências para os pais de Collin e fomos em direção ao carro. Os familiares moravam perto, então o fundo da casa rapidamente se esvaziou. Fomo em direção ao carro. Austin tinha parado de chorar, mas Jane foi no banco de trás com ela mesmo assim. Lali e Graham entraram no carro, se apertando.

– Ah, Gaele, você pode me fazer um favor? – Jane disse. – Não podemos jogar flores no túmulo de Collin por não sermos da família, mas será que você poderia deixar essas flores ao lado? Esqueci de levá-las.

Ela me entregou um lindo ramo de rosas e hortênsias.

– Claro. – falei sem muita emoção.

Eu não queria me aproximar o túmulo, mas também não diria não para Jane, ainda mais com Austin precisando tanto dela. Peguei o ramo de flores e voltei a me encaminhar para os fundos da casa, esperando que não fosse uma ofensa para os pais de Collin.

O conselho e os garotos da reserva continuaram lá, estavam conversando com os pais de Collin em um canto um pouco afastado do túmulo. Jacob relampejou seu olhar para mim, mas fora ele ninguém pareceu me notar, todos entretidos em seus próprios murmurinhos. Jacob falava com os pais de Collin. Ele parecia resposável por Collin, de alguma forma.

Com o coração batendo rápido eu fui até a sepultura e me agachei, coloquei as flores gentilmente ali. Por um momento me permiti deixar algumas lágrimas escaparem. Um vento gelado, com cheiro de terra molhada e flores, bateu em meu rosto e levantou meus cabelos. Fechei os olhos.

Era o cheiro da floresta, que de alguma forma ainda me acalmava em momentos turbulentos.

Um soluço baixo escapou, pousei as mãos devagar na terra alta do túmulo. Parecia que anda havia vida ali, eu tinha a esperança de Collin estar vivo – por mais que ver seu caixão abaixando tenha sido bem objetivo.

– Vou sentir sua falta. – sussurrei.

Sequei as lágrimas com a ponta das luvas.

–... Ele foi muito corajoso, Okan... – escutei a voz de Jacob, o vento parecia trazê-la para mim. – Queria ter chego a tempo.

– Obrigado, Jake. – Okan disse, sua voz untuosa. – Sei que meu filho foi muito corajoso, Collin era um menino valente. Ele não ia ficar parado quando percebesse o que aquela... Aquela coisa queria fazer.

Meu coração estava acelerado. Eu quase acreditei que Okan estava falando da mesma coisa que eu tinha visto, mas não poderia ser possível. Primeiro que Collin nunca poderia ter lutado com aquela coisa, segundo que um pai não poderia parecer tão... Calmo e orgulhoso sabendo o que corria de noite na floresta.

Não queria mais escutar, então bati as mãos lentamente para limpá-las de terra e me levantei. Dei um passo para trás ao ver Jacob próximo de mim. Meu corpo travado, olhos arregalados.

Não, eu não o queria perto de mim.

– Não me olhe assim. – ele pediu, sua voz era grave e sem emoção.

– Mandei ficar longe de mim. – falei entre dentes, recuperando um pouco meus movimentos a medida que sentia raiva dele.

– Só quero te pedir para não andar pela floresta mais. – a voz dele era grave, seca e sem emoção. Ele parecia com pressa, na verdade. – Não é seguro.

– Não precisa mais se preocupar com isso. – falei entre dentes. – Vou embora daqui o quanto antes.

Jacob estreitou seus olhos para mim, não como quem duvida das palavras, mas parecia estar guardando qualquer pensamento que tenha vindo à mente. Minha mente comichou com o hábito de querer saber o que era que ele estava guardando, mas reprimi isso. Não era mais da minha conta.

– Como quiser. – disse e saiu.

Fiquei olhando para onde ele estava há poucos segundos. A raiva crescia em meu peito, mas não fiz mais nada além de me virar e voltar para o carro, onde meu pai esperava paciente.

Parecia que Austin tinha renovado seu choro.

***

Uma semana passou com dificuldade. Ela pareceu se arrastar como nunca. A minha curta paciência parecia ainda mais reduzida com o estresse que tinha sido após o funeral. Eu já não tinha mais paciência para o choro noturno de Austin, eu não tinha paciência para meu pai e para Jane. Não era a toa que todo mundo daquela casa não queria ficar no mesmo ambiente que eu. Eu também estava de saco cheio de passar parte da madrugada no lavabo. Era de noite que meu ataque de pânico começava, quando ficava escuro o suficiente para que eu me lembrasse da fera que poderia estar correndo aqui perto.

Quando falei dos meus planos de ir embora, John deu um ataque que fazia tempo que não dava. Brigamos feio. Ele não permitiria que eu fosse, minha mãe também não quis. Disse que não podia mudar de escola novamente, isso iria me prejudicar. Eu estava achando a escola muito banal depois dos últimos acontecimentos. A biologia não conseguia explicar o que eu vi na floresta, eu sei porque já procurei durante a semana se era humanamente possível algo assim acontecer. E não era.

Então eu estava entre o embate de fugir de casa e voltar para Los Angeles ou ficar e terminar meu ano escolar. Eu não tinha a coragem necessária para ir embora com uma mão na frente e outra atrás. Mas ficar parecia estar sendo mais impossível do que nunca. Era cansativo ter que correr para o lavabo toda madrugada, chorar e me desesperar lá.

Por vezes dormi no lavabo mesmo, cansada demais para sair de lá. Era cansativo ter os ataques de pânico todas as noites. Estava me levando à loucura.

Naomi estava ansiosa para vir, mas eu já não queria mais. Tinha medo da minha melhor amiga morrer também. Não é como se eu fosse falar isso para ela, Naomi viria até aqui só para me matar. Então esperar sua chegada era o que me restava.

Acordei mole. Minha cabeça parecia confusa demais e nebulosa. Isso era quase frequente depois das noites conturbadas dentro do lavabo. E eu sempre estava com uma aparencia cansada, que melhorava depois que eu dormia a tarde toda. Eu quase não saía de casa. Austin achava seu consolo com Lali e Graham, às vezes com Brady quando ele aparecia – o que estava sendo mais raro a cada dia.

Mas não acordei sozinha. Jane estava batendo na porta do quarto e agora tinha entrado. Eu me virei, achando que ela estava aqui só para recolher a roupa suja. No entanto, ela me surpreendeu ao vir para a minha cama e tocar meu ombro.

– Você tem visitas. – disse suavemente.

– Não estou esperando ninguém.

– Ah, qual é! Saí dessa cama! – a voz de Brady entrou no quarto como um trovão. Olhei para a porta assustada. – Desculpe entrar assim, Sra. Evans, mas eu sabia que Gaele não iria levantar com o seu gentil chamado.

Eu vi Jane rindo? Ela estava brincando com fogo! Mirei Brady com irritação e voltei meu rosto para o outro lado, fechando os olhos e ignorando ambos. Jane saiu do quarto – escutei seus passos sussurrados se movendo para longe. Enquanto isso Brady sentava na beirada da minha cama. Continuei com os olhos fechados.

– Pensei em passar aqui e a gente ir fazer alguma coisa. – ele disse, agora o tom brincalhão forçado saindo de sua voz. – Não aguento mais ficar na reserva.

Olhei para Brady por cima de meu ombro. Não tinha reparado antes, mas seu rosto estava muito cansado e sério. Como se ele também tivesse ataques de pânico no meio da noite e passasse ela em claro. Devia ser muito pior para ele. Collin era seu melhor amigo.

– Preciso de privacidade para me trocar. – falei sentando na cama.

– Uh, Gaele. Você está acabada. – ele disse, por mais que a brincadeira fosse bem vinda, ela não parecia satisfazer totalmente. Collin era o brincalhão; Brady era o carinhoso e atencioso.

– Olha quem fala. – falei jogando as cobertas para o lado e me levantando. Peguei a toalha na cabeceira da minha cama. – Saia do meu quarto.

Brady riu curtamente e saiu do quarto, não sem antes me apressar. Tomei um rápido banho, tentando tirar toda a sonolência de uma noite mal dormida dos meus músculos. Assim que sai passei um pouco de tonificante na pele, assim como outros cremes para dar um tom melhor nela. Fez alguns efeitos, mas decidi ir um pouco mais além hoje. Não queria que todo mundo que me olhasse visse o quanto eu estava perturbada pela morte de Collin e pela... Coisa na floresta (eu estava evitando falar o nome, tudo parte do processo de reprimir a memória).

Então assim que terminei de hidratar a pele eu peguei minha base quase inteira. Passei no rosto com o pincel, ficando um pouco chocada com o quão bonita a cor da minha pele podia ficar. Eu não estava mais pálida e com olheira profundas, estava com o tom rosado novamente. Prendi meus cabelos em um coque e sai do banheiro.

Coloquei minha leggin preta, minha blusa de manga longa cinza solta, um moletom cinza fechado, meu casaco longo de frio marrom terra. Amarrei os tênis pretos da Adidas que tinha ganhado de Jack no meu aniversário passado. Enrolei o lenço branco no pescoço e joguei celular no bolso. O meu celular ultimamente estava sendo usado mais como acessório do que qualquer outra coisa, eu raramente mexia em minhas redes sociais. Usava só para falar com Naomi, isso quando o fuso horário permitia.

Desci as escadas e encontrei com Brady conversando com Jane.

– Acharam alguma coisa? – ela perguntou.

– Nao, ainda nada. – mas ele foi curto, pois provavelmente me ouviu descendo as escadas. – Nossa, até que enfim!

– Não força, Brady. – rolei os olhos. – Eu nem teria levantado se não fosse sua cara de pidão.

Ele abriu um sorriso de canto.

– Sou conhecido pela minha cara de pidão.

– Sei disso. – mostrei a lingua para ele.

Nós saímos de casa – Brady com os bolsos cheio de cookies – e começamos a andar. Eu não tinha ideia para onde Brady queria andar, mas apenas o segui. Foi bom, por um momento, não ter um local programado.

Não conversamos de início, apenas observando a vida de La Push seguindo seu curso natural de sempre, como se nada tivesse acontecido. E, para eles, nada realmente aconteceu. Até onde o povo de La Push sabia o que estava acontecendo na reserva? Até onde eles sabiam das mortes? Tentei bloquear esses pensamentos enquanto andávamos.

Acabamos parando na praia, mas em uma parte deserta que poucas pessoas iam. Eram a parte próxima do penhasco. Havia grandes troncos de árvores caídos aqui e ali. A neve caia fina em nós, mas notei que ela não ficava muito tempo nas roupas de Brady. Não como nas minhas.

Então me lembrei de dias antes da morte de Collin. De como eu me sentia desconfiada de ambos, de como eu sentia que eles sabiam de algo que eu não sabia. As coisas estavam se encaixando na minha cabeça, mas não com a mesma raiva de quando aconteceu com Jacob.

De alguma forma, a situação estava entrando na minha cabeça. Não como algo natural que eu um dia ficaria confortável, mas com uma derrota dura que era a realidade daquilo.

Mordi o lábio, não sabendo se tocava no assunto com Brady, não sabendo se era forte o suficiente para conversar sobre isso. No entanto, não precisei tomar o primeiro passo. Brady o fez.

– Sei o que você viu na floresta. – ele disse baixo, mas não como quem quer manter as coisas em segredo, sua voz era baixa pela seriedade do assunto.

Engoli em seco, forçando minha vista nas ondas do mar, que estava mais calmo hoje. As ondas pareciam me acalmar de uma forma misteriosa, mas eu sabia que isso só estava acontecendo por que eu estava me concentrando demais nelas para não me lembrar das madrugadas em claro que se seguiram depois da noite na floresta.

– Sei que está com medo. – ele disse.

Tentei bufar, ironizar o que ele dizia. Mas não obtive sucesso. A lufada de ar saiu, mas não produziu o mesmo efeito que eu gostaria. Pareceu fraco.

– É... Complicado. – falei olhando para Brady, um pouco mais firme agora. – O quanto você está metido nisso, Brady?

– Faço parte disso. – ele suspirou. – Collin também fazia.

Não posso dizer que foi uma surpresa saber disso, mas não fiquei indiferente tampouco. Na verdade, eu me sentia um pouco brava. Não era por não terem me contado antes, eu poderia viver sem essa revelação. Mas eu fui envolvida nisso, fui levada para o meio disso e ninguém nem se preocupou em me dizer. Eu tive que saber da pior forma, no pior momento.

– Não é uma surpresa. – falei secamente.

– Não fique brava comigo, por favor. – ele disse, seus olhos se contraindo com o pedido. – Você é minha melhor amiga agora.

Senti minha raiva se abrandando, meu peito amolecendo. Meu rosto suavizou, mas não ofereci palavras de consolo ou calmaria. Isso ia além de mim.

– Os meninos da reserva?

– Ao total somos em 23 agora. – disse. – Você nos viu, no... Funeral.

Eu trinquei meu maxilar. Não sabia exatamente o que isso significava. Eram todos lobos? Ou eram todos... Outra coisa? Aquele lobo fazia parte da... Matilha? Era dificil tentar imaginar 23 lobos correndo por aí, como se fosse algo muito natural. Pareia muita gente.

– Aumentou depois que as mortes começaram. – ele explicou minha pergunta não-dita. – É sempre assim, quando algo de ruim se aproxima o bando cresce.

Então eram todos lobos. Uma imagem muito difícil de formar. Não entrava na minha cabeça todo esse número, tudo isso de lobos gigantes. Não parecia real. Porém, isso se devia ao fato de eu não tê-los vistos. E nem queria.

– Então... As histórias... – engoli em seco, meu coração acelerando. – Todas as lendas...

– Não sei sobre todas. – ele me cortou, tendo pena de meus esforços. – Mas sim, o motivo de nossa transformação existe.

Umedeci os lábios, tentando fazer com que isso entrasse em minha mente. Eu forçava sua entrada, mas ainda era difícil. Eu ia precisar de mais tempo. O meu medo, no entanto, era que isso trouxesse uma nova onda de pânico durante a noite.

– Estamos mesmo falando de vampiros e tal? – as palavras saíram um pouco sufocadas.

– Doideira, né? – ele abriu um sorriso sem humor.

– Muita. – falei.

Voltei meu olhar para as ondas, tentando fixar os pensamentos em seu processo. A maré repuxava, o vento batia, a marola vinha, a força aumentava, a onda estava formada. Repeti esse processo junto com as ondas, acalmando meu coração e meus medos.

– O que eu tenho a ver com isso? – perguntei olhando para Brady.

Brady olhou para seus pés, seu lábios comprimidos. Ele não parecia compelido a falar. E isso me irritou muito.

– Não posso te contar sobre isso. – disse depois de um tempo. – Se quiser saber, é melhor falar com Jacob.

Dessa vez a bufada de ironia deu certo. Eu não ia falar com Jacob, nem ferrando. Eu sentia medo dele, talvez eu sempre tenha sentindo – porque Jacob nunca deixou de exalar isso -, mas agora era diferente. Eu sabia que ele poderia fazer algo ruim.

– Então não são vocês quem estão matando essas pessoas? – perguntei.

– Claro que não! Nós nunca mataríamos qualquer pessoa. Só aquilo que realmente nos ameaça. A única raça que faz isso. – seus dentes se trincaram em ódio.

– Ouvi Jacob dizendo para os pais de Collin sobre a morte dele... Não achei que tinha a ver com o... Segredo. – falei e funguei para tirar a tensão do ar.

Brady engoliu em seco, piscou para afastar as lágrimas e olhou para frente. Para a praia deserta. Nós ainda andávamos, de forma bem lenta e sem pressa nenhuma. Ele chutou uma pedra.

– Nós fazemos rondas pela cidade, estendemos recentemente nosso perímetro até Forks, mas lá tem uma... Base também, por assim dizer. – ele franziu o cenho, mas não se aprofundou nisso. – Nossos turnos são rotatórios, então não é sempre que ficamos até tarde, bom, isso na época de escola. Jacob não gosta que faltemos, então ele pega um pouco mais leve. Mas agora, que estamos de férias, não temos motivos para não fazer rondas até mais tarde.

“Collin e eu sempre somos escalados juntos, a sintonia do bando fica melhor quando você corre com quem gosta mais. Jacob tenta fazer essas escalas, mas não é sempre que dá. Collin estava correndo próximo a Forks quando pegou um rastro na floresta. Era de um frio. Jacob estava na ronda também e o mandou recuar, mas havia cheiro de sangue também, sangue humano. Eu estava longe, no perímetro de La Push, rondando a reserva.

Collin não achou que fosse grande coisa, não é a primeira vez que enfrentamos um frio que caça na região. Estamos há um bom tempo no bando, entende? Não somos despreparados, Jacob treina a gente muito bem, junto com Seth, Jared e Leah. Então Collin decidiu ir atrás, salvar talvez a pessoa. Você conhece o Collin, ele não é de ficar parado.

Só que muitas vezes a gente esquece que a maioria dos frios têm muitos anos de experiência. Não são faceis de abater. Collin estava indo bem, Jacob já tinha mandado reforços para ele, ele mesmo estava indo. Então a fêmea o mordeu e depois... Depois ele...”.

Brady não conseguiu terminar, olhou fixamente para a areia de pedras. Eu tinha meus olhos cheios de lágrimas, algumas escapando silenciosamente. Observei o rosto sério de Brady, ele não queria chorar.

– É pior por que nossas mentes são conectadas. – Brady continuou. – No caso de amigos mais próximos, a conexão muitas vezes aumenta demais. Eu quase... Senti o veneno dela em mim. Entenda, essas coisas tem modos de transformar outros igual a ela, todos têm. No entanto, quando eles nos mordem, o veneno vira exatamente isso: veneno. Não podemos resistir e não há cura.

Funguei e limpei minhas lágrimas.

– Não havia nada que você pudesse ter feito, Brady. – falei baixo, olhando para meus pés. – Ninguém poderia ter feito.

– Eu sei, mas é difícil aceitar isso. – ele levantou sua cabeça e me olhou, havia muita dor e muita raiva em seus olhos. – Somos capazes de tanta coisa, fisicamente. É difícil aceitar porque nós somos fortes, mais fortes do que você pode imaginar. Somos rápidos, somos letais. E mesmo assim, mesmo com tudo isso, não serviu de nada para Collin. Não serviu de nada para ninguém, por que ninguém conseguiu chegar a tempo.

Eu entendia em partes o que ele queria dizer. Podia imaginar o quão forte e rápidos eles eram. Mas só imaginar.

– E o que aconteceu com ela? – perguntei, não conseguindo usar o adjetivo que ele usa “fria”.

– Fugiu. Jacob ainda tentou ir no encalço dela com Paul e Embry, mas não conseguiram.

Estremeci, a reação me surpreendendo. Eu me importava com ele, não podia esquecer Jacob com tanta facilidade. Eu o temia e odiava por não me contar, por me arrastar para o seu mundo sem me contar o que eu teria que enfrentar. Ele dizia que queria mais tempo comigo, me mandava ler o livreto e ver por mim mesma, mas ele só queria ganhar tempo. Esconder o máximo que conseguisse. E se havia algo que eu odiava era ser feita de idiota.

No entanto, saber que ele perseguiu algo que matou Collin, algo perigoso... Fez meu coração apertar.

– Por que está me contando essas coisas? – perguntei para tirar o pensamento de Jacob.

– Porque você é minha amiga. Eu sempre quis te contar, Collin também. – ele abriu um curto sorriso. – Jacob nos disse que você viu algo na floresta, então imaginei o quão assustada você deveria ter ficado. Depois de Jacob me liberar para conversar com você, achei que gostaria de saber o que realmente aconteceu com Collin. Acho que você merece saber.

– Te liberar para falar comigo? – franzi o cenho.

– Ah, bom. Não podemos contar para ninguém o segredo, entende. Mesmo que você já tivesse visto, ainda precisamos de permissão para falar sobre isso. Jacob não viu problema. Só pediu para te contar o necessário.

– E por que eu, Brady? Tudo bem, eu vi a... Coisa... Desculpe, não se ofenda. – falei rapidamente. – É algo muito difícil de entrar na minha cabeça. Mesmo que eu tenha visto, já havia antes um incentivo de Jacob para que eu descobrisse. Então por que eu?

Brady desviou seus olhos dos meus e pensou antes de responder. Eu nao gostava quando as pessoas faziam isso, significava que provavelmente iriam mentir.

– Você é quileute. – ele disse.

Não era uma surpresa muito grande, eu já imaginava que meu pai tivesse alguma relação com os quileutes, mas ter isso falado de forma tão abrupta era um pouco demais. Absorvi a informação.

– Sim, eu desconfiava. – falei – John anda muito na reserva e o professor de História havia comentado sobre eu ter, talvez, uma ligação longínqua com a reserva.

– Longínqua? – Brady franziu o cenho. – Oh, não, não. Seu pai nasceu na reserva. Ele faz parte do conselho tribal.

Oi? O mundo simplesmente parou de rodar nesse exato momento. Meu pai? John Evans? Ele era do conselho? Mas que porra...?

– O que?!

– Sim. Fazia um tempo que o povo de La Push estava estranhando o comportamento da reserva, entende? É dificil você ter que se segurar em um local que se sente muito à vontade. Mas não sabíamos o que o povo estava pensando, então seu pai se mudou para a cidade. Meio que como um espião. – ele sorriu animado com a ideia. – Se aproximou do povo e tem servido como uma fonte de informação sobre como o povo está pensando. Quando desconfiam demais, seu pai nos avisa e damos uma segurada.

Isso era tão... Irreal.

– Você sempre teve o direito de saber, mas por ter sido criada fora da reserva o conselho e seu pai chegaram em um acordo, que você não precisava saber das lendas, por que não passaria muito tempo aqui.

– Mas Austin não sabe de nada. – ela não podia saber! Se soubesse, era uma perfeita mentirosa.

– Austin e Jane são de Hoquiam. Elas não têm o direito de saber. Embora Jane saiba, por ser mulher de seu pai. Austin nunca desconfiou de nada e nós nunca vimos a necessidade de contar para ela. – Brady suspirou. – Por mim eu contava, seria muito mais fácil se ela, Lali e Graham entendessem o motivo de eu sempre ter que estar fora.

Ficamos em silêncio por um momento. Cada um refletindo sobre o que a conversa tinha sido. Brady me puxou pelo cotovelo para nos sentarmos em um tronco de árvore caído. Ficamos encarando as ondas, absorvendo tudo. Eu tinha minha mente muito longe, um pouco cheia com as informações, mas satisfeita comigo mesma por não estar surtando... Bom, ainda não.

– Você disse que Jacob lhes falou que eu tinha visto algo na floresta. – comecei. – Eu vi um de vocês.

– Não seria possível. – Brady franziu o cenho, olhando-me atentamente. – Não estávamos fazendo ronda perto de sua casa naquele momento. Na verdade, Jacob sentiu seu cheiro e por isso foi ver onde você estava.

– Brady, pode ter certeza, eu sei o que eu vi. – estremeci, mas obriguei os detalhes a virem. – Era... Grande, bem grande, do tamanho de um urso de pé. – meu coração acelerou conforme minha mente trabalhava nos detalhes. Eu estava com medo novamente. – E... Olhava-me como se fosse me matar, e depois ele saiu das sombras e... Era um lobo, bem, bem grande. Tinha um tom marrom esverdeado, o pelo era bem longo... Os dentes... – não consegui mais continuar.

Brady ficou em silêncio, olhando para mim com uma cara de assustado. Eu não entendi o motivo. Será que meu medo era contagioso?

– Gaele. Não temos essa cor no bando. – ele disse sério.

– Como assim?

– Todo lobo tem uma cor diferente. – ele explicou. – Não temos marrom esverdeado.

– Qual a probabilidade de existir outros como você? – sussurrei.

– Nenhuma. – ele respondeu sério.


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Notas finais do capítulo

E aiii? QUERO PALPITES! O que vocês acham que está acontecendo???
Pelo capítulo anterior quero agradecer imensamente a Amando (meu amor, muito obrigada pelos comentários em todos os capítulos!); Lee Girlrock (suas observações são sempre bem-vindas, flor, e sim, sim sim, ARIANA!! kkk); Mrs. Salvatore (suas perguntas serão respondidas em breveee, rsrs, super obrigada pelo comentário!); Terumy M W Lahote (sua animação sempre me contagia! Muito obrigada por sempre comentar!) e Lilian Blackwell (amoreeee, Jacob é meu caso Gaele não o queira, hahahahaha, obrigada por tudo floor!)
É isso minha gente!
Proximo capítulo tem a treta que as pessoas tanto queriam!!
Quais são as apostas? De quem vai ser a treta??
Beijooooos ;*



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