—Sente-se cansada Lien?- a voz rouca e masculina sussurrou com ar maldoso.

Me apoiei em meus joelhos , de meus lábios carnudos escorria sangue de modo que eu conseguia sentir o gosto ferruginoso  bailar em minha língua.

A minha frente , um oversoul de  dragão formou-se novamente de forma inabalável; nenhum de meus golpes sequer surtirá efeito sob ele, ao ponto de que pensei no meu íntimo que o mestre Ching realmente era um verdadeiro demônio.

Seu rosto castigado por rugas e seu perfil pequeno e senil; nada mais eram do que uma armadilha para aqueles que ousassem subestima-lo.Se visse no fundo de seus olhos gélidos, encontraria ali qualquer ausência do receio.

Em matar...em torturar.

Trajado com vestes de pura seda em tons fúnebres, ali parado  a alguns metros de mim, estava um pequeno ancião.Segurava em sua mão um cachimbo comprido que emanava um perfumado e até atrativo odor de carvalho.

“Cansada” ele disse.

SE eu houvesse me atrevido a dizer tais palavras e admitir como realmente me sentia, ele ja teria me matado a muito tempo sem sequer dar-me oportunidade de sacar minha arma e ativar meu oversoul.

—Jamais Mestre Ching, eu estou aqui para ser a melhor.- respondi levantando-me e esfregando meus pulso em meus labios.

—Ora, meu neto realmente é um rapaz de sorte por ter toda essa dedicação.- ele lançou as palavras com ar de deboche.

Sim, meus poderes sequer se comparavam ao do jovem mestre Ren, mas eu ja havia superado qualquer expectativa de outras rivais.Aos sete anos eu dominava a arte de Wushu como se esta estivesse escrita em meu DNA.

Sorri para o mestre Ching , não me importei se estivesse  parecendo a mesma garota impertinente que chegou aquela casa seis anos antes.-Só estou começando Mestre Ching. - apanhei meu Kyoketsu do chão e ativei meu oversoul.

—Com prazer. - seu sorriso estendeu-se repleto de ansiedade em vislumbrar meu potencial.

Seu oversoul girou no céu e num mergulho profundo veio em minha direção; o dragão rugiu com sua enorme boca bestial salivando pelo desejo de matar.
Meu coração entretanto repetiu palavras de coragem que eu já havia tatuado em minha alma.

“Tudo por você...Ren”

—_ Quatro Anos Antes ____ Liem Ming Chen,8 anos.

Já haviam se passado três anos desdes que servia a família Tao, a cada dia vislumbrava no espelho uma jovem e linda senhorita que parecia mais apaixonada do que nunca.

Todos os dias me levantava antes mesmo do sol mostra-se no horizonte e até mesmo da lua no céu recolher-se para o oriente; caminhava silenciosamente pelo castelo e me posicionava frente a porta de madeira do quarto principal do primeiro andar, ficava ali por apenas alguns segundo preparando-me mentalmente para que ele não percebesse meus sentimentos...eu não era digna.

Por isso ele jamais deveria saber!

Entrei no quarto silenciosamente e coloquei sobre a cabeceira duas garrafas de leite, sentei-me de forma branda numa poltrona que recentemente o Mestre Ren exigiu em seu quarto; deixei minha cabeça e olhos baixos em sinal de modéstia e aguardei...eu sabia que seria muito em breve.

Minutos ou até talvez uma hora se passaram , quando a respiração dele ficou mais  pesada e seu corpo espreguiçou-se levemente na cama; meu coração não era mais meu dono quando ele finalmente dizia…

—Levantarei agora.- sua voz era sempre séria e bastante objetiva.

O mestre era bastante metódico.

Levantava-se e alongava-se de forma quase felina e hipnótica; em seguida ele caminhava até o banheiro e deixava a porta entreaberta...o som da ducha era quase magnético para minha curiosidade.

—”Lien, seja mais ágil”— Moon apareceu e sua voz imperativa me trouxe de volta à Terra.

Apressei-me em rapidamente arrumar a cama e reconhecer qualquer roupa que exigisse lavagem.

Minha tão costumeira rotina, naquele dia foi um tanto imprecisa e vi com olhos mais do que surpresos o mestre parado na porta do banheiro enrolada em uma toalha, encarava-me sem qualquer tipo de expressão enquanto os pingos de água gotejavam de seu cabelo para o peitoral nu.

Eu sei, que eu deveria modestamente abaixar minha cabeça e me retirar, mas eu só pude encará-lo de volta.

Seu sorriso meia lua mostrou o cinismo quando disse apenas:

—Vai ficar aqui enquanto me troco?-

Demorou alguns segundos para entender que eu deveria apenas me retirar e pela primeira vez, eu devo ter  deixado romper a máscara de "serva" e me permitir ficar constrangida com sua declaração.

—P -Perdão Jovem mestre e-eu jamais pretendi… - coloquei frente a meu corpo as mãos e lhe fiz uma mensura profunda implorando por sua piedade.

Ao me encolher timidamente e aguardar por suas palavras duras(porem merecidas) ,o inesperado ocorreu.Eu ouvi como numa musica serena, seu riso ecoar por seus aposentos e seu semblante sempre tao duro, agora estava relaxado como se fossemos crianças comuns.

Me retirei imediatamente sem desviar os olhos dos deles e ele dos meus.

“O que foi aquilo?”

Perguntava-me enquanto corria para a cozinha e sentia meu rosto ferver em descrença, parte de mim se culpou por estar sendo petulante demais e outra parte de mim contagiava-se em ver um lado dele inédito.

"Seu sorriso..."

Senti algo bater com força em minhas pernas e me desliguei do meu paraíso particular, encontrando a carranca de minha mentora;a Senhora Zhang chamava minha atenção para uma de minhas tarefas que pareceu exigir cuidados especias.

—Está mais do que nunca longe demais de seu lugar , senhorita Chen!- sua voz advertiu-me para que mantivesse a concentração nas refeições que estavam sendo preparadas, pois hoje não seria um dia como os outros.-Tenha atenção em demasia nas preparações de hoje.—

O prato principal seria Pato; tive o cuidado de preparara-lo com as melhores especiarias disponíveis na dispensa, dando a ele camadas douradas de um delicioso molho agridoce,reforçado de tempos em tempos durante todo o cozimento,sua aparência ao fim estava ainda mais saborosa.Cortei-o em tiras finas e depositei de forma elegante em uma bandeja enfeitada com pequenas trouxinhas comestíveis de massa e legumes seletos da época.A carne estava bastante macia devido a qualidade da gordura do próprio animal e ao fato de ter usado um pequeno truque de minha mãe , a fim de preservar o aroma me deu a segurança de conquistar o paladar do Jovem Mestre.

Preparei outras refeições mais  simples que acompanhariam o prato principal, como saladas, tofu recheado , frutos do mar a moda de Xangai e  outros detalhes importantes que tinham o intuito de agradar a preferências de cada um dos mestres. 

A Jovem Mestra Jun por exemplo, detestava comer alimentos com qualquer tipo de  conservas.

Já  visando a saúde do Mestre Ching, fazia-se necessária uma atenção maior a quantidade de vitaminas,gordura,temperos e outras necessidades para garantir sua longevidade.

O Supremo regente comia quaisquer alimentos que fossem do agrado de sua esposa, e ai que morava o desafio pois a Senhora Ran detestava ter de comer alimentos repetidos na mesma semana, ao ponto de ter castigado severamente uma criada quando esta lhe serviu no mesmo dia o mesmo menu do almoço.Existia entretanto uma regra de que se ela pedisse para repetir uma refeição , está havia superado qualquer uma de suas expectativas.

Ren...ou melhor o Jovem Mestre, era sempre "metódico em tudo" , inclusive em sua alimentação e por vezes sempre tive o cuidado de preparar para ele refeições a parte com alguns conselhos da Senhora  Zhang, mas recentemente, eu havia aprendido em minha limpeza os ingredientes que ele tinha preferencia.

Eu me perguntei enquanto cozinhava, o motivo de ser a responsável pelo banquete daquela noite importante no castelo.Ouvi apenas o burburinho de algumas empregadas  que por ordens expressas da Mestra Ran, o jantar deveria ser preparado por mim sem quaisquer interferências da Senhora  Zhang ou qualquer outro servo.

Senti-me ainda mais honrada com aquela obrigação e em meu íntimo temi apenas que o jantar agradasse o Jovem Mestre.

A mesa foi organizada por outras servas que tiveram de seguir exatamente meus comandos; algumas delas, muito mais velhas me encaravam com raiva evidente e fiquei pensando se aquele tipo de oportunidade foi oferecida a alguma delas.

Fiquei do lado de fora enquanto a senhora Zhang anunciava aos Mestres o que seria servido naquela noite.

Um momento muito silencioso foi finalmente quebrado pela abertura da porta de madeira que separava a sala de jantar, do corredor onde minha insignificante pessoa se encontrava.

—Entre por gentileza Senhorita Chen.- a voz doce e cruel voz da Mestra Ran rompeu  minha inabalável segurança e temi ter arruinado o banquete.–Devo agradecer por esta refeição, a muito não vi nada tao dedicado, em particular aos gostos de nosso pequeno Herdeiro. - declarou.

O sorriso da linda mulher , estava desenhado por um batom de cor forte que destaca-se ainda mais contra sua pele alva de porcelana, mas em seus olhos eu vi o vislumbre da chama de um desafio.

Desafio?Contra minha pessoa?Ela estava me desafiando a algo ou eu tinha acabado de passar por um teste?

—Por sua dedicação, e por ser a responsável de nosso pequeno herdeiro, permitirei que fique enquanto o meu esposo, o Supremo Regente Tao En faz um importante anuncio.- ela cobriu seus lábios com seu típico hábito antes de analisar com seus olhos perspicazes uma situação ou pessoa.

Fiz uma profunda mesura e a repeti mais duas vezes mostrando quão honrada me senti ; em seguida copiei o mesmo gesto que todos faziam e encarei os olhos penetrantes e assustadores do Regente, Tao En.

—"Como todos sabem, o próximo Herdeiro da família será um participante da Shaman Fight e com o intuito de mostrar quão longe os outros participantes estão do nível de nosso clã, Ren vai partir amanhã para Tokyo".- O mestre En fez uma pausa e sua voz como um trovão, fez com toda a certeza o coração de todos ali presentes estremecer com aquela promessa para o futuro de nossa família;suas próximas palavras entretanto, soaram terrivelmente desprezível em meus ouvidos.- “E somente retornará para este castelo com o poder de Shaman King em suas mãos!”—

A remota ideia de não ver mais o Mestre Ren, encheu meu intimo de desespero e meus olhos procuraram os dele; mas ali sob seu olhar baixo encontrei desprezo, vi em seu perfil que destilava ódio ao seu próprio pai e que havia uma conversa silenciosa entre ambos.

—Eu voltarei com o poder em minhas mãos Pai, isto já é um fato consumado.- disse cuspindo as palavras com um sorriso cínico nos lábios perfeitos.- deu de ombros e levantou de sua cadeira rispidamente. -Quando isto acontecer, eu temo por aqueles que tiverem a ousadia de me desafiar.-

O desafio lançado ao próprio pai foi seguido de sua retirada da sala de jantar; pude apenas acompanhar com meus olhos enquanto ele afastava-se cada vez mais de nosso pequeno grupo e quando meus olhos finalmente não o avistaram mais, percebi os olhares em minha pessoa.

—Veja só, eu lhe disse minha Mãe, existe amor nesses olhos obedientes. - disse a mestra Jun num tom de gozação, limpando seus lábios com um lenço e jogou-o sobre a louça de jantar.-Eu apostarei que isto vai fortalecer o ímpeto. -

—"Eu acredito que isto seja irrelevante, desde que tragam gerações de herdeiros excepcionais e cada vez mais poderosos, deixarei esta escolha em suas hábeis mãos, minha Esposa".- O supremo regente disse em sua figura gigantesca e seguidamente desapareceu diante dos olhos de todos como de costume.

Percebi pela primeira vez,que  seu prato apresentava sinais de que havia comido junto de todos e me assustei com o rumo daquela conversa.

“Herdeiros Excepcionais” e “Fortalecer o Ímpeto”?

—Veja bem minha criança, com a partida de meu filho seus deveres serão resumidos em tarefas bastante específicas. -ela tentou segurar sua risada maldosa e assim que parou fixou o olhar em minha figura e, continuou a declarar.— Acredita que foi enviada a esta casa apenas para ser nossa serva?—

Ousei responder quase que infantilmente.—Me sinto honrada em fazer minhas obrigações senhora—

 —Parece um coelhinho...um coelhinho.— a Senhorita Jun disse com numa apreciação contraditória.

—Eu gosto dessa sua obediência senhora Chen e desse seu, “digamos” fanatismo por nosso clã.- suspirou numa pequena divagação.- Coisa muito rara nos mais variados nichos de nossa Família.-

—Está perdendo o fio da meada minha querida.- Disse o Mestre Ching a sua nora.

Ela lhe deu um olhar de desgostoso e vi a Senhorita Jun sentir-se desconfortável em seu assento entre os outros familiares restantes na sala.

—Eu só gostaria que ela entendesse que esta qualidade é apreciada e uma necessidade que carece em meu filho.— a senhora Ran deu de ombros e relaxou em sua cadeira.— O que estou tentando dizer é que você, que foi testada desde seu nascimento apenas para ser uma candidata à “eleita”.-

Meus olhos devem ter obviamente mostrado sinal de desentendimento o que pareceu frustrar o Senhor Ching; mantive-me ereta e de ouvidos e olhos atentos ao que a mestra Ran ia me explicando.

—Noiva e futura esposa, pode chamar como achar melhor.- a Senhorita Jun disse desta vez um pouco mais animada com o ruma da conversa.

—Você vai treinar, vai sofrer e dependendo de quem escolher para treiná-lá…— a Mestra Ran fez uma pausa olhando para o sogro.- Talvez deseje a morte.—

—Seu prêmio por conseguir ser a mais forte dentre todas as outras, será a responsabilidade de administrar a futura geração de herdeiros. - O Senhor Ching ignorou o olhar de sua nora, concluindo minhas dúvidas.

—Claro, ganha de brinde meu irmãozinho. — a voz da senhorita Jun soou com a mesma maldade sádica de sua mãe e não tive dúvidas de seu parentesco.

 —Sei que é bastante esperta , mas oficializando toda esta conversa,prepare-se para ser a futura regente deste Clã.— em seu tipico tom altivo, a atual regente lançou-me outro de seus olhares repletos de desafio.

—Eu o farei!—respondi imediatamente.

—Pode se ir, qualquer outra dúvida será esclarecida pela senhora Zhang.—a mestra gesticulou para que eu me retirasse e assim os membros restantes da família se colocaram numa calorosa conversa sobre as outras escolhidas.

Fui para meus aposentos a passos acelerados e assim que cheguei me despi desesperadamente.

—"Lien, você entende o que está acontecendo ,certo?”— a Voz de Moon veio imediatamente ao encontro de meus ouvidos mas eu a interrompi.

—Não diga nada!- eu falei mais alto do  que imaginei.

Deixei a água gelada cair sobre minha pele e fazer todo meu corpo arrepiar-se de frio em resposta.

Toquei meu pulso e senti meus batimentos acelerados…

Belisquei minha pele…

Sequei as lágrimas que escorriam de meus olhos…

Torturada por meus pais e crescendo num lar sem amor ou afeto para ninguém!

Irmãos, Mãe e Pai tratavam-me como uma máquina que não estava dando seus 100% e tinha de  mostrar a cada segundo resultados melhores e maiores do que os anteriores.Eu os odiei por todo aquele tempo e menti, até mesmo para mim, a fim de compensar todo meu esforço.

“Obrigada!”

Era agora a única coisa que pude pensar; que apesar de não terem ideia de que um dia eu ousasse me apaixonar pelo Mestre Ren, todo o sofrimento que senti foi uma prova de que minha família desejou a melhor recompensa… de todas!

Agradeci por aprender a preparar refeições tão impecáveis, por quebrar alguns ossos várias vezes enquanto treinava e por dormir todos os dias almejando o sucesso dos ramos mais elevados da Família Tao...agora, “EU” dentre todas as pessoas, poderia fazer parte do lugar que idolatrei mesmo que no início, de forma hereditária.

“Isto, não é um sonho...eu cheguei aqui por minha força.”

Com esses pensamentos adormeci tranquilamente e acordei alguns minutos depois com um aperto em meu peito, vesti-me de forma precária e corri até os portões do castelo.

Ali avistei um cavalo de tamanho gigantesco, provavelmente um “Percheron” de olhos enigmáticos e de aparência imponente.O animal de olhos  azulados e gélidos me encarou de maneira impiedosa e fez-me sentir ainda mais insignificante; mas eu avancei a passos receosos na direção do cavalo.

—Ele vai te matar se quiser, e acredite em mim... -A voz dele soou de minhas costas.-Ele vai matar!-

Girei meu corpo e observei meu amado, trajado em vestes típicas e uma mochila em sua mão.

—É um Percheron, certo? - olhei novamente para a majestosa criatura.

Como se tirasse um nó de sua garganta, Ren apenas confirmou minhas suspeitas.-Sim, e de uma nobre linhagem de cavalos de imperadores.-

—Os olhos dele são raríssimos.-disse com óbvia admiração e me coloquei novamente em direção do animal.- Ele deve valer uma fortuna.-

—Hakuô faz parte de minha força.-ele soou com um ar arrogante que me pareceu bastante digno.—Ele é inestimável.—

Me aproximei da criatura que me lançou um olhar agressivo , mas diferente de outros animais que sentiriam-se acuados; Hakuô apenas encarou-me como se eu fosse um ser mediocre.

—Eu vejo o quão forte ele é, não se trata apenas de um animal. — minha voz transbordava emoção e eu simplesmente não pude me
conter.— Ele é nobre e seu desdém a outros é justificado; veja como ele tem plena ciência de sua força.—

 Minha mão avançou para o focinho do animal com cautela e ele me permitiu tocá-lo.

 —Oh, certamente me sinto honrada que  permita que me aproxime.—disse extasiada.

 —Ele nunca deu abertura a outros.- a voz de Ren rompeu  meu pequeno mundo.

 —Queira me perdoar Jovem Mestre, eu sempre amei cavalos.—admiti preparando-me um castigo merecido.

—Sim, é bom saber que alguém pode ficar de olho e trata-lo além de mim.- admitiu e acariciou a crina prateada e comprida antes de montar no gigantesco animal. 

—Que nossos ancestrais lhe guiem na vitória.— lhe disse num sussurro tímido acompanhado de uma profunda mensura.

—Adeus serva.— lançou um olhar gélido e costumeiro de indiferença.

Obriguei-me a encará-lo, novamente emoção demais transbordava de mim,mas pensar num adeus fez meu coração cambalear em desespero.

—Não diga isto senhor!— minha súplica soou muito alta e temi revelar meus sentimentos prematuramente.—Eu sei que retornará como o Shaman King, por isso; até logo senhor.—

Pensei ter visto o semblante de um sorriso e o sussurro de meu nome, mas diante do anoitecer preenchido apenas por uma enorme e iluminada Lua cheia; eu me deleitei entre lágrimas enquanto Hakuô deixava uma trilha negra no desértico terreno que rodeava o castelo e afirmava a despedida do jovem dono de meu coração.

—_ Quatro Anos Depois ____ Liem Ming Chen,11 anos.

“AHHHHH!”

Gritei mentalmente enquanto colocava meu ombro de volta no lugar.

Decidi por recomendação da senhora Ran, que o melhor Mestre seria o Senhor Ching, antigo regente da Familia Tao.

Ele acompanhou o treinamento de seu neto e transformou o Supremo Regente , Tao En, na massa assustadora que era aquele oversoul.

Já estava treinando com o senhor Ching a quase duas primaveras, quando meu aniversário finalmente se aproximava e meu coração pela primeira vez desejou receber um presente; eu queria  Ren de volta.

O mestre Ren havia partido para Tóquio com intuito de eliminar inimigos mesmo antes da “Grande Estrela Cadente” rasgar os céus e principiar que a Shaman Fight estava finalmente convidando novos guerreiros a conquistar o reinado.

“Como eu quero te ver.” dizia em meu íntimo todos os dias como numa solene oração.

Ao trocar as ataduras, ouvi sons vindos do andar de cima, costumeiramente onde os mestres costumavam fazer suas atividades mais variadas.

Subi as escadas com o Kyoketsu em mãos, meus movimentos silenciosos e felinos eram inaudíveis , mas quando meus olhos finalmente alcançaram a cena, eu não tive certeza se estava mesmo acordada.

—Eu lhe peço papai, por favor!—a voz feminina era chorosa e implorava buscando forças para manter-se de pé.—Ele não merece viver em ódio, pode fazer o que quiser comigo mas deixe que ele tenha o direito de sonhar com algo que não envolva um banho de sangue.—

A voz monstruosa do senhor Tao En , soou magoada e
enfurecida.—"Quem colocou tais idéias na cabeça de minha pequena filha?"—

—O mundo é muito mais do que isso e o senhor nunca nos deu o direito escolher, o Ren continuará perdendo para o jovem da Família Asakura enquanto ele não desejar algo por si próprio.— ela lamentou entre soluços.

As mãos de Tao En, agarraram o corpo do morto-vivo comandado pela senhorita Jun, e ouvi os estalos dos ossos do boneco serem quebrados; Tao En não se contentou quando o boneco caiu sem movimentos e observou Jun com preocupação evidente, os pés do Regente pisotearam o lutador e ele pareceu perder a consciência.

—"Asakura!"— o Mestre En vociferou e desferiu contra sua filha um golpe.

Jun bateu contra a parede e pude ver quando seu corpo esguio destroçou algumas das tábuas de madeira maciça.

Os Olhos do Mestre En encontraram os meus e eu tive vontade de correr para o mais longe possível.

—"Oh, pequena candidata".- ele respirou profundamente".-Minha esposa me contou sobre sua devoção à família e veja bem, minha filha sofreu de algum tipo de ilusão por parte do xamã de nome Asakura.-

Me aproximei de meu mestre e ele apontou para o cadáver guardião de sua filha mais velha.

—"Eles são empecilhos que ameaçam o nosso futuro".-sua voz pareceu ecoar de dentro de minha cabeça.-"Por enquanto pedirei apenas que leve este boneco para o subsolo e bem…"—

O mestre segurou sua própria filha pelos lindos cabelo e a arrastou para os fundos;deu apenas de ombros quando fiquei encarando o guardião da Mestra Jun e com voz de trovão numa gargalhada maliciosa me disse apenas.

“Seja criativa...”

Se em meu lar não existia amor para ninguém, tive a certeza de que viver no nicho principal da família, significava que a palavra “Parentesco” se tratava meramente de uma formalidade.

Anotei mentalmente que deveria redobrar minhas ações perto do supremo regente.

O odor de  formol já não me incomodava em nada e ao me deparar com tantos corpos dentro da enorme piscina no subsolo, fiquei me perguntando em como seria criativa.

—Senhorita?- uma voz masculina falou e eu não pude deixar de sentir arrepios.

O guardião de membros quebrados recobrou a consciência e agora encarava-me com olhos cheios de dúvidas.Como por reflexo procurei qualquer sinal de um talismã “Jufu” no qual a mestra Ran utilizava normalmente para o controle de seus cadáveres.

—Poderia me responder algo?- ele disse numa voz mansa.

Acenei com a cabeça sem sequer entender o que estava ocorrendo.

—A Jun está bem?- seu timbre era de preocupação e me ocorreu que ele parecia muito mais humano do que deveria ser.

—Eu não posso garantir que esteja bem, mas afirmo que ela está viva.— disse olhando para o teto de onde  consegui ouvir correntes sendo reviradas.— Por que você é desse jeito?—

Seus olhos se reviraram e seu corpo se remexeu no chão.—Eu e a Jun fomos salvos por um jovem xamã chamado Yoh Asakura… neste momento ele também está tentando fazer o mesmo pelo Ren.—

Meu corpo se arrepiou quando ouvi suas palavras, sentei-me próxima dele e escutei atentamente sobre tudo que ocorreu recentemente em Tóquio; meu querido mestre estava agora enfrentando alguém que ele chamou dignamente de rival e pensei que de certo modo o mestre En estava correto.

“Nossos ideais estão sendo corrompidos.”

—Eu não irei ser tão cruel quanto o  supremo Regente deseja.— suspirei apanhando um grande e ensanguentado cutelo.—Irei apenas desmembrá-lo em cortesia das informações que  me deu sobre o Mestre Ren, mas será o suficiente para que não consiga mais se locomover sem que a Senhorita Jun use outro talismã “Jufu”.—

Ele me deu um sorriso cúmplice que não compreendi e segui separando seus braços e pernas e deixando-o sobre uma maca.Caminhei lentamente e subi as escadas me despedindo do lutador com uma pequena mensura.Suas palavras permanecerão em minha mente por toda aquela noite e nos três dias que se seguiram , precisei de muita força para não correr e ir até a Mestra Jun e lhe perguntar o que estava ocorrendo com Ren.

Meu aniversário seria no dia seguinte e ao observar o céu repleto de estrelas, observei um pequeno brilho descer o horizonte; fechei os olhos como numa prece.

“Eu gostaria de vê-lo novamente nem que seja por um instante.”

Ouvi passos leves vindos de fora do meu quarto; se não fosse pela cumplicidade com Moon, talvez eu tivesse deixado aquele ruído permanecer oculto junto da noite.

—”Ye de Yǎnjīng”(Olhos da Noite).- incorporei Moon usando minha habilidade para enxergar em qualquer ambiente de forma clara.

Sai de meu quarto a passos silenciosos e  observei do alto da escada meu desejo tomar forma física.

Estava trajado com um casaco grosso, calças e um lindo cachecol de lã de cor dourada em combinação com seus olhos.

—Você é… - ele disse tentando se recordar de algo.

—Sou a serva desta Família.— minha voz era trêmula recordando de como ele me chamou em nosso ultimo encontro e me deixar caminhar até ele diminuindo aos poucos a distância entre nós.

—Lien, eu me lembro de você.— Deixou escapar um breve sorriso quando proferiu pela primeira vez meu nome, e que sumiu rápido demais; seu olhar direcionado para um outro lugar do castelo teve a certeza de onde deveria ir.

—Mestre Ren…- as lágrimas saíram quando senti seu cheiro tão nostálgico atingirem minhas narinas , agarrei suas roupas com urgência.- Por favor, vá embora o mais rápido que puder.-

Seu semblante pareceu aturdido quando ele agarrou minha mão de forma tranquilizadora e sussurrou.—Meu pai aprisionou minha irmã,não é?—

Acenei com a cabeça e levei a mão livre até seu rosto.—Por favor, ele vai machucá-lo Mestre Ren.—

—Você sabe que eu preciso ir.—Ele soltou minha mão mas não retirou a que havia em seu rosto.—É um prazer ver você novamente.—

Fiquei estática observando-o adentrar o palácio em busca de vingança, o rapaz que vi agora havia mudado completamente,humanidade emanava de suas ações e eu sentia agora mais do que nunca , propósito em seu olhar.

Determinação…

Medo…

Senso comum…

Qualidades com as quais ninguém da família Tao teve a oportunidade de presenciar em sua criação.Em pouco tempo , ele havia se tornado mais do que eu pude almejar para seu futuro e o privilégio de ver o mundo foi lhe dado por seu rival...talvez alguém por quem ele chamaria de amigo.

Os eventos que se seguiram ficaram registrados para sempre no legado de nossa dinastia e determinaram sem querer o futuro da Shaman Fight e de minha tão almejada união.
Mas eu ainda não tinha ideia de como tudo se seguiria, apenas que inacreditavelmente havia ocorrido no dia em que completei 12 primaveras de idade.

—__________________Fim (Continua...)