Um pequeno contratempo escrita por magalud
Eles estavam empilhando blocos quando a Srta. Dóris chegou à porta da sala de recreação e avisou:
– Severo, venha comigo. Stevie, fique com Calvin.
O pequenino fez bico de quem iria chorar, mas Severo cochichou:
– Eu volto logo.
Severo esperou Stevie voltar a empilhar os blocos para seguir a Srta. Dóris, suas pequenas capas fazendo com que ele lembrasse com uma pontada de dor dos tempos felizes de Hogwarts, e como seria bom ter 37 anos novamente.
A mulher disse, parecendo agitada:
– A assistente social me fez uma surpresa, e trouxe um casal interessado em um menino. Você faça o favor de se comportar bem, ou eu vou dar a preferência para Stevie, que é lourinho e todos querem uma criança loura, entendeu?
– Sim, srta. Dóris.
– Agora faça cara de coitadinho e conquiste aqueles otários.
Severo concordou com a mulher, mas nunca imaginou, em toda sua vida, que teria que usar o charme e a inocência para conquistar alguém. Simplesmente não era o seu estilo. Iamgine, Severo Snape dependendo de suas qualidades infantis para conquistar alguém. Engolindo em seco, ele a seguiu para dentro do escritório.
Havia três pessoas desconhecidas ali. Três adultos, e como todos os adultos que Severo via, pareciam altos, talvez por isso parecessem ameaçadores.
A Srta. Dóris abriu um grande e falso sorriso e disse:
– Aqui está nosso mais novo garoto. O nome dele é Severo Snape.
Uma moça mais jovem que a Srta Dóris abriu outro imenso sorriso para ele e disse:
– Oh, meu Deus, como ele é pequeno. Olá, Severo, como vai?
– Bem – disse ele.
A Srta. Dóris apresentou-a:
– Severo, essa é a Srta. Jade, do Serviço Social. Ela veio aqui só para te conhecer.
– Obrigado – disse ele, olhando para os outros ocupantes da sala, e o casal sorriu para ele também.
– Esses são o Sr. e a Sra. Campbell – continuou a srta. Dòris, naquele tom falso – Eles também estavam curiosos para ver você.
Severo disse:
– Muito prazer.
A Srta. Jade abaixou-se para ficar mais perto dele e disse:
– Severo, você pode se sentar ali. Queremos conversar com você.
Ele obedeceu, e tentou controlar-se, olhando de soslaio para o casal que acompanhava tudo com atenção. Ele se ajeitou na poltrona, e as perninhas dele ficaram balançando, bem acima do chão. Ele tentou controlar as pernas para não balançarem.
– Você estava na escola?
Ele respondeu:
– Eu não vou à escola. Escola é para criança grande.
A Srta. Dóris disse:
– Ele brinca com os menores. Precisa ver como ele gosta de cuidar dos pequeninos!
A Srta. Jade disse:
– Madame, nós preferimos que a criança fale por si mesma.
– É claro, é claro.
– Severo, você sabe quem sou eu?
Ele fez que não com a cabeça e ela respondeu:
– Eu procuro pessoas simpáticas como o Sr. e a Sra. Campbell, que estão procurando menininhos como você para adotar. Você sabe o que é adoção?
Ele olhou para ela e tentou ser o mais infantil possível:
– É ganhar novo papai e nova mamãe?
– Isso mesmo. Vamos ver se o Sr. e a Sra. Campbell vão ser seu novo papai e sua nova mamãe.
Ele olhou para o casal e disse, inocente, apontando para a Sra. Campbell:
– Ela é bonita.
Aquilo provocou risos entre os adultos, e a Srta. Jade disse, como se falasse com um retardado:
– Agora vamos fazer algumas perguntas para você, está bem, Severo? Diga, onde você morava com seus pais?
– Em casa – ele respondeu feito outro retardado.
– Sim, mas aonde ficava sua casa?
– Longe. Pegou fogo, não tem mais casa.
– Eu sei, querido, mas você não sabe onde era isso? Em que cidade, em que condado?
– Não.
– E você tinha irmãos?
– Não.
– Você sabe o que o seu papai fazia?
– Não.
– E sua mamãe?
– Fazia bolo e pudim. Eu sinto saudade do bolo da mamãe.
A Sra. Campbell interferiu:
– Jade, por favor, não pode poupá-lo disso? Veja, o menino ainda nem tirou o luto pelos pais. O pobrezinho é muito pequeno.
– Eu só estou tentando obter informações. Ele foi trazido sem documentos, a pessoa simplesmente o deixou no orfanato, sem sequer dar um nome, e nós não sabemos nada sobre ele. Quem sabe se ele foi raptado?
Severo colocou sua expressão mais inocente e quis saber:
– O que é raptado?
– Severo, o homem que o trouxe, ele era seu amigo?
– Sim. O nome dele é Tio Lúcio.
– Ele morava perto de seus pais?
– Não, ele morava em outra cidade.
A Srta. Dóris disse:
– Viu? É como eu disse! Nenhuma informação.
– A polícia não tem registro de nenhuma criança desaparecida com a descrição dele, mas nunca se sabe – disse Jade, olhando para Severo com pena – E ele é tão pequeno, ainda menor do que uma criança de 4 anos normalmente é.
Severo olhou para baixo e disse, como se quisesse choramingar:
– Desculpe...
Aquilo encheu Jade de pena que chegou perto dele e disse:
– Não, meu amor, você não fez nada errado. Nada errado. Nada disso é culpa sua. Você não fez nada errado, Severo.
A Sra. Campbell disse:
– Eu sabia que isso ia terminar aterrorizando o garoto. Pobrezinho, ele já sofreu demais, não acham?
– Está tudo bem, Jane – disse o Sr. Campbell para a esposa, abrindo a boca pela primeira vez.
A Srta. Jade disse:
– Bem, de qualquer forma, tivemos um primeiro contato. Acho que Severo vai gostar de voltar para as suas brincadeiras agora, não vai, querido?
Ele arregalou os olhinhos pretos e perguntou, com uma voz doce:
– Eu vou ter um papai e uma mamãe?
A Sra. Campbell soluçou de emoção, levando a mão à boca, e o marido a abraçou. Ambos pareciam tocados. A Srta. Jade olhou para Severo e disse, com um sorriso nos lábios e lágrimas nos olhos:
– Vamos fazer de tudo para você ganhar uma família, Severo. Agora pode voltar a brincar.
– Sim, senhora – ele olhou para a Srta. Dóris – Com licença.
Severo teve dificuldade para sair da poltrona, mas o fez sozinho e saiu da sala, cuja porta se fechou atrás dele. Ele se encostou na porta para ouvir os adultos falando:
– Como ele é pequenininho! E já sofreu tanto, pobrezinho! Oh, Bill, ele é um sonho!
– Acho que para um primeiro contato foi muito bem.
– E ele é educadinho. Acho que ele gostou de nós.
– Temos chance de conseguir ficar com ele?
– Bom, ainda há uma parte de burocracia a resolver. Mas vamos fazer de tudo para que encontremos uma solução a termo.
O coração de Severo se acelerou e ele achou melhor sair dali antes que fosse descoberto. Aparentemente, seu plano tinha dado certo. Ele tinha convencido os Campbell de que era um menininho de 4 anos, órfão e abandonado à sorte. Infelizmente, só o que ele podia fazer era rezar para que os Campbell ganhassem a custódia sobre ele.
*
Houve pelo menos mais duas visitas. Na primeira, Severo se aproximou mais da Sra. Campbell, sentindo que ali estava o elo mais fraco da corrente. Ele não queria testar o Sr. Campbell, pois não sabia se ele era um pai amoroso.
Ele soube que os Campbell tinham um outro filho, e por isso temeu não ser escolhido. Se o irmão mais velho não quisesse um irmão caçula, e os pais tivessem que escolher entre os dois, adivinha quem iria parar na rua da amargura? Claro que seria Severo, o intruso da família.
A segunda visita foi longe da Srta. Doris, mas a principal atração foi o irmão mais velho, de nome David e da idade de Moe. Severo ficou ressabiado, mas David foi incentivado a fazer amizade com o menino mais novo. Coube a Severo fazer a aproximação, indagando se ele gostava de futebol. David respondeu que sim, e Severo pediu que o ensinasse, porque ele jogava muito mal. Os adultos acharam graça da simplicidade do menino.
Sem a Srta. Dóris por perto, Severo pôde se soltar mais, tentando dizer inclusive que já sabia ler e escrever. Os Campbell não acreditaram, e acharam graça de Severo querer ser homenzinho. A Srta. Jade gostou da interação entre o casal e o menino.
Ainda levou algumas semanas, mas o Ministério do Interior finalmente deu a palavra final sobre o caso: Severo iria para a casa dos Campbell, para ser adotado formalmente. O processo todo levaria meses para se concretizar, com dois meses de experiência para que ambas as partes se acostumassem uma com a outra.
O pequeno Stevie estava com lágrimas nos olhos:
– Você vai embora? Quem vai me ajudar a cortar minha comida?
Severo disse:
– Não se preocupe. Calvin vai ajudar você, ou então Mark.
– Eu quero você, Severo – o pequeno se agarrou a ele – Você é meu amigo.
– E seremos amigos para sempre, Stevie. Lembre-se do que eu lhe disse: nós só vamos morar em casas diferentes.
Mark disse:
– Eu vi sua nova mamãe. Ela parece ser uma boa mãe.
– Ela queria me dar brinquedos – mas a Srta. Dóris disse que os meninos não podem receber presentes. Todos os brinquedos têm que ser dados para o orfanato. Aí eles deram de presente aqueles carros de madeira que estão na sala de recreação. Vão ficar para vocês todos brincarem.
– É, se o Moe não quebrar antes de a gente pegar.
Severo disse:
– Vocês têm que revidar o Moe. Viu o que aconteceu comigo? Por um tempo ele ficou me chateando, mas agora ele não me chateia mais!
– É, mas você apanhou que saiu até sangue!
– Uma vez só! E ele também saiu sangrando!
Stevie continuava abraçado a Severo, agarradinho feito um carrapatinho.
– Quem vai me proteger do Moe? Eu sou pequenininho.
– Você tem que correr e aprender a subir na árvore. Assim ele não te pega. Ele é grande e desajeitado, ele não consegue subir na árvore. Promete que vai se cuidar?
– Vou, sim, Severo. Puxa, você sabe muita coisa. Vou sentir sua falta.
– Também vou sentir a sua.
– Quando eles vêm te pegar?
Severo respondeu:
– Amanhã bem cedinho.
– Será que eles são ricos?
Calvin cortou:
– Bom, eles deram aqueles carros de madeira para todos nós. Tem até um caminhão grande!
– Se você virar um menino rico, você vem visitar a gente?
– Eu vou pedir para eles me trazerem aqui, já que eu ainda não tenho aula. Mas se a minha nova mãe trabalhar fora, significa que eu vou para uma creche ou coisa parecida – Severo fez uma careta – Eu preferia passar o tempo com vocês.
– Legal. Você é um amigão, Sev – disse Calvin – Posso te chamar de Sev?
– Tudo bem.
A Srta. Dóris chegou nesse momento:
– Hora de dormir! Todo mundo para a cama, agora mesmo. E você, Severo, ajude Stevie a se cobrir direitinho, se não ele fica resfriado.
– Eu não sou bebezinho! – disse Stevie, irritado.
– Não me responda, menino! Você não é tão pequeno que não possa levar um castigo por ser respondão. E você, Severo? Que está fazendo aí, parado? Só por que vai embora está se achando grande coisa?
– Não, Srta. Dóris. Venha, Stevie.
A mulher mal-humorada apagou a luz e disse:
– Graças a Deus, uma peste a menos para eu cuidar. Vamos ver quem será o próximo na lista de adoções.
Todos queriam ser, mas sabiam que ela se irritaria se começassem a falar depois da luz ter sido apagada, então ficaram quietinhos.
Sem dar sequer um boa-noite, ela fechou a porta e os garotos se ajeitaram para dormir.
– Severo? – falou Stevie, cochichando.
– O que é?
– Dorme comigo?
– Por quê?
– Estou com saudades de você.
– Mas eu ainda nem fui embora.
– Mas você vai amanhã cedinho. Dorme comigo hoje, vai? Por favor!
Com o estilo mais Snape possível, ele revirou os olhos e disse:
– Está bem. Chega para lá.
Juntinho com Stevie, Severo passou sua última noite no orfanato, mal podendo dormir de tanta ansiedade que a manhã chegasse.
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