7 Atos do Impossível escrita por Ly Anne Black


Capítulo 3
O Chute Que Ele Nunca Deu, e O Que Ele Nunca Sentiu




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Bella teve ânimo a voltar para a estufa porque, sinceramente, se permanecesse na casa ficaria louca. Black obtivera o aval de Andie para sair da cama, e agora estava em todos os lugares. O chalé nunca fora tão pequeno; havia o cheiro dele impregnado no corredor, as botas dele no hall de entrada, as roupas dele jogadas no chão do banheiro, a presença dele nas refeições, pelo amor de Merlin.

– Eu vou matá-lo, Mordred. Eu juro que vou. Um dia eles vão acordar, e a cabeça estúpida de Black vai estar espetada nas hastes de metal daquela ridícula caixa trouxa em que ele fica assistindo jogo de vultebol o dia inteiro. – resmungava, enquanto colocava um monte de estrume de fada no último vaso de cânfora formosa.

O cavalo, com a cabeça grande e negra enfiada para dentro da estufa, fez um relincho baixo de concordância ultrajada. A bruxa superara a estranheza de falar com um animal já há algum tempo, afinal ele era uma ótima companhia que sempre estava concordando com ela.

Satisfeita com o trabalho do dia – reenvasara todas as mudas de cânfora que estavam brotando desde o início do mês em vasos mais espaçosos e arejados – limpou as mãos sujas nas laterais da calça e ajeitou o cabelo que caia pelo rosto. Se tivesse sorte, conseguira perder o jantar e ia comer alguma coisa em paz na cozinha, sem ter de olhar para a cara do primo traidor do sangue que, apesar de estar seguindo a sua sugestão e ignorando a sua existência, era por sua vez muito difícil de ser ignorado em sua expansiva e incômoda presença.

Mas quando Bella primeiro avistou o chalé, um reflexo de cabelo loiro chamou a sua atenção. Alguém acabara de entrar pela porta da cozinha e, animando-se, pensou que fosse Narcissa – sua irmã mais velha, que não fazia uma visita já há algum tempo, entenderia o seu desespero e concordaria com as suas queixas não através de relinchos, mas através no perfeito uso da linguagem articulada.

Não era Cissa, no entanto. Ao pisar na cozinha deu-se com nada menos que a namorada sangue ruim de Sirius, Olivia Loren, e o próprio. Eles se interromperam e caíram num silêncio mortal quando perceberam a sua presença.

– Black. – Loren cumprimentou, rouca.

Bella olhou para ela como se fosse excremento de trasgo na calçada, fez um desvio exagerado em torno da sua pessoa e abriu o armário, de onde tirou um pacote de salgadinhos trouxas nos quais Ted era viciado.

– Isso não é alimentação saudável. – Sirius criticou quando ela passou por ele, esquecendo-se de que não estavam existindo um pro outro.

– Vá se foder. – respondeu, deixando a cozinha.

Mas não conseguiu subir para o seu quarto. Pelo contrário, ela sentou na poltrona da sala no escuro, de pernas cruzadas e abriu o pacote de salgadinhos, mastigando um por um vagarosamente, os olhos pregados na porta da cozinha.

A acústica do chalé era terrível; podia ouvir gritos lá do sótão, mas ali no cômodo ao lado, tudo que podia divisar da conversa que se desenrolava na cozinha eram sussurros inteligíveis. Ficou analisando os tons que conseguia captar; tensos, às vezes acelerados, e uma ou duas vezes exaltados (os dela, não os dele). Sirius falava baixo e comedido. Soluços? Era difícil difícil dizer com certeza, mas torcia que sim.

Ouviu a porta batendo. Uns minuto depois, Sirius surgiu da cozinha com os ombros caídos e andou até o sofá, desabando ali mesmo e sem demonstrar nenhuma surpresa por encontrar Bellatrix sentada ali no escuro. Julgando o tanto que se conheciam, provavelmente ele já imaginava.

Dezenas de minutos se passaram com eles dois sentados no escuro e quietos, sem nenhuma palavra. Bella precisou descruzar as pernas que estavam dormentes, e as esticou sobre a mesa de centro soltando um suspiro mínimo de alivio. Sirius, que estava quase na mesma posição em que se sentara, com os cotovelos pousados nos joelhos e o rosto nas palmas das mãos, finalmente ajeitou a sua postura, jogando para trás o cabelo que caía sobre a testa. Um movimento típico, familiar, que ela vira nascer por necessidade quando ele parou de cortar o cabelo, e que acompanhara até se tornar um símbolo de displicência e rebeldia, o reconhecimento fez uma coisa se apertar em seu peito.

Ele se virou para ela, estreitando os olhos.

– Isso é Corn Flakes?

Bella deu de ombros. Comer snacks trouxas era uma coisa, mas ler a embalagem era um pouco demais até pra ela. Sirius em um movimento fluído se inclinou e arrancou o pacote de suas mãos, esticando-o pra ler no escuro.

– É, Corn Flakes. Você não devia comer isso, é uma droga pra sua saúde. – E com um olhar desaprovador para ela, meteu sua mão enorme no saco e enfiou um punhado de salgadinho em sua própria boca.

– Suponho que seja o tipo de comida apropriado pra você, então. – rebateu irritada com a ousadia dele.

– Eu não tô gravido.

Ela balançou a cabeça, mas não estava ligando para o salgadinho de verdade; era uma boa coisa que ele o tirara de sua posse, pois estava começando a ficar enjoada com o cheiro daquilo, apesar da sua fome insaciável. Ela estava com fome o tempo todo e por qualquer coisa mesmo que tivesse o cheiro desprezível.

– Sorte a sua. – murmurou, de repente exausta.

Ela se inclinou na poltrona, tentando ficar confortável. Pro inferno que Sirius estivesse ali ao lado, era o momento perfeito para tirar um cochilo (essa era outra coisa sobre a gravidez, descobrira que podia tirar um cochilo em qualquer lugar e praticamente sob qualquer circunstancia). Mas é claro que no momento que tomou essa decisão, o ser em sua barriga decidiu antagonizar com seus planos e acordou para a vida.

– Oh, merda. – deixou escapar, ao sentir as ondulações em sua barriga. – Filho da mãe.

– Oi?

– Não estou falando com você. – resmungou, de olhos fechados e tentando ignorar o inignorável.

– Pensei que só tinha nós dois nessa sala. – rebateu, aparentemente a fim de iniciar uma de suas tão tradicionais ginasticas verbais de troca de insultos.

– Bem, calcule de novo. – por sua vez, ela estava completamente desinteressada em honrar a tradição e só queria cair no sono.

Sirius entendeu depois de uns dois aparvalhados segundos.

– Oh. – e em seguida – O que ele está fazendo?

Eu não tenho que responder, disse a si mesma, se achando razoável e sensata. Eu posso ignorá-lo, e ele vai sumir.

Mas ela não podia. Como se a coisa viva em sua barriga discordasse da decisão, começou a chutar ou socar ainda mais forte, certamente a provocando e testando a sua paciência até o limite.

– Merlin! – praguejou enfim, sentando-se ereta. – Pare com isso!

– O que ele está fazendo afinal? – Sirius estava intrigado. Ela rolou os olhos impaciente para o primo.

– Me espancando de dentro pra fora, o que você acha?

A reação não foi a esperada. Os olhos negros se acenderam com interesse vivo e antecipação empolgada, e ele se inclinou em sua direção como se atraído por um imã.

– Posso ver?

– Não é visível.

Mas Sirius já tinha deixado o sofá e se ajoelhado ao seu lado, e ela percebeu que era tarde demais quando uma das mãos dele ia em direção ao seu estômago.

– O que você pensa… Black, tire as suas patas…!

– Calada, Bellatrix. – mandou, e com só uma mão segurou ambas as mãos dela pelos pulsos as tirando do caminho, não exatamente um poço de gentileza. Se apoiou nos joelhos para liberar a outra mão, a qual pousou sem reservas sobre a barriga protuberante dela.

O bebê chutou ainda mais forte para se exibir e Sirius afastou a mão rápido como se tivesse levado um choque. Por um momento Bella esqueceu que o odiava e buscou a expressão no rosto dele, e ele teve a mesma ideia, então seus olhares se cruzaram. Sirius parecia um tanto espantado.

– Parece que tem um alien dentro da sua barriga. – ele murmurou.

– Minhas exatas palavras.

– Isso é tão louco.


Era de se pensar que ele se afastasse após conseguir o seu intento, mas pelo contrário; se ajeitou sobre as pernas para ficar numa posição confortável e voltou a pousar a mão em sua barriga, dessa vez deixando que pesasse. Era tão grande que cobria quase todo o ventre estufado, e tão quente que Bella estava começando a se sentir abafada.

– Dói? – ele parecia uma criança curiosa, diante de um novo e totalmente inesperado brinquedo.

– Não. – disse sobre a respiração, que controlava cuidadosamente para não deixar transparecer que a proximidade imposta por ele arrancava seu ar.

– Não consigo sentir direito com tanto pano no caminho. – antes que ela pudesse entender o que ele pretendia, a mão direita de Sirius estava se esgueirando pela barra da camiseta e entrando em contato com a sua pele.

O choque… eletrizou cada terminação nervosa debaixo de sua pele com tanta intensidade que ela precisou apertar as mandíbulas firmemente para não soltar nenhum som. Ele não tinha como saber como ela estava naquele ponto da gravidez, tão sensível que até o roçar dos lençóis a deixava excitada, às vezes… e então ele vinha com aquela mão áspera e perfeitamente morna em sua pele, isso quando ela não era tocada de forma alguma em meses?

– Não consigo sentir mais nada – ele reclamou, um pouco desapontado – Ele parou de se mover?

Ela desejou, desesperadamente, que ele parasse de arrastar sua mão sobre a sua barriga, de um lado a outro, acendendo uma trilha de fogo em seus nervos e provocando todo tipo de contrações agoniadas entre as suas pernas.

– Você provavelmente… o assustou. – disse, engolindo em seco.

Acabara de lembrar porque ela e Sirius não podiam dividir o mesmo espaço. Esqueça diferenças ideológicas, tradições familiares quebradas, traições… era eles. Seus corpos. Não era suposto que dois seres humanos reagissem assim um ao outro…

Ou pelo menos como ela estava reagindo. Ele apenas parecia apenas decepcionado porque seu brinquedo não estava correspondendo às expectativas.

Sirius se inclinou e colocou o rosto perto da sua barriga, sob o seu olhar incrédulo e confuso.

– Olá, bebê. Aqui é Sirius. Que tal dar uma chutadinha?

– O que você está fazendo? – retrucou irritada. Pior do que o toque dele era o toque e o hálito dele ao mesmo tempo em sua pele.

– Achei que se eu pedisse ele poderia mover de novo.

– A coisa não pode te ouvir, Black.

Pare de chamar o bebê de “coisa”. – retrucou. – Não é à toa que ele fica te chutando.

– Do que mais eu chamaria? Não tem nome ainda.

Kicker.¹ – Sirius anunciou prontamente.

– Você é um completo, absoluto, profundo idiota…

Mas com o único objetivo de lhe contradizer o bebê se moveu novamente, bem debaixo da palma quente de Sirius, o qual abriu um enorme sorriso convencido que tomou seu rosto inteiro.

– Viu só? Ele gosta. Oooi, Kicker

Ela rolou os olhos. Seu coração deu um salto, e seus nervos estalaram novamente, quando Sirius voltou a mover a mão sobre a sua barriga, interagindo com a criança dentro dela e esquecendo de dar qualquer importância ao seu corpo que queimava de puro e inconfessável desejo pelo traidor de sangue.

(Continua…)


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Notas finais do capítulo

¹Kicker: “chutador” em inglês.

Possivelmente o meu capítulo preferido dessa viagem toda *.*



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