Impulsiva escrita por Maíra Viana


Capítulo 8
Capítulo 8


Notas iniciais do capítulo

Ei, como vai a família? -q Esse capítulo era pra ter saído ONTEM, mas por alguns problemas do site (acho que deu erro apenas no meu) não consegui postá-lo. Pois bem, nos vemos nas notas finais! O/



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Capítulo 8

Às duas e meia da tarde seguinte fui até a casa de Amanda. Ela usava um vestido com margaridas e uma trança de lado com uns fios loiros escapando. Os meus saltos não machucavam meus pés e o vestido preto de couro também não me incomodava. Tudo parecia perfeito.

Entramos em seu carro e fomos até a padaria Pão de Mel, perto da rotatória em frente a um prédio que era ocupado por estudantes. Laura morava lá. Tocamos a campainha duas vezes e logo a porta se abriu.

– Parabéns! – eu disse lhe dando um longo abraço e Amanda também a abraçou. Coloquei o bolo em cima da mesa e vi Laura perder o olhar na cobertura de chocolate.

– O que iremos fazer hoje? – Laura perguntou ansiosa.

– Acha que eu esqueci do nosso combinado?

– Ah não, Lisa!

– Laura, esse foi o acordo! – Amanda disse e peguei um refrigerante na geladeira quando Laura se deitou em uma poltrona marrom, esticou os pés e disse, com os olhos fechados:

– Servas! – gritou, rindo. – Podem começar a me preparar. – e lá fomos nós, eu e Amanda passar base, máscara de cílios, blush, corretivo, escovar o cabelo de Laura... Tudo para deixá-la linda! Depois de um bom tempo aperfeiçoando a maquiagem, escolhendo a roupa, comendo e conversando, finalmente ela estava pronta. Saiu de seu quarto com um sorriso enorme emoldurado por um batom vinho e com um longo vestido tomara que caia bordado.

– Essa é a prova de que eu sei fazer um bom trabalho. – eu disse, brincando, e Laura fez uma careta.

– Com uma modelo como eu, tudo fica bom! – nós gargalhamos alto e, realmente, se princesas existissem, Laura seria a mais graciosa.

Entramos no carro e as fotos aconteceriam em uma fazenda chamada Recanto da Coruja. Porém, eu precisava fazer algo antes disso.

– Você está indo na direção certa? – Amanda perguntou, no banco de trás do carro.

– Vamos para a fazenda daqui a pouco. Só preciso ir a um lugar primeiro. – tentei explicar sem dar muitos detalhes porque se não, era arriscado eu falar demais. Quando cheguei na boate, Laura começou a brigar.

– Você tem um ímã que te atrai pra esse lugar, só pode! – Laura disse e saí do carro sem responder, dando a volta e batendo na porta dos fundos da boate, três vezes.

– Lisa? – Track perguntou confuso e com uma expressão rígida. Ainda bem que ele estava na boate. Caso contrário, a minha viagem estaria perdida! – O que você quer?

– Não me mande embora, por favor. – falei, olhando em seus olhos e torcendo para que ele fosse uma espécie rara no mundo, o qual conseguisse ler nossos pensamentos e soubesse o quanto eu estava arrependida. Ele deu passagem e entrei.

Ele usava um casaco grosso e escuro com uns botões ressaltando sobre o áspero tecido; e uma blusa azul, por baixo, com umas listras brancas tortas como se tivessem sido desenhadas por uma criança sapeca com o mundo nas mãos. Pediu que eu me sentasse em uma cadeira de ferro, perto da porta da sala, e se sentou no sofá. Com as mãos largadas por entre as coxas, reparei no seu rosto cansado e começando a brotar rugas que não eram para estar ali tão cedo.

– Trabalhando muito?

– Preciso fazer dinheiro com a boate. – respondeu seco, mas alguma coisa na minha cabeça dizia que, por mais que fosse claro o seu tom de desprezo ao falar comigo, um sentimento bom ainda era preservado dentro dele em relação a mim. Ele não parece ser do tipo que briga em bares por mulheres, bebe todos os dias ou, que se vinga... ele é diferente de mim. É uma boa pessoa.

– Como você está?

– Estou normal.

– Por que só normal?

– O que você quer comigo, Lisa? – se levantou e foi até a cozinha pegar um suco.

– Preciso saber se você esqueceu aquilo. – riu e garanto, não estava fingindo. Era como se realmente houvesse graça na minha fala, ou talvez, eu fosse a própria piada.

– Em algum momento, você já se esqueceu do nome do seu bairro ou da sua cidade?

– E o que isso tem a ver?

– Estou tentando dizer que algumas coisas simplesmente existem. Não há como apagá-las. Mesmo que um meteoro caia sobre sua rua e tudo se desfaça, você, ainda assim, se lembraria disso. Está dentro de você. Enquanto você estiver viva, as lembranças irão permanecer vivas também.

– Está dizendo que eu alimento sua raiva?

– Você está aqui, Lisa. – ergueu as sobrancelhas num sorriso e com os ombros arqueados. – Você causou isso, não há como olhar pra você e não lembrar do que já fez.

– Seu irmão causou isso!

– Mas vocês dois fazem parte dessa tragédia!

– Como assim?

– Você não criou os homens, então não os pode matar.

– Mas eu matei! – pela primeira vez desde que eu entrei por aquela porta eu respondi com raiva. – Não há como voltar atrás, só que eu não viria aqui se não estivesse tentando mudar as coisas. Eu estou aqui te pedindo perdão, não estou?

– E eu estou aceitando! Quem não perdoa jamais será perdoado, Lisa. – não sei porque ele me disse aquilo, afinal, eu não tinha ninguém para perdoar. A porta no fim do corredor se abriu, fazendo um barulho, e Karl saiu de lá, usando apenas uma calça jeans e esfregando os olhos.

– Não se pode nem dormir mais nesse lugar!

– Não se preocupe porque já estou de saída, não posso me atrasar.

– Aonde vai? – Karl perguntou, vestindo uma blusa de manga comprida.

– Hoje é aniversário de Laura e, como combinado, eu vou tirar algumas fotos. Depois eu conto o resto, mas não agora.

– Eu vou junto. – eu nem sabia se as meninas iriam concordar, mas, por que iriam reclamar, sendo que elas não sabiam nem do início da história? Karl calçou um coturno com cadarço vermelho e foi em direção à saída, quando segurei seu braço.

– Você vem, Track? – engoli seco com medo da sua resposta. E se ele dissesse que não queria me ver nunca mais? É uma perda grande quando um amigo se torna um estranho, mas isso não aconteceria comigo e Track.

– Não consigo ficar bravo com você, que droga! – e me deu um abraço de lado sorrindo. Meu coração que antes estava agonizado foi acalmado por seus braços. Karl tossiu de propósito e disse:

– Que tal trocarmos de roupa, hein princesa? – perguntou, dirigindo-se para, Track que lhe deu um tapa na cabeça. Track foi se trocar enquanto eu e Karl fomos em direção ao carro.

– Teremos outra companhia. – e as meninas permaneceram quietas. Track logo apareceu com um uma calça meio rasgada e óculos escuros. Karl sentou atrás de mim e Track no meio, com Laura ao seu lado, enquanto Amanda escolhia uma música no cd.

– Ah não, Amanda!

– Mas, você não era louca por The Strokes?

– Eu gosto só de duas músicas.

– Nossa, pensei que você fosse fã. – Amanda disse, rindo, sem graça, e tirou o cd.

– Eles são legais, mas não se comparam a Arctic Monkeys. – segurei o volante com uma só mão, peguei o cd no porta-luvas, coloquei pra tocar e comecei a cantar.

– Sort of hoping that you’d stay

– Baby we both know – e Karl me interrompeu, de repente. Sinceramente, eu poderia gostar de muitos cantores e bandas, mas nada se comparava a voz de Karl. Dei um sorriso largo e partimos para a outra parte, considerada a minha preferida da música.

– That the nights were mainly made for saying things that you can’t say tomorrow day. – cantarolávamos juntos, nos olhando, através do retrovisor, batucando os dedos e mexendo a cabeça.

– Não sabia que você gostava dessa banda! – falei, entusiasmada, para Karl e Track respondeu:

– Esse é o maior fã de todos os tempos! – e vi pelo retrovisor Karl rir e olhar para o chão, como se fosse tímido. E nós sabíamos bem que ele não era nada disso.

Quando chegamos ao Recanto da Coruja, o sol já estava se pondo. Fomos até a cachoeira, enquanto Laura ajeitava seus cabelos e os outros estenderam uma toalha no chão. Amanda colocou uma cesta com frutas e vários doces. Peguei a câmera, me posicionei embaixo de uma grande árvore com galhos secos e dei vários cliques, enquanto Laura fazia poses. Ela sorria largamente, e nunca esteve tão bonita como naquele fim de tarde.

Nós nos sentamos, cansadas, e pegamos um pedaço de pudim.

– Acho que este será o melhor presente de aniversário. – Laura disse e soltei um sorriso.

– E olha que você antes nem queria vir. – ela concordou com a cabeça, rindo. Peguei novamente a câmera e fotografei os quatro, enquanto sorriam e fazendo brincadeiras com as uvas.

– Você também tem que sair na foto! – Amanda disse e colocou a câmera no tripé. Ela marcou os segundos e voltou para meu lado apressadamente.

Todos se levantaram e mostramos a língua, mandamos beijos, fizemos poses sérias e descontraídas. Karl me pegou no colo e eu não sabia se ria ou tentava me soltar. Nenhuma fotografia é capaz de mostrar as coisas ruins que vivenciamos, mas são esses pequenos momentos que nos fazem ver o quanto temos motivos para permanecer de pé. Nunca me senti tão feliz, mesmo eu sendo uma semente tentando nascer em pleno outono.

Depois de muitas fotos, nos deitamos na toalha e ficamos olhando as estrelas surgirem.

– Então, quer dizer que você gosta de Arctic Monkeys? – perguntei, baixo, a Karl, que estava deitado ao meu lado fitando o céu.

– Então, quer dizer que você não é fã de The Strokes?

– Ah, vai dizer que você não se empolga com Last Nite?

– Pode ser que eu goste um pouquinho...

– Last Nite, she said

– Oh baby I feel so down. – ele completou e colocou o braço embaixo de sua cabeça.

– Mas, eu já sabia que você gostava de Arctic Monkeys.

– Não entendo...

– Há coisas que não precisam ser ditas, Karl. – semicerrei os olhos fingindo ser misteriosa e ele riu. – E também porque é impossível não gostar da voz do Alex. – e ouvimos Laura e Track rindo alto. Amanda, pelo visto, não gostou muito.

– Eu devia ter chamado Felipe para vir junto comigo. – e bufou, mas ninguém ligou pro seu comentário. E, voltamos a conversar.

– O que você disse que iria terminar de me contar depois?

– Laura me deu uma lingerie do Pokémon e fizemos um acordo: eu a usaria apenas se fizesse algumas fotos de Laura em seu aniversário. Ela aceitou.

– Você vai ficar maravilhosa usando isso. – completou gargalhando e zombando de mim.

– E quem disse que usarei? Uma hora ou outra, ela esquece disso. – falei, dando de ombros.

– Você é diferente. – ele disse, sorrindo, e depois apoiou o cotovelo na grama. – E isso não é uma crítica.

– Cada vez mais curioso. – falei, apoiando também o meu cotovelo e ficando de sua altura.

– Alice disse ao coelho branco – respondeu, umedeceu os lábios e me encarou. Me aproximei de seu rosto com nossas bocas quase colando e, quando ele achou que eu iria lhe dar um beijo, eu perguntei:

– Você é um fracote? – nossos lábios se esbarraram fazendo com que meu corpo se enchesse com uma espécie de corrente elétrica estranha.

– Oi?

– Perguntei se você é covarde, franguinho.

– Acho que não preciso responder a isso.

– Então eu tenho um desafio pra você. – me levantei, rapidamente, e ele também se levantou, ficando ao meu lado com um sorriso camarada.

– Eu já nasci preparado.

– Quero que você pule na cachoeira.

– Só se você pular também. – e não respondi nada, fui andando sobre a grama macia até encontrar aquela imensidão de água. Não olhei pra trás, apenas tirei minha roupa ficando de calcinha e sutiã. Ele também tirou a roupa, ficando somente de cueca ao meu lado, e, sem querer, soltei um sorriso.

– Vou contar até três. – ele disse e concordei com a cabeça. Nos afastamos, olhando um para o outro e ele começou a contar. – Um... dois... três! – e nós dois corremos em direção a cachoeira. Ouvi o barulho de seu corpo se chocando contra a água e comecei a gargalhar.

– Isso é sacanagem! – ele gritou dentro da água, que deveria estar completamente gelada. – Você é muito malvada comigo, Lisa! – e comecei a bater palmas porque naquele momento, eu me encontrava sem fôlego de tanto rir. Ele saiu da cachoeira e veio até mim.

– Você está com frio?

– Um pouco. – respondi um pouco sem entender e, quando percebi, ele estava correndo atrás de mim tentando me molhar.

– Pode deixar que eu te esquento! – e como ele era mais rápido, conseguiu me alcançar, facilmente. Me deu um abraço me deixando encharcada. Eu poderia ficar em seus braços por toda a eternidade, como se de alguma forma quisesse dizer que eu pertencia a ele.

– Está tarde, crianças! – Track disse, rindo. – Vamos voltar.

Recolhemos nossas coisas, arrumamos na cesta do piquenique o resto da comida e a toalha. A volta para a boate foi calma e bem barulhenta, com todos cantando as músicas bregas que tocavam na rádio.

Track se despediu das meninas e entrou, enquanto eu e Karl ficamos na porta, conversando.

– Preciso te ver amanhã.

– Você passa no meu apartamento.

– Boa noite, panaca! – e voltei para o carro de Amanda.

Meus pensamentos são teimosos e insistem em voltar ao passado onde as memórias nunca morrem. Me lembro de uma vez, na varanda de uma antiga casa, que eu estava brincando com umas bonecas e ouvia um cd com uma história de Natal, quando virei para minha avó, que arrumava uma planta em cima da mesa, e perguntei:

– Pra quê isto serve? – e lhe mostrei o cravo, que retirei do docinho. Ela me olhou, sentada em uma cadeira, e com seus óculos quadrados, observou o que estava na minha mão e depois me olhou.

– Serve para dar cheiro. – e larguei aquilo em cima da mesa, prestando atenção na parte em que o Papai Noel colocava os presentes nas meias vermelhas penduradas na parede.

E a música foi interrompida por um som diferente e vinha de cima. Olhei para o segundo andar da casa e vi meu pai na sacada de seu quarto, com os olhos fechados e sem camisa, tocando uma flauta transversal prateada. Era como se a magia do mundo estivesse guardada naquelas notas.

Também me lembrei do dia em que minha avó comprou sorvete napolitano e colocou uma bola caprichada numa xícara marrom e me entregou. Fui subindo as escadas, toda contente, e mexendo na colher, quando tropecei e derramei o sorvete. Minha avó limpava o chão e meu pai apareceu, deslizando as mãos pelo corrimão extenso e me pegou no colo. Encostei minha cabeça em seu ombro.

– Pode chorar, só sirvo pra isso mesmo. – e subiu comigo até o banheiro para me limpar.

O passado está assombrando o meu presente e, aos poucos, a vontade de voltar no tempo, se torna maior. O que me resta é o agora. Você chora porque seus pais estão brigando, reclama por não possuir voz e insiste em descontar seu aborrecimento naqueles que te rodeiam. Ah, menina, sei que você não consegue fingir que está tudo bem, mas não jogue pedras em quem luta para te fazer sorrir. Não seja injusta com a vida. Se não merecesse estar viva, simplesmente não teria nascido.


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Notas finais do capítulo

O que acharam? Eu, particularmente, detesto a primeira parte que é das garotas se arrumando e blá blá blá. Não nasci pra escrever sobre isso, mas fora necessário. Adoro o jeito que o Karl e a Lisa se comunicam e nem é porque a história é minha (juro!) hsuasuhaus. O próximo capítulo sairá hoje a noite, devido aos motivos citados nas notas iniciais. Até mais tarde!



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