Impulsiva escrita por Maíra Viana


Capítulo 4
Capítulo 4


Notas iniciais do capítulo

Ei, você por aqui! Esse capítulo é um dos que eu mais gosto, para falar bem a verdade. Aproveite a leitura e o MAIOR capítulo da história ATÉ AGORA hahaha! xD



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Capítulo 4

Resolvi passar aquela tarde agendando as sessões de fotos e procurando cabeleireiros, estilistas e maquiadores recomendados pelos clientes. Só então, depois de vários telefonemas, eu consegui alguém que me pagasse um valor alto.

— Eu te liguei há dias e só me retorna agora? – ela tinha uma voz irritante.

— Me desculpe, só consegui retornar hoje.

— A sua sorte é que ainda não contratei ninguém. Vê se aparece amanhã às 19:00 no Palace Wolff, de encontro com a Avenida Carolina.

— Combinado, irei aparecer. E, o preço continua o mesmo?

— Não posso pagar mais de 7.500, tudo bem?

— Sem problemas, até mais. – não conseguia conter minha alegria, aquele dinheiro com certeza faria diferença depois. Se tudo corresse tão bem quanto esse casamento, conseguiria pagar Karl mais rápido do que imaginei.

Não conseguia prestar atenção em nenhum programa na televisão porque minha cabeça dava voltas e mais voltas. O que seria? Angústia? Medo? Raiva? Tudo parecia um aglomerado de sentimentos mofados dentro de mim, e se eu permanecesse a cultivar aquilo, acabaria apodrecendo. Às vezes, tudo parece tão errado e complicado!

Os barulhos dos tiros que dei enquanto treinava naquela arena, vieram à tona. Lembrei-me também de quando os coloquei em prática, mas eu pensava estar preparada. E estava. Mas será que valeu mesmo a pena? Estou um caco. Tudo que fiz, pensei, sonhei ou amaldiçoei com todas as minhas forças, apenas contribuíram para minha auto-destruição.

Pela primeira vez, fechei meus punhos e soquei o ar como se Karl estivesse sorrindo para mim, enquanto eu quebrava seu nariz. Não saía sangue e nem reclamações, então olhei para minha mão e percebi que quem estava sendo machucada, era eu. Como se o seu rosto fosse um muro de pedras resistente preparado para me combater. Eu tentava atacá-lo, mas parecia que aquele rosto fino era imbatível.

Aquelas imagens evaporaram como fumaça soltada pelo bule, e caí no sono.

Logo de manhã, fui até a farmácia comprar alguns remédios para dor de cabeça e aproveitei para ir ao shopping também, tentar procurar uma roupa ideal para mais tarde. Eu olhava aquelas vitrines cheia de vestidos chiques, mas parecia que nada era pra mim. Então liguei para alguém que tinha mais prática com vestidos do que eu.

— Alô?

— Sou eu, Lisa.

— Ah, oi.

— Está ocupada? – eu havia notado seu desânimo na voz, mas o que eu podia fazer? Estava precisando de ajuda e, por mais difícil que seja, precisamos aprender a engolir o orgulho. Ela negou com a boca. – Pode me encontrar no shopping central?

— Fique na praça de alimentação. – glórias! Ela não havia recusado!

As moças que passavam por ali estavam todas muito bem arrumadas, algumas até usavam longas saias e enormes saltos, e nem parecia ser apenas duas horas da tarde. Me senti um pouco desconfortável, porque aqueles olhares de superioridade, quando eu entrava em alguma loja, tiravam meu bom humor. Dava vontade de segurar seus rostos cobertos por maquiagem e dizer “ouça bem, você não é melhor que ninguém só por usar roupas caras.”

— Oi. – ela disse ao se sentar ao meu lado e dei um sorriso leve, quando, na verdade, eu queria jogar algumas verdades em sua cara, mas mantive minha postura. – Você não me chamou aqui para pedir desculpas, não é? – ela perguntou com as sobrancelhas arqueadas e tive que rir. Amanda me conhecia. Definitivamente, ela me conhecia.

— Eu não deveria ter dito aquilo.

— Eu também não. – sua voz parecia sincera e, de fato era. Ela podia ser precipitada, esperançosa e muitas vezes ingênua, mas mentir não era com ela.

— Eu tenho um casamento hoje à noite.

— Posso pedir um hambúrguer primeiro? – perguntou com aquela carinha angelical e foi impossível negar. Amanda sempre conseguia tudo que queria apenas na base do charme. O garçom anotou o pedido e depois de poucos minutos, trouxe um hambúrguer caprichado.

— Depois fala que eu é que não sei comer civilizadamente. – apontei para seu queixo sujo de ketchup a fazendo rir.

— Ah! Esqueci de te contar uma coisa. – deu uma golada no refrigerante, limpou a boca no guardanapo e prosseguiu: – Você se lembra do Felipe?

— Aquele loirinho com os olhos puxados?

— Exatamente. Com a briga de ontem eu não consegui te contar, mas ele disse que gostaria de começar algo mais sério comigo. Porém... – senti aquele receio que ela sempre tinha ao falar sobre algum garoto novo que havia conhecido. Era inevitável.

— Eu sei, Pedro e sua obsessão. Ele não vai fazer nada, não se preocupe.

— Eu espero que não. Vamos? Se não, você não terá tempo nem de ir ao salão.

— Salão? – arregalei os olhos. – Droga! Esqueci de marcar horário.

— Falta menos de três horas pra você comprar o vestido e se arrumar! Quando chegarmos até sua casa eu te preparo. – ela estava eufórica, talvez até mais que eu, mas era bom poder contar com sua ajuda. Nos levantamos e fomos a diversas lojas. Experimentei vestidos, saias, tudo que se possa imaginar, e de tamanhos e cores diferentes, mas meu corpo os rejeitava.

— O que você acha desse? – a moça da loja tirou do manequim um vestido rosa-bebê e me mostrou com um sorriso no rosto, tão convincente que se ela não fosse vendedora, até acharia que ela havia gostado do vestido.

— Não, obrigada. Eu iria ser confundida com o bolo do casamento. – falei dando de ombros e ouvi todos rindo, enquanto eu queria jogar tudo para o alto.

— Amanda, essa deve ser a décima loja que entramos! – ela concordou com a cabeça, mas logo perdeu o olhar no fundo de uma arara perto dos provadores. Deu um gritinho e pegou um vestido cor de areia, todo bordado, que batia até os pés. Era bonito, pra falar a verdade, mais bonito do que eu imaginava. Mas, apesar da cor um tanto sem graça combinar comigo, aquele vestido não me atraiu. Fique quieta, Lisa, você não está em posição de se queixar de alguma coisa.

Quando saí do provador, quase tomei um enorme susto com todos aqueles olhos sobre mim, tanto das vendedoras quanto dos manequins que pareciam querer me engolir, embora não tivessem vida.

— Você está uma graça! – Amanda disse e fui me olhar em um espelho maior. Dei um sorriso breve, daqueles que você dá apenas para não ser mal educada e paguei o vestido. Tivemos que nos apressar na ida até o estacionamento ou então, não daria tempo.

— Desse jeito você chegará depois da noiva! – ela disse com a respiração alterada e dirigindo com tanta velocidade que até imaginei, se em uma freada brusca, minha cabeça ultrapassaria o vidro do carro e o transformaria em mil.

Chegamos sãs e salvas, sem batidas ou qualquer arranhão, e fui direto para o banheiro tomar uma rápida chuveirada e depois esperar Amanda fazer longos cachos no meu cabelo. Coloquei aquele vestido que até refrescava, uns colares, o salto preto e ela me orientou a não esquecer a câmera. Como assim? Eu estava indo até lá exatamente para utilizá-la!

Voltamos para o carro e, ao chegarmos, ela se despediu e desci cumprimentando todos e iniciando os flashes. Damas de honra tão impecáveis quanto o sorriso brilhante da noiva ao entrar por aquele tapete vermelho coberto de rosas brancas. Tinha até uma equipe de imprensa local gravando seu casamento, de tão maravilhoso que estava.

Quando acabou, fomos para um salão de festas bem próximo da igreja.

— Quero uma foto com você, está linda! – a noiva disse virada para mim e sorriu enquanto a equipe focava em nós.

Tinha tudo para ser uma festa incrível, mas parece que, aonde eu vou, a confusão insiste em me fazer companhia.

— Olha só o que você fez! – uma mulher de cabelo curto e escuro e com vestido azul turquesa, reclamou, apontando para a enorme mancha de vinho no seu busto.

— Deixe-me ajudar! – tentei passar minhas mãos com a intenção que aquilo saísse, mas apenas se espalhava cada vez mais. Ela me olhou com certa raiva nos olhos e riso nos lábios, irônica.

— Não há como limpar, criança. – ela disse com aquele bico de pato ridículo estampado no rosto, como se possuísse uma autoridade maior. – Você é uma fotógrafa desastrada, não é mesmo?

— Eu? Desastrada? Desculpe, mas foi você quem esbarrou no vaso de flores e veio em minha direção.

— O que aconteceu? – então, depois de muito tumulto na frente da igreja, a noiva chegou. A expressão de superioridade da outra mulher logo se desfez e adquiriu uma feição de tristeza.

— Meu vestido está arruinado e você nem imagina o quanto custou. – e colocou a mão no rosto, como se estivesse chorando. Ela iria chorar depois que eu transformasse aquela maquiagem dela em um borrão!

— Margarete irá te ajudar com isso, está bem? E você, Lisa, venha comigo, por favor. – e saiu andando pelo salão até chegar em um canto afastado de todos.

— O que foi aquilo? É o meu casamento, não estrague as coisas!

— Me desculpe, Dona Olívia, mas eu fui muito educada por ela ter tropeçado e ainda colocado a culpa em mim, além de me ofender.

— Preste atenção, querida. – ela disse com um sorriso, mas, logo ergueu aquelas sobrancelhas negras e soube que não éramos amigas. Será que quando eu faço isso, também pareço tão antipática? – Você não tem direito de falar um “A” com nenhuma delas, porque não é uma convidada, apenas uma fotógrafa que está perto de perder o cachê. – e suas covinhas apareceram naquelas bochechas com blush. – Chega de causar danos, estamos entendidas? – eu queria arrancar a pele de seu pescoço e ver se aquele sorriso ainda continuaria no seu rosto. Engula o orgulho, Lisa, não é tão difícil como parece.

— Sim senhora, Dona Olivia.

— Seu pagamento será feito assim que eu selecionar as fotos preferidas no e-mail.– deu uma pausa para cumprimentar algumas moças e depois saiu, sem ao menos se despedir. Tchauzinho também, Olivia!

Liguei para Amanda me buscar e fiquei esperando na praça, em frente à igreja. Assim que parou o carro, levantei meu vestido e entrei.

— Pensei que acabaria mais tarde. – disse sem entender e abri a janela, adorando sentir aquela brisa no rosto.

— Para a querida aqui, acabou mais cedo.

— O que você aprontou?

— Um amor de pessoa – imitei a voz da mulher e Amanda riu – não viu o vaso de flores, esbarrou em mim e fez que o meu vinho derramasse em sua roupa de grife. E, ainda me acusou.

— Não me diga que você...

— Claro que não, Amanda! – eu a interrompi antes de completar o que iria dizer. – Eu não bateria nela, apesar de querer muito. Eu tenho classe. – nós duas gargalhamos com aquela mentira. Eu, ter classe? Conta outra! E depois de um tempo calada, Amanda disse:

— Eu aceitei.

— Aceitou o quê?

— O pedido de namoro do Felipe. – e quase pulei de felicidade ao ouvir aquilo. Amanda merecia ser feliz! Comecei a dar gritos dentro do carro.

Quando chegamos, ela disse que estava cansada demais e foi embora.

Fui correndo em direção ao banheiro para tirar toda aquela maquiagem. Esfreguei as mãos contra meu rosto e, apesar de uma boa quantidade de pó e sombra que Amanda havia passado, não estava me sentindo bonita.

Fui para o quarto retirar os brincos e colares, colocando–os em um potinho azul, quando algo me chamou a atenção, no fundo do guarda-roupa. As notas do dinheiro pareciam ter enormes olhos, porque eu sentia como se estivessem me observando.

Loucura ou não, elas estavam me incomodando de uma maneira intimidadora. Eu guardava aquele dinheiro desde criança, parecia até que previa o futuro e que eu sabia que precisaria delas.

Estava muito tarde, mas mesmo assim, eu estava disposta a contar até a última nota. Meu queixo quase caiu no chão. Era alucinação, só podia ser. Quarenta e sete mil reais, quem diria que todo esse trabalho duro me renderia grandes quantias!

Meu sorriso logo desapareceu quando me recordei de que aquele dinheiro não iria ser gasto comigo. Seria difícil arrecadar 250 mil e pagar Karl, mas eu iria provar que não sumiria de sua vida tão rápido assim.

O barulho incessante da campainha me tirou do sono. Fui até a porta e olhei no olho-mágico. Era Laura.

— Eu vou quebrar tudo se não abrir! – ela gritou do outro lado e a vi escondendo algo atrás das costas. Quando abri a porta, Amanda quase me derrubou com seu abraço de urso.

— Ganhei na loteria ou Alex Turner veio me visitar? – perguntei, rindo, e elas negaram. – Então por que tudo isso? – e Laura revelou um bolo enorme e todo cheio de glacê e chocolate.

— Como alguém consegue esquecer o dia em que se comemoram dezoito anos?!

— Eu não sei onde eu estava com a minha cabeça. – ou talvez tenha sido por causa de toda essa confusão na minha vida. – Não precisavam ter chegado tão cedo.

— Você realmente está com a cabeça na lua. – Laura disse rindo e fez uma cara engraçada. – Acha que realmente levantaríamos cedo e viríamos até aqui? Nem em sonhos, você sabe do meu sono de beleza. – e não aguentei segurar uma risada. Muito obrigada pelo carinho, querida! Mas Amanda logo me lançou um sorriso e soube que se eu precisasse de algo, ela acordaria até de madrugada.

— Está tão tarde assim?

— Três horas da tarde, cabecinha de vento! – Laura disse, tirou a tampa de plástico que cobria o bolo e nos serviu.

— Isso está fantástico! – falei, lambendo os dedos com chocolate derretido e calda de morango. Laura mandou um beijo no ar e disse:

— Muito obrigada.

— Você só pode estar fazendo aulas, porque a Laura que conheço não consegue fritar nem ovo.

— Não duvide das minhas especialidades, mocinha. E termine logo porque nós queremos te mostrar os presentes.

— Podem começar, estou pronta! – empurrei o prato e Amanda me entregou um embrulho rosa com corações. Quando rasguei aquele papel, não sabia se lhe enchia de beijinhos ou se corria pela casa. Eu havia adorado.

— Você é demais, sabia disso?

— Com sinceridade, foi Felipe quem deu duro para achar – ela disse sorrindo feito uma tola apaixonada. Peguei a camiseta do Frank Sinatra e também o disco, como se fossem miragens.

— De verdade, muito obrigada! E você, Laura?

— Você irá me esganar quando abrir.

— Me entrega logo.

— Apenas se você jurar usar algum dia.

— Eu uso, mas você terá que me deixar tirar suas fotos para o álbum de 20 anos. – não sei por qual milagre ela acabou aceitando, sendo que odiava tirar fotos, mesmo que se achasse maravilhosa.

Quando rasguei o embrulho dei de cara com uma lingerie ilustrada do Pokémon e fiz uma careta.

— Eu detesto animes, Laura!

— Você aceitou, então nem venha com desculpinhas. – e por fim, todas nós rimos ao olhar aquilo novamente. Era constrangedor.

— Você ficará tão sexy. – Amanda colocou por cima de sua blusa e começou a fazer movimentos com a língua, zombando com minha cara.

— Laura, um dia você terá que me pagar e usará algo tão ridículo quanto isso!

— Assim você ofende meu bom gosto. Olhe só que coisa mais linda!

— Se você não calar a boca, sentirá minha pokemão na sua cara. – brinquei e todas nós rimos.

— Então, o que vamos fazer hoje?

— Que tal dormir mais um pouquinho?

— Ah não, Lisa! Você só trabalha, dorme e come, não sei como não consegue engordar!

— Esqueceu a parte que ela também irrita. – e joguei uma almofada em Laura.

— Podemos dar uma festa! – Laura disse e conseguia ver sua boa intenção, mas...

— E convidar duas pessoas, que animado!

— É por isso que você precisa fazer mais amigos, dona Lisa. Ou, se preferir, fique solteira com gatos para cuidar.

— Eu detesto gatos. Prefiro ouvir música e tirar fotos, é menos complicado.

— Evitar as complicações não faz com que elas saiam de sua vida, Lisa. – Amanda retrucou e dessa vez eu tive que concordar, então resolvi dar uma sugestão também.

— Restaurante? – elas se olharam e depois fizeram uma careta.

— São 18 anos, meu amor! Hoje é curtição, não pizza com amigas solitárias. – Laura disse, animada como sempre. – Boate?

— Ah não, vai acabar muito tarde e prometi ficar com Felipe hoje. – Amanda protestou e logo Laura a repreendeu com um olhar feroz.

— Pare de pensar um segundo nesse garoto, Amanda. – então ela cedeu, mesmo fazendo uma cara de quem perdeu o melhor pedaço de chocolate do mundo.

— A que horas vocês passam aqui?

— Meia noite, e, por favor, mostre as pernas.

— Concordo com Laura, mas agora irei ver meu namorado, já que vocês não me deixaram ir mais tarde.

— Quero uma carona. – Laura disse e as duas me deram um beijo na testa se despedindo.

Aproveitei a tarde para comprar alguns livros, enquanto a madrugada não chegava. A biblioteca, para muitos, tinha cheiro de coisa velha e mofada, mas para mim, tinha cheiro de mundo. O mundo coberto pelas páginas que nos dão chance de conhecer personagens tão parecidos com a gente, que chegamos a imaginar se o autor já não nos conhecia. Ah, sem falar sobre as paisagens que são descritas e que nos fazem quase mergulhar de cara naquelas letras e nos perguntar por que é que não conhecemos uma rua florida por tulipas ou um céu desenhado por tinta guache. Mas o que mais me assusta é a capacidade de alguém descrever o que sente. Para mim, é um bicho enorme de sete cabeças prestes a me engolir, mas ao mesmo tempo que é algo surreal. Escrever foi o melhor presente que um dia já recebi.

Dedilhando as prateleiras de madeira, encontrei o livro A Princesa Leal, que me pareceu tão bonito que decidi levar para casa e ler. E, bem no meio da leitura, o barulho do alarme me fez acordar de onde estava mergulhada, avisando que já era hora de trocar o meu mundo de palavras, por uma festa.

Tomei um banho, arrumei o cabelo e coloquei um short preto, de cintura alta, junto com a blusa que recebi de presente. Um batom escuro foi tudo que precisei para terminar de me arrumar. O porteiro me avisou que elas já estavam me esperando lá embaixo. Eu estava muito estranha, então troquei o salto pelo tênis, desfiz os cachos e disse a mim mesma para ser gentil com minhas amigas. Afinal, elas tentavam me agradar.

— Nossa, que sem graça! – Laura reclamou quando entrei no carro no banco de trás, e lhe dei um tapa na cabeça.

— Está com a blusa que eu dei, então não há problemas! – Amanda completou rindo e abaixei a cabeça sem nenhuma vontade de prestar atenção nas próximas falas e nem no caminho. Precisava guardar minha pouca energia para usar depois e não fazer desfeita. O som alto já podia ser ouvido e quando menos notei, fui puxada por elas.

Havia um segurança – como deveria ter – pedindo nossas identidades, mas como era meu aniversário, ele colocou meu nome na lista e não precisei pagar. Toda hora alguém esbarrava em mim oferecendo bebidas ou tropeçando nos próprios pés. Laura e Amanda me levaram até a pista.

— Eu não quero dançar. – disse, quase fugindo daquelas duas malucas rebolando e fui pedir uma água.

Uma luz perto das escadas foi vista por todos e um rapaz negro alto pegou o microfone e disse:

— Fala, galera! Como vocês sabem, todo final de semana chamamos os aniversariantes para cantarmos parabéns, então subam aqui Melissa, Ana, Lisa, Patrick e Rachel! – e meu corpo, por uns instantes, gelou. Nós subimos e nos deparamos com todos nos observando. Uma sensação de, finalmente, ser notada, me ocorreu. Mas, durou poucos segundos porque ouvi uma voz familiar.

— Nós desejamos... – e seu olhar me fez paralisar. Me arrependi até o último fio de cabelo por ter ido ali. Qual a dificuldade que eu tinha de me afastar dos problemas? Sim, Karl era um problema e dos grandes. – Desejamos um feliz aniversário a vocês. – se recuperou e todos começaram a cantar, enquanto eu me encontrava sem fala. Mal havia retomado minha vida e lá estava eu, completamente sem rumo, novamente. Ele me dava certo medo, mas não como se ele fosse me matar, e sim como se eu precisasse ficar longe dele. Eu não entendia.

A canção terminou e quando a atenção não estava mais em mim, fui procurar Laura e Amanda, ou qualquer um que pudesse me levar para bem longe. Senti alguém me puxando e estremeci.

— Me solta, agora!

— Não vou te machucar. – e soltou o meu braço. – Só vim dar um oi.

Pensei um pouco.

— Quero falar com você. – eu disse e subimos outras escadas, até que me deparei com aquele escritório, onde nunca deveria ter colocado os pés. Ele pegou uma cadeira e indicou que eu me sentasse.

— Eu vou te pagar, Karl.

— Do que está falando?

— Do apartamento. Não tenho o dinheiro todo, mas vou te pagar cada centavo.

— Você não vai me pagar nada. – ele começou a gargalhar e fiquei sem reação. Queria poder dizer “querido, você é estúpido? Eu falei de dinheiro, do jeito que você é, deveria estar interessado”, porém eu disse:

— Então eu te devolvo o apartamento.

— E você vai morar aonde?

— Eu dou meu jeito.

— Pare de ser orgulhosa, eu não quero dinheiro seu!

— Então, por qual motivo matou meu pai, sendo que não quer o dinheiro? – e meu olhar em sua direção estava tão frio quanto gelo.

— Por que matou o meu, sabendo que não traria o seu de volta? – parabéns Karl, acabou de me deixar sem respostas. Bingo!

— Isso não é uma brincadeira, Karl.

— E quem disse que estou brincando? Não irei aceitar esse dinheiro.

— Por que não? Poderia te ajudar na boate.

— Você ainda não entendeu? Eu não preciso de sua ajuda, Lisa. – ele respondeu durão e cruzei minhas pernas. Esse jogo era meu, não dele.

— Vejo que não sou a única orgulhosa aqui. – disse, zombando, e ele retirou do bolso da calça um cigarro e um isqueiro. – E nem a única que fuma quando está nervosa.

— Não estou nervoso.

— Não parece.

— E o que te faz achar isso?

— Você não para de batucar esse maldito pé, além de estar mordendo a boca desde que me viu aqui.

— Por que está reparando tanto em mim, Lis? – quase me perdi em seus lábios se movendo ao pronunciar meu apelido. Ele estava indo ao ponto de chegada do jogo, mas eu venceria. Não tão rápido, Bonnie, não tão rápido!

— Eu te deixo nervoso, querido? – pronunciei devagar cada palavra para que conseguisse degustar aos poucos minha vitória.

— Pra falar a verdade, nem um pouco, morena. – e tomei seu cigarro que já estava pela metade, dei uma tragada deixando a marca do meu batom e sussurrei em seu ouvido:

— Você é um péssimo mentiroso. – devolvi o seu cigarro e depositei um beijo em sua bochecha, quase como um deboche de sua cara, e saí porta a fora.

Encontrei Laura dançando com um rapaz e me aproximei.

— Vamos embora?

— Você não pode, simplesmente, calar a boca e aproveitar pelo menos uma vez na vida? – me perguntou, furiosa, e beijou o rapaz.

Por impulso, peguei as chaves do carro em sua bolsa e fui até o beco em que estacionamos. Já dentro do veículo, olhei para o lado e havia um homem sorrindo para mim, fazendo com a boca um movimento de “abra”, porém, eu poderia ser qualquer coisa, menos tão burra a esse ponto.

Arranquei o carro e bati em um monte de latas de lixo. Então, o alarme foi acionado quando aquelas mãos sujas tocaram com mais força o vidro e seu olhar parecia de um felino.

Definitivamente, ele não estava lá apenas para me assustar. Buzinei milhões de vezes na esperança de que alguém me ouvisse, o que seria impossível porque o som da boate estava ensurdecedor. Arranquei de novo. Independentemente da direção, eu queria sair dali o mais rápido possível.

Dessa vez, bati no portão da garagem dos fundos da boate que fez um barulho bem alto, deixando o capô amassado e o homem observava minhas tentativas mal sucedidas.

Dois homens que olhavam a cena, lá de cima apareceram na garagem e vieram em minha direção. Um medo tão grande me atingiu, que não conseguia nem me mover, mas um rosto conhecido apareceu, e não sabia se ficava com mais medo ou aliviada.

— Vem comigo. – um rapaz de boné falou. Destravei a porta e fui para dentro da boate, e ouvi o barulho de um tiro e todos começaram a correr.

— Preciso encontrar minhas amigas! – falei ao rapaz que me segurava pelo braço como se eu pudesse fugir a qualquer momento. Ele estava certo.

— Como elas são? – ele quis saber.

— Uma é alta e morena, a outra é loira e está com uma bolsa azul. Vamos ver lá fora, elas não podem ir longe, sem o carro.

Ele me levou até a porta e encontrei as duas abraçadas num cantinho, encolhidas.

— Onde você se meteu? – Amanda perguntou, aflita, com os olhos cheios d’água. – Precisamos ir embora!

— Acalme-se! – coloquei minha mão em seus braços que não paravam de tremer e ela me olhou como se eu houvesse falado um absurdo. Ok, concordo, não faria sentido se eu estivesse em seu lugar.

— Calma? Vai que uma bala perdida nos acerta? – Laura se intrometeu, falando mais alto ainda.

— Laura, pare de falar isso! Está me deixando pior ainda. – Amanda disse e já estava perdendo minha paciência com essas tagarelas sem freio.

— Vocês vão me deixar falar ou não? – elas concordaram. – Vamos lá para cima porque aqui tem muito barulho.

Elas me seguiram, junto com o rapaz de boné. Subimos as escadas e fomos até o escritório. Havia uma tensão pairando no ar.

— Eu bati o carro, não tem como sair agora – esclareci e Amanda se sentou, aliviada, com um sorriso gigante. Não era o carro dela, por isso estava feliz.

— Não vamos para casa? – Laura perguntou.

— São quatro horas da manhã, nenhum táxi passaria nesse fim de mundo. – foi à vez de Amanda falar.

— Vou ver se podemos passar o resto da madrugada aqui. – e Karl entrou no escritório me dando o maior susto.

— Bater seria muito bom!

— Parar de implicar comigo, também.

— Você deveria pensar melhor antes de falar.

— E você de agir.

— Vocês não conseguem ficar um segundo sem brigar? – Track perguntou bravo e Karl saiu batendo a porta.

— Vocês não cansam?

— Não tenho culpa se ele adora ser grosso comigo.

— Você também não é fácil!

— Tudo bem, admito que não sou fácil. Mas, enfim, será que tem algum problema se eu e minhas amigas passássemos a noite aqui?

— Vocês terão que se espremer no chão, mas acho que vocês conseguem.

— Karl irá ficar cheio de raiva quando souber.

— Deixe ficar. Aqui, ele não tem mais direitos do que eu.

— Você é o sócio dele?

— Irmão mais velho. – e fiquei meio sem jeito por não ter percebido semelhanças. Mas, eles eram totalmente diferentes. Será que ele sabia que eu havia matado seu pai? Estremeci. Ele podia estar sendo bacana comigo só para conquistar minha confiança e depois se vingar, só que logo me livrei desse pensamento. Não é porque sou uma má pessoa que significa que os outros também são.

— Vocês são diferentes.

— Eu sei que sou mais bonito, pode admitir. – ele disse e gargalhamos.

— Você é o bom moço.

— Ele é complicado, todos sabem disso. – e me silenciei concordando com o que ele havia dito. E completou: – Já está tarde, vocês precisam descansar.

Tivemos que descer as escadas e fomos até a porta perto do bar. Seguimos um corredor grande até chegar a uma porta grande e de madeira, com uns livros em cima do sofá e a televisão ligada. Por mais que eu tivesse inúmeros defeitos, o que mais ressaltava naquele momento, era que eu sentia falta daquele lugar. Lisa sempre patética.

As lembranças daquele lençol me deixavam mal, mesmo que já tivesse sido trocado. Meu joelho ainda tinha cicatrizes, e sempre haveria algo que, por mais que eu não gostasse, me lembraria daquele panaca do Karl.

Laura se jogou no colchão, agarrando um travesseiro, enquanto Amanda tirava seus saltos delicados. Percebi não haver espaço então me ajeitei no sofá, agradecendo Track que retribuiu com um sorriso, e depois se retirou.

Virava-me e revirava, cantava baixo, mudava de posição, mas nada me fazia sentir confortável. Eu estava completamente exausta e meu corpo gritava por descanso, e mesmo assim, não conseguia dormir. Uma tensão gigantesca pesava sobre mim.

Faltavam pouquíssimas horas para me levantar e se eu não dormisse, outra oportunidade só haveria na próxima noite.

Abri a janela e deixei que o vento me refrescasse. Respirei fundo, fechei os olhos e me encolhi na coberta, sentindo que finalmente iria adormecer.

Então, consegui, finalmente, me desligar de tudo e só acordei quando ouvi uns ruídos. Amanda e Laura não estavam mais deitadas, e fui procurá-la até que as vi comendo frutas e conversando.

— Achei vocês, suas porquinhas.

— Eu até guardei um morango pra você, antes que Laura o devorasse, mas você partiu meu coração.

— Não estamos em casa, então não devorem toda a geladeira.

— Devorar leite e bacon? Não tem nem o suficiente para o almoço. – Laura disse como se fosse um absurdo e roubei sua maçã.

— Nem pense que vamos ficar para o almoço. Já abusamos demais só por dormir aqui e roubar a privacidade deles.

— Afinal, onde estão eles? – Laura perguntou e eu peguei um medalhão com um tigre no centro, que estava em cima da estante.

— Eles não dormiram aqui.

— O que é isso? – apontou para minha mão e coloquei o medalhão no bolso do meu short preto.

— Eu também não sei. Vou olhar melhor depois.

Peguei o cartão de táxi e falei:

— Faça algo de útil, Amanda. – entreguei o cartão e voltei para o porão. Organizei tudo para que, quando voltassem, não encontrassem nada fora do lugar. Vi pendurado na parede um papel e ao lado, uma caneta presa numa corrente, igual aquelas que usamos em bancos. Estavam escritos vários recados; o último foi há dois dias e todos começavam da mesma forma.

“O sol se abriu hoje só para acompanhar sua vitória.

Cara, passei no escritório do Wagnner, mas ele não estava. Então, depois liga pra ele porque não tenho o número e preciso resolver uns negócios no centro.

Karl Bonnie – 06/08”

E ri da sua letra torta, e por mais que fosse um atrevimento sem tamanho, resolvi pegar uma caneta colorida, dentro de minha bolsa para que se destacasse e fosse lido, e deixei o meu recado.

“Não existe vitória quando não há boas ações. Já abraçou alguém hoje?

Acordamos e não vimos vocês. Estamos agradecidas por cederem um espaço para dormirmos e peço, em nome de todas, enormes desculpas se fizemos algo de errado. Me liguem no (23) 2548-3654.

Com carinho,

Lisa – 08/08”

E deixei no lugar de sempre. Ouvi uma buzina e fui em direção ao portão, junto com as meninas. O tempo passou tão rápido que quase não notei quando o táxi estacionou em frente ao meu apartamento.

— Depois conversamos sobre o conserto do carro. – falei para Laura que concordou e vi sua silhueta desaparecer cada vez mais que o táxi se distanciava. Tomei um banho e depois comprei almoço no restaurante da esquina. Voltei e recebi uma cliente, comecei a fotografá-la, capturando suas poses e sorrisos impecáveis.

Duas semanas se passaram e o dinheiro no meu pote só aumentava, mas já estava começando a ficar preocupada porque não recebi nenhuma ligação de Karl e nem Track. Meu bilhete tinha ficado invasivo demais? Talvez estivessem bravos. Ou será que nem leram? Mil coisas se passavam na minha cabeça, até que senti o celular vibrando com um número desconhecido.

— Lisa?

— Quem está falando?

— Karl está no hospital. – sem qualquer dúvida eu sabia que era a voz de Track. Minhas pernas ficaram bambas.

— Como assim? – queria que não estivesse passando de uma piada de mau gosto, porém sua voz estava trêmula.

— Eu preciso desligar. Só vi seu bilhete agora, e logo estou voltando para o hospital.

— Me passe o endereço. – peguei minha bolsa e saí de casa. Anotei em um papel amassado e pensei em chamar um táxi, mas eu estava nervosa e com tanta pressa que não iria conseguir esperá-lo. Fui a pé, com passos rápidos e firmes, mas quanto mais eu andava, mais o caminho parecia se alongar. Meus pés não paravam de doer e eu já estava suando quando vi o hospital.

— Qual é o quarto de Karl Bonnie? – perguntei, eufórica, para a recepcionista que foi verificar o seu nome no computador, me lançou um olhar chateado e disse:

— A senhorita não tem permissão.

— Escute, eu preciso saber como ele está antes que minha mão faça um estrago na sua cara, entendeu, docinho?

— Senhorita, não há nada que eu possa fazer para lhe ajudar. Fique calma. Um paciente nesse estado não pode receber ninguém no quarto além dos médicos.

Peguei um copo com água e me sentei na cadeira, tentando acalmar os nervos. Olhei para outro canto e ouvi um choro; acabei me deparando com Track. Tentei tocar em seu braço ou lhe dizer algo, mas ele tratou de me repreender imediatamente.

— Saia daqui. Não quero que me veja assim.

— O que aconteceu?

— Por favor, me deixe sozinho. – ele estava praticamente implorando, e só então vi o gesso em seu braço e o seu rosto machucado. Não perguntei novamente, apenas fui até o balcão.

— Não posso saber nem o que houve?

— Não tenho permissão para lhe dar essas informações. – então ela veio até mim e colocou as mãos em meus ombros. – Vá para casa. – e me tratou com carinho, como se eu fosse sua filha, perdida por aí. Mas eu não queria ficar de braços cruzados nessa situação!

Segui pelos corredores de emergência até encontrar vários quartos, mas nenhum abrigava Karl. À medida em que eu ia andando parecia que os casos só pioravam. Pessoas tossindo, vomitando e outras com a cabeça raspada. Foi quando ouvi um barulho no corredor anterior, os aparelhos faziam muito barulho e o quarto estava cheio. Médicos por toda parte conectando tubos no nariz do rapaz e lhe dando choques no peito. Pobre rapaz!

— Sim senhor, estou anotando. – uma médica ruiva disse para o outro médico. – Qual o nome do paciente?

— Karl Bonnie, quarto 16. – e mesmo tentando ser discreta, eles me viram. Mas, nada importava mais; nem mesmo seus pedidos para que eu me retirasse. Eu havia o encontrado.

Não consegui acreditar no que eu estava vendo. Era ali. Tentava conter meu choro. Agora conseguia entender o desespero de Track. Seu irmão estava péssimo. Coloquei as mãos no vidro transparente que nos separava, tentando, de alguma forma, me fazer presente. O movimento em seu quarto já havia acabado e só restava uma enfermeira com enormes olhos azuis. Ela me viu.

— Não é permitido ficar aqui. – ela disse alto, abrindo a porta e me encarou.

— Shhh! – coloquei um dedo na boca, pedindo que ficasse calada. – Vai acordá-lo.

— Então é melhor falarmos bem alto, porque ele não acorda faz dias.

— Ele morreu?

— Por que eu ficaria perto de alguém morto? – ela disse com certa ironia nos lábios. – Ele está em coma. Agora, por favor, saia antes que eu precise chamar os seguranças.

Então tive que sair perambulando pelos corredores. Em coma...

— Track, nós temos que ir.

— Não saio daqui sem ele.

— Eu sei que é difícil, mas...

— Você viu como ele está, não viu? – e balancei a cabeça concordando. – Viu como ele está fraco? E as pilhas de seringas em cima da mesa, que são aplicadas todos os dias, você viu? – suas mãos tremiam tanto que pareciam querer saltar e criar vida. – Eu faria qualquer coisa para trocar de lugar com esse idiota.

— Eu sei, mas nós não iremos vê-lo hoje. Você está cansado e precisa se recuperar por causa desse braço.

Fomos para frente do hospital, liguei para um táxi e quando passei o endereço, ele me repreendeu novamente:

— Você errou o endereço.

— Nós vamos para minha casa. Você não está em condições de se cuidar sozinho, com esse braço. – ele deu um sorriso torto. Independente se Karl melhorasse ou não, eu estava disposta a encarar aquela batalha de cabeça erguida. Aprendi a ser forte. Ou achava que tinha aprendido.

— Aqui é grande demais pra ser um apartamento. – ele disse quando abri a porta e lhe dei passagem. Fomos para a cozinha e fiz um lanche rápido com sanduíche e suco; ele devorou tudo e comecei a rir.

— Comida de hospital é horrível.

— O que aconteceu? – e consegui perguntar. Ele colocou o prato na pia, encheu um copo com água e se sentou ao meu lado.

— Nós fomos para uma festa e bebemos muito, até mais que o normal, mas não irei culpá-lo, porque eu estava pior. Era de manhã, quando saímos e, quando ele foi fazer uma curva, um ônibus bateu na sua direção. E agora, ele está inconsciente porque dois babacas beberam demais, pense só! – ele dizia com raiva, como se tudo fosse culpa dele.

Ficamos bons minutos ali, sentados com o pensamento longe, até que comecei a chorar.

Um choro forte como de uma criança. Ele me abraçou bem apertado, como se fosse meu irmão e coloquei minha cabeça em seu ombro.

— Por que está assim?

— Estou preocupada. – e o apertei o mais forte que eu consegui, tentando que aquele abraço amenizasse o aperto em meu peito.

— Você acha que ele ficará bom?

— Espero que sim, e você? – e quando ele foi responder, a campainha tocou. Fui atender.

— Pensei em... – Amanda disse, entrando, quando Laura a cutucou, mostrando que havia visita.

— Não basta um, tem que pegar o irmão também?

— Meu coração bate mais forte apenas para o Alex Turner.

— Sonhando alto demais... – Laura disse, me fazendo rir.

— Melhor assim, porque você pode ficar com Track somente para você. – falei, brincando e Track nos olhou assustado e depois riu.

— Me deixe fora dessa!

— Depois que o meu marido Elvis Presley faleceu, não consigo olhar para mais ninguém, me desculpe Track. – ela falou, rindo, virada pra ele que franzia a testa e nos achando loucas.

— Depois sou eu quem sonho demais, vê se pode! Mas aposto que você mudaria de ideia se eu te mostrasse uma coisa.

— O quê? – ela perguntou, empolgada, e até Amanda estava curiosa. Fui até Track ficando em pé na sua frente. Levantei um pouco sua camisa e pedi:

— Levante os braços. – ele riu e balançou a cabeça como se não estivesse acreditando no que eu estava fazendo. Então fez o que eu havia pedido e tirei sua camiseta branca. Ele ficou vermelho.

— Ai, que bonitinho! – falei, apertando suas bochechas e gargalhando. – Você corou! – e Laura o observava, enquanto Amanda tentava desviar o olhar porque estava comprometida. Ah, fala sério, Track era um gato! Acabei lhe devolvendo a camiseta e ele disse:

— Você é muito pervertida, Lisa. – ele brincou. Amanda ligou a televisão e Track foi assistir ao jogo, também, enquanto as duas davam opiniões erradas sobre os passes.

— Como sabe que eles são irmãos? – perguntei para Laura, que nem ligou muito.

— Track me contou.

— Eu não vi vocês conversarem.

— Foi bem depois do incidente na boate, faz uns dias.

— Então você sabia que Karl estava mal? E não me falou absolutamente nada?

— Eu não sabia que vocês eram tão próximos assim. E também não achei que fosse ficar tão brava.

Ela levantou as mãos, se rendendo, e sabia que estava sendo sincera. Mas eu estava uma pilha de nervos, então fui para a sacada.

— Voltamos outro dia. – Laura falou. Recebi dois beijos e foram embora. Coloquei as mãos na cabeça e, por um momento, achei que fosse explodir.

— Sei que não está assim apenas pelo ocorrido. Me conte, Lisa. – Track ficou ao meu lado, escorado no parapeito me observando.

— Eu sou uma confusão, entendeu? – eu não conseguia me entender naquele momento, porque todo aquele conceito de “não confiar em ninguém” havia sido quebrado quando o conheci, porque quando eu olhava para ele, eu via um amigo.

— Lisa, você é nova e ainda está descobrindo quem você realmente é. Não fique chateada por isso, porque não é fácil conseguir se achar no meio desse tumulto do mundo. Mas, no fim, você verá que essa caminhada árdua compensou.

Aquelas palavras de Track realmente mexeram comigo. Eu não queria me tornar alguém desprezível. Lembrei de Karl e comecei a chorar de novo.

— Eu também estou angustiada, porque sei que deveria odiar com todas as minhas forças, o seu irmão, mas não consigo. Track, você não sabe como é horrível olhar para o assassino do meu pai, procurar por horas aquele monstro e não encontrar. Eu sou o monstro, não ele.

Eu falava tão descontrolada que tive que fazer uma pausa para recobrar a respiração normal. – Não existem adjetivos suficientes para descrever tamanha crueldade que fiz com o pai de vocês dois, e nem para como estou me sentindo agora. – droga de soluços! – Mas, sabe o que mais dói em mim? Pensar em escutar que Karl nunca mais acordará por causa desse acidente, quando, na verdade, eu nunca devia ter me aproximado dele. – Track continuava do mesmo jeito, apoiado no parapeito e observando os carros, lá embaixo. Ele estava quieto, passando um dedo no outro e depois limpou o canto do olho. Ele estava chorando? Ah, Lisa, você sempre deixa alguém triste quando abre sua maldita boca!

— Eu não sabia que tinha sido você, Lisa. – ele fez uma cara de choro, como um bebê e continuou a dizer o que havia começado. – Eu gostava do meu velho.

— Não sei o que te dizer.

— Esse é o problema, você não consegue ver? – bateu forte no parapeito e me olhou com raiva. Não, Track, eu não consigo ver!

— A questão é que você nunca sabe o que dizer, e acaba falando o que não deve. Eu vim para sua casa achando que, finalmente, meu irmão havia feito uma amizade decente. Mas, sabe o que eu descobri? Que você, é pior que ele.

Eu estava sem reação, em choque. O sol estava partindo, e junto, Track.

— O que você faria no meu lugar?

— E você acha que eu também não tenho sentimentos, sua vagabunda?

— Daqui a pouco os vizinhos chamam a polícia, por causa da sua gritaria.

— Não entendo como eu mesmo, ainda não chamei a polícia pra você.

— Quem se importa com o que aqueles idiotas armados falam ou fazem? Eles são tão ruins quanto o resto do país, Track. Os líderes não são nossos aliados e eu não gostaria de ser sua inimiga.

— O resto do país? Você escutou o que acabou de me dizer? Lisa,olhe para isso! – ele pegou no meu rosto brutalmente e posicionou minha cabeça para a cidade. – Está vendo esses carros levando mercadorias? É para conseguir pagar a escola do filho! Ou então esta mulher, puxando uma carroça? É para colocar comida na própria boca! – eu não conseguia segurar o choro, que descia devagar pelo meu rosto. – Você sabe o que é passar necessidade? É claro que não! Mas, eles não precisam matar para conseguir sobreviver ou suportar algo, porque eles são dignos de respeito. Só que você, Lisa, você é impulsiva e vingativa, que só pensa em como seu coraçãozinho está sofrendo, mas não abre esses olhos e vê que o sofrimento vai além do que você consegue enxergar!

— O que você quer que eu faça, Track? – disse, quando ele, finalmente soltou meu rosto. – Eu errei e nós dois sabemos disso, não é verdade? Eu sempre erro porque EU SOU HUMANA!

Juntei meu arrependimento e o coloquei numa bagagem grande e espaçosa, para que não ficasse nada de fora. Me vesti com toda a coragem que tinha naquele momento e engoli o choro.

Ele saiu do parapeito, caminhou até a porta e foi embora.


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Notas finais do capítulo

Quando escrevi a briga da Lisa com Track, fiquei angustiada... Ao mesmo tempo em que eu sentia o que a Lisa sentia, parte de mim concordava com Track. Acho que estou ficando pirada com essa história! E você? O que achou?



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