Amandil - Sombras da Guerra escrita por Elvish Song


Capítulo 8
Beorn


Notas iniciais do capítulo

Sim, sim: dos capítulos em um dia. Como não é sempre que tenho tempo (ou inspiração) para isso, vou aproveitar! Espero que vocês também estejam curtindo essa acelerada das postagens. Nos vemos lá em baixo!



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As águias os deixaram no alto de um platô, muitas léguas distantes de seus perseguidores, onde a comitiva poderia repousar e tratar de suas feridas. Todos estavam exaustos e, embora fosse dia claro, queriam mais do que tudo dormir algumas horas; versados nas artes da cura, Óin e Gandalf iam de um em um, examinando as feridas e tratando as que exigiam cuidados. Amandil teria ajudado, mas passado o calor do combate, sentia dores terríveis a cada movimento, e apenas conseguia permanecer encolhida, respirando devagar enquanto tentava conjurar um feitiço de cura. Curar a si mesma, contudo, era muito mais difícil do que tratar outra pessoa.

Finalmente, Óin se aproximou da moça e, com a naturalidade que só um curandeiro tinha, falou:

– Menina, preciso ver suas feridas.

Ruborizada, ela meneou negativamente a cabeça: mostrar seus ferimentos ao anão significava ficar nua da cintura para cima, na presença de quinze homens! Já sofrera aquela humilhação na caverna dos orcs, e não ia passar por isso outra vez! Podia ser uma guerreira, e encarar desafios que dama alguma enfrentaria, mas aquilo era pedir demais!

– Sei que não quer mostrar o corpo, mas sou só um velho curandeiro, e já vi mais moças despidas do que posso contar. – e olhando para os outros anões – virem-se para lá, senhores! Preciso examinar a garota!

Compreendendo a situação, todos se voltaram de costas, ocupando-se das tarefas para montar acampamento. Ainda assim, a moça hesitava em tirar o casaco com que Thorin a cobrira, até que Mithrandir veio para junto dela:

– Deixe de bobagens infantis, Amandil! – ralhou o ancião, mas sem rispidez na voz – você foi açoitada, e mal pode respirar de dor. Mestre Óin é um excelente curandeiro, e precisa tratar de suas feridas, antes que infeccionem. Pare de tolices e mostre-lhe suas costas, de uma vez.

Com um suspiro, a moça fechou os olhos e se virou de costas para o anão, abrindo o casaco e deixando que caísse. O mago e o curandeiro fizeram uma careta ao ver os fundos e horríveis cortes, que estavam inflamados e tinham sangue seco acumulado; eram de longe os piores ferimentos de todo o grupo. Profissional, Óin estendeu uma manta no chão, e fez a jovem se deitar de bruços, enquanto ia buscar água fervida com os outros. Ao voltar, dirigiu-se à paciente:

– Tenho que limpar os cortes; queria dizer que não vai doer, mas não posso... Tente aguentar o quanto puder. – e assim dizendo, pegou um pano limpo de sua mochila e o molhou, começando a limpar o sangue das costas da jovem, que mordeu os nós dos dedos e deixou escapar um gritinho abafado – sinto muito, Amandil.

– Eu posso suportar. – respondeu ela, trincando os dentes. Gandalf se sentou ao lado da guerreira e segurou-lhe a mão gentilmente, enquanto pousava a outra sobre a cabeça da princesa. O encantamento que fez a deixou letárgica e menos sensível à dor, acalmando os gemidos que escapavam aos lábios dela; quando o anão finalmente terminou seu trabalho, exclamou com surpresa:

– Os cortes já estão fechando! – e mostrou a Gandalf – tinham seguido até os músculos, mas agora, estão praticamente apenas na pele... Como pode ser?

– O povo dela se recupera muito depressa. – explicou o Istari, acariciando os cabelos da moça quase adormecida – é o que afasta a velhice e vence o tempo, dando-lhes a imortalidade. Trate os machucados de Amandil, e amanhã ao anoitecer tudo o que ela terá serão cicatrizes.

Ainda pasmo com a velocidade de recuperação da guerreira, o médico se pôs a retirar os fragmentos de metal que haviam ficado dentro da carne. O sangue voltou a fluir, e novamente ele limpou a carne esfolada, antes de se pôr a esmagar ervas até que estas virassem uma pasta, com a qual cobriu toda a pele machucada. A estas alturas, o feitiço de Gandalf perdia seu efeito, e a jovem tornava a se mostrar ativa e inquieta; ao sentir o frescor da cataplasma, porém, agradeceu:

– obrigada, Óin.

– Não há de quê, menina. Meu dever é para com os doentes e feridos, e você se feriu para salvar Kili. – ele colocou panos limpos sobre a pasta verde, e então jogou um cobertor sobre a moça – terá que ficar deitada de bruços, pelo menos por algumas horas.

– Pode comemorar se ela ficar deitada por mais de uma hora, mestre anão – brincou Gandalf, fazendo a dama sorrir – assim que os remédios fizerem passar a dor, ela estará aprontando algo, pode apostar.

Uma vez que a jovem já estava coberta, Kili e Bilbo se aproximaram dela, trazendo-lhe uma refeição quente. Ela ia se erguendo, segurando a coberta junto ao peito, mas Bilbo não permitiu:

– Nem pensar! Vai ficar deitada aí onde está. – e como se ela fosse uma criança, partiu os pedaços de pão e de carne, pondo-os em sua mão um a um. Ela sorriu:

– Por que tanta gentileza, meu caro hobbit?

– Você faz tudo o que faz, e ainda pergunta por que retribuímos? Às vezes você faz perguntas tolas, sabia? – devolveu o halfling, que se sentia extremamente feliz e bem-disposto após receber as desculpas de Thorin, o qual se encontrava muito agradecido ao pequeno herói que salvara sua vida. Kili também agradeceu a Amandil, dizendo que, não fosse por ela, talvez estivessem todos mortos.

Afinal o grupo se reuniu e, com a certeza de que ali estavam em segurança, todos se permitiram adormecer. Ninguém percebeu quando Thorin - que se revirava no lugar, insone - se levantou e foi até a moça adormecida, fitando-a por um longo tempo antes de sussurrar:

– Obrigado, bela estrela. – parecia-lhe o modo mais acertado de chama-la, dado o modo como ela brilhava ao evocar seus encantamentos - Fique bem, por favor, e volte a me irritar com seus olhos arrogantes. – tendo-o dito, voltou ao seu lugar com a imagem do belo rosto da elfa em sua mente, e foi com ela que sonhou quando, enfim, adormeceu.

*

– Más notícias! – avisou Bilbo, juntando-se ao grupo, ofegante – Os orcs estão perto.

– Também tenho más notícias – declarou Amandil, saltando de cima de uma árvore. Era impressionante como, em poucas semanas, não restavam nada além de pequenas cicatrizes nas costas da guerreira, que se recuperara completamente das feridas que teriam matado até um anão – Gandalf, vi pegadas de urso. Muito grandes e fundas.

O mago franziu o cenho àquelas palavras, e Nori o interpelou:

– Não é um simples urso, é? O que isso quer dizer?

– Quer dizer que, talvez, tenhamos mais alguém que quer nos matar.

– Eu conheço Beorn – disse a moça – posso falar com ele.

– Beorn tentaria mata-la, em sua forma de urso; e o homem tem a cabeça mais dura do que as pedras. Não adiantaria falar com ele!

– Deixe-me tentar. Já controlei o urso antes, e posso fazê-lo outra vez!

– Neste caso, eu vou até o troca-peles.

– Não mesmo! Você acha que algum desses cabeças-duras vão me obedecer? – perguntou ela, indicando os anões – lidere-os, mantenha-os a salvo até que eu retorne. Com sorte, teremos um abrigo contra os orcs.

– Mas essa criatura, esse tal de... Beorn... Quer nos matar ou nos ajudar, afinal? – perguntou Thorin, tenso com a proximidade de seus perseguidores.

– Só vou saber se perguntar a ele. – respondeu Amandil – Mantenham-se seguros. Volto antes do anoitecer.

Embrenhando-se na floresta, a guerreira seguiu os rastros do que seria um urso quatro vezes maior que o normal; estava à procura de Beorn, um troca-peles – uma criatura que ora assumia a forma de um humano de estatura colossal, ora a de um gigantesco urso negro. Rezava para encontra-lo na forma humana, pois o urso podia ser imprevisível, e já tentara mata-la antes.

Sua busca durou cerca de duas horas, durante as quais a elfa avançou rápido pela floresta; já podia ouvir os sons e sentir o cheiro da criatura que procurava quando, de repente, um rugido se fez ouvir, seguido dos gritos e guinchos de orcs. Não foi difícil deduzir o que ocorrera: Beorn encontrara orcs em seu território, e estava dando a eles sua amável hospitalidade. Talvez fosse a chance da moça em conseguir falar com o gigante!

Amandil correu rumo aos sons de luta, e a cena que se descortinou ante seus olhos foi aquela pela qual já esperava: um grane urso negro rasgando com garras e dentes a patrulha de orcs, que apenas tentava retaliar. Uma flecha se cravou no flanco do animal, que se voltou furioso para seu atacante; juntando-se ao velho conhecido, a elfa empunhou sua espada e uma adaga longa, e lançou-se ao combate. Segundos depois, não restavam nada além de cadáveres no chão, cercando urso e mulher.

Saído do frenesi assassino, mas ainda sob os efeitos da luta, ele se virou contra a recém-chegada; um grunhido baixo e rouco escapou ameaçador, enquanto avançava contra a jovem. Esta, por sua vez, recuou lentamente, erguendo as mãos abertas diante do corpo e falando em voz macia e suave:

– Beorn... Beorn, sou eu, Amandil. Somos amigos, lembra-se? – ele continuou avançando, até empurrá-la contra uma árvore. Havia receio nos olhos da moça, que não tinha certeza das intenções do animal. Ele a farejou, focinhando-a com força; quando a elfa tentou escapar, a enorme pata a derrubou no chão, prendendo-a ali enquanto o urso continuava a cheirá-la. Enfim pareceu reconhecer a jovem, e soltou-a, dando-lhe uma cabeçada amigável.

– Ufa, que bom que me reconheceu, meu velho amigo! – exclamou ela – achei que ia ser o seu jantar, hoje. – foi só então que ela reparou na flecha cravada no couro do urso – você está machucado. Tenho que tirar a flecha. – e olhou nos olhos do gigantesco predador – posso?

O animal se deitou no chão, permitindo que a elfa alcançasse a seta. Foi com cuidado que ela segurou a haste firmemente, e arrancou-a com um puxão. O rosnado do urso a preocupou – o humor de Beorn mudava muito rápido – e fez com que estendesse a mão rapidamente sobre o furo, curando-o com algumas palavras. Em seguida, era hora de tratar dos assuntos que viera resolver:

– Beorn – falou ela – preciso que volte à forma humana. Temos que conversar.

O animal a olhou por alguns segundos, como se incentivando-a a continuar e explicar por que ele deveria abandonar sua cômoda forma peluda.

– Estou viajando com amigos. Os orcs estão nos caçando, e precisamos de refúgio pro uma noite. – de repente o urso se desinteressou e se levantou, dando as costas à dama, que protestou – hey! Vai simplesmente virar as costas! Beorn, volte aqui! – ela o alcançou, e a fera se virou, rugindo, ameaçadora. Dessa vez, contudo, a elfa não vacilou – Beorn! Você vai tratar de me ouvir! Vai mesmo virar as costas para alguém que fugiu dos orcs? Onde você estaria, se Radagast houvesse feito o mesmo, no passado?

Aquelas palavras pareceram tocar a criatura; lentamente sua forma diminuiu, e os pelos se retraíram para dentro da pele. As feições se modificaram até que, onde antes havia o animal, agora havia um homem de quase três metros de altura, cabeleira longa e barba cerrada, o corpo musculoso coberto de pelos hirsutos. Ele se levantou e encarou Amandil, falando-lhe em voz rouca e grave:

– Estou ouvindo. Não significa que eu vá fazer o que me pedir.

– Eu sei que é pedir muito, meu amigo, mas...

– Vá direto ao ponto, princesa. Tenho orcs em meu território, e já compreendi que estão aqui por sua causa. Por que pensa que pode vir me pedir algo?

– Por que você odeia os orcs tanto quanto eu e meus amigos.

– E quem seriam seus... Amigos?

– Anões. – respondeu ela.

– Anões?! – havia um misto de raiva e incredulidade na voz do troca-peles – quer que eu aceite anões em minha casa?

– Por uma noite! – insistiu a dama – os orcs não vão ousar invadir seu território, outra vez... É só para que percam nosso rastro. Uma noite, e seguiremos adiante.

O homem pousou as mãos nos quadris, pensativo, e coçou a barba; enfim olhou para a mulher, e respondeu:

– Uma noite. E se ferirem algum animal em meu território, eu os matarei.

– Justo. – respondeu a moça.

– Leve-os para minha cabana. Se eu mudar de idéia, terei o jantar garantido. – a elfa não estava certa se aquilo era uma piada, mas resolveu encarar deste modo. Girando nos calcanhares antes que o amigo mudasse de idéia, gritou-lhe um “obrigada”, antes de sumir nas tramas da floresta.

*

– Então, é você aquele a quem chamam Escudo-de-Carvalho? – perguntou o gigante a Thorin.

– É um dos meus nomes – respondeu o anão, ainda desconfiado de seu anfitrião. A única coisa que o confortava era que Amandil parecia bastante relaxada e confiante; e a moça tinha razão para estar: Beorn os aceitara como hóspedes, e as leis da hospitalidade proibiam ao anfitrião fazer qualquer mal aos que estavam sob seu teto. O troca-peles jamais iria contra tais leis. É claro que não ficara feliz ao receber treze anões em seu lar, mas a presença de Gandalf e, curiosamente, de Bilbo, o haviam acalmado e até mesmo divertido.

– Há uma gorda recompensa por sua cabeça, filho de Thrain. – declarou o homem-urso, vertendo suco de bagas frescas na caneca de Gandalf – o que fez para irritar tanto Azog?

– Conhece Azog, o Profano? Como? – indagou Glóin.

– Minha raça foi dizimada pelo orc pálido. Não esqueceria seu nome, nem que fosse meu último dia de vida. – Aquelas palavras soaram dolorosas, e Bilbo pôde imaginar que, provavelmente, a própria família de Beorn havia sido morta por seu perseguidor.

– Há outros como você? – perguntou o halfling, inocente.

– Já houve muitos. Agora, eu sou o único. – respondeu o gigante. Com os pelos da nuca se eriçando como os do animal em que se transformava, claramente desagradado, ele concluiu – sirvam-se à vontade. Por mais que eu não goste do fato, esta noite são meus hóspedes, e estão em segurança. – assim dizendo, saiu pela porta. Bilbo se sentiu culpado por trazer lembranças dolorosas a seu anfitrião e, com a simplicidade que só os puros de coração têm, foi atrás do troca-peles.

– Beorn? – chamou ele, vendo o homem erguer a cabeça; estava sentado entre dois canteiros de flores, sob um grande carvalho, e pequenos ratos do campo subiam em suas pernas para comer as nozes que tinha nas mãos.

– O que foi, Pequeno? – a voz do gigante era plácida, como se não quisesse espantar os roedores.

– Sinto muito se minha pergunta o ofendeu, ou lhe trouxe memórias ruins. – ele deixou os braços penderem ao lado do corpo, sem saber o que dizer – eu só... acho que eu só queria pedir desculpas.

O homem-urso sorriu, compreensivo, e perguntou:

– Sabe por que eu não gosto de anões, senhor Baggins?

– Porque são barulhentos, desastrados e mal-educados?

– Também – riu-se o gigante – mas acima de tudo porque são cegos: brutos como a pedra que lavram, não enxergam nada além de seus desejos egoístas e mesquinhos. Não respeitam a vida de quem consideram inferior. Têm corações ocos. O seu, por outro lado, é puro; foi com inocência que me dirigiu suas palavras, então elas não me ofendem. – foi surpreendente a delicadeza com que aquelas mãos enormes afastaram os ratinhos, tirando-os um a um do colo de Beorn, antes que ele se levantasse e fosse até Bilbo, agigantando-se ao lado do halfling. – Tenho conhecido poucos corações puros, nos últimos tempos.

– Bem, você conheceu Amandil – Bilbo sentiu algo roçar em seu braço, e percebeu tratar-se de um gordo gato laranja, que pedia manhosamente para ser pego nos braços. O hobbit o satisfez, ouvindo o felino ronronar satisfeito. Tudo naquele jardim, ou melhor, naquela fazenda, parecia respirar paz e serenidade. Os animais eram bonitos e saudáveis, e nada temiam; nunca haviam conhecido a dor, e por isso não sabiam que havia algo a temer. As plantas vicejavam, e tudo aquilo tinha para o pequeno aventureiro um cheiro de casa, de lar.

– Amandil... – Beorn quase suspirou o nome da moça – que se há de fazer com ela? Eis uma mulher com alma de criança. Tornou-se astuta, inteligente e manipuladora, mas sempre com aquele coração puro e coragem temerária... Realmente não sei o que fazer com ela: numa hora é capaz de irritar-me com uma palavra, e no momento seguinte enternece-me com um olhar. Criança. Isso é o que ela é. Um filhotinho em corpo e mente de adulta. E não acho que algum dia vá crescer.

– Fala como se fosse algo ruim.

– O mundo não é bom para as criaturas com alma de criança, Bilbo. – respondeu o gigante, colhendo uma bolota de carvalho – mas você está descobrindo isso por conta própria. – ele se ajoelhou e pegou uma das mãos do pequeno – vai descobrir que as criaturas podem ser muito cruéis, especialmente se continuar caminhando com estes anões. Talvez não consiga voltar para casa, e se voltar, pode não ser mais o mesmo. Então, leve isto de meu jardim. Plante-a, e quando olhar para ela, lembre-se de quem você é, neste momento, enquanto conversamos. Talvez isso o ajude a manter vivo o coração inocente que tem, em meio a almas de pedra e areia. – e com estas palavras, levantou-se outra vez – vá descansar, pequeno hobbit. Amanhã, terão de partir.

– Sim... – concordou Bilbo, pondo o gato no chão e guardando a bolota em sua algibeira – Obrigado por tudo o que fez, Beorn. Boa noite.

Enquanto seguia para dentro da casa, o halfling pensava a respeito das palavras do troca-peles; havia muita raiva e amargura, mas também muita dor e muita bondade naquelas palavras. O gigante era, afinal, uma fera ferida, alguém que perdera tudo, e que se consolava sendo a força dos vulneráveis, protegendo aquele recanto de sonhos do mal que ele próprio experimentara. Uma alma gentil, forçada a se embrutecer por sabia-se lá quais horrores, e o pensamento trouxe lágrimas aos olhos do halfling, lágrimas que ele não derramou, mas guardou para si. Será que se tornaria como Beorn, ao fim de tudo aquilo?

Quando o hobbit entrou na casa, uma sombra se moveu entre as árvores, indo até o troca-peles.

– Eu sei que está aí, Amandil. Saia das sombras.

– Sentiu meu cheiro? – perguntou a moça, revelando-se ao luar.

– E ouvi seu coração batendo. Não é educado espreitar a conversa dos outros.

– Sinto muito. Costumo vigiar Bilbo, quando ele sai: prometi que o protegeria de todo mal, e creio que esteja falhando em minha promessa.

– Ele está inteiro. É mais do que se podia esperar, considerando tudo o que já enfrentaram. – o gigante caminhou até a beira do lago onde criava seus peixes e gansos – o que está fazendo aqui, princesa?

– Vigiando...

– Não – ele a interrompeu – por que se meter nesta viagem? Por que se arriscar deste modo?

– Porque é o certo a fazer. – respondeu ela – porque o mundo não vai estar a salvo, se eu não o fizer.

– Cuide daqueles a quem ama, garota, e deixe que o mundo cuidará de si mesmo. Se insistir em ser sempre a salvadora do mundo, ele vai destruir você.

– É um preço que estou disposta a pagar, para não ver meu mundo destruído. – respondeu ela, sentando-se ao lado do gigante. Ele sorriu e acariciou o rosto da moça, a quem via como uma menina.

– Criança, como eu falei a Bilbo. Cheia de sonhos e de esperanças, sem medo de nada... – ele tocou o ombro da moça, onde começava uma cicatriz de açoite – nada perfura seu escudo? Nada tira sua fé?

– Nada perfurará, enquanto houver algo pelo qual lutar. – respondeu a elfa. – eu sei que você acha ter desistido Beorn... Mas criou este lugar, este refúgio, e o defende do mal. Ao seu modo, está lutando por algo maior do que você mesmo. Isso não é atitude de quem já desistiu. – considerou a moça, depositando um beijo na testa do homem-urso – sinto muito por perturbar a paz que você conseguiu alcançar aqui. Ao amanhecer partiremos, e então poderá se reequilibrar, meu amigo. Obrigada por sua paciência. – ela se afastou a passos leves, mas foi detida pela voz do amigo:

– Amandil?

– Sim?

– Fico feliz que tenha vindo. – disse ele, antes de começar a crescer e mudar, assumindo a forma do enorme urso negro e desaparecendo na floresta. Dando de ombros, com um sorriso no rosto, a elfa voltou para dentro da casa e se deitou sobre a palha fresca, respirando paz e calma. Pensando em Beorn, não percebeu os olhos de Thorin pousados nela.


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Notas finais do capítulo

Só eu que acho Beorn fofo? Tá certo, tá certo, eu sei que ele é um urso enorme e pode esmagar a pessoa com uma patada mas... bom, para mim, Beorn é como descrevi acima. Eu o vejo como o produto da guerra, como o arquétipo de pessoas que podemos ver no nosso mundo mesmo: uma alma boa e gentil da qual tudo foi tirado, e que tenta se reconstruir com os pedaços daquilo que já foi, muitas vezes sem perceber que se transformou em algo novo e maravilhoso. Ah, resumindo: eu amo o Beorn.
Torcendo os dedinhos para que tenham gostado, deixo vocês com a promessa de mais Legolas no próximo capítulo... As coisas vão esquentar.
Beijos, meus amores!



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