Amandil - Sombras da Guerra escrita por Elvish Song


Capítulo 14
As palavras do Rei


Notas iniciais do capítulo

Meninas, corrigi este capítulo, que apresentava uma falha séria em relação à conversa entre Thranduil e Tauriel; basicamente, meu querido rei estava um tanto descaracterizado. Acabei de corrigir, e postei novamente. Espero que tenha ficado bom.



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Totalmente convalescido, Thranduil reassumira seu lugar há poucos dias; agora, já ciente de tudo o que se passara durante sua recuperação, mandara chamar os três jovens que haviam mantido o reino em ordem durante sua ausência. Porém, coisas perturbadoras haviam chegado a seus ouvidos, e desejava falar a cada um. Agora, vendo-os ali, reverenciando-o antes de se postarem orgulhosamente diante do trono, foi impossível ao soberano não se lembrar de tempos passados...

Flashback

Thranduil e Aireen cavalgavam juntos pela floresta, procurando sobreviventes ao horrível massacre cometido por orcs na orla da floresta. A pequena vila de elfos silvestres fora totalmente arrasada, e os corpos de seis homens e oito mulheres – duas delas ainda não totalmente adultas – jaziam estraçalhados, um deles parcialmente devorado pelos orcs. Os guardas do rei haviam posto fim aos orcs, mas não haviam conseguido salvar pequeno vilarejo, longe demais do reino para que o pedido de socorro chegasse a tempo. A rainha mordia o lábio, tentando não manifestar qualquer emoção, mas seu esposo e rei sabia que o coração da esposa sangrava e doía, assim como o seu próprio.

– Acho que não há sobreviventes, querida – disse o soberano, afinal – Vamos providenciar um enterro digno... – mas a rainha o interrompeu:

– Escute! – ela parou por um segundo, e então ele também ouviu: o som fraco de uma respiração alterada, e o cheiro de medo chegou até ambos. Com um sorriso, a rainha desceu da corça que cavalgava e andou na direção do som; de repente, saída como que do nada, uma garotinha saiu de seu esconderijo com um grito de raiva. Tinha os cabelos ruivos como o Sol poente, e não devia ter mais de cem anos – se fosse humana, não chegaria aos quatro! -pois mal conseguia andar com a espada que arranjara sabia-se lá onde, provavelmente tirada da mãe. Ela tentou golpear Aireen, mas a dama apenas se abaixou e segurou o pulso da pequena, que deixou cair a arma, pesada demais para si. Os olhos da menina se arregalaram de pavor, e ela tentou escapar, mas a soberana a abraçou e tratou de acalmá-la – Shhh! Calma, pequenina. Estou aqui. Está tudo bem.

A criança a princípio tentou lutar e fugir, mas enfim percebeu estar segura nos braços da elfa, e caiu num choro convulsivo. Thranduil também descera de sua montaria, e estava impressionado com a coragem da pequena: ela pensara tratar-se de orcs e, ainda assim, saíra de seu esconderijo numa tentativa de luta. Singular, no mínimo.

– O que houve aqui, querida? – perguntou ele, ajoelhando-se para ficar na mesma altura da criança.

– Mamãe... – ela choramingou, mas não conseguiu responder a qualquer pergunta que o casal lhe fez. Parecia estar em choque demais para falar, então, enquanto a rainha erguia a menininha nos braços, embalando-a como fazia com seu pequeno Legolas, o Senhor da Floresta seguiu na direção do esconderijo da criança. Lá, sob um arbusto, estava uma mulher igualmente ruiva, cravejada por uma dúzia de flechas. Era inegavelmente a mãe da criança, e já não respirava. Thranduil lamentou, mas nada podia fazer pela mulher... Bem, quase nada. Voltando-se para seus homens, o rei ordenou:

– Vamos dar sepultura digna a essas pessoas. É o mínimo que podemos fazer. Depois, quero que vasculhem a floresta, e vejam se algum orc sobreviveu; se houver algum vivo, tragam-no para mim, que tenho perguntas a lhe fazer.

– E quanto à criança, meu senhor? – perguntou Amálië, uma jovem guerreira muito promissora, por quem Thranduil tinha alta estima – Precisa de um lar. Posso me encarregar de encontrar-lhe um, se quiser.

Olhando para a menininha, que adormecera no colo de sua esposa, ele sentiu seu coração se enternecer. Ela era pouco mais nova que Legolas, seu único filho... Por que não criá-la ele mesmo? Por que não dar uma irmã a seu filho, e uma família àquela corajosa criança? A rainha parecia já ter-se tomada de amores pela garota, e ele mesmo não podia negar que seria muito fácil amá-la como filha. Dando de ombros, ele respondeu a Amálië:

– Creio que isso não será necessário, Amálië. – respondeu o elfo – Já tenho um lar perfeito para ela.

Na volta para casa, a pequena de cabelos fulvos ia adormecida – talvez desacordada – nos braços de sua nova mãe, quando o próprio Thranduil pediu para levá-la consigo. Algo naquela criança – talvez os olhos, dentro dos quais uma chama intensa parecia brilhar – chamara sua atenção; sentia que havia algo grandioso dentro de sua nova filha, e aquela chama apenas vislumbrada o fizera tomar-se de encantos por ela. Com cuidado, aconchegou a menina à sua frente, cobrindo-a com seu manto para que não sentisse frio; e quando ela se aconchegou mais a ele, o rei percebeu que ali se formava um vínculo que jamais poderia quebrar. Ele já amava aquele pequeno ser, irrevogavelmente.

*

Com efeito, a menina logo se adaptou ao seu novo lar. Não conseguia, contudo, lembrar-se do que fosse de sua vida antiga – nem mesmo de seu nome. A rainha Aireen resolvera o problema dando à criança um novo nome: Tauriel,a Filha da Floresta; junto ao nome, a pequena ganhara como presente de seu pai um belo colar, cujo pingente em forma de gota tinha incrustado em seu centro uma gema brilhante, lapidada como uma estrela.

– Que ele sempre a proteja – disse a rainha, ao colocar a joia no pescoço da menina, que nunca mais viria a tirá-la.

O próprio Thranduil, fechado como era, logo não conseguia mais diferir entre o amor que sentia por Legolas e por Tauriel. Ela era sua filha, embora não partilhasse de seu sangue, e era desse modo que o rei a amava; suas tardes livres eram ocupadas com sua esposa e as crianças, que tratavam-se do modo costumeiro aos irmãos: hora brincando, hora brigando. E, à medida que cresciam, os jovens se tornaram inseparáveis! Comiam, aprendiam, brincavam e viajavam juntos; tinham as mesmas aulas, eram cúmplices nas travessuras e até mesmo – nas noites mais frias de inverno – dormiam na mesma cama, abraçados. Era como se nunca houvesse existido um tempo antes de Tauriel.

Tempos depois, os irmãos ganharam a companhia de outra criança: Amandil, filha da Senhora Galadriel e noiva prometida de Legolas. A menina era trezentos anos mais nova que Legolas, e duzentos em relação à elfa de cabelos vermelhos, mas em poucos séculos a diferença se tornou irrelevante, e a dupla se tornou um trio. Um trio que, verdade seja dita, vivia a enlouquecer o rei com suas travessuras, mas que também o deixava muito orgulhoso por suas habilidades, e que o fazia rir com relativa frequência. Tristes eram os anos que as crianças passavam em Lothlorien e Rivendell, em visita à família de Amandil, aprendendo e vivendo coisas que não poderiam encontrar na Floresta Verde; então sua rainha o consolava, com sua alegria onipresente – embora ele soubesse bem quanta falta devia sentir dos pequenos.

Mas crianças crescem, e o destino de cada um começou a se delinear à sua frente; Tauriel era uma princesa – Thranduil a legitimara diante de todo o reino – mas até mesmo falar sobre um possível casamento irritava aquela rebelde adolescente, cujos talentos para armas e raciocínio estratégico superavam em muito o de vários elfos adultos. Os flertes e paixonites comuns ao início da adolescência não lhe interessavam nem um pouco, e ela preferia passar longas noites com um livro e uma vela, ou treinando no pátio de armas; sendo muito alegre e cheia de vida, tinha muitos amigos, mas tornava-se verdadeira fera quando algum movimento romântico era feito em sua intenção, dispensando o pretendente sem a menor delicadeza. Enfim, o rei e a rainha concordaram que a tentativa de um matrimônio arranjado resultaria em uma potencial morte do noivo, e encontraram outro caminho para sua filha, como futura capitã da guarda e Chefe das Armas do Reino da Floresta; isso, sim, a agradara, e ela se entregara de corpo e alma a aperfeiçoar suas já letais habilidades.

Legolas era o jovem príncipe, e tinha muito a aprender para, um dia, poder ocupar o lugar do pai. Amandil, como futura rainha da Floresta Verde, e herdeira de Galadriel ao trono da Floresta Dourada, também se via nesse papel, e embora as aulas e treinamentos ainda fossem compartilhados com Tauriel, muitas vezes eles se viam separados, com mentores diferentes e coisas diferentes a aprender. Isso os tornou ainda mais próximos nos momentos livres, quando voltavam a ser apenas os três inseparáveis amigos.

O tempo, porém, é implacável, e continuou passando: com a idade e a maturidade, o trio começara a ver o mundo como era; os sussurros sobre o reerguer da Sombra se fizeram mais proeminentes, e uma escuridão começou a tomar a floresta. O mal se espalhou pelas terras na forma das crias de Ungoliant, de fantasmas, orcs e bandidos de todas as formas. Seguiram-se guerras grandes e pequenas contra tais criaturas, e foi em uma dessas que a rainha Aireen tombou, quando Amandil contava novecentos anos. O rei Thranduil, que nunca antes perdera a lucidez, viu-se de repente jogado numa escuridão sem fim, um mar de dor e caos, onde sua mente e seu coração pareciam se partir repetidamente, até nada restar do homem que já fora. Neste momento, cada um dos adolescentes mostrara seu valor.

Legolas, como príncipe, assumira as rédeas do reino quando seu pai não podia fazê-lo, buscando conselhos com os homens e mulheres de confiança do pai, bem como com a família de sua noiva; Tauriel, já respeitada e ouvida entre os guerreiros, ajudara-o no que podia, e liderara muitas expedições para garantir a segurança das fronteiras. Ela mesma tomara o encargo de percorrer as terras além da floresta para se inteirar do que ocorria no mundo, e ver por conta própria o que acontecia encheu seu coração de desejo: desejo de lutar por aquele mundo, que sofria tanto quanto a Floresta Verde – a qual alguns já começavam a chamar de Floresta Sombria. Mas, naquela hora, seu povo precisava mais dela do que o mundo externo, e esse ensejo foi sufocado em prol da responsabilidade.

Já Amandil, cujas artes mágicas e curativas aprendera com Galadriel, mal deixara o lado do rei, buscando tirá-lo do estupor que a perda de sua amada provocara. Elfos só amavam uma vez, e a perda do ente querido poderia ser dolorosa o bastante para “paralisar” o coração; quando isso acontecia, o Eldar definhava até a morte, pois a tristeza já não lhe deixava motivos para viver. E era no ensejo de evitar este trágico desfecho que ela velara pelo soberano dia e noite, cantando-lhe canções de cura, lembrando-o de seu povo e de seus filhos, tentando fazê-lo ver que ainda havia muitos motivos para viver. Certamente, a rainha não iria querer que ele se entregasse daquele modo, e ante tal argumento, o rei afinal voltara a ser ele mesmo... Pelo menos em parte, pois se tornou alguém sério, fechado e soturno; raramente sorria, e nunca mais deixou seu reino, que passou a ser a única terra com que se importava, sua única lealdade e responsabilidade, acima mesmo da família que tanto amava. E assim continuava a ser, até hoje.

Fim do Flashback

– Queria nos ver, Majestade? – perguntou Amandil, tomando a dianteira.

– Sim, meus filhos. – O rei se levantou – Primeiramente, gostaria de agradecer por tudo o que fizeram, enquanto eu me encontrava incapacitado. Foram exemplares, e mais uma vez demonstraram seu valor. Contudo, ouvi coisas perturbadoras, sobre as quais gostaria de indaga-los. – ele se voltou para os guardas, e os dispensou com um sinal. Em seguida desceu do estrado do trono, e dirigiu-se primeiro a Tauriel – Minha filha, ouvi dizer que tem passado muito tempo na companhia de um dos prisioneiros. Alguns soldados comentam mesmo que... Que você manifesta algum interesse naquele anão. – as emoções do rei ferviam de raiva apenas em pensar na hipótese, embora não demonstrasse.

– Meu pai! – exclamou a moça, mais indignada com as fofocas feitas no palácio do que com a suspeita do pai – Eu não sei quem lhe disse isso, mas certamente os guardas andam a fofocar como meninas bisbilhoteiras, e tratarei de pôr fim a isso! De fato, tenho conversado com os prisioneiros, mas tentar ganhar sua boa-vontade não significa que eu tenha qualquer interesse por qualquer um deles! – em seu íntimo, ela sabia que mentia. Não para seu rei, mas para si mesma. Pois queria com todas as forças crer nas palavras que dizia a seu pai.

– Fico satisfeito por ouvir isso. – respondeu o soberano, frio – e não se esqueça: são anões. Fingem e mentem como nenhuma outra raça; qualquer palavra que lhe digam hoje, não terá qualquer valor, amanhã. Não é sua obrigação ganhar a boa vontade deles, e não quero ouvir novos boatos acerca de um... Interesse de sua parte por aquele animal – O rei quase cuspiu as últimas palavras, em desprezo. Por algum motivo, Tauriel se magoou com tais dizeres, no ensejo de defender Kili. Ah, por que o anão já estava outra vez em seus pensamentos?!

Fingindo não perceber a perturbação da filha – ele vira nos olhos dela que a jovem estava, sim, atraída pelo anão mais jovem, muito embora não quisesse admitir o fato para si mesma – o soberano meditou por alguns instantes: se aquela situação se estendesse, ele seria obrigado a tomar providências drásticas; não permitiria que sua amada Tauriel se envolvesse com um anão sujo, e se tivesse de enviá-la para o outro lado da Terra-Média – em Imladris ela estaria bem longe daquele reles mortal - ou mesmo matar o prisioneiro, ele o faria. Sem remorso. Guardando aqueles pensamentos para si, dirigiu-se a Legolas:

– Soube que ordenou ofensivas contra os ninhos das aranhas além de nossas fronteiras; ofensivas que Tauriel liderou com maestria, tenho de reconhecer. Por que fez isso?

– Desde quando deixamos que o mal nos cerque e acue, meu pai? – perguntou o príncipe – desde quando admitimos que circunde nossas fronteiras, apenas esperando uma brecha para entrar? Ordenei que os ninhos fossem totalmente destruídos, e realmente foram. Nossas fronteiras, agora, estarão seguras por algum tempo. Com sua permissão, estenderei os ataques tão ao sul quanto for possível, talvez até a fonte do mal que as envia sobre nós.

– Não posso consentir em tão insensato plano, meu filho, mas teve um bom raciocínio quanto a limpar o entorno de nossas divisas. Embora temerária, sua decisão eficaz. Devo parabenizar a ambos – ele fitou Tauriel e Legolas – pelo sucesso.

– Obrigado, majestade.

– Obrigada, Majestade.

Assentindo, ele passou adiante, em direção a Amandil, que não baixou os olhos, mas o fitou com coragem, sustentando o pesado olhar do soberano:

– Você, como sempre, foi aquela que mais problemas me deu. Soube de seu... Desentendimento com Thorin, nas masmorras. Não o comunicou a ninguém. – as palavras do pai surpreenderam Legolas, que a fitou com um misto de preocupação e acusação, por ela não lhe ter dito nada.

– Achei desnecessário. – declarou a jovem, despreocupadamente - Ele está preso; foi tolice minha aproximar-me da cela.

– De fato, foi. Mas preocupa-me o que a teria feito aproximar-se tanto, a ponto de ele conseguir tocá-la. – ele se aproximou para poder baixar ainda mais o tom de voz, preocupado que sua nora mais uma vez estivesse inclinada a quebrar as regras – o que está tramando, Amandil? Pretende soltar os anões sem meu consentimento?

– Não mereço sua desconfiança, meu senhor. É injusto o que me diz. – havia mágoa real nas palavras da jovem – eu acalmei cada um de meus amigos, assegurando que encontraria uma forma de tirá-los das celas; pretendia aconselhar Thorin, e fazê-lo enxergar que uma aliança com o senhor é o melhor dos caminhos. Não obtive sucesso, é claro. Mas esclareça-me algo: quem veio lhe dizer tais coisas?

– A guardiã das fronteiras, Amálië.

– E acreditou no que ela disse?! – Amandil perdeu todo o formalismo, num rompante de raiva – aquela mulher me odeia, e sempre procurou um pretexto para que o senhor me enviasse embora! Ela viu a chance, e a agarrou com as duas mãos! É tão cego que não percebe isso?!

Thranduil foi pego de surpresa pela indignação e revolta de Amandil. Pensando bem, ele merecia: crer nas palavras de um antigo desafeto da jovem com certeza não fora sábio. Mas exatamente por isso quisera ouvir a versão da menina! Erguendo a mão para silenciá-la, declarou:

– Exatamente por isso quis indagar-lhe a veracidade de tais comentários. Acalme sua fúria, pois não foi acusada de nada, e modere suas palavras. Ainda estamos na sala do trono, e ainda sou o rei.

Respirando fundo para conter sua raiva de Amálië, a moça se recompôs e, em posição de sentido, desculpou-se:

– Perdoe-me, majestade. Não ocorrerá novamente.

– Vindo de você, eu duvido muito, Amandil. É sua natureza, e fico feliz que não a dissimule, como a maioria faz tão habilmente. – o rei quase sorriu ao dizê-lo, mas manteve-se rígido e voltou ao trono.

– Vou desconsiderar o que me foi dito; ouvi queixas acerca da demasiada severidade de Tauriel como capitã, e apenas aconselho moderação quando tratar com os soldados, minha filha. E, claro, mantenha-se longe daqueles anões; eu não quero ter de repetir a ordem. Legolas, sua administração foi exemplar, embora tenha desagradado bastante aos lordes do Conselho que os tenha lembrado de que são apenas isso: conselheiros. Talvez um pouco mais de diplomacia e polidez o ajudem, caso a situação venha a se repetir. E Amandil... – ele apoiou a cabeça na mão, desanimado - Ah, o que faço com você, Amandil? Temos muito a conversar... Sozinhos.

– Legolas e Tauriel podem ouvir tudo o que tenho a dizer, Majestade. – respondeu a moça, depressa.

– E também têm deveres a cumprir. – finalizou o rei, erguendo-se. – Meus filhos, convido-os a virem cear comigo no jardim, esta noite. Por hora, contudo, preciso falar a sós com a filha de Lady Galadriel.

Curvando-se perante seu rei e pai, Legolas e Tauriel deixaram o lugar. Sozinho com sua nora, o soberano a chamou:

– Venha a meu escritório, Amandil. Temos de conversar.

Sem escolhas, a moça seguiu o monarca através dos corredores do castelo; provavelmente estava em uma boa enrascada.

*

– Muito bem, Amandil... Sabe por que a chamei aqui? – perguntou o soberano, oferecendo uma taça de vinho para a moça.

– Com certeza tem a ver com o que eu fazia, antes de meu grupo ser capturado na floresta. Estou certa?

– Exatamente. – o rei se sentou em sua cadeira de trabalho, indicando à moça que se sentasse de frente para si. Quando estavam a sós, o formalismo de Thranduil se reduzia muito – O que pensa estar fazendo, princesa? Desde quando passou a considerar uma boa ideia viajar com um bando de anões imundos, arriscando não apenas sua vida, mas a de outros também, numa empreitada louca como esta?

Suspirando, a moça resolveu não esconder nada do rei: se pretendia conseguir alguma coisa de Thranduil, teria de ser absolutamente sincera, pois que ele perceberia, caso ocultasse algum fato. Explicou sobre sua conversa com Mithrandir, sobre seus receios em relação ao dragão, sobre como entrara na Companhia, e quais os objetivos desta – estes o rei já conhecia. Porém, achou por bem esconder a obsessão de Thorin em relação a sua pessoa, pois era algo que não precisava ser dito. Quando terminou seu relato, encostou-se ao espaldar da cadeira e aguardou pelas palavras do elfo, que meneava a cabeça com preocupação:

– Isto é loucura. Você não pode, sozinha, matar um dragão! – ele apontou para o próprio rosto, já ocultado pelo encantamento – já se esqueceu do que fazem?

– Eu porto Maranwër, meu senhor, que é forte e afiada o bastante para penetrar entre as escamas da fera. Smaug é um dragão jovem, e pequeno... Não seria como lutar contra Ancalagon, ou Glaurung, ou mesmo as Serpentes de Fogo. Além disso, perdeu uma escama sob a asa esquerda, por onde minha espada penetrará facilmente.

– E como vai se aproximar dele?

– Por isso preciso dos anões. Ele estará entretido demais com anões tentando retomar o tesouro, para prestar atenção a uma jovem elfa que, em sua mente, poderá matar posteriormente. Ele não me conhece, nunca sentiu meu cheiro. Ele não sabe de minha magia, nem da arma que porto, que já foi usada para matar dragões. Ou o senhor se esqueceu disso? – ela se referia ao fato de que Maranwër fora portada por Ellemir, mãe de Thranduil, nas batalhas contra os dragões.

– Não me esqueci de nada – o rei se levantou, mais frio do que de costume, e deu a volta na mesa. Amandil se levantou para encará-lo, e mesmo sendo um palmo mais baixa que o rei, não se deixou intimidar – e por isso digo: é loucura. Eu poderia até soltar os anões, se soubesse que você não iria atrás deles. – “e se tivesse certeza de que Tauriel não iria atrás do mais jovem...”. Mas este pensamento ele guardou para si mesmo.

Usando o plano que tramara com Legolas ao longo do último mês, ela foi até a janela e falou, misteriosamente:

– O que é uma pena... Já que, se meu rei soltasse os anões, eu poderia conseguir de volta as gemas de Doriath.

– Do que está falando? – ele pareceu subitamente interessado. A jovem sorriu: touché!

– Bem, uma vez que esteja lá dentro, e que o dragão esteja morto, Thorin e os demais terão um débito para comigo, e sei exatamente como pedir que o salde. Caso se recuse... Os anões estarão muito ocupados, procurando pela Pedra Arken, para notar a falta de uma pequena caixa de joias.

– Por quem me toma, Amandil? Um ganancioso sem escrúpulos, tal como os anões com quem tem andado? Além disso, você não os trairia deste modo. – afirmou Thranduil, conhecendo o gênio de sua nora – Nunca trairia pessoa alguma, esta é a verdade.

– Não seria traição! Assim como todo aquele tesouro é herança dos anões, as joias brancas são herança do nosso.

– Não vou arriscar sua vida por um punhado de gemas, Amandil! – ele se sentia ofendido por ela pensar que a própria vida valia menos, para ele, do que as gemas élficas - Esqueça o assunto. Estes anões não sairão daqui. Vão acabar despertando Smaug, e trazendo a desgraça para nosso mundo.

– Mas Smaug já está despertando! – a moça se sentia, ao mesmo tempo, lisonjeada pelo cuidado de Thranduil, e irritada por ser tratada como uma criança que não compreende os fatos – Tremores, rugidos, clarões vistos dentro da montanha... E agora esse mal, essa sombra que se espalha a partir do sul, meu rei... São duas coincidências grandes demais para ignorar. Estão ligadas, de algum modo.

– E não é seu dever investigar, expondo-se a tal risco. – ele também resolvera ser totalmente franco com ela – acha que não sei da sombra? Do mal? O Inimigo está retornando, Amandil, e se ele se aliar ao dragão...

– Pelos Valar, é exatamente o que quero impedir! – esbravejou a moça, parecendo maior do que já era – Se Smaug se aliar à Sombra, não vai haver magia forte o bastante para deter seu poder destrutivo. – angustiada, ela falou – as Florestas queimarão, meu senhor. Eu vi acontecer. Foi isso o que me mandou nesta missão. – Thranduil a olhou com surpresa – Quer saber por que decidi me expor a tal risco? Chegue perto de mim, e deixe que eu lhe mostre.

O elfo fez como a jovem dissera, e sentiu a mão pequena pousar no lado são de seu rosto; de imediato invadiram-lhe a mente cenas terríveis! A Floresta Verde ardendo em chamas, uma sombra negra voando sobre a cidade, cuspindo labaredas sobre os elfos que, corajosamente, tentavam defender a muralha. A cena mudou, e tudo o que restara de uma floresta – ele não sabia dizer se era Mirkwood ou Lothlorien – eram troncos carbonizados, com corpos espalhados ao milhares pelo chão. Sangue cobria a terra, o sangue de sua raça, e tudo o que se ouvia, ao longe, eram os rugidos do dragão. Seguiram-se cenas de terras humanas e anãs igualmente devastadas, e então... Então um enorme olho vermelho, feito de chamas... O Olho se fixou em Thranduil, a enorme pupila se estreitando, antes que a moça retirasse a mão, ofegante e trêmula ao rever todos aqueles horrores, apoiando-se na mesa para não cair sobre os joelhos. Igualmente trêmulo com o que vira, o rei lhe perguntou:

– Quando teve essa visão?

– Menos de um ano atrás. Foi quando entrei em contato com Gandalf.

– Sua mãe soube de sua visão? – ele a segurou pelos ombros, subitamente mudado – Por Erú, menina, soube?!

– Sim. Mas não sabia, ou pelo menos fingiu não saber, o que eu pretendia fazer.

– E agora? Diga-me que Galadriel sabe do que está havendo!

– Ela sabe. Enviou Mithrandir para o norte, para o antigo reino de Angmar, a fim de descobrir mais. – ela gemeu, hesitando antes de contar o que havia descoberto em sonho – os Nove despertaram novamente, meu senhor. Agora, Mithrandir segue a Dol Guldur, mas ele não conseguirá destruir o Inimigo, sozinho. Minha mãe está reunindo o Conselho Branco, mas isso é tudo o que sei.

O rei estava lívido, conhecedor que era do significado de tais acontecimentos. Já os vira se passar uma vez, e estava vendo a história se repetir! Dando um soco de raiva na mesa de trabalho, ele se voltou para a nora:

– Tem certeza de que consegue matar aquele dragão?

– Absoluta. – respondeu ela, com firme certeza. – Mas o dragão não é nossa única preocupação. As hostes do Inimigo...

– Elas já não lhe dizem respeito. Ocupe-se do dragão. – aquelas palavras encheram de alegria o coração da moça, que perguntou:

– Vai soltar os anões?!

– Mesmo que eu quisesse, não seria possível. A lei é bem clara. – disse o rei em voz alta – eles são invasores, e não posso deixa-los sair sem que me compensem por isso.

A garota ia protestar, mas o rei continuou, virado de costas para ela, :

– Ainda assim... Dentro de quinze dias teremos o Mereth in Gilith, a festa das estrelas. Creio que a guarda deveria ser reforçada, ou os anões poderiam se aproveitar da embriaguez de todos, e conseguir uma fuga milagrosa.

Compreendendo o significado daquelas palavras, ela sorriu e, num rompante de alegria, abraçou seu sogro com força; pego de surpresa, ele retribuiu o abraço, um pouco sem jeito, antes de segurar a moça pelos ombros e fita-la:

– Se existe alguém que pode tirar uma arma importante ao Inimigo, este alguém é você. Vá pegar aquele dragão, garota.

– Mas e a Sombra?

– Meu exército impedirá seu avanço para o norte e para o oeste. Defenderemos a Floresta, que é o único caminho para as terras mais além. Cuide de matar o dragão, e se manter viva. Jure para mim que voltará viva para casa.

Segurando com carinho a mão daquele que também lhe era uma espécie de pai, a jovem prometeu:

– Eu vou voltar viva para casa. É uma promessa. – e ocultando sua euforia, deixou o escritório do rei.

Pouco depois de a moça ter saído, outra pessoa bateu à porta. Já sabendo de quem se tratava, o rei ordenou:

– Entre, Amálië.

A elfa loura entrou e – por mais que Thranduil se esforçasse por se manter sério e frio – percebeu como a “conversa” com a jovem havia dado um novo brilho de força e determinação aos olhos do soberano. Aquilo atiçou ainda mais os ciúmes que sentia, e sua raiva pela mulher de cabelos cor de avelã.

– Meu rei, trago notícias da fronteira...

– Sei muito bem o que acontece nas fronteiras, Amálië; entretanto, parabenizo-a por seu excelente desempenho. Como chefe dos guardiões, ponha seus melhores batedores na fronteira sul; quero-os vigilantes, quero que sigam além da fronteira, e mandem pássaros com informações. – ele desviou os olhos da guerreira – um grande mal está acordando, e não vamos ser pegos desprevenidos outra vez. – e ao ver que a mulher não se movera – não ouviu minhas ordens?

Corando por ser censurada, a guerreira correu em executar as ordens de seu soberano, mas o sorriso com que Amandil deixara o escritório real, e a luz que parecia animar Thranduil após a partida da menina, corroíam-lhe a alma; seria possível que o senhor da Floresta Sombria amasse a tola, insensata e indisciplinada Amandil?! A simples possibilidade a enchia de ódio pela mulher. Pela primeira vez em sua existência, Amálië odiava alguém, com uma força tão sombria que não parecia vir de si mesma. Perdida em seus ciúmes doentios, não percebia a voz maligna que lhe sussurrava pensamentos maldosos ao ouvido.


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Notas finais do capítulo

Certo, espero que agora eu tenha acertado. Obrigada, Lyn Black, por me chamar a atenção ao meu erro!
Beijos, e peço desculpas pela errata, ok?



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