Sui Generis escrita por Human Being


Capítulo 12
Comentário de Churchill: O homem ocasionalmente tropeça na verdade, mas na maioria das vezes ele simplesmente se levanta e continua como se nada tivesse acontecido.


Notas iniciais do capítulo

No capítulo anterior...
Kanon de Gêmeos, também General Marina detentor da escama de Dragão Marinho, está aprisionado em um corpo de mulher após um acidente em uma missão na China, onde caiu (?) em uma lagoa cujas águas possuem propriedades medicinais, ops, mágicas. Após esse infortúnio, ele também está impedido de utilizar sua cosmoenergia. Assim, conta com a ajuda de seus colegas cavaleiros e de sua Deusa Atena, que está empenhada em encontrar uma solução para seu problema, assim como Julian Solo, atual avatar de Poseidon. Mas, neste ínterim, o ex-rapaz teve um encontro com Sorento de Sirene e Thetys de Sereia, apesar de não ser de seu interesse imediato ter sua condição revelada para os antigos colegas de Reino Submarino...



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Casa de Gêmeos...

Kanon estava furibundo da vida, bufando de raiva por causa de seu irmão.

Desde a visita de Sorento e Thetys, Saga não lhe dava trégua.

"Então, Tessália, tá ensinando as meninas direitinho?"

"Vai correr na arena hoje, Tessália?"

"Tessália, teve notícias do Sorentinho?"

Já não aguentava mais Saga tirando sarro de sua cara com seu infortúnio. E detestava, de todo o coração, a sensação que tinha de que seu irmão se divertia como nunca às suas custas.

Até porque, vale salientar, o que acontecia antes era justamente o contrário.

A gota d'água foi ver que Saga, não contente em arrancar-lhe o couro com as gozações privadas, não se conteve e contou para os colegas a respeito de sua mentirinha para escapar de Sorento e Thetys. E, como esperado, as gozações agora eram públicas. E notórias.

Não havia uma alma fiel a Atena nesse Santuário de meu Zeus que não soubesse da história e não risse a valer com ela. Pior ainda, quase ninguém mais o chamava de Kanon. Para um desavisado ao chegar por aquelas paragens, seu nome seria Tessália, a instrutora física de amazonas que não é chegada em homens.

Saga pagaria caro. Ah se pagaria. Isso podia garantir.

Falando na criatura...

— Tessália queridona, por favor, me pega um copo d'água?

Kanon foi até a cozinha, pegou o copo sem nada dizer. Ainda calado, o ex-rapaz foi até o irmão que lia calmamente um livro no sofá - sem esperar que alguém lhe trouxesse a tal água, na realidade.

E surpreendeu o gêmeo derramando todo o conteúdo do copo em cima dele, para dar as costas e ir embora sob os protestos do outro.

— Ficou louco, Kanon?

— Não é Kanon, queridão, é Tessália. Esqueceu, filho da p***?

— Ei, eu só estava brincando...

— Pois vá brincar com quem queira brincar com você, seu m****. - O ex-rapaz disse, enquanto batia a porta da frente com toda a força.

Saiu para andar, tentando controlar a raiva e a irritação dentro de si. Estava se sentindo infinitamente mais irritado do que o costume, e ele até que não era uma pessoa irritadiça. Andou e andou, até uma área isolada, e se pôs a praticar golpes.

Praticou golpes e mais golpes, fazendo katas das artes marciais gravados em sua memória desde que fora encaminhado ao seu treinamento. Estava dando um pouco de trabalho reacostumar seu corpo aos movimentos que antes fazia com muita facilidade, mas pelo menos isso era uma boa forma de manter sua mente ocupada.

Não que precisasse praticar nem nada, mas realmente precisava aliviar o stress. Estava sendo um inferno se ver relegado a treinar amazonas em formação em seu horário de serviço, logo ele que tinha acumulado as funções de suplente de Saga e Dragão Marinho. Ainda se dispunha a treinar com os colegas em roupas folgadas o suficiente para evitar olhares indiscretos e reações imprevistas na arena. Era bem certo que seu corpo feminino era mais flexível e mais rápido do que o seu habitual, mas sua antiga força, bem como poder usar o cosmo, faziam falta. E os camisetões folgados atrapalhavam bem seu desempenho nas lutas, também. Sempre tinha alguém que o agarrava por eles. Mas tirá-los também era problemático, especialmente quando lutava com os cavaleiros de ouro.

Kanon começou a movimentar-se com mais fúria. Sua irritação não estava melhorando, principalmente porque os problemas que passaram antes pela sua cabeça, referentes à sua atual condição, eram só a pontinha do iceberg.

Não estava sendo fácil ficar naquele corpo de mulher, mas tendo cabeça de homem, desejos de homem e urgências de homem. E, bem, ficar vendo amazonas treinando em roupinhas coladas enquanto ele se via em uma abstinência forçada era uma tortura. Isso sem falar que nem ele estava aguentando suas oscilações de humor.

Francamente, mulheres tinham mesmo essa tendência em ficar tão mal-humoradas?

OOO

Saga olhava para o livro que estava lendo, exasperado.

O livro estava molhado, assim como ele próprio.

Tudo bem que tivesse provocado o Kanon, mas ele também não precisava reagir desse jeito. Aliás, tinha uns bons dias que ele estava distribuindo patadas a torto e a direito, e ele era o alvo preferencial.

No começo ele até que achava engraçado, mas agora estava começando a ficar com medo. Muitas vezes até um bom dia com uma entonação que Kanon achasse estranha virava motivo de polêmica. E por mais que soubesse que aquela moça loura e inegavelmente bonita era na verdade o irmão com quem nunca tivera muitos pruridos morais para brigar, xingar e mesmo bater, agora ele se sentia bem desconfortável para revidar as espetadas, patadas e pauladas gratuitas que Kanon lhe dispensava diariamente.

As tais brincadeiras a respeito da 'Tessália' eram até uma válvula de escape: ele tentava abstrair a situação para deixá-la engraçada a si, e assim mais palatável; embora soubesse que Kanon estava tendo problemas de levá-las na esportiva. Mas é que ele se sentia tão acuado com o comportamento irritado e agressivo do irmão que precisava 'revidar' de algum jeito.

Estremeceu e suspirou longamente.

Efetivamente, aos vinte e oito, quase vinte e nove anos de idade, estava vivendo pela primeira vez em sua vida com uma mulher debaixo do mesmo teto. Não que fosse inexperiente com mulheres, esse absolutamente não era o caso; mas... Também não era como se tivesse tido muitas namoradas realmente sérias ao longo da vida, menos ainda alguma que chegasse a se instalar de mala e cuia em sua casa.

Será que um relacionamento sério de verdade também tinha isso?

Pelos deuses, por que se for o caso, Aiolia devia ser louco.

Falando em Aiolia...

— Ué, choveu aqui dentro?

— Não. - Saga soltou um bufido. - Foi o Kanon. Ele me virou um copo de água na cabeça.

— Sério? - O leão dourado soltou um risinho seco. - Ele ainda está irritado com a história da 'Tessália'?

— Ele está irritado com tudo. - Outro suspiro, seguido por um reticente silêncio. - Aiolia... Posso te perguntar uma coisa pessoal?

— Depende do quão pessoal a pergunta é...

— É que... - Saga estava hesitante, procurando um jeito de perguntar o que ia perguntar. - Olha, não é que o Kanon fosse antes a pessoa mais fácil de se lidar no mundo, vocês sabem. Mas... Nesses últimos tempos...

Aiolia levantou uma sobrancelha, enquanto o outro continuava.

— ...Não que ele não fosse chato antes, mas agora ele está um poço de irritação. Sério, está insuportável. Tipo, se eu dou bom dia, ele já vem me perguntando por quê. Se eu não dou bom dia, eu sou mal-educado. Na verdade, se eu abro a boca já vem pedrada. E nos últimos dias vem piorando.

Aiolia levantou as duas sobrancelhas, para depois fazer uma expressão de absoluto assombro. Não estava entendendo antes por que Saga, que nem era grande amigo seu nem nada, estava lhe dizendo isso; mas agora estava começando a entender.

— Pelos deuses, Saga... - Aiolia agora parecia culpado. - Você sabe o que isso pode querer dizer, né?

— Não tenho ideia. E... Como você tem namorada séria a um bom tempo e tudo...

— Saga... - Aiolia também tateava um jeito de verbalizar o que tinha em mente. - Olha... Você já teve namoradas, certo?

— Claro que já. Tá pensando o quê?

— Não, não é por mal, mas é que... bem... Sabe como é, o tempo como Grande Mestre, as guerras...

— Tá. Isso atrapalhou um pouco, sim. Mas é evidente que eu já tive namoradas.

— Certo... E quanto tempo durou teu namoro mais comprido?

Saga estacou com a pergunta. Saga já tivera namoradas sim, além de vários casos e ficadas ocasionais, além das meninas do Harém (É, não dava para falar que ele não gostava daquilo...), mas nunca nenhuma jamais cruzou a barreira de mais de umas poucas noites dentro do espaço privativo de seu templo, que era efetivamente sua casa. Sua morada era um recinto sagrado, e tinha um rigor ainda maior com peças de uso pessoal 'esquecidas' por lá (que eram imediatamente descartadas). Isso, ao que parecia, ele e Kanon tinham em comum. Mas ao que parecia seu conceito de namoro era muito diferente do de Aiolia, que já de cara começara a namorar uma amazona que vivia no mesmo lugar que ele, que regularmente ficava na casa dele e que lá já deixava até roupas e escovas de dente.

Isso, na cabeça de Saga, era praticamente um casamento.

E casamento, em sua cabeça, ainda era uma loucura que ele estava longe de cometer.

O olhar interrogante de Aiolia o trouxe de volta à pergunta.

— Aham... Bem... Depende. Quando você acaba e volta com a mesma pessoa, funciona como tempo corrido ou zera o cronômetro?

— Ah... Pode contar como tempo corrido. - Aiolia não ia dizer também que seu namoro com Marin era um mar de rosas. Idas e voltas faziam parte, mas já fazia um bom tempo que ele e sua amazona estavam firmes como uma rocha.

— Bem, aí... Acho que um ano, um ano e meio...

— Tá. Então você não é totalmente ignorante que tem uma época dos mês que as meninas ficam mais... assim... irritadiças, né?

— Como assim irritadi... Oh. - Saga arregalou os olhos, assombradíssimo.

— É, pois é...

— Oh, pelos deuses... - Saga não podia conter seu assombro. - E agora?

— Como você lidava com isso antes?

— Ah... Bem... Eu passava uns tempos sem ver a moça, né? Não morava com elas nem nada...

Aiolia deu um tapa na testa.

— Quer uma sugestão?

— Quero.

— Compra chocolate. Bastante.

— Funciona?

— Aham. - Aiolia assentiu. - Ah, mas também não pode deixar comer muito, que senão engorda e aí fica pior em vez de melhorar. No meu caso eu dou um bombom e uns beijinhos, mas no seu não se aplica... Vai ter que ser só um chocolatinho mesmo. E sebo nas canelas, depois.

— Ah, tá... - Saga meneou a cabeça, enquanto Aiolia deixava seu templo. - ...Obrigado.

— De nada. Ah...

— Oi?

— Era bom comprar também uns... Uns... Bom, 'cê sabe que depois dessa fase vem aquela outra, né?

Saga arregalou os olhos, desconsolado.

OOO

Saga voltou da vila de Rodório, onde tinha ido fazer compras no final da tarde. Ajeitou as compras na cozinha, para que no dia seguinte a criada as guardasse.

Deu um riso seco ao lembrar da reação de sua velha criada Berta(1) ao dar de cara com Kanon em sua forma feminina. Até porque Kanon aparentemente tinha se esquecido de sua atual condição e simplesmente falou com a criada como costumeiramente falava desde que se instalou dentro do templo de Gêmeos. Era bem certo que Berta até gostava de Kanon apesar de seu temperamento difícil, mas foi bastante constrangedor para a criada ver uma mulher em roupas íntimas andando pela casa e lhe dando ordens como se fosse... bem... sua patroa.

Naquele dia, teve uma pequena crise para resolver quando chegou em casa e deu de cara com uma criada furiosa que queria saber onde diabos tinha ele arranjado aquela sirigaita folgada para enfiar dentro de sua casa, e que não lavaria uma calcinha sequer da moçoila mesmo que seu emprego dependesse disso. E, como há de se esperar, demandou um certo trabalho convencê-la de que a tal loira era Kanon, seu irmão preso em um corpo de mulher.

Até que a velha Berta ficou feliz de ver que aquela 'loira belzebu' era Kanon, e não uma moça que tinha finalmente fisgado seu patrão, que apesar de (até agora) solteiro convicto com certeza merecia coisa muito melhor.

Ao tirar as compras das sacolas, separou o saco de bombons e um kit de produtos de higiene íntima feminina, franzindo a testa ao lembrar do constrangimento que foi pegar os ditos produtos na gôndola do mercadinho. Pior ainda foi aguentar o olhar curioso da mocinha do caixa ao passar os produtos para cobrança.

— Pelos deuses, se eu morrer de novo eu vou pro Elíseos, juro. Não aceito outro lugar.

Colocou alguns bombons dentro de uma vasilha em cima da mesa, e deixou os produtos de toucador femininos dentro do armarinho do banheiro.

Suspirou de novo, dessa vez pensando na situação insólita que seu irmão estava vivendo. Não pôde deixar de se sentir um pouquinho culpado por ter feito tantas brincadeiras a respeito da situação toda com Sorento e Thetys. Afinal, aquilo era uma situação seríssima, a ponto de fazê-lo comprar chocolates e produtos de higiene feminina para uma pessoa que, há até um mês atrás, era um homem. E que por dentro continuava tão homem quanto era antes.

Sentou na sala e ligou a televisão para se entreter um pouco.

OOO

Depois de certo tempo vendo televisão (já tinha passado a sessão da tarde, a série enlatada e já terminava o noticiário), Saga olhou para o relógio na parede. Eram quase nove da noite, e nada de Kanon.

Deu um suspiro de irritação. Onde ele tinha se metido a uma hora dessa?

— Irresponsável... - Saga resmungou enquanto se remexia no sofá. Não devia se preocupar, afinal mesmo no seu atual estado Kanon passava muito longe de ser uma mocinha indefesa.

Melhor mesmo era continuar vendo sua televisão e abstrair a mente, já já ele aparecia de volta.

— Saga de Gêmeos, posso entrar? - A voz de Shaka ecoou na entrada dos fundos de sua casa, fazendo Saga soltar um discreto bufido.

— Entre, Shaka. - Mal acabou de falar e o indiano passou para dentro de sua casa, em seu habitual traje puído, porte espigado que a magreza acentuava e os olhos fechados. O indiano acenou a cabeça educadamente e sentou-se na outra ponta do sofá.

— E então, como estão as coisas?

— Vai tudo bem, obrigado por perguntar.

— Aham. - Shaka assentiu, ainda sem abrir os olhos. - E você, por que não foi na reunião na Taberna?

— Reunião na Taberna? - Saga piscou.

— É, hoje não é sexta-feira?

Saga se deu um tapa mental.

Realmente, sabia que hoje era dia da pequena reunião entre os cavaleiros de ouro e agregados na Taberna, um pequeno bar bem próximo à entrada do Santuário, que acontecia quinzenalmente às sextas. Reunião essa, aliás, que era uma mera desculpa para sentar no pequeno bar e beber quantidades consideráveis de álcool. O bar não era nada requintado, nem muito bem frequentado também; mas tinham um bom vinho caseiro, uma boa cerveja e destilados honestos a preços amigos.

E eles, cavaleiros que eram, não tinham o que temer em relação aos pontos contras do bar. Afinal, se o bar era mal frequentado, isso não era um problema para um cavaleiro de ouro.

Enfim, tinha sido avisado como sempre, mas quase nunca ia. Não era bem seu ideal de programa sentar em uma mesa de bar e jogar conversa fora, até porque não era assim tão tolerante ao álcool quanto os verdadeiros habituées do evento: Aldebaran, Shura, Máscara da Morte, Afrodite e... Kanon.

— É verdade, hoje tem Taberna. Mas eu quase nunca vou, mesmo.

— Correto. - Shaka mantinha os olhos fechados. - Mas o Kanon quase sempre vai.

— Capaz dele estar lá, mesmo.

— Sei. – O indiano levantou um sobrolho. - E você não se preocupa?

— Eu? - Saga franziu o rosto em surpresa. - Não. Por que eu me preocuparia? O Kanon não ficaria bêbado nem que se afogasse num alambique de uísque.

— Isso pode ser, Saga. Mas...

— Mas..?

Mulheres tem bem menos resistência ao álcool, não?

Saga arregalou os olhos.

Percebeu imediatamente onde o virginiano queria chegar.

Era bem verdade que seu irmão, com o seu passado na ilha, tinha adquirido (afora o treinamento) uma grande resistência a bebidas alcoólicas, e derrubava muitos marmanjos que se sentavam para beber com ele.

Mas agora ele não era mais um homem, ele era uma mulher.

Uma mulher com a cabeça de um homem que estava acostumado a sentar e beber sem reservas, e sem medo; mas ainda assim agora uma mulher. E uma mulher muito bonita, e desejável.

Uma mulher que nesse exato momento devia estar sentada em uma taverna escura, cercada de marmanjos alcoolizados de caráter frouxo e reputação duvidosa, e que mesmo com todo seu treinamento em lutas podiam muito bem, de repente, representar perigo à integridade física de uma bela moça etilizada.

Vale salientar, inclusive, que um desses marmanjos alcoolizados era Máscara da Morte. E isso, para uma bela mulher etilizada, era bastante preocupante.

Levantou-se como um raio e saiu dali em direção à Taberna, deixando Shaka para trás.

OOO

Taberna, em Rodório.

Garção, traz mais uma garrafa pra cá! - A voz grossa de Aldebaran ecoou no bar rústico.

— Gente, sou eu ou esse vinho tá mais gostoso hoje do que nas outras sextas? - Shura perguntou, já de olhos vermelhos.

— Shura, tudo que é do álcool você acha gostoso. - O brasileiro retorquiu.

— Mas tá, não tá? - O outro treplicou.

— Esse vinho tá uma delícia. De-lí-cia. - Afrodite virou mais um copo, já tendo dificuldades de abrir os olhos enquanto enchia outro. - Um brinde ao vinho!

— Um brinde! Um brinde! - Entoaram os presentes, enquanto viravam mais uma dose.

— Gente, só vem a gente mesmo pra cá, né? - Shura observou. - Porque os outros... Pfff... Uns frouxos, eles tudo.

— Mas o Mu tá desculpado, coitado, não pode beber. Vai fazer o quê aqui, o pobre? - Aldebaran observou. - Aliás, falando nisso... Ô Kanon, cadê a Pequena Sereia?

— Uh? - O ex-rapaz levantou os olhos, tonto como há muito, muito tempo não se lembrava de ficar. - Que pequena sereia?

— A Thetys. Ô, sucesso tua Comandante Marina, viu?

— Eu não acredito que vocês acham aquela coisinha um sucesso. - Retorquiu a agora moça, com a voz engrolada. - Gente, não tem nada demais naquela coisinha chata. Chata, chata, chata, chata.

— Mas é uma boa moça, Kanon. Não dá pra negar. - Shura disse dando uma risada safada, que foi imitada pelos outros homens da mesa. - Moça muito boa.

— Tem muito mais de onde essa veio... - Respondeu o ex-rapaz. - Gente, a coisinha era uma franguinha perto das outras sereias. As outras sim, muito mais “boas”. Muuuito mais. Tudo gatinha de praia, malhadinha, de biquininho pequenininho. Mas também nem me admira, vocês aqui nesse Santuário tão mal de opção, viu. Tem meia dúzia de amazona que dá pro gasto, umas criadinhas mais ajeitadinhas, mas de resto... Pfff...

— Concordo! - Afrodite deu um tapa na mesa. - Não me admira que a Grécia tenha sido o berço da pederastia. Aqui também é o berço da mulherada de bigode!

— Afrodite, você é que é muito frocio na hora de pegar mulher. - Máscara da Morte - Credo, nunca tá bom pra você, a menina sempre tem que ter algum defeito.

— Ah, mas bigode também é demais. - Afrodite replicou. - Essas meninas aqui de Rodório então tem mais barba do que eu. Gente, ninguém ensinou pra elas o que é uma cera depilatória? Porque mulher de bigode não tem condição!

— Urgh, elas passam cera na cara pra tirar bigode? - Kanon fez uma careta de dor.

— Tá certo! Tá certo! - Shura se exaltou um pouco. - Tem que tirar o bigode. Com cera, com gilete, com o raio que o parta, mas tem que tirar o bigodão. Ó, eu não sou fresco pra pegar mulher não, mas bigode É broxante!

Ma che, mas vocês também broxam por qualquer coisa, cazzo... - Máscara da Morte resmungou. - Só tem broxa nesse Santuário. Aí povo vem querer falar que a gente é tudo viado.

— Aff, não vão começar agora com isso! - Afrodite já ia se irritando. - Agora, porque eu sou bonito, sou malhado, sou cheiroso e arrumado eu tenho que sair pegando qualquer sarrabulho que aparece aqui atrás de mim? É ruim, hein! Aí por isso vem nego falar que eu sou viado! Tem p**** nenhuma de viado aqui não!

— Olha aí o Afrodite de Peixes todo maaaacho! - Aldebaran ria e ria, mas levantou a taça para desfazer o clima entre o italiano e o sueco. - Um brinde ao Afrodite!

— Um brinde! Um brinde! - Os outros viraram mais um copo de vinho, entoando o coro enquanto o aludido pisciano bufava de revolta.

— Ow, Rudy(2)... - Máscara da Morte se achegou no colega pisciano, chamando-o pelo apelido de seu verdadeiro nome. - Fica bravo comigo não. 'Cê pode ser florzinha mas 'cê é meu amigo.

— Continua com isso que você vai ver onde que eu te enfio uma rosa piranha. - Afrodite rosnou, enquanto os outros caíam na risada. - Aliás, vamos parar de ficar com essa de chamar os outros de viado, de florzinha, de fresco? Só pra dar confusão na mesa.

— Falar em frescura, cadê os outros traidores que nunca vem pra cá? - Shura gesticulava na mesa. - Tudo um bando de fresco.

— Olha que eu sou 'o fresco' do Santuário e tô aqui! - Afrodite concordou. - O resto que se diz tão maaaacho, cadê? Tudo com medinho de beber demais e dar vexame.

— Mas o Mu não pode, coitado. - Aldebaran voltou a defender o colega ausente. - É sacanagem isso de ir pr'um bar pra ver os outros beberem.

— É, mas e o resto? - Shura continuava o assunto. - Tudo um bando de fresquinho. O Aiolia, o leão da barriga branca(3) num vem de jeito nenhum.

— Marin não deixa, tadinho. - Kanon ria, com as bochechas vermelhas, enquanto os outros entoavam o coro de 'Marin, Marin'.

— O Camus tá enterrado no sarcófago gelado que ele chama de casa, ouvindo alguma ópera muito elegante e enchendo a cara de vodca. - Afrodite completou, enquanto os outros seguiam rindo.

— Nem pra dividir a vodca com a gente, fica lá sozinho enchendo o rabo de vodca de primeira, o francês. Não se mistura com a gentalha aqui. - Máscara da Morte ria e ria.

— O Shaka... - Shura continuava. - Pfff, nem vou falar do Shaka. Ainda estou puto com essa história da gente não poder fazer churrasco. Isso sem falar no meu cachorro. Se aquele lá não tivesse encanado com a ideia de criar uma vaca no jardim eu podia ter meu cachorro em paz e fora da ilegalidade.

— 'Cê tem cachorro? - Kanon meneou a cabeça, tombando-a mais do que o necessário e forçando os olhos a ficarem abertos. - Não sabia. Bacana ter cachorro...

— Um brinde ao meu cachorro. - Shura levantou o copo, exortando os colegas. - O coitadinho do Chapolim que só responde por saco de pulgas de tanto que ouve chamarem ele assim... Mas é muito mais companheiro que muito babaca nesse Santuário...

— Um brinde, um brinde... - Os outros entoaram o coro.

— O Milo também é outro que fala, fala e nuuuunca vem... - Kanon observou, olhando para o copo com um olhar abobalhado. - Na hora H, tem sempre treino, acordar cedo, o diabo a sete.

— Pfff... - Aldebaran sufocou uma risada. - O Milo é caxias demais pra vir pra cá e sentar com a geral, mesmo em uma sexta-feira à noite. Vai que alguém pega ele bêbado e isso mancha a imagem de militar perfeito do Santuário?

— O Milo só não é mais caxias do que o Saga. - Máscara da Morte continuou. - O Saga quando dá de ser caxias é o mais chato de todos. Pela mãe do guarda...

— O Saga? - Kanon imediatamente sentiu a irritação crescer dentro de si. - Ah, o Saga... Você não sabe da missa um terço. E eu, que aguentei aquele porre a vida toda, minha gente? Tá pra nascer uma pessoa mais chata do que o Saga. Nem a coisinha é mais chata do que o Saga.

Kanon e os outros, em seu timing perfeito, não perceberam a chegada do aludido no local; que por sua vez logo percebeu que o ex-rapaz estava sim na mesa, aparentemente bêbado, e que agora era ele o assunto da vez.

Saga trincou os dentes, travando a mandíbula.

— ...É um cínico, aquele Saga. Porque eu até aturo aqueles que são certinhos mesmo, de verdade. Mas o Saga é um cínico. Ele vive criticando os outros, vive dando lição de moral em todo mundo, mas na calada da noite ele vai lá se esbaldar com as meninas do Harém que eu sei. E como vai, viu! Torra uma grana na putaria e depois vai falar dos outros.

— Sério? - Máscara da Morte deu uma gargalhada. - Mas olha, cada coisa que a gente descobre... Eu que achava que ele era mole.

— Né não. - Kanon seguiu, com a voz visivelmente engrolada. - Né não. Isso não dá pra falar dele não. Quando não é alguma menina do Harém, ele arruma uns casinhos, umas namoradinhas. Nada muito sério: uma mocinha de Rodório ali, uma criadinha acolá...

— E como que a gente não fica sabendo disso? - Máscara da Morte interpelou a agora moça.

— Ah, acha que ele não aprendeu nada comigo? Ele pode ser um tonto, mas pelo menos soube aprender a comer quieto. O segredo do sucesso é comer quieto, meus colegas.

— Cara, eu não imagino o Saga fazendo isso, juro. - Aldebaran, também já com as pálpebras pesadas, parecia pensativo. Pelo menos, o mais perto de pensativo que uma criatura alcoolizada pode chegar.

— Pfff... 'Cês acham que o Saga é santinho. Coitadinhos. Santinho é o Mu, é o Shaka. O Saga é santinho do pau oco. Por exemplo, deve ter curtido bastante morrer com a cabeça no meio do decote da Saori. Logo ele, que adora uns peitinhos...

O comentário desmanchou a mesa em gargalhadas. Saga, ouvindo tudo e se mantendo incógnito, quase quebrou os dentes de tanto que fez força ao travar a mandíbula.

— Hahahaa... - Aldebaran limpava uma lágrima furtiva dos olhos com o dorso da mão. - Pô, pedofilia isso, viu...

— Nada! Ela bem que dá um caldinho... Tem uns peitinhos bacanas, mesmo...

— Máscara, pra você qualquer ser humano que faça xixi sentado e que cai na água e faz 'tchibum' está valendo. - Afrodite parecia ter controlado as gargalhadas.

— Olha que muita gente faz xixi sentado, hein... - Shura ainda lutava contra o riso.

— Espanhol, 'cê acha que eu já não desenvolvi toda uma técnica pra evitar levar gato por gata? - Máscara ralhou. - Até parece que 'cê tá me confundindo com um principiante.

— Pfff... - Kanon, alheio à conversa e com muita bebida na cabeça, continuava sua explanação. - Pelos deuses, gente. A Saori? Só o Saga mesmo, que é doente da cabeça. Muuuita cara de fresquinha; Sabe menina com cara de quem tem nojinho de boqu***?

Nova crise de gargalhadas na mesa. E Saga trincando os dentes, de novo.

Mas como que aquele irresponsável falava assim da Deusa?

E ele continuava.

— Até porque agora ela e o meu outro chefe andam se entendendo bem. Muito bem, por sinal... Melhor assim, que eu já tava achando que ela nunca ia desencanar do... Meteoro de Pégasuuu! - Kanon terminou a frase imitando Seiya e seu grito de guerra, em voz esganiçada.

Mais gargalhadas na mesa.

— Ah gente... - Afrodite levantou o copo. - Vamos deixar a Saori pra lá, vai. Um brinde à nossa deusa, que é muito boazinha de aturar a gente!

— Um brinde! Um brinde! - Os outros fizeram coro, virando os respectivos copos.

— Mas então o Saga tem uma quedinha pela deusa? - Shura perguntou, ainda rindo.

— Hum... - Kanon, bêbado como estava, continuou. - Não, isso não. Quedinha mesmo ele tem sabe por quem?

— Quem? Quem? - A mesa perguntava em uníssono.

— Hehehehe... - O ex-rapaz sorria malevolamente, enquanto Saga arregalava os olhos. - ...'Cês lembram da filha do dono daquela quitanda lá de Rodório, aquele que depois inventou de virar político, inclusive se candidatou a prefeito? Pois é... Ela é a paixão da adolescência do Saga. Gente, ele lambia o chão que ela pisava. E ela nem tchum pra ele, coitado... Porque ela, que nem o pai, é uma carreirista de primeira. E o Saga, por muito cavaleiro de ouro que seja, ainda tem o problema de ser um cavaleiro. Ou seja, um duro fod*** que mal tem onde cair morto. A não ser, claro, que deixe a armadura de ouro no penhor.

A mesa irrompeu de novo em gargalhadas, dessa vez com Kanon junto.

Saga levantou-se de onde estava, pisando duro em direção à mesa e disposto a arrancar a agora moça de lá pelos cabelos.

— E aquela lá é que nem galinha, um bicho interesseiro. Só que em vez de ser por comida é por dinheiro! E o Saga, coitado, um que fica chorando mixaria pra ir se consolar com as meninas do Harém... Ele não é o modelo ideal de homem pra uma filha de político, sabe? E aí o Saga se desiludiu... - Kanon ria e ria, arquejando entre as risadas para buscar ar, mas foi interrompido pelo agarre do irmão em seus cabelos para puxá-lo da mesa, à força. - Aaaai! Sa-Saga?

Não, Saga não estava bravo.

Bravo ele estava quando tinha chegado ali e visto o irmão bêbado numa mesa com Máscara da Morte e os outros, rodeado por tipos suspeitos no que ele consideraria o supra-sumo da imprudência para um ex-rapaz que dispunha das formas femininas muito atraentes que ele tinha agora.

Mas depois de ter ouvido tudo que ouviu, Saga não estava mais bravo.

Ele estava simplesmente puto.

— Levanta, desgraçado! Vambora pra casa, agora! - Rosnou o cavaleiro de Gêmeos, enquanto praticamente arrastava o irmão para longe da mesa pelos cabelos.

Os outros presentes na mesa espantaram-se com a agressividade do guardião da terceira casa, que já lhes dava as costas.

— Ei, Saga, peraí! - Shura levantou-se, um tanto sem graça apesar do álcool em seu organismo, e foi em direção ao outro; no que foi seguido pelos outros. - Espera um pouco!

Saga volteou-se em direção aos outros três, furibundo.

— 'Cês querem o dinheiro da parte dele? Tá aqui, ó. - Enfiou a mão no bolso apressadamente e tirou uma nota graúda do bolso, jogando-a na mesa enquanto com a outra mão mantinha o agarre nos cabelos de Kanon. - E podem ficar com a droga do troco que eu não sou assim tão duro quanto ele está dizendo, não!

— Solta o Kanon, Saga! Também não é pra tanto! - Máscara da Morte disse, em tom irritado. - Não precisa fazer isso, ei!

— Não te mete, italiano abusado! O assunto agora é entre eu e ela! - Saga praticamente gritou, enfatizando o pronome feminino enquanto arrastava a agora moça para fora apesar dos protestos da parte dela.

— Gente, vamos lá separar esses dois. - Shura parecia preocupado. - Porque o Kanon tá bem alterado, e o Saga tá puto. Não vai dar certo isso...

— Isso até é, mas se a gente se meter vai sair pior a emenda do que o soneto... - Afrodite ponderou. - A gente paga a conta e sai daqui, também.

Os três sentaram de novo na mesa e chamaram o garçom para pedir a conta.

OOO

Conseguirão os cavaleiros de Touro, Câncer, Capricórnio e Peixes organizar mais um encontro na Taberna, dessa vez com a presença de mais companheiros de armas? Conseguirá Saga se adaptar a nova realidade do seu antes irmão, agora irmã no que parece ser uma crise de TPM? E como reagirá Saga ao ver exposto seu segredinho de paixão adolescente?

Tudo isso e muito mais nos próximos capítulos!

Stay tuned...


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Notas finais do capítulo

1- Berta é uma referência direta à Berta (interpretada por Conchetta Farrel), empregada de Charlie Harper em Two and a Half Men.
2 - O nome do Afrodite nessa fic é Rudolph Svensson. Minha invenção, tá?
3 - Barriga Branca: Expressão popular comum em algumas regiões deste Brasil Varonil que denotam um homem submisso a sua mulher (que é quem manda de verdade numa relação).



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