Second Chance escrita por Snow Black


Capítulo 3
Capítulo 2




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Caminhamos um pouco mais, em silêncio, e finalmente paramos em frente à porta de uma das salas da ala infantil , ao acaso ou propositalmente, não me dei ao trabalho de perguntar. Ao abrirmos a porta vi a figura de uma senhora de familiares olhos bondosos segurando uma xícara de café. Os mesmos olhos da senhora ao meu lado. Não era necessário muito esforço para concluir que estávamos na casa dela.

Ela estava sentada no sofá, em uma sala grande, com janelas vitorianas e uma elegante lareira. Nas duas pontas da lareira, portas de vidro davam passagem aos jardins laterais. Espalhados pela sala, objetos indispensáveis para a casa de uma avó: inúmeros porta- retratos. Percebi fotos de crianças. Fiz menção de aproximar-me para olhá-los de perto, quando escutei a voz de um senhor, vinda de outro cômodo da casa.

– Minha velha, você pode vir aqui? - disse a voz. A senhora prontamente se levantou e foi em direção à cozinha. Nós, atrás.

Entramos numa cozinha bela e grande, como o restante da casa. De costas, sentado e mexendo desajeitadamente em algumas vasilhas , estava um senhor.

–Olá , querido! - disse, carinhosamente a senhora, abraçando-o de lado. - Posso saber porque você está na cozinha ?

– Panquecas! - falou, ainda concentrado em sua tarefa.

– Ok. Não vou nem perguntar porque esse interesse súbito em fazer panquecas. - Gargalhou - Que eu me lembre, você não gosta de panquecas.

– Mas você gosta. - respondeu o marido, sorrindo - você comentou que queria panquecas, estava fazendo pra você. - Ele deu de ombros, e a olhou de forma doce. - Te chamei porque espero que não se importe se eu jogar essa daqui fora - continuou, apontando uma massa esquisita - e pedir uma pizza.

Os dois riram, e naquele momento me dei conta de que não importa quantos diplomas eu tenha ou quantos contratos eu feche, ninguém nunca tentaria aprender fazer panquecas pra mim. Talvez essa fosse a lição que a senhorinha quisesse me dar. A proximidade da morte me parece ser o contexto perfeito para refletir sobre a própria vida, seja nas grandes ou pequenas questões que marcam e definem a trajetória de uma pessoa. Talvez essa seja uma das vantagens de ter consciência da proximidade da sua morte, você permite que pensamentos como esse adentrem a sua mente, simplesmente por não ter mais nada a perder.

– Suponho que você tenha algumas perguntas a fazer. – ela perguntou - bem, esse é o momento.

– Pode apostar. - respondi rapidamente, ainda imersa em meus pensamentos. E realmente tinha, estava completamente perdida. O fato de aquela doce senhora ser uma das versões do meu futuro fazia cada vez menos sentido.

Novamente no hospital, estávamos em uma sala branca, insossa e inóspita.

– A senhora poderia começar me explicando quem realmente é. - pedi

– Como disse, sou o futuro que você poderia ter tido.

– Como assim poderia? porque eu não o terei?

– Porque nesse momento querida, você está trilhando outro caminho. Não existe força cósmica ou destino, somos mera consequência de nossas escolhas. Cada um de nós tem diversos caminhos a seguir, cada vez que tomamos uma decisão escolhemos seguir por um caminho. As escolhas que você fez fizeram-na chegar aonde você está agora, Amy... e o fim dele é a sua morte.

–Ok. - respondi, abalada. Já ouvira bastante a palavra morte por hoje, mas ainda sentia o mesmo calafrio percorrer cada canto do meu corpo, os pensamentos se embaralhavam em minha mente. - Mas "minha mãe" falou algo sobre isso depender de mim... então, existe alguma probabilidade de eu impedir a minha morte? - perguntei, tentando ser racional.

– Existe, sim. Você deve encontrar o exato momento em que seu caminho se afastou de mim.

– Ótimo. Não me parece muito difícil. Alguma dica? - perguntei otimista.

–Você precisa saber que os nossos caminhos se descruzaram quando você deixou de amar.

– Não dá pra saber quando eu deixei de amar, porque eu nunca amei de verdade - respondi, sarcástica.

– Na verdade, você amou sim.

Naquela noite, quase não dormi. Como poderia? Você deve estar se perguntando se tenho as mesmas necessidades fisiológicas que uma pessoa viva. Sim, eu tenho. As mesmas emoções também, mas sinto como se cada sentimento fosse muito mais intenso agora. Eu sabia que havia perdido minha essência. Sabia que estava tão preocupada em me preencher e mostrar aos outros do que eu era capaz que esqueci de mostrar a mim mesma, esqueci de amar. E descobrir isso agora, me faz recuperar algumas lembranças empoeiradas. A senhora me explicou que em algum momento deixei que o amor saísse da minha vida, e para recuperá-la precisaria admitir à mim mesma aonde eu errei. Li tantos livros durante a vida e deixei passar a lição de um sábio e pequeno príncipe extraterrestre: "o essencial é invisível aos olhos". Eu finalmente entendia o significado.

–Psiu...

Senti que alguém puxava meus cabelos e me cutucava irritantemente. Eu não precisei abrir os olhos pra saber quem me acordava. Abri os olhos lentamente, sentia a luz do sol entrar pela janela e esfreguei os olhos. Nunca imaginei que fosse dizer isso, mas estava feliz em vê-lo.

– Oi, Harper! - respondi, arrastando a voz e esfregando os olhos.

– Bom dia, Carter!

Alex Harper era um clichê ambulante. No Ensino Médio era o garoto mais popular do colégio; capitão do time, rico e bonito. No último ano foi o príncipe do baile e meu namorado. Nós não éramos exatamente apaixonados um pelo outro, mas pode-se dizer que éramos uma boa dupla.

– Fiquei sabendo que você está encrencada!

– E achou que fosse a melhor opção pra me tirar dessa "encrenca"? disse , fazendo aspas com as mãos - Ah, Harper, você deveria assumir que estava com saudades!

– Você me imaginou, Carter, eu não estou aqui de verdade... Aparentemente, eu estava nos seus sonhos! - ele falou, dando uma piscadela.

– Claro, claro... - respondi, rolando os olhos.

– Então, você está atrás do homem da sua vida? gostaria de te avisar que, para sua infelicidade, não sou eu. Então tente não se apaixonar por mim.

– Não prometo nada. Mas tente dizer isso a si mesmo - respondi, rindo alto.

Caminhamos para fora do hospital, e seguimos pela rua Praed até a estação de metrô de Paddington. Lembro-me de vir aqui algumas vezes, uma em especial... e alguma coisa me dizia que era esse o momento que estava prestes a reviver. Senti um frio na barriga. Avistamos uma garota, cabelos ruivos e longos apareciam por baixo da touca, as bochechas avermelhadas de frio eram um destaque na pele branquinha.

– Pega a pipoca, Carter.

FLASHBACK ON

2006

Era o último dia antes de ir para o campus e Amy queria sair de casa sozinha, para espairecer. O que era bem difícil, já que o pai controlava cada passo da garota. Ela e o pai haviam brigado no dia anterior, por um motivo idiota, como sempre. A primeira briga após uma longa trégua desde que fora aceita na universidade. Eles eram muito parecidos e quase sempre se davam bem, mas se ele não concordava com uma decisão da garota, queria decidir por ela, coisa que Amy não aceitava.

Era setembro, estava frio e ameaçava chover. Já havia estado em Londres outras vezes, mas há poucos meses se mudara e nem tivera tempo de conhecer os lugares de sua lista, que incluía o Museu de Sherlock Holmes e o Madame Tussads, um museu de estátuas de cera de famosos que já visitara em Nova York e Pequim. Sentada num banco, perto da estação, notou que alguém a olhava. Era um garoto alto, que aparentava ter alguns anos a mais que ela. Cabelos castanhos levemente bagunçados pelo vento e extremamente lindo. Usava uma camisa social com os dois primeiros botões abertos e as mangas puxadas até os cotovelos, deixando a mostra o início de uma tatuagem. Segurava uma câmera e a olhava de lado. Esse certamente seria o momento em que ele sorriria para ela, ela sorriria de volta, engatariam uma conversa cheia de brincadeiras e trocariam segredos, perceberiam muitas coisas em comum e dali em diante se tornariam inseparáveis. Se sua vida fosse escrita por algum roteirista Hollywoodiano, ou pelo Nicholas Sparks. E como sempre, ela havia passado tempo demais imersa em seus devaneios e provavelmente, durante todo esse tempo, encarava o garoto a sua frente. Deveria parar de encarar? tarde demais, ele já percebera. Sorriu para ela, que sorriu de volta, mais pela ironia do momento que como resposta ao possível flerte, e resolveu sair dali.

Se sentiu uma criança ao entrar no Museu Sherlock Holmes, examinava cada pedacinho do lugar, atentamente. Estava tudo lá: o violino, o cachimbo, a poltrona, a lareira, os livros, os tubos de ensaio e todo o universo residencial de um personagem que fez da lógica sua maior arma. Obviamente, passara na lojinha do museu, a fim de agregar itens à sua coleção. Gostava de tudo que dizia respeito a filmes, livros e séries.

– Oi!

Amy se virou e sentiu seu rosto corar ao reconhecer o rosto do menino que a olhava na estação, na saída do museu.

– Oi... - ajeitou a touca, para ganhar tempo - estava me seguindo? - perguntou, sorrindo.

– Digamos que sim - o garoto respondeu, olhando diretamente em seus olhos e dando uma leve bagunçada em seus cabelos castanhos.

– E você costuma fazer isso com frequência?

– Seguir você? Yep! na verdade fui contratado pra sequestrá-la, espero que não se importe.

Amy ergueu a sobrancelha, fingindo espanto.

– Eu sou fotógrafo... vim tirar fotos do museu.

– Ah sim, nesse caso, muito prazer, Amy Carter.

– William Foster. À propósito, o prazer é todo meu. - disse com uma voz sedutora que normalmente a faria corar. Entretanto, havia algo na forma como ele falava que deixava-a confiante. Então, se inclinou e deu um beijo no rosto da garota. O sotaque já o havia entregado, mas depois dessa não restavam dúvidas de que era americano. Britânicos não cumprimentam pessoas que acabaram de conhecer com um beijo.

– Essa é a sua melhor cantada? - ela perguntou, soltando um riso anasalado.

– Então... você vem sempre aqui? - perguntou, levantando as sobrancelhas repetidamente.

– Vamos, isso é o melhor que você pode fazer? - perguntou, sarcástica.

– Na verdade, não. - ele sussurrou de forma maliciosa, sorrindo de lado.

O garoto era espontâneo, charmoso e inegavelmente sexy. Era uma boa matemática.

– Mas respondendo a sua pergunta... não.

– Não o que?

– Não venho sempre aqui. – sorriu, divertida - nem no museu, nem na cidade.

– Ah, sim. Você não é londrina?

– Não. Sou de Canterburry – falou, analisando a expressão do menino, que franziu o cenho como se tentasse se lembrar de algo.

– Hum... – falou, inexpressivo, e ela riu

– Você não sabe onde é.

– Não – admitiu

– Tudo bem, americano... – falou, arrastando as palavras e fazendo o garoto sorrir , acompanhou-o e logo estava gargalhando feito uma hiena.

– Você gosta daqui? – disse ele, parando de rir.

– Tem como não gostar? – deu de ombros. – E você?

– Muito. – sorriu – estou só de passagem, mas aqui me sinto em casa.

– De passagem? Pra onde? - a garota perguntou, curiosa

– Não sei. – ele sorriu e deu de ombros – Não sou louco, entenda, eu viajo pelo mundo, e sempre volto aqui, em Londres.– Ela não o achava louco, estava maravilhada, viajar pelo mundo era tudo que sempre quisera. No entanto, não tinha forças suficientes para lutar contra a vontade do pai para que ela seguisse sua profissão.

– Mas por quê Londres?

Ele sorriu, antes de dizer:

– Esta cidade, na verdade, faz a gente se acomodar. Procuro por algo, algo que falta dentro de mim... sei que um dia encontrarei.

– Como sabe? – questionou quase que imediatamente.

– Fé. – deu de ombros, convencido de que aquela era a única resposta a menina precisava ouvir.

– William? - Um senhor apareceu e chamando-o para começar as fotos do museu, que iriam para um pequeno jornal inglês.

–A gente se vê, Amy Carter.

Amy sentiu uma pontinha de decepção por ele não ter pedido seu telefone, nem nada do tipo. Londres era uma cidade bem grande e dificilmente o encontraria de novo, ao menos era o que ela pensava.


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