Amor é Um Jogo de Azar escrita por Christine


Capítulo 9
A Tapeçaria Incompleta




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Ron não entrava na Floreios e Borrões desde o tempo que estudava em Hogwarts. Tentou olhar pelas prateleiras por trás das vitrines, mas não conseguiu entrever nenhum vestígio de cabelo loiro. Teria que entrar para saber se ele estava lá e... falar com ele. Engoliu em seco. A idéia o deixava ainda mais nervoso quando estava tão perto. Desde o momento que saíra do hospital, um ano antes, nunca mais falara com Draco. O que sabia sobre sua vida agora era de outras fontes.

No dia seguinte ao nascimento dos gêmeos, o Profeta Diário publicara uma matéria escandalosa sobre Draco, Harry e os gêmeos, no melhor estilo Rita Skeeter. Ron suspeitava que o estagiário, o tal de Fletcher, é quem deixar vazar aos repórteres que o amante secreto mais público do Menino-Que-Sobreviveu tivera gêmeos, e que Harry inclusive aparecera por lá. Foi tudo o que eles precisaram para escrever uma matéria nojenta e tendenciosa, embora Ron reconhecesse que podia ter sido muito pior, se Fletcher tivesse lembrado da sua participação na história. Menos de dois meses depois, o jornal estava quase indo à falência para pagar a indenização que Draco exigira deles por difamação. Ron achou justo.

Depois, as notícias vieram dispersas. Ainda em setembro, Ginny lhe contara que Draco se mudara para Grimmauld Place, no mesmo dia que Harry aparecera para levar as coisas dele do seu apartamento. Em outubro, ele vira as crianças quando Harry as trouxera à Toca. Em novembro, ele leu no jornal que Draco recuperara parte da sua herança e, pouco antes do Natal, soube que ele se mudara para Malfoy Manor, notícia que lhe causou um alívio que ele jamais assumiria para ninguém. Em janeiro, foi surpreendentemente convidado por Harry para ser o padrinho de Stephen, o menino mais velho. No batizado, conversou civilizadamente com Hermione enquanto entrevia Draco no meio das pessoas, mas não falou com ele. Em março, soube por um Harry horrorizado que os cabelos de Stephen haviam caído, e estavam renascendo loiros. Em abril, os cabelos de Sebastian também caíram, mas, para o alívio de Harry, renasceram ainda mais negros, o que indicava que eles não eram idênticos, afinal. No final de maio, ele soube que o pestinha Sebastian, começando a andar, escapando dos olhos dos elfos e dos de Draco, tropeçara na escadaria de Malfoy Manor e despencara pelos degraus abaixo, escapando intacto ao começar a flutuar no meio da queda, atingindo três metros de distância do chão. Em junho, ele soube que Harry e Draco haviam discutido e rompido relações por causa disso, com Harry o acusando de ser irresponsável pelos filhos e ameaçando acabar com o acordo de guarda compartilhada. Antes de julho, eles já haviam feito as pazes, e Harry lhe disse que, apesar do susto, ele estava feliz por Sebastian ter manifestado sua magia.

Então, no meio de julho, ele recebera o bilhete marcando o encontro. Draco não perguntou se ele gostaria de ir. Muito menos se o horário estava bom para ele. Agiu como se tivesse certeza que Ron correria para ele sem parar para pensar duas vezes.

Isso, aliás, foi exatamente o que ele fez.

Ron entrou na livraria, andando enquanto examinava o ambiente ao redor. Quatro estantes depois, seu coração quase parou quando entreviu cabelos loiro-prateados por cima da estante. Só precisou de mais três passos até o ver o dono deles parado na seção de Feitiços, folheando um livro. Ron parou no início daquele pequeno corredor entre as estantes, com os batimentos cardíacos acelerados, pensando quando Draco perceberia que ele estava ali.

Demorou três segundos até que ele levantasse os olhos do livro e o encarar. Deu um sorrisinho enviesado e sussurrou algo que pareceu muito com "está atrasado", mas era difícil ter certeza naquela distância. Então, Ron foi até ele, reduzindo a distância de dois metros para finalmente quase nada, quando seus corpos ficaram tão juntos que podia sentir a respiração dele na sua bochecha.

Lentamente, como se temesse que ele fugisse, ele ergueu a mão e a deslizou pelo braço dele, os dedos roçando nas vestes até encostar na pele descoberta das mãos, e daí para a lombada do livro que ele segurava, que Ron pegou e, antes que Draco pudesse reagir, afastou-se para poder ler o título. A expressão quase atônita dele mudou em um segundo para uma irritação bem-humorada.

"Idiota." – resmungou ele enquanto Ron começava a rir.

"Executando Feitiços de Limpeza, Draco?"

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"Ele sabe que você está aqui?" – perguntou Ron enquanto os dois saíam da livraria para um Beco Diagonal quase deserto.

"Ainda com problemas de consciência com isso?"

"Responde!"

Draco suspirou fundo de uma forma que poderia ser considerada altamente ofensiva.

"Não" – respondeu ele, andando um pouco a frente de Ron – "Harry não sabe."

"É Harry de novo?"

Ele não precisava ver o rosto de Draco para saber que ele dera um daqueles sorrisos detestáveis.

"Ciúmes?"

"Deveria?" – perguntou Ron de volta, enquanto apressava o passo para ficar do lado dele.

"Não" – respondeu ele – "Ele é só o outro pai dos gêmeos."

Ron quis dançar a ginga escocesa no meio do Beco Diagonal para comemorar, mas se segurou.

"E Granger?"

"Que tem Hermione?"

"Devo me preocupar?"

Nem de longe, pensou Ron. Assim como Harry, sua relação com Hermione estava estremecida, ainda que ela tivesse sido mais compreensiva do que o amigo. Ele não tinha certeza se a amizade voltaria a ser a mesma algum dia, mas, com certeza, qualquer esperança romântica com ela estava acabada. Até porque não era por ela que ele se interessava.

"Não." – disse ele, fazendo uma breve pausa antes de continuar – "Mas não entendo porque você não contou a Harry."

"Porque" – começou Draco, com algo vingativo no tom de voz – "se ele tem o direito de namorar aquele irlandês, eu também posso transar com você."

"Mas você nem conhece direito o Simas, enquanto eu sou..."

"O melhor amigo de Harry" – completou Draco, enfadonho, parando de andar no meio da rua – "Ron?"

"O quê?" – perguntou ele, parando de andar também.

"Se você falar de novo no Harry, eu vou embora."

Ron ficou parado, espantado, enquanto ele se aproximava e passava os braços ao redor do seu pescoço.

"Entendeu?" – perguntou ele, encarando-o.

Ron podia ver seu rosto atordoado refletido nas íris cinzas.

"Entendi" – respondeu, incapaz de decidir onde colocar as mãos.

No outro lado da rua, alguém que lembrava muito um repórter do Profeta Diário parou subitamente ao ver os dois juntos. Depois de apertar os olhos para aparentemente confirmar o que viu, ele começou a procurar algo apressadamente na mochila, os olhos quase saltando para fora das órbitas.

"Draco?" – chamou ele.

"Sim?"

"Eu acho que tem um repórter ali" – disse ele, segurando os braços de Draco para afastá-lo, ao mesmo tempo em que a lente de uma câmera apareceu para fora da mochila.

"E..."

"Ele está tirando uma câmera da mochila. Droga, ele..."

Draco o beijou. O cérebro dele pareceu derreter enquanto suas mãos deslizavam pelas costas magras, esquecendo que estava no meio do Beco Diagonal e não ouvindo os flashes de uma câmera mais longe. Draco encostou seus lábios aos dele por um longo tempo depois que o beijo terminou, e só então se virou para encarar o repórter, que deixou cair a câmera e, depois de recuperá-la, saiu correndo pelo Beco Diagonal.

"Não se preocupe" – tranqüilizou-o, enquanto voltava à posição original, encarando o rosto ainda corado de Ron – "Harry não vai saber de nada pelo Profeta Diário."

"Como você sabe?" – perguntou ele, nervoso, enquanto imagens de manchetes escandalosas em cima de fotos deles passavam por sua cabeça.

Draco piscou para ele.

"Indenização" – disse simplesmente.

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O plano era simples: chegar no apartamento, transar e fazer a proposta. Ou fazer a proposta e transar, a ordem não importava. O que era importante no plano dele era ter saído do apartamento às três, no máximo quatro horas da tarde, porque ele tinha negócios a tratar – muitos, já que ele era um herdeiro com dois filhos pequenos. Mas Ron tinha que atrapalhar tudo.

A parte inicial do plano deu certo, já que ele mal chegara e eles já estavam embolados na cama. O problema foi depois. Emendar duas consecutivas era algo normal, mas depois, sabendo que estava começando a se atrasar, Draco resolveu tomar banho antes de ir embora e, bem, não era culpa dele se Ron quis tomar banho também. Depois dessa terceira vez, Draco não só estava atrasado como já cansado, mas dizer isso para seus hormônios era algo totalmente distinto. Sem contar que era muito mais fácil tirar uma toalha enrolada na cintura do que um conjunto completo de vestes.

O resultado era que ele agora estava estirado na cama, exausto, pensando em o que os aurores faziam para terem tanta resistência física, e tão atrasado que ele sequer se preocupava mais em saber que horas eram.

Ouviu alguém pigarreando do seu lado.

"Eu preciso dizer uma coisa."

Draco se ajeitou na cama para olhar Ron, e se preparou para uma má notícia. Quando ele falava eu preciso dizer uma coisa depois que eles transavam, era algo ruim, já que Ron sempre dizia as piores notícias depois que se certificava que Draco estava contente e distraído demais para não ficar muito irritado. Mas não devia ser algo tão ruim assim, pensou Draco, puxando o travesseiro mais próximo para apoiar a cabeça.

"Sim?"

Ron respirou fundo, olhando para ele com nervosa expectativa.

"Eu contei para Harry."

Draco parou no meio do ato de puxar o travesseiro e deixou cair a mão sobre o colchão.

"Você fez o quê?"

"Contei para Harry sobre nós. Draco, eu..."

"Seu imbecil! Eu disse que... "

"Draco, me escuta! Nós estamos saindo há anos, e eu não queria que Harry descobrisse isso quando... eu sei lá quando, mas já era hora de contar, e ele..."

"Eu disse" – interrompeu Draco, praticamente bufando de raiva – "que eu contaria no momento certo."

"E quando diabos seria isso?"

"Depois de amanhã."

Ron deu uma risadinha incrédula que Draco considerou ofensiva. Quis dar um soco no idiota e ir embora, mas respirou fundo e se segurou.

"Por que depois de amanhã?"

"Porque amanhã de noite eu planejava apresentar você aos meus filhos."

"Mas os seus filhos me conhecem" – disse Ron, confuso.

Draco suspirou, impaciente, e desviou o olhar temporariamente para o teto.

"Não como o namorado do pai deles."

Draco voltou o olhar para ele e deu um sorrisinho ao vê-lo temporariamente mudo de espanto.

"Você está falando sério?" – perguntou ele após alguns minutos.

"Não, imagina, hoje é primeiro de abril."

"Draco!"

"Claro que eu estou falando sério. Mas estou pensando em esquecer essa proposta."

"Esquecer?"

"Sim, porque você arruinou tudo contando para Harry, idiota."

Ron sorriu como se tivesse sido elogiado.

"Falando nele, o que ele disse quando você contou?"

"Ah."

"Como?"

"Ele disse "ah". Não pareceu ligar. Eu fiquei um pouco preocupado na hora, mas..."

"Mas?"

"Ele não deve gostar mais de você, não é? Ele está namorando Simas. Você é só o outro pai dos gêmeos."

Aquilo decepcionou Draco mais do que ele jamais confessaria. Na sua cabeça, quando ele contasse, Harry daria um escândalo e romperia relações com eles, mas aparentemente agora ele pouco ligava para sua vida amorosa.

"Você está bem?" – perguntou Ron, inclinando-se para ele e tirando uns fios de cabelo da sua testa.

"Estou" – retrucou Draco, emburrado – "E tira as mãos de mim."

Ron o ignorou e o puxou para perto, abraçando-o e enterrando o rosto na curva de seu pescoço. Draco fechou os olhos, sem forças para reclamar. Pela primeira vez, esperou que ele não estivesse pensando em fazer nada. Assumir que estava cansado demais para transar seria humilhante.

"Que horas depois de amanhã?" – perguntou ele de repente, com a voz abafada contra sua pele.

"Oito" – respondeu ele, e hesitou um pouco antes de acrescentar – "Você teve sorte."

"Por que?"

"Porque eu gosto de você, e perdôo suas burrices."

Ron riu e beijou seu pescoço.

"Vindo de você, Draco, isso é uma declaração de amor."

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Alguém devia ter escrito um livro: Como conversar com o filho pequeno do seu namorado em 10 passos. Seria de grande ajuda para ele, principalmente naquele momento. Uma coisa era ser o padrinho de Stephen, função meramente nominal, já que Harry dificilmente pedia sua ajuda. Outra distinta era ser o padrasto de Stephen. Ou algo parecido com padrasto.

Se ele e o irmão haviam sido idênticos quando bebês, tal semelhança passara há muito. Enquanto Sebastian era praticamente uma cópia de Harry quando criança, Stephen herdara tantos genes Malfoy quanto possível. Observando seus cabelos dourados e seus traços finos, era possível perceber até mesmo certa semelhança com a falecida Narcisa. Mas, na opinião de Ron, a diferença que realmente assustava era nos olhos de ambos. Enquanto Stephen tinha grandes olhos verdes, que o faziam parecer uma criança tímida e inocente, os olhos de Sebastian eram pequenos, angulares e o tom de verde tinha algo de malicioso que sempre inquietara Ron. Ele poderia apostar que, quando crescesse, o garoto seria sonserino.

Outra diferença gritante era no comportamento. Sebastian era um peste, teimoso como ele jamais vira uma criança ser, enquanto Stephen era tranqüilo, calmo até demais. Tamanha diferença entre dois irmãos gêmeos seria engraçada, se não fosse assustadora.

Foi tirado dos seus pensamentos por uma risadinha de Stephen, sentado ao seu lado num dos sofás da sala de visitas. Estavam sozinhos desde que Draco subira, provavelmente para trazer um Sebastian teimoso que se recusava a descer. Stephen estava lendo um livro fino de capa azul, as perninhas balançando no ar enquanto ele se divertia. Ron sorriu sem perceber.

"Você não é muito pequeno para ler coisas assim?"

Stephen virou-se para ele, o rostinho recuperando parte da seriedade.

"Não" – respondeu ele, balançando o livro no ar – "Ele é feito para crianças."

"Sobre o que é?"

"Rowena Ravenclaw" – respondeu Stephen, pomposo, caprichando na pronúncia dos erres – "Meu pai comprou todos os fundadores para mim."

"Já leu todos?"

"Não, só Slytherin. Meu pai quis que eu lesse antes."

Era algo típico de Draco, pensou ele, tentar empurrar o filho para a Sonserina mesmo antes que ele pudesse entender o que significava aquilo. Pensou se Harry sabia daquilo.

"Você gostou?"

Stephen hesitou.

"Não dele." – disse em voz baixa, como se tivesse medo que alguém ouvisse, enquanto acariciava a lombada no livro – "Ravenclaw é mais legal. Ela transfigurou em porco um homem que queria casar com ela à força."

"É por isso que você estava rindo?" – perguntou Ron, enquanto tinha uma breve visão de Stephen na Seleção de Hogwarts, sendo mandando para a Corvinal antes que o Chapéu sequer encostasse na sua cabeça.

Stephen assentiu com um sorriso tímido, ao mesmo tempo em que Draco retornava à sala e trazia Sebastian pela mão. Como Ron temia, o garoto havia sido trazido contra sua vontade, já que estava de cara fechada com um ar de indisfarçável aborrecimento.

"Diga olá para o Sr. Weasley" – disse Draco, acariciando os cabelos escuros do menino.

Sebastian olhou para o pai, depois virou a cabeça para Ron. Seus pequenos olhos verdes se estreitaram ainda mais.

"Olá" – disse ele, com voz um pouco fanhosa.

Ron sentiu um leve arrepio e desejou que sua intuição que teria problemas com o garoto estivesse errada.

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Durante o jantar, Ron fez três descobertas. Um, que crianças pequenas não eram tão burras quanto ele pensava. Quando Draco dissera que queria que ele conhecesse seus filhos, Ron entendera mais como um símbolo de amadurecimento do que algo útil, mas, durante a noite, ele percebeu que era muito importante se aproximar das crianças, se quisesse que sua relação com Draco avançasse. Não tanto em relação à Stephen, que, apesar de tímido, mostrara-se simpático a ele, mas em relação ao arisco Sebastian, que não gostava dele e fizera questão de demonstrar isso.

Dois, que Stephen, por mais retraído que fosse, era muito inteligente, se comunicando tão bem quanto crianças com o dobro de sua idade. Confirmando a impressão que passava, era de fato calmo e comportado, apesar de um pouco desastrado.

Três, que Sebastian tinha tendências decididamente maldosas, principalmente com o irmão. Não era tão inteligente ou articulado quanto Stephen, mas seu sorriso enviesado quando venceu o irmão numa pequena discussão sobre o saleiro foi algo um bocado assustador de se ver. Era estranho pensar que o filho que mais herdara os traços de Harry fora também o que herdara de Draco uma veia um tanto... maligna. A palavra era pesada, mas se aplicava perfeitamente. A intuição que ele teria problemas com o garoto pelo visto estava certa.

Expirou pesadamente antes de se esticar no sofá, e pensou que talvez não devesse ter bebido tanto vinho. Seus olhos passearam pela tapeçaria da árvore genealógica dos Malfoy na parede, percorrendo-a distraidamente até chegar ao ponto mais baixo, onde o nome de Draco brilhava em dourado, destacando-se naquela árvore negra e morta. Mas o que chamou a atenção de Ron foi que ele era o último ali, sem nenhuma linha ligando-o a Stephen e Sebastian. Como se as crianças não existissem.

"Bêbado?"

Olhou para cima a tempo de ver Draco dando a volta no sofá, antes de sentar num dos cantos que Ron não ocupara.

"Não tanto. Eu ainda lembro do que aconteceu na última vez, obrigado."

O riso de Draco se propagou pela sala silenciosa, enquanto seus olhos cinzas se estreitavam, examinando-o.

"Os gêmeos dormiram?"

"Depois de algumas ameaças."

Ele empurrou as pernas de Ron para se endireitar no sofá. Não sem certo esforço, Ron sentou-se do lado dele, ficando bem de frente para a árvore incompleta.

"Draco, por que os seus filhos não estão ali?"

Ele endireitou a cabeça e olhou de relance para a tapeçaria antes de encarar Ron.

"Porque eu não coloquei."

Ron franziu a testa.

"Mas..."

"A árvore tem feitiços que previnem casamentos com famílias mestiças ou trouxas. Se" – ele levantou a mão, fazendo uma linha invisível com o dedo indicador enquanto falava – "eu tivesse colocado uma ligação com um Potter, tudo seria queimado antes que eu tivesse terminado o nome dos meus filhos."

Ron ficou em silêncio, imaginando tal cena.

"Então" – concluiu ele – "você vai ser o último."

Draco olhou para ele por alguns instantes, os olhos se estreitando ainda mais, antes de assentir.

"Exatamente" – confirmou - "Agora" – continuou, como se o fim da linha da sua família fosse algo de pouca importância para ele – "visto que você está bêbado..."

"Não estou!"

"... eu poderia convidar você para dormir aqui."

As sobrancelhas de Ron se ergueram, enquanto sua mente já formava expectativas.

"No quarto principal?"

"Sim" – confirmou Draco com um sorriso enviesado.

"Então porque o "poderia"?"

"Existe uma condição."

Ron se aproximou, a mente já fervilhando.

"Que é...?"

"A promessa solene de não me atacar com objetivos sexuais explícitos durante a noite."

Em ocasiões normais, Ron teria ficado frustrado, mas depois de tantos anos de convivência com Draco, ele descobrira que sempre havia uma forma de torcer a situação a seu favor.

"São as crianças?"

"Não" – disse Draco, o rosto impassível como se não sentisse as mãos de Ron brincando com o tecido da camisa – "Elas dormem no andar de baixo, têm educação para bater em portas antes de entrar e o quarto tem um feitiço silenciador."

"Então o que é?"

O sorrisinho enviesado dele se tornou um pouco mais aberto, mas Ron não saberia dizer se fora por causa das mãos dele debaixo da camisa ou por simplesmente achar graça da situação.

"Anteontem à tarde eu já fiz sexo o suficiente para uma semana toda."

"Então você não agüenta" – provocou ele, com os lábios bem próximos do seu pescoço.

Draco se desvencilhou e olhou para ele com uma expressão de irritação bem-humorada.

"Existem certas coisas que você não experimentou o suficiente na cama para conhecer as conseqüências, Ron."

Ron o puxou e beijou seu pescoço, esperando que o leve arfar de Draco fosse o suficiente para acabar com aquela discussão.

"Mas eu disse objetivos sexuais explícitos."

Ron interrompeu a exploração da base do pescoço e olhou para ele.

"E qual é a diferença?"

Draco respirou fundo, como se esperasse que paciência caísse dos céus, e se limitou a erguer as sobrancelhas para ele. E Ron viu a luz.

"E se eu desrespeitar a condição?" – perguntou ele, puxando Draco para o seu colo.

"Creio que nem você seria estúpido a esse ponto. Minha proposta é generosa."

"Mas e se eu desrespeitasse? Você é mais fraco do que eu, não poderia fazer nada."

Depois que falou, a lembrança de Draco socando Harry voltou à sua mente. Ele não era tão fraco assim. O mesmo pensamento pareceu ter ocorrido à Draco, da forma como ele sorriu desafiador.

"Gostaria de ver você tentar. Mas se fizer isso..."

"O quê?"

"Eu mato você."

Ron teve dúvidas se ele estava ou não falando sério.

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"Pai, o Sr. Weasley vai vir jantar aqui de novo?"

Draco acariciou a asa da xícara de café distraidamente enquanto olhava para Stephen, sentado na sua cadeirinha do seu lado direito, com os dedos todos lambuzados do chocolate do bolo. Do lado oposto da mesa, Sebastian, ainda com os olhos inchados de sono, levantou a cabeça da torrada para olhar o pai.

"Sim, vai" – respondeu ele, pensando no adormecido Ron dois andares acima.

Sebastian fez uma careta.

"Eu não gosto dele" – declarou, com cara feia.

"Ele é legal!"

Sebastian abriu a boca para responder algo para o irmão, mas pareceu mudar de idéia. Virou-se para o pai.

"Por que o papai não pode jantar aqui? Vocês ficam separados. Todos os pais ficam juntos."

"Quem te contou isso?"

Sebastian engoliu em seco.

"Mary Longbottom."

Draco fez uma anotação mental para nunca mais deixar Harry aproximar os filhos daquela corja.

"Ela está errada. Existem muitos tipos diferentes de pais, Sebastian."

"Que tipos diferentes?" – perguntou Stephen, limpando os dedos no guardanapo.

"Vocês são pequenos demais para entender. Agora, terminem o café da manhã."

Stephen obedeceu, largando o guardanapo e voltando sua atenção para o pedaço de bolo que restava, mas Sebastian continuou olhando para Draco enquanto ele bebericava seu café.

"Eu não quero que o Sr. Weasley seja meu novo papai" – declarou ele solenemente.

Draco quase se engasgou com o café.

"De onde você tirou essa idéia?"

Sebastian ficou vermelho e abaixou os olhos.

"Ontem eu ouvi vocês subindo as escadas. Ele dormiu aqui. Papai nunca fez isso."

Draco olhou para ele por alguns segundos, espantado. Sebastian nunca mostrara esse lado observador. Pousou a xícara na mesa e pigarreou enquanto pensava no que falar, ciente que a chance que não aparecera na noite anterior se manifestara.

"O Sr. Weasley não é o novo pai de vocês. Ele é um amigo especial meu."

Fez uma pausa. Os gêmeos estavam com os olhos fixos nele.

"Amigo especial" – repetiu Stephen, como se decorasse o novo termo.

"Exatamente. O que significa que ele pode dormir aqui, mas não é o pai de vocês."

Os olhos arregalados de ambas as crianças deixava claro que era cedo demais para explicar o que era um padrasto.

"Como o Simas?" – perguntou Stephen.

"Simas?"

"É. Ele não é amigo especial do papai? Ele vive dormindo com ele."

"Sim" – confirmou Draco, controlando ao máximo seus músculos faciais para não deixar transparecer seu desgosto com a lembrança da existência do irlandês – "Como ele."

Stephen assentiu e voltou a comer, dando a questão como encerrada. Draco virou-se para Sebastian, que ainda mantinha uma expressão intrigada. Pensou em como poderia explicar novamente, mas, antes que abrisse a boca, o barulho de alguém chegando desajeitadamente pela lareira se irradiou pela sala de visitas até chegar à sala de jantar. Sebastian imediatamente desceu da cadeirinha e contornou a mesa para chegar à porta que dava para a sala de visitas. Àquela hora da manhã, só podia ser uma pessoa.

"Papai!" – exclamou ele, se jogando em cima de Harry mal ele havia aberto a porta.

Harry já estava tão acostumado com o ataque que sequer se assustou, pegando o filho no colo e fazendo seus carinhos habituais. Cumprimentou Draco com a cabeça enquanto Stephen tentava descer da cadeirinha.

"Papai" – chamou Sebastian, assim que Stephen chegou até eles – "um amigo especial do pai dormiu aqui."

Estava mesmo demorando para Sebastian soltar seu veneno, pensou Draco, enquanto Harry olhava para ele. Começava a pensar que a educação tradicional da sua família trazia mais desvantagens do que vantagens.

"Amigo especial?" – perguntou ele, ainda olhando para Draco.

"É" – confirmou Sebastian, se agarrando ao pescoço dele como se isso fosse impedir Stephen de subir também – "O Sr. Weasley."

As pupilas de Harry cresceram sensivelmente ao mesmo tempo em que Draco ouviu os barulhos metálicos no corredor. Segundos depois, a porta abriu.

"Que armadura era...?

Ron calou-se ao ver Harry na sala. Draco se sentiu subconscientemente aliviado ao ver que ele estava totalmente vestido.

"Sr. Weasley!" – cumprimentou Stephen, esticando-se para vê-lo por cima da mesa.

Atordoado, Ron fez um aceno com a cabeça. Sebastian limitou-se a olhar feio para ele.

"Garotos, suas coisas já estão prontas?"

Os dois confirmaram com a cabeça.

"Então" – disse Harry, enquanto colocava Sebastian no chão – "vocês podem subir para se arrumar. Os elfos ajudam vocês."

Sebastian não precisou de segunda ordem. Saiu correndo, gritando algo no corredor que fez vários "pops" ressoarem. Stephen olhou de um lado a outro da sala antes de largar a mão de Harry e ir até a porta do corredor, fechando-a quando saiu.

"Dormir aqui?"

"Não finja que está horrorizado" – cortou Draco, pegando a xícara de café – "Já peguei você e Finnigan na cama mais vezes do que gostaria."

Harry ergueu as sobrancelhas, mas seu rosto estava impassível. Aquilo deixou Draco um pouco aborrecido.

"Pensei que você daria um escândalo." – comentou ele, depois de bebericar o café.

Harry ergueu ainda mais as sobrancelhas e deu um sorriso particularmente frio.

"Eu já sabia."

Draco lançou um breve olhar fulminante a Ron, que recuou uns centímetros em direção à parede.

"Você não está irritado?" – perguntou Ron, a voz um tom mais aguda.

"Não" – disse Harry, se encaminhando para a porta pela qual os gêmeos haviam saído – "A vida amorosa dele não é da minha conta."

"Mas..."

"Não, Ron." – parou ao colocou a mão na maçaneta e virou-se para ele, sorrindo de uma forma que poderia ser considerada travessa – "Eu tive anos para me acostumar com a idéia. Bom dia para vocês."

E saiu, deixando os possíveis significados da penúltima sentença para trás.

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Quando ele pensava naquilo, via como tudo era quase engraçado. Cinco anos antes, Draco era o namoradinho nojento do seu melhor amigo, e Ron tinha náuseas só do pensamento de que podia ter mais do que uma conversa formal com ele. Agora, ele não só tinha muito mais do que conversas formais com ele, mas estava praticamente morando junto, com direito a uma parte do armário para ele no quarto principal de Malfoy Manor.

Às vezes ele se sentia culpado por Harry e Hermione, mas tal sentimento foi se tornando cada vez mais raro com o passar dos anos, até aparecer somente nas ocasiões em que ele, Harry e Draco, às vezes Hermione também, estavam juntos no mesmo cômodo, quando os ressentimentos mostravam-se ainda vivos por baixo do verniz da civilidade. Ele tinha grande parte de culpa nisso e lamentava muito. Se ele nunca tivesse se deixado levar pela bebida e pelos hormônios, os dois estariam juntos com os gêmeos, e ele estaria com Hermione, e tudo seria muito menos complicado.

Por outro lado, se tudo aquilo não tivesse acontecido, ele duvidava que seria tão feliz. Claro que Draco era mais difícil de se lidar do que Hermione, mas em certas ocasiões, com prazer culposo, ele agradecia aos céus por tudo aquilo ter acontecido e possibilitado que os dois ficassem juntos. Em certas ocasiões, aquela certa frieza que agora permeava as relações com seus dois melhores amigos quase parecia um preço justo para estar ali.

Havia problemas, claro. Sempre haveria. A reticência de Draco em abrir o relacionamento deles para os outros era, surpreendentemente, o menor deles. Depois do primeiro jantar com os gêmeos, tudo avançou tão rápido que era quase irreal, atingindo seu auge no Natal, quando Draco anunciou que não só passaria a data na Toca, como passaria como seu namorado, deixando Ron atordoado e algo preocupado, mas, tirando um pequeno duelo com o George e respostas atravessadas a Ginny, Draco se comportou tão bem que, no final do almoço, sua mãe parecia estar finalmente simpatizando com ele. Até então, ela nunca acreditara que tudo na matéria do Profeta Diário fosse mentira.

Já Sebastian era um problema maior. Enquanto Stephen estava bastante satisfeito com a presença constante de Ron em Malfoy Manor, ele ainda ficava bastante aborrecido com a presença de seu "novo papai", segundo suas próprias palavras. Visto que Ron não ia embora, ele estava começando a se conformar e até a respeitá-lo, mas continuava a passar informações para Harry quando achava que ninguém estava escutando. Embora soubesse que tudo era fruto da afeição do menino, às vezes Ron só conseguia controlar sua irritação a custo. Só podia esperar que aquilo melhorasse com o tempo.

"Você parece que entrou em transe." – comentou uma voz arrastada vinda de baixo.

Ron desviou o olhar das chamas da lareira para olhar para Draco, que estava deitado no sofá, usando suas pernas como travesseiro para dormir.

"Não sou eu que estou dormindo no meio da tarde." – respondeu.

Draco levantou as sobrancelhas, dando um de seus sorrisinhos irônicos.

"Você é o único anormal nessa casa. Aposto que até os elfos estão tirando um cochilo."

Ron olhou em volta. Não havia sinal de Sebastian, mas Stephen estava esparramado em outro sofá da sala de visitas, dormindo com um livro caído sobre seu peito. Ron não podia culpá-lo – o tempo frio de janeiro combinado com uma lareira era um convite tentador para dormir. Ou para entrar em transe.

Draco levantou a cabeça para olhar em volta, fixando seu olhar no adormecido Stephen por alguns segundos antes de voltar a posição original.

"Preciso dizer algo" – anunciou, um tom de voz mais baixo do que o habitual.

Ron desviou o olhar da neve que caíra lá fora.

"Eu já sei."

Pela primeira vez em muito tempo, Ron teve o prazer de ver uma expressão de surpresa dominar o rosto de Draco por alguns segundos, antes que ele tivesse tempo para controlá-la e transformá-la em algo sarcástico.

"Não me diga."

Ron assentiu, sentindo que começava a sorrir.

"Eu não me tornei auror sendo um idiota, Draco."

"Um completo idiota, você quer dizer."

"Foram muitos sinais" – continuou Ron, ignorando o último comentário – "Seus enjôos matinais. Uma súbita preferência por torradas. Você também engordou um pouco, não que eu esteja reclamando, antes você era..."

"Pode parar, detetive."

Ron sentiu o sorriso aumentar.

"E você também fica verde quando mencionam café."

"Eu não fico!" – exclamou Draco, ao mesmo tempo em que fazia uma careta – "Há quanto tempo você sabe?"

"Algumas semanas."

"Gostaria de saber porque não disse nada."

Ron levantou a mão esquerda e acariciou distraidamente os cabelos dele.

"Queria saber o que você faria."

"Essa" – começou Draco, pegando a mão de Ron e retirando-a dos seus cabelos, para logo depois se sentar do lado dele – "é uma boa pergunta, detetive."

"Você não sabe?"

"Existem várias possibilidades."

Ron ficou em silêncio, pensativo. Do outro lado da sala de visitas, na tapeçaria que continha a árvore genealógica dos Malfoy, o nome de Draco pareceu brilhar mais do que o habitual à luz das chamas da lareira.

"O antigo Draco já teria se livrado do problema." – comentou ele.

"Era uma das possibilidades que pensei."

"Existem outras?"

"Muitas" – sussurrou Draco, com um sorrisinho no rosto.

Silêncio novamente. Ron sentiu o coração acelerar enquanto a noção do que deveria fazer ia se embrenhado na sua cabeça e ele descobria, com certa surpresa, que não estava tão nervoso quanto achava que estaria quando aquele dia chegasse. Esgueirou a mão por baixo da camisa de Draco até sentir a pele nua da barriga. Ela ainda não estava inchada e ele não podia sentir nenhum movimento, mas não faltava muito tempo até que ambas as coisas acontecessem.

"Devia ter acontecido antes" – continuou Draco, com olhos fixos em Stephen enquanto ele se virava em pleno sono – "Todos sabem que a ambição dos Weasley é povoar o planeta."

"Mas você o quer, não quer?"

Draco desviou o olhar de Stephen e virou-se para ele.

"Não deveria querer. Sofri demais com os gêmeos."

"Sempre soube que você era masoquista."

Draco disse um vá à merda apenas com o movimento dos lábios, fazendo Ron rir, mas não conseguiu impedir que um sorriso involuntário.

"Mas você quer."

Draco suspirou e deixou-se afundar no sofá, fechando os olhos.

"Tanta convivência com você está me transformando em um grifinório sentimental."

"Chama-se instinto paternal, Draco" – disse Ron, paciente, deslizando os dedos pela barriga dele – "Foi por isso que você passou o Natal na Toca."

"Pelo instinto paternal?" – perguntou Draco, descrente, abrindo os olhos.

"Não, porque você vai ter um bebê Weasley."

"Um bebê Malfoy-Weasley" – lembrou ele, apontando um dedo em riste no meio dos olhos de Ron, com algo de ameaçador no tom de voz – "Assim, ele vai poder entrar na árvore da minha família."

"Não, não vai."

"Claro que vai. É um filho legítimo puro-sangue."

"E o que Stephen e Sebastian vão pensar?"

Draco ficou calado por alguns instantes antes de abaixar o dedo, deixando a mão cair no sofá.

"Eles vão entender."

"Não" – afirmou Ron com firmeza – "Não vão. Você não vai colocar o bebê na árvore."

Draco abriu a boca para retrucar, mas pareceu desistir no meio do caminho.

"Discutiremos isso mais tarde" – decidiu, num tom resoluto que fez Ron ter certeza de que teria uma batalha mais adiante.

"Mais tarde" – concordou – "Até porque o bebê ainda não é legítimo."

Draco ergueu as sobrancelhas, curioso.

"Não?"

"Não somos casados, somos?"

Draco ficou calado. Ron puxou-o mais para perto, observando a compreensão se espalhar pelo rosto dele, enquanto deslizava sua mão de volta para a barriga e, exultante, percebia que, pela segunda vez no mesmo dia, Draco Malfoy estava surpreso.

"Ainda" – concluiu ele, sussurrando, antes de beijá-lo.

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