Todos os presentes pareciam bem animados conversando, bebendo e relembrando os velhos tempos. Era uma reunião com o pessoal do colégio, algo que poderia ser constrangedor e nostálgico ao mesmo tempo. Sentado em uma das mesas, Miyamae Ken observava os demais que um dia foram seus colegas de classe ou apenas conhecidos da escola, sem muita empolgação. Ele sempre foi um homem mais reservado e com poucos amigos, então se sentia um pouco deslocado ali embora não aparentasse. A sensação da reunião era Maeno Mitsuya, seu senpai na faculdade e no trabalho, apesar de terem a mesma idade. Maeno era carismático, tinha ares de perfeição embora soubesse bem que na verdade ele era um péssimo editor que só dava trabalho aos pobres mangakás que auxiliava.

Os dois se conheciam desde o colegial e por algum motivo obscuro do destino continuavam próximos um do outro até hoje, ainda que Miyamae não tivesse vontade de que isso acontecesse. O maior sempre conseguia tirá-lo do sério de alguma maneira, seja com seu trabalho mal feito ou com sua personalidade convencida de que era o máximo. Se perguntava inclusive se ele achava que mundo girava em torno dele e não se surpreenderia se Maeno acabasse respondendo que sim. Felizmente ele estava muito entretido com os velhos amigos naquela noite para perturba-lo como de costume e checou o relógio de pulso, julgando ser um bom horário para ir tranquilamente para casa. Mas parecia que seus planos seriam frustrados no ultimo minuto...

- Ken, o Maeno está bêbado... – um amigo avisou, carregando o outro no ombro.

- Não traga ele aqui. – resmungou, fitando o colega de trabalho alcoolizado e que fora colocado em uma cadeira ao lado da sua.

- Não seja assim, ele é seu senpai.

De fato devia um pouco de respeito ao outro somente por aquela hierarquia, mas se pudesse preferia não ter que ficar perto de alguém como ele. Pelo menos sabia que quando bebiam muito acabavam conversando sobre mangás e não demorou muito para Mitsuya começar a balbuciar coisas desconexas sobre o assunto, fazendo o outro suspirar. Aquele cara nem sabia do que estava falando! Antes de ficar irritado com alguma coisa que o maior pudesse fazer ou dizer, Miyamae segurou um dos braços dele e colocou sobre seus ombros, o erguendo facilmente da cadeira para levá-lo para fora do local. Pelo menos o seu excesso de peso fazia com que fosse forte e pudesse carregá-lo sem problemas. Fora acompanhado por mais dois colegas até a porta do estabelecimento.

- Vou chamar um táxi para levar ele para casa. – Ken comentou antes de se despedir dos demais.

- Ok. Você é tão gentil com as pessoas... – um dos rapazes comentou, sorrindo.

- Realmente, se fosse eu tentaria ignorá-lo... Tome cuidado Maeno. – o outro avisou, rindo baixinho.

- Eu vou... – mesmo alcoolizado, o outro conseguiu responder e sorriu – Obrigado pelo encontro de hoje. Se eu for transferido de departamento um dia... Vou deixar o meu blog para o meu querido Miyamae-kun.

Aquela frase claramente provocativa e sem noção foi o suficiente para fazer muitas veias saltarem na testa de Ken, o agarrando sem muita delicadeza em seguida e só não apanhou feio ali mesmo porque os outros dois impediram que perdesse mais o controle. Era sempre assim... Como se fosse ficar com as futilidades de Maeno caso ele fosse embora um dia. Ele era muito ocupado e ao contrario do maior levava o trabalho bem a sério, então tinha vezes que preferia não se misturar com ele. Observando Mitsuya fora capaz de aprender o que NÃO devia fazer em sua posição de editor e não era de se espantar que houvesse mangakás que desejavam nunca mais trabalhar com ele. Assim que ficou mais calmo, Miyamae voltou a segurar o colega direito e procurou por um táxi até encontrar um disponível.

- Pronto... Agora só tem que dizer seu endereço a ele e vai ser entregue em casa. – Ken comentou ao acomodar o outro no banco de trás.

- Ah... Miyamae-kun, venha comigo... – Maeno pediu em um tom manhoso, segurando a manga da jaqueta do outro.

- Não. Eu não posso ser babá de um cara crescido como você. Vai se virar muito bem até chegar em casa. – retrucou, puxando o braço para se afastar.

- Por favoooor... Não seja assim. – o segurou com mais força, quase tombando para fora do veiculo – Eu quero que você venha comigo... Não quero ir sozinho...

- Ah... – Ken teve que suspirar profundamente e levar a mão livre para massagear as têmporas antes que perdesse o controle novamente – Está bem, eu vou acompanhá-lo até em casa. Já vi que só vou ter paz depois disso...

Mitsuya abriu um sorriso bobo ao ouvir a resposta positiva e logo os dois estavam acomodados no banco de trás, partindo dali. O maior voltou a balbuciar coisas desconexas enquanto o outro lhe dava atenção para não ser irritado depois, se perguntando quantas aquele cara teve que beber para ficar naquele estado. Bom, não importava há quantos anos já o conhecesse, Maeno ainda era um verdadeiro enigma para si. Algumas vezes ele fazia coisas baseadas apenas no seu grande ego, mas outras vezes ele simplesmente agia de forma incompreensível para si. Não demorou muito e sentiu um peso em seu ombro, ao virar o rosto viu o maior com a cabeça apoiada ali como se estivesse prestes a dormir. Se irritou um pouco com aquela aproximação, mas deixou por isso mesmo. Era melhor ele dormindo do que falando asneiras.

Mais alguns minutos e o táxi chegou até o prédio onde Maeno morava, então o menor o acordou com alguns cutucões e avisou que devia pagar o motorista. Acabou se enrolando um pouco com a carteira até conseguir dar o dinheiro, mas a verdadeira dificuldade veio em seguida: entrar no prédio e subir até o andar que morava. Ken já estava começando a ficar cansado de ter que levá-lo de lá para cá, mas sabia que sua liberdade viria assim que o colocasse dentro do apartamento e não precisaria vê-lo até o dia seguinte. Com essa motivação, Miyamae entrou no prédio com o outro e chegou ao elevador, apertando o botão para o andar correto. Já estivera ali antes, por isso sabia para onde ir enquanto Mitsuya parecia que ia dormi novamente, mesmo de pé.

- Oe, Maeno... Chegamos. – Ken avisou, lhe dando mais um cutucão.

- Ahn... – o maior ergueu o olhar para a porta, levando a mão livre até o bolso do terno para pegar a chave e estendeu para abrir, mas parecia que não tinha coordenação o suficiente para colocar o objeto na fechadura – Porque não vai...?

- Francamente... – o moreno não tinha lá muita paciência, então usou a mão que segurava o braço de Mitsuya sobre seus ombros para pegar a chave e abrir a porta. O maior não caiu por ainda estar sendo bem seguro pelo outro braço de Miyamae em sua cintura – Pronto, está aberta. Agora entre e vá dormir, é o melhor que você pode fazer.

- Certo... – apesar de ter concordado, Maeno não deu um passo se quer e parecia mais entretido com o rosto do outro, no qual encarava – Miyamae-kun é tão gentil...

- Eu só vim até aqui porque você insistiu... E acho que ainda estaria dormindo no hall se tivesse vindo sozinho. – o menor rebateu com resmungos, colocando Mitsuya encostado no batente da porta – Já fiz o que tinha que fazer, então vou indo.

- Espere!

Ken estava pronto pra se virar, mas acabou obedecendo aquele pedido e fitou o rosto alheio, esperando que dissesse o que queria para poder ir embora finalmente. Maeno o encarava com um olhar estranho, parecia querer alguma coisa e não demorou muito para se aproximar, pegando-o de surpresa quando segurou seu rosto com as duas mãos e em seguida seus lábios se encontraram. Os olhos miúdos de Miyamae se arregalaram através dos óculos e podia ver completamente a perfeita curvatura dos cílios do outro enquanto sentia a ponta da língua do maior deslizar pelo seu lábio inferior. Quando Mitsuya afastou o rosto, o outro estava em estado de choque e notando isso, deu um sorriso travesso.

- Isso foi um beijo para agradecer sua gentileza comigo, Miyamae-kun. – explicou e apesar de estar bêbado, parecia que isso não afetava o seu ridículo senso de humor – Está tão surpreso... Esse poderia ter sido o seu primeiro beijo?

Ao ouvir aquelas palavras Ken acordou do choque momentâneo e novas veias de irritação voltaram a surgir em sua testa. Quem aquele cara pensava que era afinal? Tinha sido muito paciente até agora, mas aquilo sem duvida foi o fim da picada! Ao ver aquela expressão assustadora no rosto do menor, Maeno teve a certeza de que teria sido melhor ter ficado em silencio e entrar rapidamente em casa, pois agora não escaparia da fúria de Miyamae.

... X ...

- Olá, vim pegar o manuscrito... – Mitsuya avisou assim que a porta foi aberta e sorriu para Miyako.

- Maeno-san?! O que houve com seu rosto? – a mangaká se surpreendeu ao ver os curativos sobre o rosto do outro, preocupada.

- Ah, é que eu bebi demais ontem à noite... Acabei me machucando, Miyamae ficou uma fera comigo. – o maior contou com certa diversão e constrangimento.

A jovem deixou que ele entrasse para pegar o manuscrito e lhe oferecer um pouco de chá, enquanto isso Mitsuya pensava no que havia acontecido na noite anterior. De fato estava um pouco complicado se encararem agora depois daquele beijo, mas Ken era um profissional e tratava de ignorá-lo no trabalho, o que o deixava um pouco triste. Não fizera aquilo para brincar com ele ou somente por que estava bêbado, gostava do menor praticamente desde os tempos de colégio e por isso tinha ido atrás dele todos esses anos. Mas era melhor deixar um tempo passar até que tentasse mais uma investida... Enquanto isso, Miyamae teria pesadelos com aquele beijo que, querendo ou não, abalou suas estruturas.