O vestido que Lika havia escolhido para que Touko usasse, estava lhe deixando demasiada desconfortável. Era longo demais. Colado demais.

“Argh, por que eu não podia escolher o meu próprio vestido?”, ela se perguntava irritada com a amiga.

— Por favor, nada de fazer cara feia. Hoje, eu quero que você esteja linda também quando te avistar lá na igreja. — Lika avisou, com um sorriso no rosto. Na verdade, ela não parara de sorrir desde que acordara. E quando dizia isso, é no sentido literal mesmo. Ela acordara sorrindo, escovara os dentes sorrindo, comera sorrindo, era quase como uma visão do inferno.

Ela usava um vestido branco, com as mangas caídas sobre seu ombro. Ele tinha um traço delicado, sendo aberto nas costas. Seus cabelos azuis estavam presos em um penteado digno de uma princesa. Por isso Touko tinha de admitir, Lika estava mais linda do que qualquer outra noiva que ela se lembrava.

— Vá. — Ela se despediu. — Eu vou depois, quando chegar a minha hora.

A rosada lançou um olhar intrigado para a amiga, trocando rapidamente para o vestido e por fim, até a porta da igreja:

— Eu? Sozinha? — Questionou envergonhada, apontando para o seu vestido, o que fez Lika franzir a sobrancelha confusa.

— Touko, você nunca teve vergonha das pessoas. — Advertiu. — Por que está fazendo isso agora?

— Não sei. Talvez por que eu esteja usando uma roupa a qual eu não gosto e que participar de um casamento seja o último lugar que eu gostaria de estar! — Acabou por desabafar irritada, só percebendo depois o momento tenso que se estendera no local.

Lika abaixou o olhar, mordendo o lábio inferior:

— Se você não queria ir, — Ela balbuciou inadiavelmente, de forma que Touko só pode escutá-la com bastante esforço. — podia ter me dito. Sei lá, eu podia ter dado um jeito. Talvez eu tenha colocado muito peso sobre você nesses últimos dias, nos preparativos do casamento, mas é que eu estou tão nervosa! Você sabe o quanto eu esperei por este momento? É tipo, a realização de um sonho! Queria dividir este momento com você, mas acho que acabei dividindo tudo, principalmente os nervosismos. Desculpa.

Ela sorriu cabisbaixa, fazendo com que a rosada se arrependesse de tamanha arrogância. Touko a fitou envergonhada, tentando consertar a situação:

— Não, eu que te peço desculpas. — Pediu. — Você está sobre o estresse do casamento, é normal que acabe descontando tudo em sua pobre amiguinha. — Lika riu. — Perdoada?

— Claro! — Elas se abraçaram como despedida, então Touko adentrou a igreja após um longo suspiro.

○•○

Touko’s Pov.

Quando cheguei ao corredor da igreja, dei uma rápida olhada dentro da igreja, a tempo de ver todos os jogadores da Raimon reunidos, em uma conversa casual. Senti um sentimento nostálgico ao ver todos ali juntos, mesmo que estivessem mais velhos, não deixavam de serem os velhos garotos que jogavam futebol antigamente.

— Touko! — Ouvi alguém me chamar, avistando Aki vindo ao longe sorridente. Rapidamente, baixei os olhos no meu vestido, me sentindo constrangida ao encará-lo. Credo, eu parecia um neném.

Apenas acenei, correndo em direção ao banheiro, torcendo para que ninguém mais me notasse e visse daquele jeito. Não que eu teria como escapar daquela sentença, mas de preferência, queria atrasar aquele encontro o máximo possível.

Encarei a minha aparência no espelho. Eu parecia outra pessoa. Não que eu estivesse feia, pelo contrário, mas todos aqueles adereços, enfeites, maquiagens e principalmente o vestido, me faziam parecer com alguém que eu sabia que não era.

— Ufa, te achei! — Quase gritei com tamanho susto, mas suspirei aliviada quando vi que era somente Aki ali na porta. Ela sorriu amigável, me encarando dos pés a cabeça. Comentou surpresa, adentrando o banheiro. — Você está tão... Diferente. Mas está linda!

Agradeci, reparando que ela utilizava um vestido delicado da cor verde. Sua única maquiagem era um gloss. que apenas destacava seus lábios rosados, mas de resto, ela parecia à mesma Aki da época da Raimon:

— Já você não mudou nada. — Comentei. — Sempre achei que você ficasse melhor de verde!

Ela sorriu corada, abaixando o tom dessa vez:

— Acredito que depois do casamento do Ichinose e da Lika, muitos outros casais surgirão. — Prosseguiu.

— Por quê? — Levantei as sobrancelhas assustada. Tinham outros casais além dos noivos ali?

— Depois que Lika deu a notícia que se casaria com Ichinose, Endou e Natsumi estão saindo. — Contou cabisbaixa. — Temo que eles sejam os próximos.

Recuei alguns passos, me encostando-se à parede do banheiro chocada com a notícia. Fitei Aki com pena, ela deveria ser a mais triste com aquela notícia, afinal sempre me pareceu que ela gostava de Endou:

— Isso é sério? — Indaguei. — Mas e você? Como está lidando com tudo isso?

Ela pareceu surpresa com a pergunta, então percebi o quanto indelicada havia sido. Nunca havia contado para ela sobre a minha suspeita, mas talvez não fosse tarde demais para contar sobre isso:

— Você sempre pareceu... Que gostava do Endou. — Desabafei. — Acho que deve estar sendo difícil conviver com esta ideia de vê-lo casar com outra.

Ela engoliu em seco, enquanto desviava o olhar para a janela do lado. Este dia estava servindo para me mostrar uma coisa: Pare de falar as coisas sem pensar.

Já estava com duas vezes, que sem perceber, eu acabava magoando as pessoas por comentários maldosos. Realmente precisava de um tempo para pensar e acalmar meu cérebro.

— Desculpa. — Pedi. — Acho que soou meio indelicado.

Recebi em resposta um sorriso. Ela se deixou escorregar na parede, com o olhar distraído, como se seus pensamentos estivessem todos bagunçados naquele momento.

— Eu nem sei o que pensar... — Confessou. Ela ajeitou o vestido, com um sorriso de partir o coração. Por quanto tempo ela tinha se feito de forte, tentando aguentar aquela situação? — Mas se é ela que faz o Endou feliz, eu também estarei por ele. Foi um prazer falar contigo, Touko, nos vemos depois, na festa.

Após se despedir, deixou o banheiro rapidamente. Eu até queria correr atrás dela e dizer que tudo ficaria bem, contudo talvez fosse melhor assim. Tem certas dores que são difíceis de suportar quando se tem outras pessoas em volta. O melhor era deixa-la sozinha.

Dei uma rápida olhada no espelho, respirando fundo. Já estava na hora. Não queria chegar depois da noiva, porque isso significaria mais olhares para o meu vestido e principalmente, uma Lika irritada no final da cerimônia, então me dirigi até o salão da igreja.

○•○

Ichinose era uns dos únicos garotos que parecia pronto para um casamento. Ele estava ali parado no altar, suando de nervoso. Talvez temendo que Lika desistisse de última hora, o que seria idiota da parte dele, já que se fosse por ela, eles já estariam a caminho da sua tão sonhada lua-de-mel.

Os meninos estavam tendo uma discussão entre si. Em uma roda desordenadamente, sobre nada mais, nada menos, do que futebol. Senti uma irritação circular por mim, afinal era um casamento! Lika já ia entrar e eles estavam ali, distribuídos em uma roda, conversando sobre futebol!

Se desse algo errado, já podia até imaginar quem ouviria o desabafo de Lika no final...

Justo quando eu decidi que hoje eu iria dormir, choraminguei.

— Hey! Será que os garotos poderiam se arrumar para o casamento? A noiva já vai entrar! — Avisei, recebendo olhares indignados na minha direção.

Os garotos começaram a se dispersar, um por um, em seus devidos lugares e eu agradeci mentalmente por pelo menos agora, mesmo que ainda continuassem idiotas por falarem de futebol em um casamento, agora eram idiotas obedientes.

— Resolveu se vestir agora como uma verdadeira filha mimada do primeiro ministro? — Escutei uma voz masculina, percebendo que nem todos os idiotas ali havia se tornado obedientes com o tempo. Virei-me, reconhecendo o dono daquela voz.

Tsunami estava com seus óculos, usando um terno preto perfeitamente alinhado. Seus cabelos estavam presos por uma fita vermelha, deixando discretamente alguns fios escorregarem por ele. Parecia engraçado vê-lo daquele jeito, sendo que estava sempre acostumada ao Tsunami que utilizava roupas bagunçadas. Mas não podia negar, ele até que ficava bem daquele jeito.

— E você, finalmente parou de fazer cosplay da “Pequena Sereia”? — Rebati zombeteira, ainda mais irritada pelo pensamento que me ocorrera ao vê-lo daquele jeito.

Antes que outra discussão começasse, um homem surgiu gritando “A noiva está chegando” e como em um passe de mágica, meus pés criaram vida, me fazendo atropelar Tsunami e correr em disparada com aquele vestido enorme, até o altar, que era onde eu deveria ficar.

Vamos, vamos, incentivava a mim mesma, eu não vou querer ouvir os xingamentos da senhorita Lika Urabe.

Então, como esses dias estão sendo recheados de “Toukisses”, escorreguei no vestido, acabando por cair de cara no chão, quando ainda faltavam alguns passos para chegar ao altar.

Xinguei até os céus enquanto me levantava, lançando um sorriso envergonhado para o padre que me encarava descrente. Fechei meus olhos e juntei minhas mãos, fazendo sinal de que havia pedido perdão e que ele podia ficar em paz, mas não acredito que tenha dado muito certo.

Meu único desejo neste momento é que esse casamento termine logo. E claro, que eu possa descansar em uma banheira enorme depois disso.