Yuu estava deitado em sua cama numa tarde fresquinha – só quarenta graus embaixo daquele maravilhoso telhado de brasilit. Para não morrer desidratado, ele deixava uma garrafa pet de dois litros cheia de água do lado da cama, no chão, e um ventilador da Arno ligado no máximo em cima de um tamborete manco. Fazia mais barulho do que motor de retroescavadeira.

Ele era estudante, estava no segundo ano do ensino médio e estava de férias. Mas não tinha muito o que fazer em cenário de pandemia, sabe? Então ele matava tempo vendo vídeos aleatórios de gameplays, mas recentemente descobriu os canais mágicos no YouTube que fazem paródias de músicas brasileiras com vocaloid.

Pois é, ele estava de fone ouvindo as músicas, rindo igual um retardado – não leve a mal, Yuichirou é assim naturalmente – e ainda tinha a porcaria do barulho do ventilador. Ainda assim, ele ouviu um som estrondoso de um megafone que quase fez as paredes do quarto dele tremerem. Assustado e com o coração a mil por hora, ele arrancou os foninhos de cinco reais da padaria da esquina, quase partindo o fio deles e prontamente se pôs à janela para ver o que diabos tinha feito tanto barulho.

Uma voz com qualidade péssima de áudio – digna de um auto-falante de carro dos anos 70 -  dizia poesia para as donas e donos de casa.

“É O CARRO DO OVO MINHA GENTE, 30 OVOS POR APENAS 10 REAIS. TEM OVO BRANCO, OVO CAIPIRA, TEM OVO DE TUDO QUE É JEITO”

Ovo de tudo que é jeito. A mente de quinta série do menino Hyakuya não podia perder essa, mas ele não riu por muito tempo. Sua mãe gritou por ele na cozinha e ele viu a nota de 10 em cima da mesa; bom, ele conseguiu resolver o enigma com seus dois neurônios.

Pegou o dinheiro, a máscara, a chave com chaveiro da loja de água e gás e saiu. Viu um senhor mais velho dirigindo e fazendo o anúncio dos ovos, enquanto um menino mais ou menos da idade dele vendia a mercadoria.

“Eita, aquele não é...”, ele estreitou os olhos para enxergar entre as ondas de calor que saíam do asfalto, “... Opa, Mikaela?”

“Ah não, você não...”. É, Mikaela sabia que ia sofrer se encontrasse qualquer pessoa da sua sala naquele momento, com aquele uniforme, naquela situação.

Mika estava usando um boné com a logo de um posto de gasolina qualquer, uma máscara branca e uma camiseta do Atlético. Ele não ligava muito pra futebol, mas foi a roupa com tecido mais fresco que conseguiu achar. E, sim, a camiseta tinha um galo. Que coincidência, não é mesmo?

“Hmmm... Então você tá vendendo ovos, né? E tá barato...”

“E você veio comprar os ovos”, ele retrucou, tentando dobrar a conversa com o mesmo golpe que recebeu.

Coitado, pior que o Yuu não era lá muito difícil de ser dobrado não. Ele ficou pistola e tentou pensar em algo pra retrucar. Mas antes que ele pudesse fazer isso, ouviu uma voz feminina rindo por trás dele. Quando ele vira... É sua vizinha, também na mesma sala que os dois. Quando viu os dois meninos olhando para ela – ambos com um olhar de socorro porque estavam prestes a trocar umas farpas com uns trocadilhos sem sentido –, ela se comprometeu foi em piorar a situação.

“Hmmm... Pois é, Yuu, você veio comprar os ovos do Mikaela?”

Na mesma hora, o senhor do megafone diz, “30 OVOS POR 10 REAIS”. Ela olha para a mão de Yuichirou, com a nota de 10.

“Nossa, tadinho! E ainda veio comprar mais do que ele tem!!”, colocou a mão na boca fingindo surpresa.

Os dois ficaram vermelhos. E os dois sabiam que a Shinoa era pior do que qualquer um, em qualquer tracinho de ambiguidade que ela achasse nas frases. Yuu conseguia conviver com a Shinoa, então tinha uma tolerância maior às coisas que ela falava, mas Mikaela...

“Espertinha. Onde foi que ficou olhando essas informações sobre ovos?”

Yuu enfiou a nota de 10 na mão de Mika e fez um sinal de negação forte com a cabeça. Sussurrando, implicou, “Cara, não dá corda... Você não sabe o que essa menina lê...”

“E você sabe????? Por que é que sabe, hmmmm?”

Mikaela já ia descobrir, de qualquer forma...

“Sabe, Mikaela... Quer mesmo descobrir?”

“É, não, deixa pra...”

“Tem um tipo de história que muitas meninas da nossa sala gostam de ler... Sugiro que pesquise, chama YAOI... Usamos isso pra estudar pras aulas de biologia, é um conteúdo muito informativo! Por isso sempre vamos bem nas provas, e por isso o Yuu ficou com tanto medo... Tadinho, não gosta de estudar”

Shinoa tinha uns argumentos que, pra pessoas inocentes, pareciam convincentes. Ela passou reto e foi na padaria – ela ia comprar ovos também, mas... Não queria que virassem os trocadilhos contra ela. Yuu tentou convencer Mikaela a definitivamente não ler o que a menina tinha recomendado, mas... A curiosidade abre portas inesperadas.

Será que ele leu ou não leu?