Depois do beijo fui retirada pelos médicos, eles precisavam avalia-lo, ele ficava me olhando, me encarando, aqueles olhos me diziam tantas coisas, não era o seu corpo que conversava comigo através deles, era sua alma! E eu percebi o quanto ela queria me dizer algo, mas não podia.

 Me sentia estranha, algo em mim me incomodava, havia uma certa raiva… eu queria ter pulado, queria ter terminado, contudo, a quem eu queria enganar, eu queria aquilo desde o começo, Kou foi apenas uma desculpa para pular e também para me manter viva, mas agora eu mesclava um sentimento de alivio e raiva.

Sentei-me no banco do parque, um pouco distante da ponte, senti meu celular vibrar, olhei para a tela… era o meu agente. O que? Ele ainda existia? Quanto tempo vivi em função de reviver Kou? Quantos dias se passaram? Foram semanas, meses ou anos?

Seu prazo termina amanhã, passarei em sua casa por volta da uma da tarde, esteja arrumada, pois irei lhe apresentar ao seu novo agente, estou ocupado com outros artistas. Espero que tenho concluído o manuscrito do seu one shot!

Um mês havia se passado então, era esse o prazo que ele me dera, olhei para as minhas mãos, estava com raiva e havia muito egoísmo acumulado, eu tinha vivido por ele, porém ele não estava aqui para viver comigo.

Corri para a casa, eu precisava terminar aquilo, precisava deixar minha marca na história da Margaret Magazine, meu shoujo iria ser inesquecível, como eu jamais pude ser na vida.

         Passei a noite desenhando e escrevendo a história, chorei e ri ao mesmo tempo, em vários momentos… A história de um fantasma que aparece na vida de uma garota e a muda completamente, ela o salva, mas ele não se lembra dela e ela simplesmente não aguenta isso e se mata. A minha história! Quando finalmente acabei imprimi algumas cópias, deixei uma para meu agente, uma para Kou e uma para Touma.

Ainda era madrugada, mas não me importei muito com isso, fui até o hospital novamente, pedi para que a enfermeira entregasse o manuscrito a Kou, ela me encarou com um sorriso triste, acho que estava tão acabada que ela ficou com dó de mim, ela se levantou em direção aos quartos e eu fui embora. Passei na sede da Margaret Magazine e deixei o manuscrito com a secretária, nessa época do ano sabia que eles quase nunca fechavam, então tive sorte. A secretária me conhecia e pareceu muito contente em me ver, ficou ainda mais feliz quando entreguei o manuscrito a ela. Saindo de lá, fui procurar por Toumma, o taxista que me levava coincidentemente conhecia o pai dele e sabia onde ele morava, enfiei embaixo da porta o manuscrito e disse “adeus” quase sem voz.

         Pedi para o taxista me levar a minha velha escola e o dispensei depois disso, eu a encarei, aqueles anos no ginásio foram os melhores e os piores de todos, sofri bullying, meus talentos como mangaká se afloraram, havia prazos e pressões, e então conheci Kou. Fui até o parquinho que ficava de frente a escola e onde tinha chegado tão perto dele a ponto de sentir seu cheiro, eu nunca mais esqueci daquele cheiro, ele me vinha até mesmo quando eu havia esquecido Kou. Tudo terminaria onde havia começado. Havia um balanço quebrado, suas correntes estavam soltas, e o ferro que o prendia era alto o suficiente para alguém se pendurar.

Então esse seria o fim de tudo. Sorri e senti minhas lágrimas escorrerem pelo meu rosto, eu não acabaria com ela por causa de Kou, eu acabaria com ela, por mim mesma… Só de pensar que não encararia mais toda aquela dor, todas aquelas pessoas… Eu me sentia pela primeira vez, aliviada, eu realmente era uma pessoa terrível e egoísta.

Eu segui em frente até o balanço, passei as mãos pelas correntes e sorri como nunca fiz antes.