Ulquiorra sumiu do campo de visão de Orihime, e logo ela sentiu um calafrio percorrer-lhe as costas. Virou-se devagar, encontrando o ex-Espada parado como um fantasma no meio de seu quarto. Os olhos esmeraldas a fitavam, desprovidos de qualquer emoção.

Permaneceram em silêncio, provando da sensação de estarem na presença um do outro. A ruiva uniu as mãos junto ao peito, pensando que deveria falar alguma coisa, mas sem saber o quê.

O moreno se moveu rapidamente até ela, adiantando-se aos pensamentos ainda confusos e incoerentes da ruiva. Sobressaltada, Orihime deu passos para trás conforme ele avançava. Não era medo, apenas uma reação inconsciente à forma como a presença dele parecia lhe dar uma sensação desconfortável no estômago.

Ela bateu as costas contra a parede, e Ulquiorra a alcançou. Ele continuava naquele silêncio, típico para o ex-Espada, enquanto puxava os braços dela acima de sua cabeça e prendia os pulsos com uma só mão, a outra deslizando para a barra da blusa de pijama da garota, os dedos frios alcançando a pele macia da barriga dela, sentindo-a se retrair em resposta.

— Ulquiorra-kun? — Inoue chamou baixinho, procurando uma resposta para suas ações naqueles olhos indiferentes, sentindo o coração disparado, sem saber exatamente por qual motivo.

Agora você sentirá medo. Eu descobri... descobri para que vocês servem. Ulquiorra constatou, analisando as reações dela. O coração com um ritmo anormal, os olhos arregalados, os braços se repuxando sob o aperto forte dele.

— Ulquiorra-kun — a garota repetiu.

Orihime podia ver, agora que ele estava tão próximo, cortes por toda a face do moreno, já que a pele extremamente pálida destacava-se no escuro. Também sentia as mãos dele ásperas, devido aos machucados, contra sua própria pele.

— Sōten Kisshun — murmurou.

Ulquiorra foi banhado pela luz alaranjada da esfera de rejeição. Sua mão sobre a barriga dela parou de se mover. Seus olhos se arregalaram, perdidos, mostrando uma surpresa inocente. Ela sorriu vendo aquela expressão.

— Eu não tenho medo — Inoue pronunciou.

Ulquiorra não entendia. Estava prestes a violá-la, como podia não sentir medo?

— Solte ela, Ulquiorra. — Era a voz aguda de Nelliel.

O moreno soltou, mas não estava prestando atenção à mulher de cabelos verdes, apenas encarava intensamente as orbes acinzentadas à sua frente, sentindo o poder de Orihime curá-lo mais rápido que sua autorregeneração.

— Por quê? — indagou.

— O quê? — emitiu, confusa. — Você está machucado.

Ulquiorra continuou parado. Nelliel também não se moveu. Orihime abriu um sorrisinho pelo clima tenso, ainda que a ex-Tercera Espada fosse menos agressiva do que seus amigos seriam naquela situação.

Tal pensamento fez Orihime baixar os olhos. Eles o caçando, e ela o curando. Provavelmente, isso faria com que seus amigos se machucassem. Como podia ser tão ingrata e irresponsável?

— Você vai voltar ao Hueco Mundo comigo, Ulquiorra — pronunciou Nelliel.

Aquilo fez a ruiva levantar o olhar novamente. Era isso! Se ele fosse para Hueco Mundo, todos ficavam a salvo! Mas... por que pensar nele se indo novamente parecia tão doloroso, se isso só faria bem a todos?

Ulquiorra observava cada mudança na expressão de Inoue. Preocupação, tristeza, animação, tristeza. Não entendia o motivo para tantas oscilações, e se perguntava por que a tristeza sempre retornava. Era ele quem causava isso?

O moreno encarou os dedos, cuja pele dos mesmos se reconstruía. A reiatsu dele estava tão fraca, que mal podia ser sentida, mas, se ela o curasse, certamente seus amigos seriam esmagados ao tentarem enfrentá-lo, então por que ela estava fazendo aquilo? Era mesmo estúpida, agindo por um senso distorcido de bondade.

— Não se pode salvar a todos — murmurou, vendo os olhos dela se arregalarem.

Ele voltou-se para Nel.

— Eu não vou voltar ao Hueco Mundo para ser exterminado.

Nelliel suspirou.

— Isabel falou algo, não falou? Halibel quer você trabalhando para ela, não tem motivo para acabar com você. Grimmjow ainda está solto por aí, não sabemos o quanto ele pode ter se fortalecido, e correm boatos de que está reunindo um grupo para nos atacar. Ter você será de grande ajuda.

Orihime encarou a Arrancar. Ela falava com o outro com naturalidade, e não parecia querer o seu mal. Seriam os dois amigos? Nunca imaginou que Ulquiorra tivesse algum.

— Vai ficar tudo bem, Hime-chan.

Nelliel sorriu, em seguida voltando-se para o Arrancar.

— Não conseguirei me manter por muito mais tempo nesta forma, temos de voltar logo. E a sua reiatsu está começando a se tornar um sinalizador.

Ulquiorra girou o corpo, as mãos enfiadas nos bolsos, lançando um olhar vazio para Orihime. Ela dissipou a esfera de rejeição, ainda que ele não estivesse completamente curado.

— Ulquiorra-kun...

Naquele instante, Ulquiorra se deu conta de uma coisa. Ela estava chamando por ele todo aquele tempo, seus olhos o fitavam com o mesmo brilho que antes a garota dispensava para Ichigo Kurosaki no Hueco Mundo. O que aquilo significava?

Ela se aproximou, apoiando as mãos no peito estreito de Ulquiorra, e depositando na bochecha fria do outro um beijo macio.

— Até mais, Ulquiorra-kun — murmurou, mantendo o rosto próximo ao dele.

Ulquiorra compreendeu: não era um adeus. A resposta saiu de seus lábios sem que ele realmente entendesse a necessidade daquilo.

— Até mais — murmurou, fazendo-a sorrir.

Nelliel abriu uma Garganta, depois de se despedir da ruiva, e os dois Arrancar sumiram por ela. Ulquiorra não olhou para trás.

Orihime suspirou, soltando uma risadinha nervosa, percebendo que estivera tensa por todo aquele tempo. Era bom que seus amigos estivessem longe, ou então já estariam ali, e nem queria imaginar o que poderia ter acontecido. Ulquiorra parecia tão fraco... Não! Era com seus amigos que deveria se preocupar, certo?

Esfregou a testa, sentando-se à escrivaninha e ligando o computador. Pesquisou o nome do ex-Cuarto Espada novamente, rolando os links sem qualquer intuito. Apenas procurando fotos daquele rosto que, de alguma forma, a reconfortava. Uma manchete chamou sua atenção.

Schiffer têm sua residência destruída

Nesta sexta-feira (13), uma parede da residência dos Schiffer foi completamente destruída. Moradores das proximidades afirmam ter visto quando tudo aconteceu, tendo o mais novo da família corrido para fora, com medo de um possível ataque mais sério por parte de vândalos envolvidos...

Orihime levou as mãos à boca quando uma das fotos do incidente saltou aos seus olhos. O Ulquiorra humano passando por cima dos escombros para sair do local e, ao fundo, uma mulher deitada na cama com lençóis segurados contra o próprio corpo, cujo site nomeava Lilian. Uma mulher de cabelos verdes e olhos castanhos.

Aizen observou a cena à sua frente. Sabia que estava sonhando, ou tendo uma alucinação, porque via a si próprio mais jovem. Desde que havia sido selado, as visões eram praticamente atropeladas umas pelas outras em sua mente.

Desta vez, se encontrava em um campo gramado, sem qualquer sinal de habitação ao redor. Estavam apenas Aizen e Ulquiorra ali — este último ainda humano, em sua forma Shinigami.

O Aizen mais novo estava sentado com as pernas cruzadas. Os óculos retangulares apoiados ao seu lado, no chão, e o cabelo jogado para trás. Era um dos poucos momentos em que se permitia ficar daquela forma, sem a máscara de "bom Capitão" encobrindo-o, não precisava disso com aquele humano.

— O príncipe que ascende, da dor transformou-se em guerreiro. O poder à ele concedido, do inferno que ali crescia. A beleza, o brilho, a escuridão. Jaz uma alma perdida — recitou Ulquiorra.

Ele treinava o Hadou 43 contra um Hollow aprisionado à certa distância por um Bakudou.

A ideia de Aizen era que ele se tornasse um perfeito Shinigami, completo, antes de lhe fornecer poderes de Hollow. Restava agora dominar o Bankai e os Kidous.

Os treinos eram longos, e, por vezes, Aizen o deixava sozinho, enquanto mantinha as aparências na Seireitei. Mas, naquele dia, resolvera observar o seu progresso.

O dono da lembrança avançou, postando-se ao lado de sua antiga imagem. Reconhecia, mesmo agora, que Ulquiorra era um prodígio. A velocidade de seu aprendizado era absurda, suas habilidades, naturais, e, seus instintos, melhores ainda. Inicialmente, o ensinaria apenas os Kidous mais relevantes, mas acabou concluindo que ele poderia aperfeiçoar todos em poucos anos.

O moreno parou, virando os vazios olhos verdes para o Shinigami. Um pequeno choque percorreu o corpo do Aizen mais jovem, o mesmo não houve com o atual. Este já se acostumara.

— Mulheres podem ser o motivo de ruína de um homem — comentou o antigo Aizen, olhando-o com um repuxar de lábios.

Ulquiorra não respondeu, apenas movendo-se para longe dali. Não era nenhum segredo que se encontraria com Lilian, isso vinha se tornando mais frequente com o passar do tempo.

Os dois Aizen observaram quando um portal se abriu, revelando Gin, que caminhou até ambos.

— Ele se parece com o pai — Gin comentou, a expressão perturbadora direcionada para o moreno que se distanciava. — Preso à mulheres humanas.

— Acredito que elas têm algo de especial. — Foi a resposta do Aizen mais novo, parecendo ainda alheio à presença do outro.

"O que é isso?" Uma voz feminina familiar rodopiou ao redor do Aizen atual, borrando as laterais da lembrança. "Está se sentindo nostálgico? Por acaso transformou Lilian por culpa? Isso não combina com você, Aizen. Que patético."

Nelliel seguia na frente, já que sua reiatsu se encontrava mais estável. Ela começou a cantarolar enquanto seguiam. Virou os olhos para Ulquiorra, sorrindo.

— Quem diria... — murmurou.

— Diga logo o que quer — resmungou o moreno.

— Eu? — Ela riu. — Eu não quero nada, Ul-chan.