Um mês de desespero escrita por Leon Yorunaki


Capítulo 33
XXXII: Memento


Notas iniciais do capítulo

Mais uma vez eu devo pedir desculpas pela demora. Desta vez ela tem nome e sobrenome: Bloqueio Criativo.

Falando sério, eu estava com esse capítulo planejado desde a metade do ano passado, mas quando chegou a hora de escrever de fato, nada do que eu fazia ficava bom.
E considerando uma certa alteração que os personagens decidiram fazer por conta própria no meio do caminho, bem, acho que foi para o bem que as coisas aconteceram desse modo.

E se por um lado eu demorei quatro semanas para chegar em um resultado satisfatório, por outro o capítulo saiu enorme! Então aproveitem!



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Não fazia tanto tempo desde que Himiko partira em direção a Fortree, mas já se sentia cansada. Não por conta do esforço físico, por mais que estivesse privada de um verdadeiro descanso; o peso dos acontecimentos recentes, este sim, deixava-a exausta. Após acreditar com todas as forças que sua viagem estava prestes a acabar, não foi com muito entusiasmo que recebeu a ideia de ir até o isolado vilarejo, na extremidade oposta da principal ilha de Hoenn.

Afinal, a garota sabia a sorte que tinha com essas coisas. Nenhuma.

Por mais que fosse a primeira pista concreta que tinha a respeito de April, não acreditava realmente que iria encontrá-la no tal acampamento dos Rangers naquela cidade. Queria revê-la — e como o queria, — mas depois de tudo o que tinha passado para chegar até ali, como manter o otimismo consigo?

A mais recente das dores fora a notícia da morte de Gérson. Uma tragédia anunciada; em nenhum momento poderia duvidar da força de seu oponente, ao ponto de desconsiderar que seu Gyarados tivesse chance de sobreviver às presas voltaicas do Houndoom de Ravena. O que não a impediu de sentir-se mal quando recebeu a fatídica notícia de Looker. Talvez não tivesse demonstrado tanto, até então sem ter sentido de fato o que isso lhe significava; sequer reclamou quando o investigador lhe pediu para ficar com a pokébola inutilizada. A euforia inicial por ter conseguido uma pista sobre April não a deixara reagir de outro modo.

Mas depois que partira sozinha deixando Petalburg para trás, sentiu que sua motivação também havia ficado naquela maldita cidade.

Por um momento pensou em desistir, jogar tudo para o alto, abandonar toda aquela jornada em que a má sorte insistia em se prender a ela, sufocando-a cada vez mais, como uma gosma pegajosa. Logo em seguida descartou a possibilidade, contudo. Já havia sofrido demais para que a desistência fosse uma opção, e não seria agora que tinha finalmente algo concreto que deixaria de conferir a situação de perto.

E foi nesse ritmo melancólico que ela seguia viagem de forma solitária, procedendo de acordo com a rota indicada pelo PokéNav após ter atravessado a cidade de Oldale por mais uma vez, sem ter motivo para uma parada desta vez.

Mas acabou o fazendo minutos depois, quando encarava um pequeno obstáculo em seu percurso, materializado na forma de um rio. Tinha algo entre trinta e quarenta metros de largura, sua correnteza suave não oferecia empecilho para quem se dispusesse a atravessá-lo a nado, apesar das águas turvas esconderem seu fundo.

E esta travessia era a única opção disponível, pois não havia uma ponte ou qualquer outro meio de cruzar aquele leito.

Himiko sentiu como se fosse uma conspiração do universo contra ela, que voltava a se remoer pela perda do Gyarados. Por mais que não gostasse de fato da companhia dele. Por mais que soubesse que tinha feito o seu melhor. Por mais que soubesse que era impossível evitar.

Mais do que tristeza, olhar para aquelas águas barrentas lhe dava raiva. Tudo começara com um erro dela, afinal. Poderia ter sido menos imprudente. Menos impulsiva. Havia um meio de ter evitado sua morte, por mais que jamais pudesse prever o resultado de suas ações perante uma pessoa que achava que conhecia.

Definitivamente, não se sentiria bem olhando para Brendan caso se reencontrassem.

Foi quando Himiko notou aonde estava, e não conseguiu evitar um ataque de riso nervoso. Não tinha como não reconhecer aquele local, aonde travara sua primeira batalha Pokémon. Contra Brendan, como sua mente fez questão de ressaltar.

Ela logo tomou a razão de volta para si, decidindo por seguir viagem. O local estava deserto, o que lhe daria a liberdade de entrar naquelas águas usando apenas suas roupas de baixo se o fosse necessário. O problema era encontrar um meio de levar sua mochila sem que seus pertences se encharcassem. Era uma situação completamente diferente de quando pulara no esgoto em Verdanturf, na qual ficara mergulhada por um ou dois segundos. A mochila era resistente à água, mas não a ponto de proteger seus pertences por toda a travessia.

Sentiu-se boba logo em seguida, lembrando-se de que tinha outro Pokémon com características aquáticas em sua equipe. Rejane com certeza poderia lhe ajudar de alguma forma. Havia também Nagrev, que poderia carregá-la voando até o outro lado, do qual se lembrara muito antes, porém não era uma opção desde o trauma da viagem passada nas costas dele, ocasião na qual escapou por pouco de morrer.

— Por que me trouxe pra cá? — perguntou a Lombre, visivelmente irritada.

— Preciso chegar do outro lado. — respondeu a jovem, ignorando o tom de voz de sua Pokémon.

Esta, no entanto, não a levou a sério. Encarava a treinadora, tentando entender o porquê de a ter trazido justamente àquele local.

— Vai me dizer agora que não sabe nadar? — provocou, não querendo dar o braço a torcer.

— Não é isso… Você acha que consegue levar a mochila sem deixar ela cair no rio?

Um instante de silêncio se fez, para a surpresa da garota. Tudo bem que a mochila não estivesse tão leve, pesando talvez uns dez quilos, mas não justificava o olhar de reprovação que recebeu. Alguma coisa estava errada, e ela não sabia se queria descobrir o quê.

— Tá bom, eu levo!

A situação já estava estranha o bastante com a maneira evasiva com que a Pokémon se comportava, o polar oposto de seu feitio. Sentia, pela expressão de Rejane, como se estivesse fazendo algo de errado. Como se estivesse cometendo um crime ao pedir por sua ajuda.

E se a travessia foi feita sem maiores transtornos, mesmo com a pausa que a garota fez para se secar e vestir novamente suas roupas apressadamente temendo que alguém pudesse aparecer, o mesmo não podia ser dito dos momentos seguintes de viagem.

Um dos fatores, o principal deles na verdade, era o silêncio de Rejane. Justamente ela, que tanto gostava de falar. Himiko, presa em seus próprios problemas pessoais, não se atreveu a perguntar à outra o que ela sentia, o que trouxe certa tensão naquele percurso que lhe parecia estranhamente familiar por entre as árvores em uma porção mais densa de floresta que atravessavam.

Talvez fosse a terra úmida, seu cheiro característico penetrando as narinas da jovem; talvez a paisagem, eternamente familiar em uma Hoenn repleta daquelas copas densas e monótonas, o fato era que tinha a impressão de já ter passado por ali em outra ocasião.

Não demorou para que um alerta em seu PokéNav a distraísse, detectando a presença de um Pokémon selvagem. Eles não eram tão comuns, em especial por Himiko ter configurado o rastreador para uma distância mais curta que o habitual, no qual percebeu que o sistema era mais confiável. Este em particular a surpreendia por estar se aproximando e não o oposto; em geral, os Pokémon logo desapareciam do radar, afastando-se da presença de seres humanos, e não o contrário.

O movimento não era rápido, tampouco era preciso, porém um Pokémon se aproximava deles em um movimento errático. A garota logo suspeitou de alguma espécie rastejante como uma Ekans, de modo que preferiu por quebrar o silêncio para avisar também sua Pokémon do perigo.

— Tem um Pokémon vindo em nossa direção, tome cuidado!

É claro que tem um Pokémon vindo, sua broca! — ela respondeu de modo grosseiro. — Era isso que tu querias, não é?

— Eu não tou te entendendo, Rejane…

— O que tanto ele te falou? Aposto que só te contou o lado dele da história!

— Afinal, do que você está…

Rejane não esperou a treinadora concluir sua pergunta, avançando em sua direção. Esta fechou seus olhos em reflexo, percebendo que seria atingida pelo balde que aquela teimava em carregar consigo, porém sentiu o impacto apenas em seu cinto; a Lombre acabara por atingir não Himiko, mas apenas uma de suas pokébolas, levando-a ao chão.

E o sonolento Ikazuchi que fora liberado se mostrou tão confuso quanto sua treinadora em um primeiro momento.

— O que tá pe… — o Manectric parou, olhando para os lados e compreendendo o motivo da confusão. — …gando…

— Tu prometeste, Ikazuchi! Tu disseste que levaria esse assunto pro túmulo!

— Mas eu não falei nada! — retrucou ele de imediato, logo virando-se para Himiko. — Por que me trouxe de volta?

— Dá pra vocês dois me explicarem o que tá acontecendo?

Não houve tempo para que Himiko recebesse resposta. Um vulto esverdeado surgiu dentre as árvores, atacando Rejane de surpresa. Kazu saiu em sua defesa no instante seguinte, avançando sobre a vegetação atrás da colega, deixando a jovem sozinha, sem resposta e sem reação.

Sem alternativa, viu-se indo atrás deles no momento seguinte; a Pokébola de Nagrev ia em sua mão direita. Era seu último recurso, seu único recurso caso o perigo se mostrasse maior do que os outros pudessem suportar. Futa continuaria desacordado, na melhor das hipóteses, até o anoitecer, consequência do sedativo que lhe fora aplicado na noite anterior após se descontrolar na delegacia.

Não foi preciso muito para que o agressor pudesse ser identificado. Sua aparência dócil contrastava completamente com sua expressão cansada, porém tomada por uma fúria que não podia ser descrita. O espécime reptiliano de pequeno porte encarava Rejane, sua pele esverdeada quase sem brilho, sua única folha que brotava de sua cabeça se mostrava murcha e seca, seu tom outonal denunciava o quanto estava debilitado. Himiko percebeu que Rejane poderia derrotá-lo em um só golpe se assim o desejasse, porém não o fazia, tal como Ikazuchi, que os observava de certa distância, sem desejar atacar o Chikorita mesmo que esse se mostrasse na intenção de matar a Lombre.

— Olha só o que você fez, sua idiota! A culpa disso tudo é sua!

Rejane não respondeu, revoltada com a situação. Era um assunto que considerava encerrado, que decidira enterrar consigo. Imaginava que nunca mais teria que encarar aquele Chikorita outra vez, não quando havia pago um alto preço por tudo o que acontecera. A culpa de tudo isso era daquela estúpida treinadora que a trouxera de volta, e no fundo também dela mesma, que podia tê-la questionado antes que a situação chegasse naquele ponto.

— E depois de tudo tem a audácia de voltar! Sua assassina!

Ela sabia que não tinha culpa. Podia ter jurado sua inocência por diversas vezes, podia ter inclusive apontado quem era o culpado pelo triste fim daquela ninhada. Não importava, pois ninguém acreditava nela. Ninguém queria acreditar, exceto por Ikazuchi.

— Eu alertei todo mundo, falei que tem um Seviper rondando pela floresta, mas alguém me escuta?

O Chikorita tornou a tentar golpeá-la, desta vez utilizando-se do chicote de cipó que saía de seu pescoço em um movimento rápido, um ataque do qual ela não teve a menor dificuldade em desviar.

— Nós te demos abrigo e comida, e é assim que você nos retribui? Com mentiras e mortes?

— Cala a boca, Teluk!

Himiko teve um arrepio ao ouvir aquele nome, vagamente reconhecendo-o por mais incomum que fosse. Foi essa a deixa para que se aproximasse de Kazu, estupefata com a expressão de raiva que pela primeira vez via em seu rosto.

— Vai continuar me deixando no escuro ou o quê? — perguntou ela, recebendo um rosnado do Pokémon como resposta. — Qual é a dessa briga?

— Você é burra ou o quê? Já viu aonde a gente tá agora?

E por mais que a sensação de familiaridade a tivesse acompanhado por todo o percurso na floresta, foi somente com a grosseria do Manectric que as coisas finalmente fizeram sentido.

Aquela floresta era a antiga morada de Ikazuchi, o local aonde ele e Nagrev haviam sido capturados, ainda em suas formas iniciais. Logo em seguida reconheceu também o Chikorita como o líder de um dos dois grupos de Pokémon que brigavam na ocasião. Ele podia estar enfraquecido se comparado a como se encontrava naquela ocasião, mas não debilitado. Mostrava-se mais do que disposto a morrer lutando, talvez por sua morte não estar tão distante assim de qualquer modo.

— E o que a Rejane tem a ver com isso? — perguntou Himiko.

— Tudo! — rugiu Kazu. — Eu pensei que você já soubesse!

— Se eu soubesse não estava te perguntando, né?

O Manectric olhou surpreso para a treinadora, notando que ela estava de fato perdida.

— Eu nunca te contei como conheci a Rejane?

A pergunta era retórica, e ele sabia disso sem precisar ver a cara que Himiko fazia, já irritada por ter seus questionamentos apenas respondida com outras perguntas. Ela estava prestes a gritar de ódio, e só não o fez para não chamar a atenção dos dois Pokémon que persistiam em brigar. Ou pelo menos Teluk, já que Rejane continuava apenas se esquivando.

— Deixa eu ver, por onde eu posso começar…

— — —

A caminhada dos dois Electrike em busca de comida estava sendo mais longa que de costume, mas não menos divertida. Ikazuchi, como sempre fazia, levava tudo em tom de brincadeira, seu bom humor cativando até mesmo seu colega mais sério, Raigeki; o outro, mais velho, tinha a tarefa que considerara ingrata de proteger Kazu no que era a primeira vez em que se deslocava para tão longe da aldeia. A tarefa não se revelou o estorvo que imaginava ser, muito pelo contrário.

— Aí ele perguntou: ‘tem certeza de que você está bem? Acho que perdeu seus elétrons’, e o outro respondeu: ‘positivo, senhor’…

— Ai ai, Ikazuchi, só você com uma piada tão sem graça…

— É, tão sem graça que você tá rindo até agora!

— Sei, sei… — Raigeki escondia o riso, não da piada em si, mas de quão boba ela era. — Você conhece aquela do barril?

— Não, como é?

— Era um barril que ficava no alto do morro, aí um dia derrubaram ele e foi rolando e… — ele trombou com Ikazuchi, derrubando-o no riacho que margeavam. — …caiu dentro do rio!

— Isso não tem graça! — berrou ele, colocando a cabeça para fora d’água após o mergulho inesperado.

— Disso sim eu achei graça… Ha, ha, ha…

— Você vai ver quando eu te pegar, Rai! — as águas tranquilas não ofereciam perigo algum para o Pokémon, que logo nadava até a borda. — Eu não vou ter… Pera, Rai, tem alguma coisa aqui!

— La la la, eu não escutei nada…

— É sério, Raigeki! Tem um Pokémon ferido aqui, me ajude!

O outro relutou em aproximar, temendo por uma brincadeira do colega. Quando o fez, contudo, encontrou Ikazuchi arrastando um balde azulado para a beira do rio, dentro do qual uma pequena criatura agonizava; a Lotad mal conseguia respirar, sua cabeça presa por conta da larga folhagem sobre ela, quase que perfeitamente encaixada sobre a abertura, impedindo a Pokémon de se mover.

— Vamos lá, Rai. Eu seguro e você puxa ela pra fora, ok?

O resgate da Lotad foi o que a trouxe de volta do que seria sua morte certa caso ficasse mais alguns minutos lá presa, mas mesmo isso não lhe trouxe conforto; ver-se livre do enclausuramento era apenas um alívio parcial para a Pokémon.

— Aonde ela está? Vocês viram minha treinadora por aí?

— De que você está falando? — Raigeki perguntou de volta.

— Larissa! — a Pokémon deu às costas aos Pokémon que a salvaram, caminhando com dificuldade rio acima, arrastando aquele mesmo balde em que estava presa instantes atrás. — Aonde tu foste, Lari?

Ikazuchi podia ter se mostrado de certa forma confuso com a situação, mas não Raigeki. Sua experiência lhe dava algumas suspeitas das quais não podia ignorar. O modo como a Pokémon estava presa dentro daquele balde, vagando pelas águas calmas do rio que eles margeavam por um longo tempo sem encontrar presença humana, lhe fazia pensar que ela fora abandonada pela tal treinadora. Algo que não seria de sua alçada, agora que ela lhes dera às costas.

— Ei! — Ikazuchi gritou para a Lotad. — Quer ajuda?

— Vocês não viram alguma humana por aqui?

— Não vimos, mas podemos ajudá-la a procurar. — ele tornou a falar, não sem levar um cutucão do colega mais velho, talvez tarde demais. — Como ela é?

— Ela é baixa, tem… cabelos negros…

— Vamos procurar com ela, Rai! — ele ignorava o olhar de reprovação do mais velho. — A gente pode acompanhá-la rio acima, podemos deixar a caçada pra amanhã.

— Tá, tá bom. — relutou Raigeki, o qual tinha certeza de que jamais encontrariam a garota. — Vamos fazer do seu jeito.

— Juras? — a pequena Pokémon logo se empolgou. — Então vamos!

E logo o trio seguia pelo caminho oposto ao que antes traçavam, abandonando a busca por comida que a dupla elétrica fazia até o incidente.

— Eu sou Ikazuchi. — ele se apresentava à novata, logo tentando se enturmar. — E esse do meu lado é meu amigo Raigeki.

— É, prazer? Eu bem que queria poder responder assim… Meu nome é Rejane. — ela respondeu, trêmula — Vocês parecem ser legais.

— Obrigado…

A Lotad logo se calou, porém. Gostaria de conversar mais, de conhecer os novos colegas, mas sua preocupação em encontrar sua treinadora era muito mais forte. Não queria correr o risco de se distrair.

O tempo foi passando, a caminhada se tornava mais longa, a hipótese de Raigeki se tornava mais forte, apesar de que ele não sabia como falar a respeito disso.

— Desculpa eu te perguntar, mas como você se perdeu dela?

— Bem… — ela hesitou um instante. — A gente estava treinando… ela pegou esse balde aqui e jogou no rio e pediu para eu ir buscar… mas quando eu alcancei acabei caindo dentro dele e…

Os Electrike bem que estavam se perguntando o porquê de ela insistir em levar o objeto azul consigo, por maior que fosse a dificuldade. Não era grande ou pesado para eles, mas o devia ser para ela, tão pequena em comparação aos Pokémon elétricos que a acompanhavam.

Raigeki virou-se para trás, pensando em uma maneira razoável de explicar para ela que o treino era possivelmente apenas um truque da treinadora; sabendo que a tarefa seria difícil para a Pokémon, poderia ir embora sem que a Lotad notasse. Mas a explicação teria de ficar para outra oportunidade, pois Rejane não aguentara todo o percurso, entrando em colapso.

— Raios! — bradou Ikazuchi. — Não podemos deixar ela aqui!

— Verdade, verdade… — Raigeki analisou a Pokémon desmaiada. — Podemos levá-la para a vila. Alguém lá vai poder ajudar ela!

Não haveria de ter sugestão melhor, estando tão próximos do local. A comunidade da qual falava era composta por algumas espécies incomuns na natureza que se uniram para tentar sobreviver juntos. Eles tinham um bom relacionamento com a matilha de Electrike até então, um grupo ajudando ao outro ocasionalmente. Possivelmente algum deles saberia mais a respeito dos Lotad do que qualquer membro da matilha.

E, de fato, não apenas a ajudaram a se recuperar como tornaram Rejane parte da comunidade, logo fazendo amizade com o Chikorita e uma dupla de Squirtle que lá viviam. O primeiro, que também havia sido abandonado por seu treinador, decidiu acolher Rejane como se fosse sua própria filha, inclusive.

— — —

— Tá, agora eu fiquei foi mais confusa do que já estava… — Himiko interrompeu o relato. — Então por que eles estão brigando?

— Eu estava chegando nessa parte… mas se quiser chamar o Nagrev, ele vai poder te explicar melhor. — Kazu explicava. — Quer dizer, ele vivia na mesma comunidade e com certeza estava mais envolvido que eu nisso…

A treinadora voltava a observar o embate, analisando as opções que tinha. Acabara não relatando sobre o lapso mental do Charizard no centro Pokémon como deveria ter feito e, com receio de vê-lo perder o controle novamente, não se sentia bem colocando-o em outra situação que poderia desencadear sua irritação.

Mas no fim decidiu por liberar o dragão de sua pokébola, porém preparando-se para trancá-lo de volta caso ele saísse de si.

— Você gosta de uma confusão mesmo! — bufou ele.

— Eu quero é entender o que está acontecendo aqui! — retrucou a garota. — Kazu me disse que você pode explicar melhor.

— Não tem o que explicar! — ele gritou de volta. — Essa idiota aí destruiu uma ninhada inteira de ovos na minha vila!

Himiko calou-se. Era uma acusação forte demais para ser jogada ao ar daquele modo, motivo pelo qual ela imaginava que o Charizard iria continuar a falar a respeito.

— Eu nunca vou me esquecer da cena, essa Pokémon estúpida caída em cima do ninho, os ovos todos quebrados… e ela ainda tentou fugir da responsabilidade!

— Suas pestes! — Rejane gritou, ouvindo o relato de Nagrev mesmo durante o combate, já que ele falava alto o suficiente com a intenção de fazê-la escutar. — Eu devo ter falado umas duzentas vezes que tem um Seviper vivendo por aqui, mas ninguém me escuta!

— Tá, e como as coisas chegaram nesse nível?

— Bem, o pessoal da vila ficou chateado, e com certa razão, mas a Mahuika passou dos limites. Digo, a mãe do Nagrev. — completou Ikazuchi logo em seguida, ao ver que Himiko não a conhecia. — Os ovos eram dela, e como foi o Raigeki que a levou pro vilarejo, ela foi tirar satisfações com ele, e a coisa não prestou. Ela o atacou, ele atacou de volta… bem, ela saiu bem machucada, o Rai nem mesmo isso. Aí o pai dele foi tirar satisfações de volta… acho que você lembra a guerra que estava rolando aquele dia…

— Então quer dizer que…

— É por causa dessa Lombre dos infernos que todo mundo estava se matando! — Nagrev urrou, visivelmente enfurecido. — A primeira coisa que fizemos foi expulsá-la da vila, mas os Electrike vieram pra cima da gente mesmo assim, eu que não ia deixar barato!

— Ah, é claro, sua mãe mata um dos nossos e você queria que a gente ficasse de boa? Você tem cocô na cabeça ou o quê?

— Vai sentar em um Sandslash, seu canalha!

E Himiko viu-se mais uma vez sozinha, abandonada pelos dois Pokémon que brigavam entre si, desnecessariamente. Finalmente podia entender como a confusão começara, por mais que acabasse por envolver toda a sua equipe no meio dela.

Agora, sozinha, precisaria encontrar um jeito de acabar com ela.

E jamais conseguiria fazê-la se não fosse a chegada de um outro Pokémon entre eles, que apareceu para colocar fim ao embate.

Suas escamas escuras lhe permitiram se aproximar sem ser notado, encerrando um dos combates de maneira súbita. O bote, certeiro, não deu a menor chance de defesa para o já enfraquecido Teluk; O Chikorita agonizou por breves instantes, percebendo apenas em seu último alento que Rejane não estava mentindo. Tarde demais para que pudesse pedir perdão pelo engano — não que ela fosse aceitá-lo de qualquer modo.

O grito dado pelo réptil em seu último suspiro chamou a atenção da outra dupla de brigões, bem a tempo de ver o Seviper prestes a golpear Rejane com sua cauda. Ela, cansada de tanto desviar dos golpes de Teluk, não conseguiria evitar o que viria de seu novo adversário.

— Hoje não! — Ikazuchi desvencilhou-se, atirando sua eletricidade de qualquer maneira na direção da serpente; acabou não o atingindo, mas ao menos o impediu de utilizar o golpe.

— Pare, Kazu! — o grito veio, surpreendentemente, de Nagrev, que atirou o Manectric para o lado com um golpe de sua asa, acrescentando. — Esse aí é meu!

Himiko não desejaria estar no lugar daquele Seviper, com toda a certeza. O Pokémon venenoso viu sua ferocidade se tornar ínfima em contraste ao Charizard, este com um brilho nos olhos como jamais sua treinadora havia visto. Suas presas também reluziam, porém por efeito do fogo que crescia, vazando por entre a boca fechada como uma prévia de um ataque de explosão de chamas. Em vez de atirá-las em seu alvo, contudo, ele preferiu avançar até o oponente, atacando o Pokémon com as presas inflamadas. Os braços do dragão serviam para segurar o corpo da serpente, impedindo-a de se defender com a cauda.

Não era uma batalha agradável de se presenciar. Rejane, em um misto de asco e curiosidade, escondia o rosto para não ver o que Nagrev fazia com seu adversário. E quando tomou coragem de espiar, arrependeu-se de tê-lo feito. Ikazuchi, bem como sua treinadora, não conseguiriam evitar de observar os golpes mesmo que lhes fosse preferível, paralisados com a brutalidade com que o Charizard golpeava o Seviper. Ele era claramente superior, sendo capaz de encerrar com o sofrimento do Pokémon negro quando quisesse. Tanto o Manectric quanto a garota, contudo, sabiam que o desejo do Pokémon draconiano era justamente o oposto, isto é, fazê-lo sofrer o máximo possível.

Tomando o relato da Lombre enfim por verdadeiro, ele decidira que iria fazer com que o responsável pela morte de seus irmãos antes mesmo deles nascerem pagasse caro pela audácia. Aquela situação levara a uma guerra que culminara em um sem-número de mortes, eliminando um a um os seus companheiros de vilarejo; o último deles apodrecendo diante de seus olhos pelo efeito das toxinas da serpente.

E nenhuma dor seria suficiente para vingar todos os que perderam a vida por conta dele.

— Eu… eu não… — Himiko tentava expressar o que via, tendo as palavras bloqueadas pela brutalidade dos golpes desferidos por seu Pokémon.

— Não diga nada… — Ikazuchi soluçou, dando-se conta também de que a guerra que sua matilha travara com a aldeia vizinha, além de não ter sentido, não tinha nenhum vencedor.

Não estavam piores do que Rejane, entretanto. Seu corpo vertia água de todos os poros, uma cena rara de se ver de um Pokémon como ela, que se desidratava enquanto encharcava o chão no seu entorno.

— O que eu podia ter feito? Eu podia ter evitado isso, não podia? — Rejane soluçava em voz alta o bastante para ser ouvida por Himiko ao seu lado. — Eu podia, claro que eu podia, mas como eu seria capaz…

— Você disse alguma coisa? — perguntou a treinadora

— N-não, me desculpe, eu estava pensando alto aqui…

— Olha, tudo bem se não quiser falar, mas eu prometo que não vou te julgar…

— Não é nada, só me deixe aqui…

— Não deixo! — Himiko abaixou-se, falando baixo o bastante de modo que apenas ela pudesse ouvir. — Você tanto me cobrou que eu falasse sobre o que eu sentia, agora é sua vez. — ela a olhava seriamente, completando com um último pensamento. — Nenhum deles vai ficar sabendo.

Rejane sentiu-se culpada pela resposta que recebeu, percebendo sua hipocrisia. Tinha medo do que poderiam pensar dela com sua confissão, porém depois de tudo o que forçara de Himiko, não tinha como não fazer o mesmo.

Olhando para os lados, vendo que Kazu e Nagrev não iriam escutá-la, acabou se abrindo com a treinadora.

— Eu conhecia o Seviper. — murmurou ela. — Achava que conhecia, melhor dizendo. Ele também era da minha ex-treinadora, também foi abandonado por ela. Eu tratava o Gilberto como um colega, escondido de todo mundo no início. Achei que ele podia controlar o seu instinto e se juntar à aldeia também, e foi o pior erro que eu podia cometer. Eu descuidei por um único segundo e ele tentou roubar os ovos da Mahuika… Eu tentei impedir, mas era tarde demais… quando eu me dei conta ele havia me acertado com a cauda, me atirou dentro do ninho, acabei quebrando todos os ovos…

— Tudo bem, Rejane. Acabou.

—Acabou pra vocês, mas não pra mim. Foi culpa do Gil, mas foi culpa minha também. Eu prometi pra mim mesma que me tornaria mais forte, que não deixaria isso acontecer de novo, mas mesmo depois de evoluir sinto que não é o bastante…

— Não precisa falar mais nada. Apenas olhe para a frente. Estamos juntos agora, eu, você, Nagrev e Ikazuchi. Vamos sair daqui e esquecer de tudo isso juntos!

— Ai, Himiko…

O fim de toda a confusão se mostrou um segundo depois, quando o Charizard atirou a carcaça do Seviper para o lado, enfim morto depois de tanto sofrer nas mãos dele. O Pokémon ígneo se mostrava enfim aliviado, mais leve depois de ter sua vingança, porém não sem sentir a dor de ver seu colega que havia sido morto pela serpente. Teluk era, de todos, o que menos merecia passar por isso. Ele fora aquele que se colocara contra Mahuika, tentando impedi-la de tirar satisfações com os Electrike. Se ela o tivesse ouvido, aquela guerra não teria acontecido. Estariam ambos vivos.

Doía. Até mesmo para a treinadora, que pouco tinha a ver com tudo aquilo. Houvesse ou não interferência dela, as mortes teriam ocorrido da mesma forma. Sua atitude impulsiva quando de sua visita anterior àquela floresta lhe permitiu salvar dois dos Pokémon que lá moravam. Dois Pokémon que choravam ao seu lado, assimilando que todos os seus companheiros estavam mortos. Três Pokémon, na verdade; seria injusto não contar Rejane naquela situação, por mais que sua adição à equipe tenha se dado de modo completamente diferente, por mais que tivesse sido expulsa do vilarejo antes que a guerra entre eles começasse de fato.

E, sob o peso do luto, Himiko decidiu sair dali imediatamente. Sabia que eles não iriam parar de sofrer enquanto permanecessem naquela floresta, que apenas o tempo poderia fazer com que parassem os quatro de remoer o que acontecera. E mesmo assim, a fragilidade os iria acompanhar por um bom tempo, sem os abandonar ao menos até que alcançassem Mauville, aonde a treinadora planejava descansar se fosse capaz de chegar ao Centro Pokémon a tempo de encontrá-lo aberto. Acreditava que poderia fazê-lo caso não tivesse outra atribulação como aquela em seu percurso, agora ainda mais melancólico do que do momento de sua partida; seus Pokémon seguiam devidamente recolhidos em suas pokébolas para que pudessem digerir os acontecimentos individualmente.

Se bem que, considerando tudo o que lhe acontecera de errado naquele dia e nos anteriores a ele, não se surpreenderia se acabasse por ter mais contratempos em sua viagem.


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Notas finais do capítulo

Não acho que tenha muita coisa a ser dita aqui, já que o capítulo não é focado na Himiko em si. O que eu posso adiantar é que sim, tem muita coisa ainda para acontecer. E não, esse capítulo não é um filler: pelo menos uma coisa importante na narrativa vai derivar de tudo o que foi mostrado aqui.
Deixo a especulação à critério de vocês.

Notas do in-game: Nenhuma. Apenas passei por rotas que eu já conhecia, visitei a Trick House (que não é assombrada no jogo) para pegar uns níveis a mais e um item ou outro, e segui viagem. Nada de excepcional...

Status do time:

Pokémon: 4
Futakosei (Gardevoir) Lv. 49; Bold, Synchronize.
Ikazuchi (Manectric), Lv.48, Serious, Lightning Rod
Nagrev (Charizard), Lv.48, Naive, Blaze
Rejane (Lombre), Lv.49, Bold, Swift Swim

Mortes: 7 +0 = 7



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