Mundo medonho escrita por Helen


Capítulo 16
Nós somos o Medo.




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O grande hall de memórias se estendia até onde a vista podia alcançar. Graças ao grande conhecimento humano que o Medo de Hugo tinha, Agatha havia conseguido entrar em sua própria mente, e agora procurava ver as memórias que foram completamente esquecidas dos tempos antigos, quando o mundo ainda tinha medos.

A tecnologia de realidade virtual do Campo de Concentração dos Scrupulum, em conjunto com o hipnotismo que o Medo era capaz de fazer criaram uma porta e um lugar estáveis para que Agatha pudesse vasculhar o que precisasse. Mas como ela nunca andou pela própria mente assim facilmente acabaria se perdendo, então o Medo de Hugo foi junto apenas para garantir o sucesso da "missão".

Nada foi feito durante alguns poucos minutos. A garota não conseguia se mover diante a sua complexa mente. Não existiam paredes; apenas um chão escuro. Memórias flutuavam, junto com seus sentimentos traduzidos em cores, e algumas figuras estranhas flutuantes, que representavam eventos ou pessoas que já havia amado muito, mas foram esquecidas com o tempo.

— Vamos. — disse o Medo, cruzando os braços.

Os dois passearam por corredores que pareciam infinitos, rodeados por memórias de anos atrás até ontem. O Medo não parava de repetir para Agatha que, caso ela visse alguma memória que considerasse importante, precisaria avisá-lo. Nada foi descoberto por mais algum tempo. Agatha não achava as tais lembranças importantes, e já pensava em desistir. O Medo não a deixou fazê-lo, já que os Scrupulum estariam procurando uma resposta no mínimo razoável como motivo de Agatha ter os medos como sentimento normal, e a malta cobraria o fator com detalhes, quando a moça "voltasse".

Em meio a toda quietude, uma memória começou a emitir um som incomum. Uma voz estranha, seguida de uma respiração pesada atraíram os ouvidos e olhares dos dois que andavam pela mente. Talvez aquele fragmento fosse o que tanto procuravam! Agatha foi a primeira a correr até a lembrança, e a segurou nas mãos, analisando-a. O Medo subiu nos ombros da moça, e acompanhou o processo. Invadindo aquilo com os olhos, viu o que guardava:

O cenário era escuro, e fagulhas vermelhas e amarelas davam a noção de um fraco incêndio ao redor. A garota corria de algo que não dava pra ver. Ela vestia uma roupa azul, parecida com aquelas que se usam em hospitais. A menina respirava alto, cansada. Seus pés doíam por estarem descalços, e terem pisado em inúmeras pedras e espinhos durante a fuga. Chorava enquanto corria. O terror estava estampado em seu rosto.

— Que tipo de maníaco perseguiria uma criança de onze anos? — perguntou Agatha, vendo-se na recordação.

— Você disse 'onze'? — perguntou o Medo.

— Sim. Eu tenho certeza que essa menina sou eu com onze anos.

— Se você tem dezenove anos agora, faz oito anos que isso aconteceu. Os Medos já estavam soltos, e o Grito já havia sido dado. O uniforme deixa claro que você estava em um hospital, prestes a se tornar Intrépida. O que poderia ter acontecido? Um Surto repentino de Medrosos?

Um grito vindo da memória interrompeu a conversa. Dessa vez, era a voz de um Medroso em Surto.

— Criança, criança, não fuja de nós... Somos seus irmãos! O Superior vai ficar feliz em te ver... Volte! Venha para seus irmãos...

— Vocês me dão medo! — gritou a garota.

— Nós somos o Medo.

— "Irmãos"? — Agatha se espantou. — Como assim?!

— Um Medroso, ou melhor, um Medo está te chamando de irmã... curioso. — o Medo observou a memória mais de perto.

A menina subiu em uma cerca de ferro, e começou a escalar, procurando sair dali. Quem quer que estivesse seguindo-a, parou por um momento. A memória acabou.

— Há mais alguma interessante por aqui? — o Medo se referia às lembranças.

— Deve haver. — Agatha viu ao redor. Os olhos pararam em uma memória branca.

Aproximaram-se do holograma da memória. O Medo depressa percebeu que aquela fora antes da outra.

Uma sala de cirurgia era o cenário. A menina estava sentada em uma maca, de frente para um homem, que parecia médico.

— Finalmente intrépida, huh? — ele sorria, enquanto olhava uma prancheta.

— É...

— Você se mexe muito enquanto dorme?

— Sim.

— Se mexe a ponto de acordar com os ursos de pelúcia fora da cama?

— Sim.

— Oh... Então vamos precisar ter cuidado. Utilizaremos uma anestesia que fará você dormir. Caso se mexa durante a retirada do medo, é bem possível que alguma coisa aconteça com o seu cérebro.

— Tipo o que?

— Nos casos mais comuns, a perda de memória. Mas não se preocupe, se o seu caso for este, com algum estímulo você pode relembrar.

— Como assim?

— As lembranças perdidas ficarão no subconsciente. Se você ouvir alguma palavra-chave que você disse ou ver um objeto que estava no lugar ou até mesmo usar a roupa que você vestia na memória que você perdeu, fará você lembrar. Mesmo assim, se esforce para ficar quietinha.

— Tá.

A memória acabava ali.

— Precisamos de uma mais nova. — o Medo começou a procurar com olhos, até que os parou em outra.

— Mas eu não deveria estar dormindo quando todo aquele 'negócio' aconteceu? — perguntou Agatha.

Você não estava, a outra memória deixou isso claro. Agora vamos.

O Medo guiou Agatha para outra memória, que era toda escura.

"Eu deveria ter dito que eu tenho dificuldades pra dormir?" a voz da menina soou. Tinha sido um pensamento.

Mesmo estando preto, alguns sons davam a entender que os médicos estavam se preparando para a operação. A menina estava com os olhos fechados, mas não dormia.

A porta se abriu.

— Oh, o que está fazendo aqui, César? — perguntou um dos médicos.

Ele não respondeu.

— César?

Parem com essa loucura. — disse ele.

— Que loucura? Você "tá" bem?

Uma onda de pavor soou. O tal César era um Medroso, e estava em seu Surto. Os dois médicos gritaram e em seguida, a menina não sentiu mais suas presenças vivas. Ela abriu os olhos receosa, e se deparou com o César parado, e seu Medo entrando na mente dos dois médicos. Antes que eles pudessem percebê-la ali, ela fugiu pela porta. Foi aí que começou a perseguição. Fim da memória.

— Esse César deve ter te perseguido depois disso. — disse o Medo. — Como ainda tinha medos, ele deveria achar que você era como uma "Medrosa" também.

— Interessante... Bom, vamos voltar? — disse Agatha. — Já estou cansada de ficar aqui.

— Vamos. — o Medo sorriu.

O Medo soltou um barulho estranho, e pediu para que Agatha fechasse os olhos. Ela acordou novamente no mundo real, tirou o capacete da realidade virtual e decidiu descansar um pouco. Sua cabeça doía, mas a moça sabia que valeria a pena.

...

Loch dirigia e conversava com Devit nos bancos da frente sobre algumas burocracias para atravessar as fronteiras, enquanto Ronald e Adler brincavam com o Medo deste último, como se ele fosse um cãozinho. Era irônico um Medroso estar na companhia de três Intrépidos sendo um destes o líder. Mas ninguém se importava com isso naquele momento.

— Ei, sr. Ronald. — disse o Medo, deitando-se de barriga pra cima no colo do rapaz, cansado da última brincadeira. — Você já parou pra pensar o porquê de um Grito?

— Por que uma pergunta dessas tão de repente?

— Curiosidade.

— Não, nunca parei pra pensar.

— A causa dele foi um rapaz, parecido com o senhor.

— Parecido comigo?

— É! O nome dele era...

A conversa foi interrompida por Otsugua, que silenciou o Medo e o escondeu debaixo do banco da frente. Loch baixou o vidro e mostrou as identidades de todos — ele as tinha feito com dados do site dos Intrépidos, e aproveitou para modificar algumas informações "desnecessárias" — junto com os documentos do carro. O policial que estava do lado de fora pediu para revistar o veículo e todos saíram. Otsugua, por sorte, conseguiu esconder o Medo de Adler durante a revista.

Todos voltaram para o carro, e continuaram a viagem. As fronteiras foram passadas com sucesso. O Medo esqueceu da conversa, e acabou começando outra, não tão interessante quanto a última. Ronald, imerso a pensamentos e dúvidas aleatórias que lhe surgiam à mente, acabou perguntando de repente:

— Ainda há pessoas com medos comuns?

Devit olhou para Ronald com um ar de repreensão. O que o garoto estava pensando ao perguntar algo tão 'delicado'?

— Você realmente prefere os medos comuns? — o Medo desviou o olhar, melancólico.

— Para de drama. — disse Adler.

— Mas sabe, ainda existem sim, mr. Ronald. — o Medo se levantou, e começou a andar até Adler enquanto falava, imitando um gato numa caçada. — Eles são dotados da incrível capacidade de... LER NOSSAS MENTES! — em uma virada brusca, o Medo posou como um monstro assustando alguém, levantando os braços e as garras.

— Sério? Pff. — Ronald deu uma risadinha.

— Digo a verdade, e somente a verdade! As pessoas que tem medos comuns são assustadoras. Se eu visse uma delas (Cruzes!!) eu ou as atacaria, ou correria com todas as minhas forças. Claro que a primeira opção é impossível, já que essas pessoas saberiam meus movimentos.

— Um Medo que tem medo. Que ironia, não? — disse Loch, rindo.

— Ora, ora! Debochem de mim enquanto podem! Quando tiverem inimigos no mesmo nível dos meus e pedirem minha ajuda, rirei de suas expressões amedrontadas!

— E como teríamos inimigos como os seus? — Ronald encostou o cotovelo na janela e em seguida a cabeça em sua mão.

— Não precisa ser alguém que tenha poderes como ler sua mente. Talvez haja alguém neste mundo... — o Medo subiu entre os dois bancos da frente. — que consiga ler o seu coração. E talvez... você não queira que esse alguém saiba o que está nele.

— Sério, para de falar besteira. — Loch empurrou o Medo, que caiu no banco de trás. — Se continuar, vou empurrar você pra fora do carro.

— Ficou irritado por causa da verdade, mr. Loch? — o Medo sorriu, maldoso. — O senhor conhece esse alguém...?

— Ele é convencido assim mesmo, ou é só hoje? — perguntou Devit.

— Sempre. — bufou Adler. — Agora vocês devem entender como foi o inferno conviver com essa criatura.

— Ei! — o Medo subiu na cabeça de Adler com uma rapidez impressionante, e começou a tentar atacar o rosto do rapaz.

Ronald ajudou Adler a se livrar do Medo. Otsugua teve que paralisar e silenciar o Medo até o fim da viagem. Mesmo assim, aquelas palavras medonhas haviam causado um certo impacto nos corações dos presentes.


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