Willow escrita por Sangue dos deuses, Thaíse Menezes


Capítulo 2
Cão que ladra... Morde sim




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Era quase compulsório para Iago olhar os seios de Willa. Não é que ele planejasse ou fosse de má fé, ele simplesmente e inevitavelmente acabava com os olhos no decote da ruivinha. E, também, não era por querer ou por má fé, mas era simples e inevitável que Willa o socasse por isso.

Agora, com aquele pingente no pescoço ficou ainda mais difícil retirar a atenção dali.

— Se você não fosse feito de água, estaria com um olho roxo — disse Moa.

— Cala a boca, Moa. — rosnou Iago, ainda com a mão no olho.

— E vai ser pior da próxima vez! — grunhiu Willa, ultrapassando entre os dois, jogando casa um para um lado com os ombros.

— Então para de usar essa regata preta! Fica muito difícil parar de olhar...

— Iago... Corre.

Logo depois do aviso de Moa, Willa, saiu em disparada atrás de Iago, esquecendo-se, inclusive, dos pacotes, que, por sorte, aterrissaram milimetricamente nas mãos de Moa. Deixando-o sozinho.

— Ela tá furiosa com ele. — disse, suspirando.

Repentinamente Moa sentiu algo , passar rapidamente por suas pernas, fazendo-o da um pequeno salto para o lado, ao mesmo tempo em que seus olhos escorregavam para baixo. Um sorriso cobriu seu rosto, quando percebeu a presença de Bran, o labrador da agência, o cachorro que se tornou seu melhor amigo( a exceção, talvez, de Iago) e companheiro inseparável.

— Fica tranquilo garoto, se ela quisesse nocauteá-lo, era só teleportar... — disse enquanto fazia cafuné no amigo — Bem, mas ainda estamos na cidade... então ela não pode. Hmmm, sim, ela está furiosa com ele. Pelos meus cálculos, ela já deve ter batido nele. E já é meio dia... Iago vai querer comer... Estamos no Noroeste da cidade... com certeza eles vão pra cantina da rua dos alfinetes.

Era estranho essa cantina se chamar “Polegada”, Moa no geral tinha pensamentos aleatórios, mas esse fazia total sentido. “Alfinetes + dedos = Desastre”. Eles gostavam muito do local porque não implicavam com Bran, que era uma espécie de mascote (talvez porque o dono do estabelecimento, o senhor Greyhand, um troll, passasse a maior parte do tempo na forma de um cão) que andava sempre grudado a eles. Inicialmente, o cachorro era de Willa, mas ela não se dava muito bem com ele. O que é normal, porque Willa não se dá bem com ninguém, além da mãe. Vive as turras com o pai, se estranha com o tio e se pudesse daria uma passagem só de ida, com hotel e tudo pago para Ludwika visitar Hel[1]

Logo que Moa chegou, o cachorro que vivia abandonado, correndo pelo Hermódromo[2] e latindo pra todo mundo se tornou dócil. Talvez isso tenha sido fruto da própria personalidade de Moa, que apesar de medroso e covarde, quando não há perigo é uma pessoa super relaxada e bastante amoroso, além, é claro, de quase-um-cachorro... Ops

Quando ele finalmente chegou a “Polegada”, uma grande construção de madeira, erguida sob a forma de um polegar gigante, sendo alfinetado por uma enorme tora de madeira (eu sei, nada atrativo para um lanchinho, mas o que posso dizer? Trolls não entendem nada de publicidade? Bem... Dã) , em sua velocidade de tartaruga quase rastejante, seus amigos já estavam lá:

Iago com a boca cheia de comida e Willa reclamando. Tudo normal e na mais perfeita ordem. Porém, Moa estava com um mal pressentimento.

Um arrepio percorria sua espinha, fazendo suas orelhas de lobo saltarem, quase como sentisse que alguém o observava, moveu os olhos para Bran, esperando que esse pudesse identificar se o perigo que pressentia era real, ou não. Mas quando finalmente o localizou ele já estava longe, entrando pelo arco sem porta que permitia a entrada no estabelecimento, e rapidamente esgueirando-se pelas mesas e cadeiras na direção de sua “dona”.

— Deve ter sido só impressão. — Ele suspirou, caminhando na direção do restaurante.

— Eu não ficaria aliviado assim tão rapidamente, “Moa”. — Uma voz raivosa e familiar rosnou logo atrás dele, seguida pela risada de pelo menos dois homens.

— Ka-Kauã — Moa estremeceu, reconhecendo da voz do primo psicopata.

— Não adianta correr Moacir, ou mesmo gritar por ajuda. — A voz agora se confundia com uma espécie de grunhido. — Desde que você falhou nos testes de coragem, cada respiração sua é uma ofensa para nosso clã! Cada batimento cardíaco é um insulto! Seu pai devia ter te matado, como manda a lei! Mas, não... Ele achou “civilizado” deixá-lo vivo! Agora, outras matilhas zombam de nós! Mas eu vou corrigir esse erro, canhembora[3].

Moa virou-se ainda trêmulo, desejando que aquilo não passasse de um pesadelo, mas era real, e ali, segurando sua machadinha manchada de sangue, estava Kauã, seu primo psicótico: uma cópia sua melhorada com músculos sobressalentes, vestindo apenas uma calça jeans rasgada e com a pele pintada com símbolos tipicamente indígenas. Ao lado dele encontravam-se dois lobos negros, cada qual com cerca de dois metros de altura, quatro de comprimento e presas que batem os limites da escala “assusta-para-dedeu”.

— Pode gritar e chamar seus amiguinhos, se quiser, cici! — Ele sorriu maliciosamente, passando a língua por uma pequena cicatriz no canto superior do lábio, uma lembrança, deixada por Iago, da ultima vez em que Kauã tentara mata-lo, no mesmo dia em que fora banido e, por sorte, que conhecera Iago. — Da ultima vez o menino-água conseguiu segurar-nos até os guardas chegarem... Mas dessa vez não existem guardas rodando essa área.

— Seu problema comigo é a zombaria dos outros clãs ou o risco deu voltar e reassumir o posto de sucessor do meu pai, Kauã? — Ele recuou vagarosamente, esperando ganhar tempo suficiente para chegar até os companheiros, mas as travas nos joelhos não permitiam o recuo rápido.

Kauã olhou para Moa furiosamente, sentindo todo seu disfarce, toda névoa em que envolveu seu real motivo por caça-lo dissipar-se: ele desejava garantir a liderança do clã, ele sonhava com isso e essa ambição o remoia por dentro.

— Eu apenas estaria salvando o grupo de um líder fraco. — Disse por fim, mas para si mesmo, como se tivesse tentando convencer-se da necessidade de seus atos, do que para Moa. — Ataquem!

Como se entendessem cada palavra, os lobos (que não eram, como você deve ter imaginado, de fato, lobos) arrancaram a uma velocidade alucinante na direção de Moa, que, ciente que jamais os venceria em uma corrida, berrou com uma voz esganiçada:

— Socorro! Willa! Iago!

Era inútil, ele sabia: antes mesmo de terminar a fala, os lobos já estavam pulando em cima dele, exibindo suas retorcidas e afiadas garras amareladas.

“Droga”. Ele pensou, sentindo sua orelha metamorfosear-se em orelhas de lobo e seu corpo simplesmente congelar-se, como acontecia sempre que se assustava, impossibilitando-o de sequer tentar esquivar do ataque. “Será que nem uma única e mísera vez eu posso me transformar em algo útil?”.

Sentiu lagrimas escorrerem pelo rosto, forçando-se a fechar os olhos, para, no mínimo, não dar a Kauã o prazer de ver-lhe chorar. Mas então sentiu uma forte corrente de ar cruzar seu flanco direito, seguido pela inconfundível voz de Willa:

— Pronto, pode abrir os olhos agora.

— Estamos mortos? — Ele deu uma espiadinha com o olho direito, caçando, sem sucesso, os dois atacantes.

— Não. — Ela respondeu, colocando as duas mãos na frente dos olhos, imitando um binóculo com os dedos.

— O que você está fazendo? — Moa questionou. Enquanto a ruiva parecia acompanhar algo no céu.

Antes que ela pudesse responder, algo caiu pesadamente na frente de Moa, assustando-o a ponto de deixar cair ambos os pacotes, que observou incrédulo os dois lobos em estado de inconsciência.

— Uma experiência cientifica... — Ela deu de ombros, fazendo careta. —... Dois corpos atirados ao mesmo tempo da mesma altura caem no chão no mesmo instante? — pausa — Que foi? — Ela arqueou as sobrancelhas ao ver o brilho de admiração nos olhos de Moa. — Teleporte é algo muito útil e, já que, tecnicamente eu não o usei para sair dos limites da cidade, eu não quebrei a lei de vigilância.

— Maldita! — Kauã esbravejou, arremessando sua machadinha com a mira de um sniper, e força suficiente para partir uma rocha, na cabeça de Willa.

Felizmente algo, que mais parecia um fino tecido de nylon, pôs-se entre a lâmina mortífera e a testa da menina, fazendo com que a machadinha se partisse em pedaços.

— Acho que depois dessa você me deve um beijo. — Iago sorriu, segurando o que parecia ser o cabo de um guarda-chuva.

— Faça isso mais duas vezes... E eu penso no caso. — Willa suspirou, sentindo o coração (que havia disparado com o som do choque) desacelerar-se aos poucos. — Agora se me dão licença... — Ela falou empurrando o guarda-chuva para fora do caminho. — Tenho mais uma bunda para chutar.

Kauã, contudo, diferente de Iago e Moa, não pareceu intimidar-se com a ameaça da Hermódre. O beseker simplesmente pôs-se no chão e, a medida que seus ossos se partiam, alongavam-se, e voltavam a se juntar, tomando a forma de um lobo negro, pelo menos um metro mais alto que os outros dois, ele parecia emitir um grunhido cada vez mais raivoso.

— Ok... — Willa engoliu a seco. — Mau cachorro?

A criatura rugiu, disparando na direção da menina, que por sua vez foi empurrada para o lado por Iago, que partiu em disparada na direção da fera, agarrando-a, pela calda e atirando-a contra um dos casarões de pedra com força suficiente para trincar-lhe a parede.[4]

O beserker escorregou até o chão, contudo, como se a dor do choque nada tivesse sido, ele simplesmente ergueu-se, um tanto desorientado, e se preparou para uma nova investida.

Contudo, identificando com sua audição apurada as lentas e pesadas passadas de uma guarnição de troll’s, e ciente de que nunca conseguiria enfrentar os três e uma guarnição, ao mesmo tempo, o lobo Kauã simplesmente virou-se e, em um salto monumental, subiu no mais alto telhado da mansão, misturando-se as sombras e desaparecendo.

— Essa foi por pouco, em Moa? — Iago suspirou, aliviado.

— Muito menos do que você imagina. — Ele respondeu alarmado, identificando os mesmos passos com suas orelhas lupinas. — Uma guarnição está vindo para cá, se não sairmos logo...Bem... Acho bom inventarmos uma boa desculpa para nos livrar da culpa pela “destruição”.

— Vamos nessa. — Willa falou decidida, praticamente arrastando os outros dois pela rua.

“Ei, idiotas!”. A incomparavelmente enjoada voz de Ludwika ecoou, vinda do ponto onde há pouco encontravam-se o trio. “Não estão esquecendo nada?”

Willa virou-se com uma vontade mortal de socar a prima até que cada uma de suas “perfeitas pérolas brancas” (segundo ela mesma, óbvio) saltasse de sua boca, mas quando a viu ao lado dos dois pacotes, quase (eu disse QUASE) sentiu vontade de abraça-la, mas, por algum motivo, seu “sexto sentido” indicava que havia algo por trás da suposta bondade da prima. Aproveitando o instante em que teleportou-se para pegar os pacotes, para questioná-la, com seu habitual tom “carinhoso”.

— O que você quer?

—Só ajudar um parente. — Ela deu de ombros. — Afinal, como eu, uma prima tão atenciosa, poderia ver minha queridinha falhar por algo tão besta como um ataque de beserkers? — Ela sorriu, de forma debochada, dando uma piscadela e desaparecendo no ar segundos antes de um soco de Willa acertar-lhe em cheio no nariz.

[1] Deusa do submundo (Helheim)

[2] Nome da Mansão dos Appel, conjugada com o Armazém subterrâneo da agência, têm esse nome em alusão a raça dos Appel, os Hermódres.

[3] Fujão em tupi-guarani, uma das línguas mães do povo de Moacir. Para um beserker trata-se de uma ofensa equivalente a “pária”.

[4] Como meio-Vanir Iago possuía uma força descomunalmente superior a que aparentava.


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