Depois da batalha você sumiu escrita por Vindalf


Capítulo 3
Desenlace




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— Minha querida senhora — Thranduil meneou a cabeça, saudando Anna em seu aposento. — Fico satisfeito em vê-la de pé.

Anna estava sentada perto da janela, na verdade, e seu rosto se iluminou ao vê-lo.

— Milord. Espero que esteja bem.

— Peço desculpas por tê-la deixado ontem, mas assuntos inadiáveis me afastaram.

— Entendo perfeitamente, senhor. Tem um reino para cuidar. Não pode ficar bancando a babá para mim. Sua gentileza não tem limites.

— É, para mim, um grande prazer. Diga-me: faltou-lhe alguma coisa? Há algo que eu possa fazer para aumentar seu conforto?

Anna sorriu, genuinamente comovida:

— Não, obrigada. Muito gentil de sua parte.

— Gostaria de convidá-la para uma caminhada terapêutica. É uma forma de compensar minha ausência.

— Adoraria. Vamos?

E foi durante a caminhada que Thranduil jogou a bomba. Anna admirava uma faia alta, impressionada. O rei revelou:

— Legolas demonstrou novamente desejo em vê-la.

— Oh, eu adoraria — disse Anna. — Considero Legolas um bom amigo.

— Ele também. Isso me deixa feliz, por um outro motivo. Aliás, foi por esse motivo que eu a convidei a passear.

— Não estou entendendo.

— Milady, preciso lhe falar mais uma vez sobre a oferta que lhe fiz. É bem-vinda para viver em minha casa e ter seu filho aqui. Mas minha proposta mudou.

Anna empalideceu.

— Quer que eu vá embora?

— Oh, não, não, minha querida, pelo contrário. — Ele tomou o braço de Anna para conduzi-la. — Eu disse que você seria uma convidada distinta. Na verdade, eu gostaria que fizesse parte de minha corte, como uma companheira.

Anna arregalou os olhos:

— Milord?

— Eu me sinto cada vez mais afeiçoado a sua presença, sua companhia. Tê-la aqui como uma mera convidada não refletiria meu nível de afeição por você.

Anna estava confusa. Ela não conseguia entender direito todas as implicações do que Thranduil propunha, mas sabia que Thorin não aprovaria, se estivesse ali. Infelizmente, ele não estava.

— Milord — lembrou ela —, poria em sua corte a viúva de um rei que o considerava menos que confiável?

— Prefiro pensar que Thorin Oakenshield gostaria de saber que sua prometida está segura — apesar de morrido amaldiçoando seu nome.

A lembrança das palavras duras de Thorin, dominado pela doença do avô, doeram em Anna. Thranduil provavelmente notou sua reação, pois pegou sua mão com suavidade, dizendo:

— Desculpe-me tocar em assunto tão desagradável. Permita-me sugerir que permaneça aqui em luto silencioso, para não ameaçar sua recuperação. É uma mulher perspicaz e sensível. Esses anões não fazem a mínima ideia do que rejeitaram. Eu sei valorizá-la. Eu sei seu verdadeiro valor, e jamais a tratarei de maneira inferior. Você merece ser rainha...

Anna se assustou com as palavras dele, estacando de súbito, olhos arregalados, coração descompassado. Thranduil a tranquilizou:

— Posso ver que está perturbada. Não se preocupe. Neste reino, seus desejos serão respeitados. Não será obrigada a nada que não queira. Dedique-se a prantear seu marido morto, a criar seu filho, a governar meu reino a meu lado - a escolha é sua. Apesar de sua mortalidade, estou disposto a partilhar toda sua breve vida e dedicar-me a você, como companheiro, tutor, mentor, amigo ou o que você quiser.

As emoções de Anna estavam em tamanho turbilhão que ela começou a arfar, exausta. Thranduil a levou de volta ao quarto, com cuidado.

— Sei que está exausta. Descanse. Pedirei a Ecthelon que lhe dê uma poção leve.

Anna agradeceu com um sorriso cansado, e ele a deixou. Ainda perplexo, Bilbo resolveu seguir o rei.

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— Aumente a dose.

O médico argumentou:

— Meu lord, eu não recomendaria. Algumas das ervas podem afetar a criança.

— Não me importo com o filhote de Oakenshield — disse o rei élfico desapaixonadamente. — Só ela me interessa, e ela está quase no ponto: é hora de agir.

— Milord, se ela perder o bebê, ela pode não resistir.

Aquilo fez Thranduil se deter. Ele admitiu:

— Não podemos deixar isso acontecer. Faça o que precisar. Eu a quero na minha mão o quanto antes!

Ecthelon curvou-se e saiu, levando o hobbit para longe do rei. A cabecinha de Bilbo girava com tantos pensamentos.

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Após receber ordens estritas de Ecthelon, Anna tomara seu remédio e tentava relaxar após a conversa inquietante com Thranduil. Sua cabeça girava: ele lhe falara de grandes ofertas e oportunidades, praticamente prometera um lugar no seu conselho. Ela não tinha certeza, mas será que ele também fizera uma... proposta de casamento? Oh, se sua cabeça pudesse ficar mais clara...!

"Você não está sozinha, Erulissë."

A frase, com uma conhecida voz feminina, brotou de repente em sua mente, deixando-a ainda mais desorientada. Ela conhecia aquela voz, mas de onde?

Era tanta coisa, Anna estava quase tonta de tantos pensamentos conflitantes. Thranduil parecia mesmo valorizá-la, sempre tão atencioso. Ele fizera tanto por Anna...

Anna pensava no que poderia vir a ser sua vida em Mirkwood quando notou um movimento sorrateiro à sua esquerda. Então tudo aconteceu ao mesmo tempo.

Bilbo se materializou bem à sua frente, Anna ia gritar, mas o hobbit pulou para tapar-lhe a boca. Ainda esfogueada, Anna exclamou:

— Bilbo...! Você me assustou!...

Ele sorriu:

— Seria a primeira vez. Você nunca se assustou antes. Oh, Anna, que saudade...!

Eles se abraçaram. Ela disse:

— Eu também. Pensei que tivesse voltado para o Shire logo depois dos funerais.

— Anna...

— Dizem que foi uma cerimônia lindíssima. Eu gostaria de ter estado lá. Gostaria de ter podido dizer... adeus.

— Anna... — tentou dizer Bilbo, ao vê-la derramando lágrimas. — Não houve funeral. Ninguém morreu. Não há ninguém para dizer adeus.

Anna o encarou, chocada:

— Até você, Bilbo? Pensei que fôssemos amigos!... Por que me tortura assim? Não basta eu ter perdido Thorin –

— Anna, escute! — ele cochichou firmemente. — Thorin está vivo.

— Eu o vi ser atingido! Ele caiu diante dos meus olhos...

— Mas não morreu. Está se recuperando, e quase louco por saber que está aqui. Anna, Thranduil a está enganando. Ele usa drogas para fazer você acreditar nele.

Anna estava confusa:

— Não...! Thorin morreu...! E os anões não me querem lá...! — Ela chorava copiosamente. — Proibiram-me de ir à montanha... por causa do episódio da Arkenstone...

— Não é verdade — insistia Bilbo. — Por favor, Anna, por favor, me escute: Thorin está vivo, e se você não vier comigo de volta para Erebor, ele vai reunir um exército para resgatar você à força. Você quer mais guerra?

— Não, mas... — Ela estava confusa. — Tem algo errado. O rei Thranduil disse que...

Bilbo a interrompeu:

— Anna, confie em mim. Precisa parar de tomar essa beberagem!...

— Mas é o meu remédio. Estou doente.

— Pois eu acho que não está doente, está drogada. Por favor, Anna. Thorin está louco sem você. Thranduil tem algum tipo de plano, mas eu não sei qual é. Pode me ajudar a descobrir.

— Ele quer que eu viva aqui... com ele.

Bilbo disse:

— Ele a mantém prisioneira e você não percebe. Precisa sair dessa ilusão!

Anna indagou:

— É uma ilusão?

— Isso mesmo!

— Thorin está vivo?

— Sim, está. Ele a ama muito.

— E o remédio...

— ... está fazendo mal a você. Seu bebê também está em perigo.

Anna repetiu:

— Bebê...!

Bilbo estava cada vez mais alarmado.

— Anna, vamos fugir daqui o quanto antes, ou vão nos descobrir!...

— Fugir como?

— Como fizemos com a Arkenstone, lembra? Eu levei você e conseguimos sair da montanha sem sermos vistos.

Anna hesitava, desorientada e apática. Ela tinha memórias embaralhadas, e Bilbo parecia falar de alguma coisa que ela sabia ser importante, mas não lembrava direito o que era.

Enquanto Anna hesitava, porém, várias coisas simultâneas aconteceram sem que ela soubesse.

E de repente a porta se abriu, e uma pessoa entrou, e Bilbo sumiu, e Anna entrou em pânico, gritando o mais alto que podia.

"Eu estou aqui, pequena. Não tema."

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Galion, o mordomo, correu a procurar seu mestre.

— Milord, milord! Temos convidados no hall de entrada.

O rosto de Thranduil se fechou numa máscara de ódio. Ele vociferou para o mordomo:

— Convidados?! Não autorizei a vinda de nenhum convidado!

Galion não ousou erguer a cabeça para anunciar:

— Milord, é a senhora Galadriel.

As espessas sobrancelhas de Thranduil se ergueram num sinal de puro choque. Galion pôde perceber que seu senhor não esperava aquilo em mil anos.

Com o máximo esforço para não parecer tão esfogueado, o rei élfico dirigiu-se apressadamente ao salão de entrada. Andou rápido, para não deixar a importante convidada esperando.

Mas encontrou o local vazio.

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Anna sentiu uma luz brilhante atingi-la e parou de gritar, caindo sentada na cama. Então ela ergueu os olhos e viu a linda figura loura, esbelta e etérea, a sorrir para ela.

— Olá, criança.

A mente confusa de Anna se esforçou para reconhecer o rosto. Então ela sorriu, lembrando-se:

— Lady Galadriel...!

— Olá, minha querida — saudou a dama, com um sorriso que parecia iluminar todo o aposento. — Como você está?

— Oh, milady, temo não ser boa companhia. Estou doente. O senhor Thranduil tem cuidado de mim.

— Ele tem, não é? Mas tome um pouco dessa água.

— Tem um remédio...

Suavemente, Galadriel interrompeu:

— Vamos trocar seu remédio. Pode tomar sem medo.

Anna obedeceu, sentindo o frescor maravilhoso daquela água. Imediatamente, desfaleceu na cama, sem perceber a luminosidade intensa que tomou conta do quarto.

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Quando voltou a si, Anna teve a sensação de ter dormido por dias a fio. Ela reconheceu o quarto onde estava: eram seus aposentos no palácio do rei élfico Thranduil. Mas ela não estava certa do que tinha acontecido ou como viera parar ali. Ao olhar para o lado, viu Lady Galadriel a sorrir amistosamente.

— Como se sente, criança?

Anna confessou:

— Sinto-me num sonho, milady. Está mesmo aqui?

— Sossegue, minha querida. As amas a prepararão, e depois de você se alimentar conversaremos. Está tudo bem agora.

Anna obedeceu, de algum modo sentindo-se aliviada ao mesmo tempo que estava apreensiva. Havia algo prestes a acontecer, e Anna podia sentir que era muito importante.

As amas a levaram para um salão onde a esperavam não só a Lady Galadriel mas também o próprio Thranduil em pessoa. Anna não entendia muito bem por que todos olhavam para ela. Lady Galadriel ainda sorria afetuosamente, e foi ela quem disse:

— Agora que está alimentada e descansada, minha querida Erulissë, podemos conversar.

Anna nunca tinha sido chamada de Erulissë, mas sabia ser apenas seu nome em outra língua, não um título. Ela confessou:

— Milady, não sei por que está aqui. Não entendo...

Thranduil acrescentou, tentando conter a irritação:

— Sim, é uma boa maneira de começar essa conversa.

Galadriel não poupou palavras:

— Mesmo depois de Sauron ser banido de Dol Goldur, havia uma perturbação na terra. Era profunda, como se os Valar avisassem de um grande desastre. E os avisos todos apontavam para você, Erulissë. Pois você foi revelada como Eldalinossë, nosso kin há muito tempo perdido, quando optou por abandonar a Terra Média. Isso foi há tanto tempo que se tornou lenda até para os elfos, aqueles que despertaram primeiro.

Anna não entendeu:

— Eu sou... parente de elfos?

— Exato. Sua essência é a de cuidar da natureza, promover cura, saúde e harmonia. Você é uma dádiva a esta terra, e deve ser festejada e preservada. Antes, minhas águas indicavam que você deveria vir para Lothlórien e ser treinada, mas tudo mudou. Você entrou em perigo, em grande perigo.

Ela olhou para Thranduil de maneira reprovadora. O rei élfico pareceu indignado. Anna se espantou:

— Milady, eu estava segura. Lord Thranduil me protegeu, tratou de minha saúde com atenção e dedicação, e me acolheu durante meu luto.

— Um luto que não deveria existir — arrematou a Senhora de Lothlórien. — Seu amado Thorin Oakenshield vive.

Anna quase perdeu o equilíbrio, tamanho choque:

— O quê...?

Ela acrescentou:

— Parece que ele ficou muito ferido na batalha, mas está quase recuperado. Está tão recuperado que pretende vir reavê-la o quanto antes.

Anna se virou para o rei élfico:

— É verdade? Sabia disso, milord? Que eu não era viúva, afinal?

Thranduil tentou minimizar:

— Sim, eu sabia, mas tentei poupá-la.

— Se sabia, por que me disse que me queria aqui, vivendo aqui, criando meu filho aqui?

Galadriel espantou-se:

— Está com criança?

Orgulhosamente Anna declarou:

— Carrego um filho de Thorin Oakenshield. Pensei ter perdido meu amado. Agora... tudo mudou. Eu não entendo... Por que me disseram que Thorin estava morto?

Thranduil ergueu-se para responder, mas foi interrompido pela entrada de quase uma dezena de pessoas, lideradas por Feren, que parecia pálido.

— [Milord, não consegui impedi-los!]

Anna se virou para ver Legolas e a elfa chamada Tauriel conduzindo Thorin e Dwalin, com Bilbo e mais uma meia dúzia de guardas. Ela sussurrou, em choque:

— Thorin...!

Ghivashel...!

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Minutos antes

Feren estava agitado:

Hîr nin Legolas! Precisamos alertar o rei! Um exército nogothrin se aproxima!

— Anões? — indagou o príncipe. — Quantos são?

— Centenas, hîr nin, liderados pelo próprio rei sob a montanha.

— Onde está Ada?

— No momento, recebe a Lady Galadriel.

— Eu cuido dos anões. Feren, mobilize seu destacamento. Há sempre a chance das negociações falharem.

Quando Legolas chegou ao portão principal, o exército da montanha estava praticamente na sua porta. Com Feren de um lado e Tauriel do outro, ele se aproximou, saudando:

— Salve, Thorin, filho de Thráin!

Com armas e armadura, completamente vestido em trajes de guerra, Thorin respondeu:

— Legolas, príncipe de Mirkwood, estamos aqui para reaver nossa rainha. Temos tentado negociar de boa fé, em vista da aliança recente em batalha. Emissário após emissário tem voltado de mãos vazias. Assim, parece que a boa fé não é mútua. Portanto, este será nosso único aviso: devolvam Anna, ou faremos o que for preciso para resgatá-la.

Gritos de guerra foram ouvidos, e, sem se abalar, Legolas curvou-se, dizendo normalmente:

— Milord, esse é um assunto que deve ser tratado entre iguais. Eu o convido a entrar e negociar diretamente com o rei Thranduil. Se dispuser de suas armas e me acompanhar, eu o levarei pessoalmente a ele.

Thorin encarou Dwalin, receoso. Os anões hesitaram. Coube a Dwalin indagar:

— Como vamos saber que não é um truque? Que garantia pode nos dar?

Legolas respondeu:

— Minha palavra.

Óbvio que Dwalin se rebelou:

— E quem confia na palavra de um elfo?

Uma vozinha se ergueu:

— Eu confio! — De trás de Tauriel saiu Bilbo Baggins, provocando comoção em elfos e anões. — Eu garanto a palavra do príncipe.

— E para demonstrar mais boa vontade — acrescentou Legolas —, seu segundo pode acompanhá-lo, desde que desarmado.

Como Dwalin desarmado poderia ser mais mortífero do que muitos com armas, Thorin não fez objeções. Eles depuseram as armas. E foi assim que uma estranha entourage entrou sem ser anunciada num dos salões de Thranduil, provocando pânico em Feren.

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Anna mal conseguia controlar seu coração ao ver Thorin, muito menos as pernas cambaleantes. Ela até se sentia tonta de alegria, se é que isso era possível.

Thranduil ergueu-se de um salto, irado, apontando acusadoramente para Thorin, voz destilando ódio:

— O que ele está fazendo aqui? O que significa isso?

Legolas curvou-se:

Ada, ele veio armado para o combate a fim de resgatar sua mulher. É hora de negociar.

— Eu não vou negociar nada! — sibilou Thranduil, raivoso. — O anão guarda tesouros de nosso povo, Legolas. Ele se recusa a entregá-los! Por que eu faria diferente?

Anna se pronunciou, magoada e traída:

— É isso o que o Senhor de Mirkwood pensa de mim? Que eu sou um tesouro de meu povo, uma relíquia que pode trocar por outra, um mero objeto passível de barganha?

A voz dela crescia com sua indignação. Thranduil parecia igualmente indignado:

— As Gemas Brancas de Lasgalen eram um presente para minha mulher, uma joia. Uma relíquia de família, minha última ligação com ela! Nada mais justo do que eu ter como reparação a mais preciosa joia de Erebor!

— Reparação? Reparação?! — vociferou Anna, aproximando-se dele de maneira ameaçadora. — É assim que avalia tudo que me fez passar? Você me raptou, me isolou de minha família, me fez acreditar que eu estava viúva, me drogou para me deixar mais dócil e cooperativa, para depois me convidar a morar aqui e aqui criar meu filho, não como uma convidada, mas como sua companheira!

Foi nessa hora que Bilbo teve que segurar Thorin antes que ele partisse para cima do rei élfico. Anna estava tão transtornada que continuou:

— Qual exatamente era seu plano? Manter-me permanentemente drogada, anos a fio, até que eu não mais soubesse quem sou? Oferecer-me como resgate pelas joias de sua mulher? E meu filho? Teria a satisfação secreta de vê-lo crescer longe de seu pai, longe de sua herança, talvez chamando um elfo de pai?

Thranduil parecia tão chocado com o desabafo dela que continuava calado. Ela diminuiu a voz, confessando:

— Milord, eu estou decepcionada. Elfos se consideram a epítome de tudo que é belo, harmonioso e sábio. Até hoje, eu não tinha motivos para duvidar disso. Agora... não tenho mais tanta certeza.

O rei élfico tentou dizer:

— Senhora...

Anna empertigou-se toda, esperando que ele continuasse. O salão todo estava em suspense. Quando o rei permaneceu calado, Anna indagou:

— Esclareça-me, milord: ainda sou sua prisioneira? Vai me colocar nas suas masmorras?

Thranduil se horrorizou:

— Nunca, milady, nunca. Nesta casa, será sempre uma convidada mais do que honrada. Ainda mais agora, que temos uma relação de parentesco, minha kin.

A informação impactou Anna. Ela não tinha pensado nessas implicações. Ela deu um passo para frente e indagou:

— Então... posso ver meu prometido?

— Não há impedimento — garantiu ele, os olhos brilhando como se tivessem lágrimas neles. — Não quero que me julgue mal.

Com sinceridade, ela respondeu:

— Vou tentar, milord.

Com dois passos, Anna atravessou o salão e abraçou-se a Thorin, que a recebeu em seus braços cheio de emoção, rodopiando-a. Feren chegou a desviar o olhar, mas Bilbo sorria imensamente, aliviado. Anna chorava, seus dedos percorrendo o rosto dele, como se o toque o fizesse mais real.

— Thorin... Eu fiquei de luto por você... Eu me vi viúva... Tão triste... Não sabia se eu ia resistir...

Ghivashel...

Seus lábios se encontraram, de maneira irreprimível, mesmo diante de todas aquelas pessoas. Lady Galadriel os observava com inequívoca afeição no olhar. Legolas e Tauriel se entreolhavam, tentando ser discretos em sua reação.

— Meu amor, eu lamentei tanto... Pensei que eu tivesse fracassado e não o tivesse salvado...

Thorin encostou sua testa na de Anna, dizendo:

— Shh... Está tudo bem agora. Podemos ir para casa. Vamos embora.

Anna encarou os olhos azuis que tanto amava e respondeu, com um sorriso radiante:

— Sim, para casa. Eu gostaria. Mas antes preciso me despedir.

Thorin franziu o cenho, mas Anna foi até Lady Galadriel e ajoelhou-se diante da magnífica dama, dizendo:

— Milady, eu lhe agradeço muito — mais do que consigo exprimir. Salvou-me de muitas maneiras.

A Senhora de Lórien ergueu-a pelos braços, dizendo:

— De pé, minha criança. Como família, nada tem a agradecer. Vá e confie em seu coração.

Anna cumprimentou Legolas, Feren e Tauriel. Em seguida, ela se dirigiu a Thranduil, curvando-se:

— Agradeço, milord, pela estada.

Ele a encarou, espantado:

— Está me agradecendo, depois de tudo? Depois de saber que eu a tornaria instrumento de minha vingança?

— Não posso negar a dor que me causou — admitiu Anna. — Mas também não posso negar que eu fui cuidada, fui tratada com respeito e dignidade. Jamais tive o tratamento de uma prisioneira e sou grata por isso.

Anna curvou-se respeitosamente e Thranduil respondeu de igual maneira. Ele observou:

— A senhora se mostra espantosamente gentil, milady.

Anna sorriu:

— Qual é o espanto em se tratar seu próprio kin de maneira gentil, milord? — Ela deu o braço a Thorin e completou, sugestivamente. — Como um gesto de boa fé.

O soberano de Mirkwood encarou os dois longamente e repetiu, curvando a cabeça:

— Como um gesto de boa fé.

Anna ouviu Thorin rosnar baixinho e apertou-lhe o braço. A contragosto, o rei sob a montanha também meneou a cabeça, aquiescendo a sua concordância. Thranduil retomou seu ar soberano e decretou:

— E assim termina esse assunto! Feren, reúna uma guarda de honra. Que nossos ilustres convidados sejam escoltados até a borda de nossas fronteiras. Legolas, você será o responsável. Lembre-se: está escoltando nosso kin.

Os dois se curvaram, e o grupo saiu. Nos portões, Anna derramou mais lágrimas ao se reencontrar com Fíli e Kíli, a quem considerava perdidos. Em seguida, eles começaram a viagem de volta, Anna no mesmo pônei que Thorin, agarrada ao marido.

Depois que saíram da floresta, Anna cochichou a seu marido:

— Promete que não buscará vingança?

— Mas eu nunca disse...

Ela o interrompeu:

— Só prometa, por favor.

Ele hesitou, mas pegou a mão dela e beijou-a, dizendo:

— Sim, ghivasha. Eu prometo.

Anna sorriu:

— Obrigada, marido. É bom não ser mais viúva.

Contudo, apesar do alívio que sentia, Anna sabia que faltava mais um gesto para selar a paz definitiva entre Mirkwood e Erebor.

A conquista dessa garantia só foi adquirida meses mais tarde, quando Thorin finalmente cedeu aos apelos de sua rainha e viajou com uma comitiva a Mirkwood. O rei sob a montanha em pessoa entregou ao senhor do reino da floresta as Gemas Brancas de Lasgalen.

Como gesto de boa vontade.

FIM

Palavras em Sindarin

ada = pai

hîr nin = meu senhor

nogothrim = anões, povo anão

Erulissë = graciosa (significado de Anna)

Eldalinossë = kin dos elfos

Palavras em Khuzdul

ghivasha = tesouro

ghivashel = tesouro de todos os tesouros

Outras palavras

kin = família, parente, povo


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