A Caminho escrita por Sra Scala


Capítulo 4
Capítulo 4




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Ele não virá... Vai ignorar minha mensagem como ignorou todas as ligações... Não vai dar tempo... Meu Deus, meus bebês... Depois de tudo, de tanto tempo... E Kassidy não ia conseguir chegar também...

Outra contração. Estavam vindo mais fortes. Céus, minhas costas! Aguente Claire, não empurre ainda... Céus, está doendo! ... Respire... Respire... Pare de chorar e se concentre em respirar...

Minha mão segurava o encosto do meu assento com força enquanto a outra continuava tentando segurar minha barriga, segurando a ponta da toalha ensopada.

A dor aliviou e me deixou respirar melhor. Trinta minutos... Ouvira Kassidy dizer que os bebês começariam a sair quando elas estivessem com intervalos de três ou cinco minutos... Devia ter escutado a Kassidy e ido para a cidade semanas atrás...

Enquanto tentava regular minha respiração vi uma movimentação do lado de fora da caminhonete. Não consegui conter meu choro, de tão aliviada que fiquei: Robbie estava vindo!

Ele caminhava num passo apressado, como se estivesse prestes a correr. Quando viu que eu já tinha percebido sua aproximação ele diminuiu, meio acanhado e um pouco envergonhado. Era como a vez que eu menti para o meu pai e ocultei que Robbie tinha me trancado no celeiro e me deixado lá sozinha no meio de uma tempestade.

Eu não aguentei abaixei o vidro.

–Robbie! Robbie, me desculpa! Por favor me desculpa, eu... Eu sei que tenho sido uma idiota com você é só que... Eu...

Ele se aproximou da caminhonete, mas foi direto para o lugar do motorista.

–Eu sei... Eu tinha me esquecido como você fica quando esta assim. E eu não devia ter deixado você sozinha, me desculpe por isso Betsy... Ainda quer que eu vá devagar?

Eu estava prestes a me desmanchar em lágrimas.

–Não... Quero que vá o mais rápido que puder... Só não me deixa sozinha... Por favor, eu não vou conseguir sozinha...

Cinco minutos depois nós já estávamos de volta à estrada. Me policiei para não ver a que velocidade estávamos. Até por que, algo me dizia que não ia fazer muita diferença.

Outra contração... Fiz o máximo que pude para conter o gemido de dor em minha garganta mas não fui muito bem sucedida... Respira... Respira... Respira... E o alívio veio.

Trinta minutos... Com alguma sorte, talvez dê tempo de chegar ao hospital.

Quando relaxei no banco percebi o maxilar de Robbie relaxando também.

–Está... Tudo bem?

Não consegui responder imediatamente. Ao virar meu rosto para vê-lo vi uma garrafa de água no porta-objetos da marcha.

–Posso...

Vi os cantos da boca dele se suspenderem rapidamente.

–Toda sua.

Depois de beber um gole e colocar a garrafa no lugar, voltei a me encostar no banco, desconfortável por ter ficado tanto tempo na mesma posição. O cinto de segurança não ajudava muita coisa.

–Essa foi a primeira vez que você me chamou de Betsy...

–Sério? Não percebi...

É claro que ele tinha percebido... E me pareceu que ter me chamado da maneira que ele estava acostumado fora, na realidade, um ato involuntário.

–E eu estou bem a propósito... É só que... Não dá para se acostumar com essas dores...

O assunto morreu sem que pudesse fazer alguma coisa. Me contentei em ficar encostada no banco, passando a mão na minha barriga como em uma massagem.

–Betsy... Posso lhe fazer uma pergunta?

–Pode é claro.

Eu até imaginava qual seria.

–O que você disse ao seu pai... Sobre não saber...

A gargalhada que eu queria dar foi interrompida por um grande desconforto. Eu já devia saber que qualquer esforço do meu diafragma daria nisso.

–Desculpe, eu não queria...

–Não... Tudo bem...

Relaxei contra o banco e fiquei olhando para a paisagem campestre passando do lado de fora do carro.

–A parte da festa foi verdadeira... Foi mesmo em uma festa de faculdade que eu... Bem, que eu engravidei... Eu namorava com um cara da Engenharia de Produção... Era o tipo de cara que o meu pai ficaria feliz em ter como genro, eu acho...

–E... Ele sabe?

Essa semana da minha vida iria me perseguir até a minha morte.

–Ah sabe sim... Só não sabe que eu continuei a gestação.

A surpresa de Robbie quase que o fez levar a caminhonete para o acostamento, mas ele logo retomou o controle do carro.

–Desculpe...

Ele estava mesmo perplexo.

Outra contração forte começou antes que eu continuasse a falar. Quando ela passou, voltei a fitar a paisagem passando do lado de fora do carro, massageando distraidamente minha barriga enorme. Não deixei de reparar que ela viera mais cedo do que havia previsto.

–Quando eu disse a ele da gravidez, ele... Disse que eu não deveria ter deixado que acontecesse... Que um filho agora iria atrapalhar o futuro dele, que ele era muito novo para ser pai e que... A família dele iria deixar de ajuda-lo com as despesas que ele tinha... No início eu achei que era só o choque, sabe, mas... Na semana seguinte ele me levou até a porta de uma clínica e me disse que era só ir até aquele lugar e que tudo seria resolvido... Disse até que já havia pago o... Procedimento...

Eu realmente não queria olhar para Robbie agora. Sabia que eu tinha voltado a chorar. Chorei assim durante toda a gravidez, cada vez que me lembrava daquele desgraçado.

–Quando o carro dele virou a esquina eu... Entrei em um taxi, voltei para o meu apartamento e... Fiz minhas malas.

–Betsy...

–Não fique com pena de mim, está bem Robbie? Eu ter contado a você não vai mudar nada.

–Não... Não estou com pena... Só perplexo... Acho... Que podia ter contado a verdade para seus pais.

Eu fiz que não com a cabeça. Eu já não conseguia ver muita coisa por causa das lágrimas que saíam do meu rosto.

–Eles o caçariam e o obrigariam a assumir o que fez comigo... Não quero meus filhos chamando aquele cara de “pai”, ele não merece isso... E além do mais... Se eu disser a eles que não sei quem é... Eles não vão precisar ouvir que o pai deles não os queria...

A perspectiva de mentir para meus filhos por uma vida inteira dilacerava meu peito. Mas era isso ou ter aquele desgraçado na minha vida de novo.

Eu precisava parar de chorar. Precisava me controlar...

Meu telefone começou a tocar e a piscar o número de Kassidy. Antes que eu conseguisse alcança-lo, outra contração começou. Foi Robbie quem pegou o aparelho e atendeu.

–Vou coloca-la no viva-voz doutora. Está me escutando?

–Estou. Robbie, não é? Foi você que teve a ideia genial de deixar uma mulher em trabalho de parto sozinha num fim de mundo de beira de estrada?

A dor amainou e me permitiu relaxar.

–Kassy...

–Ah Claire! Sinto muito, só recebi sua mensagem agora...

–Tudo bem... Me diz que conseguiu uma ambulância...

–Sinto muito... Teve um incêndio grande no centro da cidade, todas as ambulâncias próximas estão sendo usadas ou dando suporte a acidentes menores espalhados pela cidade... Ninguém pôde me dar previsão nenhuma de tempo de atendimento...

Desconfiava que não iria fazer muita diferença àquela altura do campeonato.

–Kassy...

–Como estão as coisas com você Claire, onde vocês estão?

–Não sei...

Foi Robbie quem respondeu:

–Saímos do desvio que pegamos por causa do gargalo há alguns minutos, estamos de volta à rodovia... Mas a cidade ainda está um pouco longe... Talvez precisemos de mais uma hora ou uma hora e meia... E já estou na maior velocidade que me atrevo a ir.

Havíamos desperdiçado quase todo o tempo economizado, mesmo com Robbie mantendo o carro em alta velocidade. Não ia dar tempo... Céus, não ia dar tempo...

–E as contrações Claire?

–Estão com espaço entre vinte e vinte e cinco minutos... Talvez menos que isso...

–Certo... Robbie, a Claire comentou comigo que você cuida dos animais da fazenda do pai dela, isso é verdade?

Percebi que ele ficou um pouco surpreso por saber que eu me lembrava dele durante o tempo em que fiquei fora da fazenda.

–Aprendi uma coisa ou outra ajudando o veterinário.

O veterinário contratado por meu pai não quis morar na fazenda, se instalando na cidade. De fato, a clínica dele era o estabelecimento mais digno de cidade grande que havia lá. E o cara fizera questão de poder atender os animais das pessoas mais humildes também.

–Vai ter que ser o suficiente... Claire, você está com aqueles kits-parto que eu pedi que você carregasse, não está?

Robbie arregalou levemente os olhos, como se tivesse se dado conta do rumo que as coisas haviam tomado.

Eu queria reclamar por ter sido praticamente rebaixada à condição animal para ter que ser amparada por um fazendeiro ajudante de veterinário, mas fui pega por outra contração forte. Forte e longa demais. E no fundo da minha mente alguma coisa me implorava para começar a fazer força.

Não... Ainda não... Respira... Respira... Respira... Não empurra ainda... Ainda não...

Mal consegui acreditar quando a dor passou. A intensidade havia me deixado tonta.

–Claire? Claire! O que está acontecendo?

Eu tinha que escolher entre pensar, respirar e falar. Resolvi continuar respirando. Foi Robbie quem falou:

–Ela teve outra contração...

Ouvi Kassy dizendo algo que me pareceu ser “dez minutos”. Não ia dar tempo...

–Escuta Claire, eu sei que você não esperava que os gêmeos viessem antes da próxima semana, sei que todas as previsões que fizemos indicaram que eles só nasceriam mais tarde, mas não tem como parar isso, entendeu?

Merda, não! Meus gêmeos não podem nascer em uma maldita caminhonete!

–Eu a conheço o suficiente para saber que você está preocupada com os seus bebês, isso é normal, mas Claire, adiar o nascimento deles só vai prejudicá-los, e a você também. Os gêmeos estão bem, estão grandes e saudáveis, e estão na posição certa para nascerem. Eu preciso que você confie em mim e acredite no que estou dizendo. Está me escutando?

–Estou...

–Ótimo. Onde estão os kits?

–Na minha mala...

–Bom... Robbie, você precisa parar o carro e ajudá-la.

–Eu não sei como fazer o que está me pedindo.

–Não se preocupe com isso, eu vou ficar na linha e orientá-lo... É melhor colocar o triangulo, isso pode demorar.

Enquanto estacionava, ele passou o número do telefone dele. “Por precaução”, caso a bateria do meu arriasse.

O carro parou e Robbie saiu deixando o pisca alerta ligado e se afastou com o triângulo de sinalização na mão. De volta ao carro, ele pegou as duas sacolas de viagem e as colocou no banco do motorista como Kassy havia orientado. Depois deu a volta e abriu a porta do carona.

–Claire, preciso que você se levante um pouco para o Robbie poder ajeitar o interior do carro. Você deve sentir uma contração forte, Robbie, preciso que a ampare.

Eu nunca o tinha visto sério daquela maneira. De certa forma, isso me tranquilizou.

Robbie estendeu a mão para mim, mas acabei pegando direto em seu pulso. Enquanto me ajeitava para sair do carro, percebi o quão dormentes minhas pernas estavam depois de ter ficado tanto tempo na mesma posição.

Ao praticamente escorregar o banco do carro para o chão, a contração prevista por Kassy veio, o mais desesperador foi a impressão de sentir um dos bebes se deslocando para baixo. A mão que apertava o pulso de Robbie se firmou no braço dele, enquanto a outra buscou apoio na parte de trás da camisa.

O que me surpreendeu foi que, além de ele não ter reclamado que eu estava apertando forte demais, com um dos braços ele manteve meus ombros encostados a ele como se estivéssemos em alguma dança bizarra e bem dolorida. Ou outro braço enlaçou minha cintura e começou a fazer um movimento suave na parte baixa das minhas costas. Exatamente onde estava doendo.

Era sensação era estranha, ao mesmo tempo em que a dor da contração me desesperava, a massagem me tranquilizava.

–Vai acabar tudo bem Betsy, já devo ter feito isso umas dezenas de vezes lá na fazenda.

Ele deve ter dito tão baixo que duvido que Kassy tenha escutado.

–Não me compare com às éguas do meu pai seu roceiro idiota.

Robbie gargalhou.

–Agora sim é a Betsy que eu conheço.

–Ah... Sabe, eu odeio ter que interromper esse momento in love dos pombinhos do campo, mas vocês estão perdendo tempo. Claire, você colocou toalhas ou mantos na mala?

–Sim... Três conjuntos de toalha de banho e de rosto e 4 mantos para os bebês... As toalhas estão na mala preta, assim como os kits, os mantos na bege.

–Tá. Robbie, deixe Claire apoiada na porta da caminhonete, ela ainda deve conseguir ficar de pé. Claire, as contrações devem ficar mais próximas agora, tente manter as pernas um pouco afastadas, isso vai ajudar na dilatação. Preste atenção nos sinais que seu próprio corpo te manda, tá?

Eu já não me sentia tão assustada como antes. Provavelmente coisa da adrenalina em alta.

–Robbie, abra as malas e pegue os kits, as toalhas e os mantos, duas das toalhas de rosto você vai abrir e colocar por cima das malas. Coloque as toalhas, os mantos e dois dos lençóis que estão no kit em cima de uma das malas, na outra, eu quero que você separe os itens que vieram.

Enquanto Robbie seguia as instruções de Kassy, eu tive uma contração. Veio bem mais rápido do que quando eu estava sentada, e com tanta força quanto a anterior. A vontade de empurrar era grande e bem difícil de retardar.

Robbie estava bem perto de mim e percebeu quando eu alterei minha postura para suportar melhor a contração.

–Betsy?

Só consegui fazer um sinal para ele continuar o que estava fazendo.

–Robbie, presta atenção aqui! A Claire vai te chamar quando ela precisar de você. Quantas luvas descartáveis tem aí, quatro?

–É, mas espera... Tem mais duas no kit de primeiros socorros do carro.

–Maravilha. O mais tem nesse kit?

–Hm... gaze, algodão, bandaids, ...

–Tá, fica com as luvas, com os pacotes de gaze e o algodão, deixa a caixa por perto, mas fora das toalhas.

Parei de prestar atenção neles quando outra contração começou. A pressão por empurrar pareceu veio forte demais para eu consegui conter. Senti de novo meu bebê descendo, só que dessa vez e tinha certeza de que não era mais sensação. Lutando contra a vontade de empurrar, levei uma das minhas mãos até a virilha, tateando minha pele... E toquei no que pareceu se um montinho de pelos pastoso, macio, pegajoso e quente. Toda a sensação de segurança pareceu se evaporar no momento em que me dei conta do que era aquilo.

–Meu Deus... Robbie! Robbie está descendo...

A dor pareceu aumentar e eu não consegui falar mais nada. Por sorte, foi questão de segundos até ele chegar até mim. Ele colocou um de meus braços em volta dos ombros dele e me direcionou até o lugar do carona. Percebi que o assento estava forrado por um lençol branco. Foi quando a pressão aliviou, e eu senti a cabecinha do meu bebe voltar.

–Betsy, eu sei que quer descansar, mas precisa se sentar...

Eu fiz que sim com a cabeça, preferindo respirar a falar alguma coisa. Ele me colocou de costas para o banco e esperou eu colocar um pé no degrau da caminhonete.

–Pronta?

E eu tinha outra opção?

Segurei-me no apoio de mãos do teto e Robbie meu deu um leve impulso para que eu sentasse de volta no banco, me ajudando ainda a me ajeitar sem tirar os lençóis do lugar.

Percebi Robbie mexendo em alguma coisa em baixo do banco até que ele o empurrou gentilmente para trás, aumentando o espaço ente minhas pernas e o painel do porta-luvas. Conseguindo entrar um pouco mais dentro do carro, ele foi até o outro lado do banco e eu senti as costas do banco cedendo para trás. Eu me mantive ereta, segurando os braços de Robbie.

–O banco está firme Betsy. Encoste e tente relaxar um pouco.

–Kassy... Cadê a Kassy...

–Estou aqui Claire, estou ouvindo você, não se preocupe... Tente relaxar um pouco, as contrações vão ficar bem...

No susto sentir outra contração tão perto da última, me agarrei mais ainda à Robbie. Não adiantava lutar contra a vontade de empurrar, então eu empurrei. Robbie sutilmente fez com que eu me encostasse no encosto do banco.

–Preciso que me solte Betsy, não vou conseguir ajuda-la se continuar me prendendo.

–Não... Você vai embora... Vai me deixar de novo... Eu não...

Não dava para falar... Sequer conseguia gritar... Só podia ceder à pressão e empurrar.


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