I Know You

Eu acredito, eu acredito que há amor em você
Grades bloqueando nas avenidas empoeiradas
Dentro do seu coração, apenas com medo de ir
Eu sou mais, eu sou mais do que inocente
Mas apenas dê uma chance e deixe-me entrar
E eu vou te mostrar caminhos que você não conhece

Chiyuki passou os dedos pelo rosto de Decim e pôde sentir toda a tensão nele. Queria, ao menos uma vez, poder ver seu sorriso, vê-lo sem aquela máscara impassível. Algo na frase que ele havia dito ainda a incomodava, um sentimento que não achou poder sentir por ele, mas que agora apertava seu peito.

“Eu quero conhecê-la melhor, senhorita Chiyuki.”

A morena ainda conseguia ouvir a frase se repetir em sua cabeça, junto com “É errado eu querer entender isso?”. Como aquele homem sem expressão alguma, feito apenas para julgar imparcialmente conseguia fazer seu coração se acelerar? Por que queria tanto fazer com que ele demonstrasse seus sentimentos? Chiyuki tinha noção de que talvez ele não tivesse um coração, já que sabia que ele era apenas um julgador, mas Decim era diferente dos outros. Ao contrário, por exemplo, de Ginti, o homem de cabelos claros queria entender e sentir algo.

Os olhos azuis ainda estavam fixos nos seus, a boca ainda era uma fina linha sem expressão. Chiyuki viu pelo canto do olho que mais pedaços de sua casca caía, indicando que ela não era nada além de um manequim que logo sucumbiria graças ao tempo que passara ali.

Eu acredito, eu acredito que você pode me amar
Mas você está perdido no caminho para a miséria
E o que eu dei a você
Eu nunca poderia ter de volta

Aproximou-se; estava a poucos centímetros de Decim, o drinque que ele acabara de preparar estava no balcão esperando por ambos, mas naquele momento não importava. Colocou os dois dedos no canto da boca de Decim, forçando para cima mostrando como ele deveria sorrir.

- Se está feliz, Decim, deve sorrir. – Chiyuki disse, mesmo não esperando que ele fizesse o que pedia.

- Eu não sei como fazer isso. Na verdade não entendo.

- Eu queria poder fazer você sentir cada sentimento humano, queria mostrar o que faz as pessoas serem tão especiais.

- Eu não poderia fazer isso, sou apenas um boneco, um julgad- Antes que Decim completasse a frase, Chiyuki colocou um dedo nos lábios dele, calando-o.

- Não Decim, você é mais que isso.

- Sabe que não.

- Eu sei que sim. Você quer entender os humanos. – A morena colocou uma mão no peito do outro, no lugar onde deveria estar seu coração – Se não sentisse nada, não iria desejar isso. Querer as coisas é algo que está encravado no ser humano.

- Talvez seja apenas um desejo de julgador, ou uma simples coincidência.

- Você pareceu afetado quando eu falei que talvez seu julgamento estivesse errado.

- Apenas fiquei chocado com a veracidade daquelas palavras.

- Você tem um coração aqui dentro, Decim. – O olhar dos dois se encontrou novamente – Eu sinto isso. Se você pudesse viver com os humanos, com certeza ia saber e sentir também.

- Isso é impressão sua.

- Eu espero que não.

Chiyuki ficou na ponta dos pés e beijou Decim rapidamente; quando se afastou, percebeu que ele a olhava espantado.

Não complique,
Não deixe você mesmo insano
Sim
Diga o que quiser, mas eu sei que você quer ficar

- O que foi isso? – Perguntou Decim, olhando diretamente para Chiyuki.

- Um beijo.

- Eu sei, mas por quê?

- Humanos beijam quando querem mostrar que gostam muito de outra pessoa.

- Eu sei quando humanos se beijam, mas por que me beijou?

- Isso não te parece óbvio?

- Você gosta muito de mim?

- Achei que tinha ficado claro com o beijo.

- Mas por que gosta muito de mim? Eu sou apenas um boneco, um julgador, alguém que não compreende os humanos.

- Não – Chiyuki envolveu o rosto de Decim com uma mão, sorrindo antes de continuar – você é muito mais que isso, Decim. Muito mais.

A morena voltou a se aproximar, mas parou centímetros da boca de Decim quando ele falou:

- O que eu deveria fazer?

- O que você achar que deve.

Acabando com a distância entre os lábios dos dois, a mulher voltou a beijá-lo, dessa vez fechando os olhos no processo. Decim inclinou-se levemente, fazendo com que Chiyuki não precisasse mais ficar na ponta dos pés para continuar a beijá-lo. O homem de cabelos claros colocou hesitante uma mão no rosto da morena e retribuiu o beijo, envolvendo a cintura da mesma com o outro braço. Lembrava-se que nas memórias das pessoas que havia julgado que era assim que humanos beijavam, então achou certo intensificar a carícia fechando também os olhos e abrindo a boca para que a língua da morena entrasse.

Quando se separaram Decim tinha o rosto levemente ruborizado, fazendo Chiyuki rir ao ver outra expressão no homem que não fosse de pura impassividade.

- O que é isso que estou sentindo? – Perguntou Decim, segurando o peito.

- O que está sentindo?

- Algo... aqui...

- Acho que você gostou do beijo. Talvez goste de mim também.

- Sim, acho que é isso. – Respondeu, fazendo com que a morena ruborizasse também.

- Quer tentar de novo para confirmar ou não?

- Sim.

Então, por favor, eu conheço você, baby
Eu conheço você, baby

Dessa vez foi Decim que se inclinou para beijá-la. Envolveu a cintura de Chiyuki com os braços enquanto ela envolvia o pescoço dele com os seus. Decim queria cada sentimento humano, sentir cada coisa que eles tanto demonstravam. Achava que sendo um julgador não teria nada daquilo e por isso não entendia, mas a cada dia que passava a necessidade de conhecer tomava conta de si. Ter Chiyuki nos braços fez com que ele sentisse algo novo dentro do peito, algo que era agradável, que fazia com que todo seu corpo agisse em resposta.

Não sabiam dizer quando Chiyuki começou a segurar no cabelo de Decim puxando-o mais para perto, antes de quase sentar no balcão, quase derrubando os drinques que haviam sido esquecidos ali. Se separaram com uma Chiyuki sorrindo e abaixando a cabeça envergonhada; Decim ainda envolvia sua cintura com os braços.

- Isso foi bem... revelador para você? – Perguntou a morena, olhando timidamente para Decim que tinha o rosto completamente vermelho.

- Sim.

- Acha que pode julgar o que sente se baseando nesses beijos?

- Eu não sei. Talvez. – Decim parecia realmente confuso, fazendo Chiyuki rir com o rosto vermelho e a expressão nervosa.

- Acho que os drinques vão esquentar.

- Sim.

Chiyuki estendeu a mão para pegar o drinque azul que Decim havia preparado, bebendo um gole. Só depois percebeu que Decim não a acompanhava no gesto, sentindo tudo ao seu redor perder o foco.

- Eu sinto muito.

Foi tudo que ouviu antes de cair em um sono profundo, sendo amparada pelos braços de Decim.

- Eu realmente sinto muito. – Repetiu o homem, mas Chiyuki já não podia mais ouvi-lo.

(As sombras do seu coração
Estão penduradas nas folhas, esperando por mim
Eu conheço você, baby
Os segredos que você esconde, veio apenas para nos afogar
E é exatamente assim
Eu conheço você, baby).