Bem, era tarde demais para avisar a eles sobre mim.

* 24 horas antes.

O Beliche estava pronto. Jemma caprichara na hora de escolher os lençóis e estendê-los cuidadosamente sobre a cama. Era realmente um alívio saber que Skye permanecia da mesma forma que antes, seria perturbador receber suas amostrar de DNA e descobrir que ela não era mais a mesma. Simmons permitiu-se apreciar o quartinho por quase um minuto. Skye saía da Quarentena e, em breve, aquele lugar voltaria a ser a bagunça que era quando ela estava ali.

Jemma Simmons não era mais a mesma. Aparentemente, toda a maldade e frieza por trás da H.I.D.R.A. a fez questionar-se sobre qual era o real motivo de estar ali. Depois de presenciar tanta dor e morte, seu coração parecia ter se fechado completamente para a maravilhosa jornada de mistério que a impulsionava no princípio. Perder Triplett tinha sido a gota. O fim de toda aquela sedenta busca pelo estonteante mundo do desconhecido. Na verdade, a palavra “desconhecido” tinha adquirido um novo caráter para ela. Um atributo obscuro, que estava diretamente ligado à “potencialmente perigoso”. Sua nova consciência a aconselhava insistentemente a desprezar o pressuposto inocente de que todas as coisas poderiam ser estudadas e usadas para fazer somente o bem. Agora, para ela, fazer o bem estava mais ligado a eliminar ameaças, exatamente como pensava a Agente May até algum tempo. Os papéis haviam sido invertidos.

Os ponteiros do relógio de parede insistiam em mover-se rapidamente naquela noite, como se estivessem apressados em dar alguma notícia bizarra. May e Coulson discutiam com Bobbi e Mack a possibilidade de inserirem uma nova instalação externa para estacionar os novos equipamentos doados pelo General Talbot que parecia realmente estar ajudando eles dessa vez. Fitz, Simmons e Skye tomavam café despreocupadamente enquanto ouviam o britânico contar-lhes histórias engraçadas sobre Hartley e Bobbi.

- Elas se davam bem demais. Acho que foi aí que eu comecei a correr perigo.

- Hartley era ótima. – Skye mencionou, mexendo a xícara de café. – Se eu soubesse sobre o Obelisco naquela época, poderia ter parado aquilo.

- Hartley foi teimosa. Ela odiava seguir ordens.

- Assim como você, Skye. – Simmons comentou, tomando um gole de chá. – Mas graças a Deus aquela coisa não pode mais machucar ninguém.

- É. – Skye olhou para Fitz, um pouco desconfiada.

- Mas Trip pagou um preço alto por isso. – Hunter deitou-se mais ainda no sofá e coçou o cabelo com uma das mãos. – E o Mack ficou possuído pela coisa Alien bizarra.

- Trip. – Simmons relembrou-se com pesar. – Ele se sacrificou por nós.

Skye olhou o próprio café e o devolveu à mesinha. Ela sabia que as coisas lá embaixo tinham ficado bem piores do que a equipe poderia imaginar. Ainda não estava pronta para reviver aquela experiência, e por mais que Fitz estivesse fazendo um ótimo trabalho como confidente, dentro de Skye as coisas estavam mais escondidas do que conseguiam permanecer. E conversar sobre o Obelisco e sobre a morte de Trip não era o melhor jeito de conter o terror dentro de seu peito. Se aquela conversa persistisse, logo as coisas iriam começar a tremer

- Não vamos mais falar disso. – Fitz pedia, encarando o próprio café. – Skye acabou de sair da Quarentena.

- Mas isso é um sinal de que ela está pronta pra outra. – Jemma olhou para a amiga com um sorriso no rosto. – Não sei o que eu faria se suas amostras de DNA se modificassem tão drasticamente como as de Raina. Eu fiquei apavorada ao ver aquele arranjo. Nunca vi nada parecido com aquilo na vida.

- Acho que devíamos deixar Skye descansar mais um pouco. – Fitz cortou o assunto, percebendo que a respiração de Skye começava a se acelerar. – Ela passou muito tempo isolada.

- É exatamente por isso que ela deve ficar aqui conosco, Fitz – Jemma estranhou o cuidado excessivo que Fitz estava empreendendo a Skye. – Ela passou muito tempo sozinha e, sinceramente, Skye não me parece muito cansada. – a cientista direcionou-se à ela. – Você quer descansar, Skye?

- Eu... Não, eu posso... Quer dizer, aqui está bom. – ela respondia tensa, procurando estabilizar sua respiração. – Está tudo bem, Fitz.

- Viu, Fitz? – Jemma olhou para Fitz e Hunter. – Ela está ótima. Você mesmo conferiu os resultados do exame dela. Está tudo em ordem. Skye não se transformou em uma coisa bizarra como a Raina. Vocês precisavam tê-la visto.

- Como ela estava mesmo? – Skye perguntou, enquanto procurava manter-se calma.

- Coberta de espinhos. – Skye engoliu em seco com a informação, apenas imaginando o que Simmons faria quando soubesse a verdade sobre ela. – Ela feriu os agentes com as próprias garras, ou o que quer que tenha crescido no lugar das mãos dela. Eu ainda acertei um tiro ou outro, mas ela fugiu do mesmo jeito. Você teve sorte de não ter sido atingida pela toxina que a transformou naquilo.

- Uau. – Skye pronunciou, nitidamente ofendida com o comentário de Jemma. – Ainda bem que eu não me transformei, não é, Simmons? – Skye olhou para cima e em seguida suspirou rapidamente. – Aposto que você nem ao menos suportaria me olhar sem sentir nojo de mim.

Skye levantou-se e saiu da sala, antes que pudesse dizer mais alguma coisa. Jemma ainda abriu a boca para falar algo, mas as palavras não encontraram uma forma coerente de sair. A única coisa capaz de quebrar o silêncio fora o barulho de uma xícara quebrando-se ao escorregar da mesa.

- Foi mal. – Fitz desculpou-se, quase que por um susto. – Minhas mãos não acordaram muito bem essa manhã.

Fitz esperou alguns segundos antes de seguir Skye. Naquele momento ele era o único que podia entendê-la. Ele sabia a dor de ser deixado de lado por se tornar algo diferente de quem costumava ser, embora compreendesse que sua equipe ainda o amava e acreditava em seu potencial. Simplesmente entendia que certas coisas nunca mais seriam as mesmas e ele estava ali para dizer a Skye que aquilo era necessário para sua sobrevivência. Ela precisaria ser forte. Mais do que o usual.

- Skye, não...

Ele aproximava-se lentamente dela, enquanto via a água chacoalhar dentro da garrafa transparente. Os lençóis pareciam vibrar ao som do choro abafado de Skye, que pressionava o travesseiro contra o próprio rosto, na tentativa de evitar o pior. As gavetas do pequeno criado mudo batiam umas contra as outras e Fitz ouviu o bip do monitor acelerar-se como se medisse a frequência cardíaca da garota. Ele apenas observou tudo ao redor e ajoelhou-se na cama ao lado dela, a puxando contra si.

- Ei, está tudo bem. – Fitz a segurava, enquanto a garota ainda segurava o choro. – A Jemma não quis dizer aquilo. Ela ama você e só está preocupada. – ele a abraçava mais forte, sentindo sua frequência cardíaca aumentando. – Por favor, tente se acalmar.

- Eu não posso, Fitz. – Skye murmurou, sentindo que ia explodir a qualquer momento. – Eu não posso vê-la me rejeitar dessa forma! – Skye deixava o choro escapar aos poucos. – Quando ela souber a verdade... Quando ela souber a verdade, Fitz...

- Ela vai entender, Skye. Eu sei que ela vai entender.

Fitz afastou-se de Skye e a fitou por alguns instantes, imitando o modo como ela deveria procurar respirar.

- Faça assim. – ele inspirou fundo e ela o seguiu. – Isso. Agora deixe o ar sair com calma pela sua boca. – Skye seguia com exatidão todos passos que Fitz indicava. – Isso mesmo – ele a observava inspirando e expirando com os olhos fechados até que tudo ao redor (começando por ela mesma) se estabilizasse novamente.

- Está tudo bem – ela dizia pra si mesma, mais como uma tentativa de se convencer daquilo. – Vai ficar tudo bem.

- Essa é a minha garota.

Skye abriu os olhos e Fitz estava com as mãos na cintura com uma expressão indecifrável. Ela apenas aproximou-se dele e o abraçou silenciosamente, dessa vez sem nenhuma lágrima escorrendo pelo seu rosto.

(...)

A noite caíra rápido, sem avisos ou reclamações. Jemma não estava mais com o sorriso de horas atrás. Seus dedos agora tremiam nervosos e ela segurava uma lágrima que nem mesmo sabia por que estava ali. Ela encontrara as novas amostras do sangue de Skye. Elas haviam sido adulteradas. Por ele. As duas pessoas que mais amava naquela base estavam mantendo coisas escondidas dela, e honestamente, Simmons tinha medo de descobrir o que era. Mas existia algo que ela temia muito mais do que saber a verdade.

- Skye. – Simmons invadia o quarto da amiga, sem cerimônias. – Até quando você pretendia esconder isso? – ela apontava para as amostrar de sangue adulteradas. – Está vendo esses resultados bem aqui? São de alguns meses atrás, sabia? Oh, claro – a britânica pronunciou num inglês impecável e carregado de sarcasmo. – Você já sabia disso, não é mesmo?

- Simmons, por favor. – Skye levantou as mãos na direção dela, como se tentasse impedir que ela se aproximasse. – Não.

- Não o quê, Skye? – Jemma passou uma das mãos no cabelo, seus olhos já estavam cheios de lágrimas. – Você... Eu não sei o que pensar nesse exato momento.

- Jemma, eu posso explicar tudo, se você ao menos...

- Foi você quem causou aquilo? O colapso do templo? Por isso estava ilesa no meio de toda aquela destruição? Foi você? – Simmons estava irredutível.

- Por favor, Jemma – Skye olhava para os lados assustada, procurando alguma coisa que estivesse começando a ficar instável. – E-eu... Eu sinto muito mesmo por isso, mas você tem que entender que o que está acontecendo é maior do que...

- Foi você, Skye? – o tom de voz de Simmons se alterou mais do que o normal, fazendo Skye se calar bruscamente. – Apenas responda a minha pergunta!

Skye apertou os olhos e virou-se de costas para Simmons. Ouvi-la falar daquela maneira era apenas uma pena adicional ao seu próprio sofrimento. Não podia mais se conter. As lágrimas, a temperatura... O som que ecoava em seus ouvidos... O mesmo som que ouvira no momento em que o casulo se rompia. Skye era aquilo. E por mais que odiasse o medo que tomava conta de si, ela sentia as vibrações percorrerem todo o seu corpo como se fosse uma espécie de fio-terra e amava a sensação de estar conectada a tudo ao seu redor. Amava sentir o batimento de seu coração acelerando-se. Amava sentir as mãos esquentando e algo dentro de si gerar uma energia maior do que ela podia controlar. Amava ser a Daisy de que Cal tanto falara. E de fato, essa era a sua verdadeira eu.

- Sim, Jemma. – Skye voltou a virar-se para ela, agora percebendo que tudo ao redor vibrava e estremecia no mesmo ritmo em que suas emoções cavalgavam. – Essa sou eu agora.

Jemma olhou ao redor e deu dois passos para trás ao perceber o que se passava dentro do quarto da garota. Em questão de segundos, todos os agentes estavam ali, observando o que Skye conseguia fazer sem nem ao menos levantar um só dedo.

- Você me perguntou, Jemma. – Skye falava, imóvel, apenas encarando a cientista com os olhos marejados. – Aqui estou eu. Eu sou a personificação dos seus medos agora, não sou?

- Skye, por favor acalme-se. – May procurava aproximar-se dela, com cautela. – Vamos apenas conversar pacificamente...

- Não teve nada de pacífico na abordagem de Simmons, May! – Skye pronunciou, num choro quase fora de controle. – Ela tem nojo de mim, nesse momento! E todos vocês devem estar aterrorizados comigo agora! – ela enxugou as lágrimas, mas as coisas continuavam a tremer ao redor. – A S.H.I.E.L.D. não é mais lugar para mim. Eu sou uma ameaça, não é mesmo? – ela dirigia-se a todos, mas especialmente à cientista que estava com o rosto vermelho. – Então, para o bem de todos, fiquem longe de mim. – ela caminhou para fora do quarto, destruindo quase tudo pelo meio do caminho. – Sabe o que dizem: “Onde quer que eu vá, a morte me segue.”

Skye seguiu até a saída da base e digitou alguma coisa no painel, liberando a saída. Todos os agentes a seguiram, mas Simmons não conseguia mover-se. Apenas se deu conta do que tinha acontecido quando viu a porta da base fechar-se e perceber que Skye havia partido. Provavelmente, Coulson havia tentado impedi-la. May deve ter tomado a iniciativa de deixa-la decidir, mesmo sabendo que isso poderia implicar na saída definitiva de Skye. Mas ninguém ousaria deixar Skye mais fora de si como ela estava.

- Ela...? – Jemma não precisou formular uma pergunta para receber uma resposta triste de Fitz.

- Sim, Jemma. – ele a fitou com os olhos tão vermelhos quanto os de Simmons. – Ela preferiu ir embora a nos machucar.

Ele apenas a deixou para trás com um nó na sua cabeça. Não tinha nada mais a ser dito naquela noite.