Colorful escrita por Isabelle


Capítulo 32
Capítulo 7 – Thomas


Notas iniciais do capítulo

"Eu gosto tanto de você, que até prefiro esconder
Deixo assim ficar subentendido
Como uma ideia que existe na cabeça e não
Tem a menor pretensão de acontecer"
Lulu Santos - Apenas Mais Uma de Amor



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Nora tinha ketchup em sua bochecha enquanto nós dois conversávamos e riamos sobre o jantar horroroso que tínhamos acabado de ter juntos. Peguei um dos guardanapos na bandeja e passei em seu rosto fazendo com que ela corasse com o toque repentino em sua pele. Coloquei o guardanapo sujo em um canto da mesa e peguei meu MC Donald’s dando uma mordida para amenizar o clima. Seu rosto tinha se envermelhado, parecia que estava com blush e meu estômago entrou em alerta com aquela ideia e com aquele toque.

Comemos em silencio por alguns minutos. Não sabíamos exatamente o que dizer. Minto. Eu não sabia exatamente o que dizer, Nora já havia me lançado tantos olhares que se por um acaso me lançasse mais um teria que contar toda a minha vida desde o nascimento até a morte para que ela voltasse a me olhar como um ser humano completamente normal. É claro que eu havia acabado de gastar um dinheiro enorme para ajudá-la, mas se ela soubesse de toda história realmente não iria ficar tão surpresa.  

— Então me conte, miss simpatia, preciso da história da sua vida porque acabei de dar 30 mil reais para os seus pais. — Ri daquele momento de insanidade. — E agora, preciso que me fale que usei esse dinheiro com sabedoria.

Tinha mesmo feito essa loucura, era fácil fazer isso quando se ter dinheiro, mas eu nem tinha me questionado o porquê. Fora um daqueles momento de adrenalina que eu precisava gritar e brigar com alguém, mas ao invés disso, preferi apenas oferecer o dinheiro e evitar a gritaria.

— Primeiramente, você vende drogas? — Seus olhos saltaram de seu rosto. — Ninguém tem essa quantidade de dinheiro pra fazer um cheque sem ser pré-datado, Thomas.

— Eu tenho. — Dei de ombros. — Mas isso é outra história, quero saber da sua agora.

Ponderou um pouco para mim e seu olhar não parecia estar tão seguro sobre me contar. Passou a me olhar, mas não com surpresa ou ate mesmo medo, me olhava com fascínio, queria saber se eu era digno para escutar as palavras que ela viria a falar para mim.

Meu Deus.

Ela estava tão bonita.

Não conseguiria prestar atenção em mais nada a minha volta a não ser em Nora me encarando e me analisando por alguns instantes.

Seu rosto era fino ao fazer a curva do queixo e os olhos tão grandes que poderiam vasculhar todo seu passado apenas se te encarasse. Castanhos escuros, envolto por cílios não tão grandes e uma sobrancelha que parecia ter sido retirada a poucos dias. A boca, encoberta por um batom vinho era dois arcos proporcionalmente desenhados com meticulosidade. Era sua boca que mostrava suas expressões.  

— Vamos lá. — Ela passou a mão nos cabelos enrolados e deitou um pouco a cabeça para poder olhar para meu rosto. — Minha mãe sempre quis ficar grávida, especialmente de uma menina, acho que ela não queria uma filha, mas uma boneca, e então, nasci eu, a boneca perfeita dos cabelos cacheados para ela brincar. Não me criou, sabe, minha vó, mãe do meu pai que fez isso. Eles não saberiam cuidar de uma criança nem se eu fosse uma tartaruga. Achavam que me alimentar era o suficiente. — Nora deu uma pausa e mordeu novamente o lanche. —  Aos cinco anos minha mãe achou que era hora de exibir a boneca dela, então alisou meu cabelo com uma chapinha que deixou machucados por semanas, passou uma maquiagem imprópria para minha idade que me deixou anos mais velha e me colocou no meu primeiro concurso de miss. A gente acha normal sexualizar crianças e parece que ninguém faz ideia do dano que isso causa.

— Sua vó nunca fez nada? — Perguntei, mergulhando a batata frita no molho que havia ao centro da mesa.

— Ela já era idosa, Thomas, não tinha muito o que fazer com aquele casal de loucos, eles, sei lá, são pessoas extremamente maldosas que faziam o que queriam. — Seu rosto perdeu a expressão calma de minutos antes. — Mas enfim, a partir disso, ela começou a me levar a todas, todas mesmo, competições do país. Quando eu era mais nova achava o máximo sabe, todas aquelas câmeras viradas para mim, eu sendo o centro de atenções, pelo menos nos desfiles, porque quando chegávamos em casa era como se eu realmente fosse uma boneca. Ela brincava comigo o tanto que queria, penteava meu cabelo, controlava meu andar, meu falar, meu pensar, mas quando eu chegava em casa, ela simplesmente me jogava para o lado como se eu não fosse nada.

“Então, chegou a adolescência, e eu odiava tudo aquilo que um dia eu tinha adorado. Odiava passar o dia inteiro em salões de beleza, odiava ter que andar sempre com a postura ereta, os dentes brilhando e sem poder falar nada, nem responder, não ser rude, ser a menina perfeita. Eu não tinha uma amiga sequer, ninguém queria falar com a miss perfeição, da postura reta e do comportamento de cristal e aqueles que queriam, homens principalmente, bem mais velhos do que eu, não queriam conversar ou brincar comigo, eles queriam um pedaço de mim, que minha mãe teria dado de bom gosto se não fosse minha avó.”

Ela olhou para a parede atrás da minha cabeça e permaneceu intacta por um momento. Como se ela tivesse lembrado de uma época horrível.

— Os meus quinze anos foram os piores. Meu pai e minha mãe brigavam o tempo todo porque ela tinha gastado metade do nosso dinheiro com shows, viagens e maquiagem, minha mãe só queria comer tofu, aqueles lanches naturais que tem gosto de pé   salada, me exibir como uma boneca e assistir os realitys dela na TV. Pelo menos foi aí que eu conheci Erica, um dia ela chegou perto de mim e me perguntou porque eu agia como um robô. Sempre ficava me olhando de longe sabe, e nunca tinha pensado em falar com ela. Graças a Deus que ela sempre fora a corajosa.

Olhei para Nora com atenção. Seu olhar parecia meio perdido naquelas memorias e eu tive medo de perde-la para sempre naquele buraco que poderia a engolir viva.

— Eu não soube responde-la sabe. Sobre o porquê eu agia como robô, e foi ai que me deu um choque de realidade que eu não sabia responder mais nada. — Colocou uma mão atrás da nuca, seus olhos queriam transbordar lagrimas. — Eu não sabia quem eu era, o porquê meu cabelo estava liso se eu odiava passar horas arrumando-o, porque minha mãe não me dava atenção depois que entravamos em casa ou porque homens mais velhos gostavam de sentar do meu lado e achar que podiam tocar minha pele.

Nora trouxe seu olhar de novo para o meu.

Deu de ombros.

Tocou meu braço.

Eu estremeci ao seu toque.

— Erica e eu saiamos todo final de semana para comer porcaria escondida. — Riu. Era uma das memórias boas. — A gente saia de tarde e voltava só bem a noite, as vezes eu dormia na sua casa, se eu não tivesse que estar em algum lugar ninguém nem percebia que eu não estava em casa, sabe? Bonecas não se mexem do lugar que você as deixa, então eles não tinham o que se preocupar, era só me jogar uma bandeja de alface como um coelho pela portinha do quarto.

Ri desse pensamento e ela me acompanhou. Queria abraça-la, mas me contive em meu lugar.

— Então, bem, resolvi que iria para faculdade. — Sorriu para mim. As marcas de expressão definindo bem sua covinha, os olhos percorrendo meu rosto, meu estômago se revirando, seus dedos ainda em meu braço. — E isso foi o fim para eles, eu não precisava estudar, precisava focar em como ficar apresentável, precisava de um marido, de aparecer na TV.

Bufei.

— Depois que eu comecei a faculdade tudo que era ruim piorou, eles cortaram todo tipo de relacionamento que tinham comigo, tive que conseguir um emprego para manter qualquer coisa que tivesse que fazer. Não podia e nem queria mais desfilar, foi aí que eu morri de vez para minha mãe. — Nora mordeu uma batatinha. — Mas chega de falar de mim, seus olhos estavam inundados por lágrimas que ela não permitia cair. — Vai me contar de onde tirou todo aquele dinheiro.

— Máfia. — Tomei um gole do refrigerante e senti minha garganta queimar por conta do gelo. — Narcotráfico, Prostitutas, o método tradicional, você sabe...

Riu. A risada mais gostosa do mundo. Fez algo dentro de mim que estava parado mudar de lugar.

— E o método não tradicional, seria?

— Da companhia que meu pai deixou para mim há alguns anos. — Tomei outro gole.

Ficamos em silencio. Nora continuava a olhar para mim, mas eu não entendia o que mais ela queria que eu lhe dissesse.

— É isso? — Piscou. — Seu pai te deixou uma companhia, o hospital claro. — Ela era uma menina esperta. — E o que mais? Ele te deixou uma companhia e você vende órgãos das pessoas pra conseguir trinta mil em um cheque.

Olhei para ela, e tirei as mechas de cabelo que voavam em seu rosto, suas bochechas coraram. Amava o jeito que as bochechas dela coravam quando eu a tocava.

— Meu pai morreu um pouco depois de eu nascer. Bem novo, deveria ter uns sete anos. — Trinquei o maxilar ao ter que dizer aquelas palavras. — Depois a minha mãe, os dois eram bem de vida então conseguiram deixar eu e minha irmã, que aliás que está viva, bem de vida também. Mais dinheiro do que a gente precisa. Mas Luana não vê desta forma.— Vi um sorriso brotar dos lábios de Nora, mas ela não riu. — Vai se casar daqui mais ou menos uns seis meses, com um belo idiota, mas fazer o que?

— Uau, esse é o Thomas senhora e senhores. — Aplaudiu e algumas pessoas que estavam ao nosso lado encararam. — Aliás, sinto muito pelos seus pais e um pouco pela sua irmã.

— Tudo bem, depois da sua história de vida, não tenho como competir.

— Claro que não! A minha história de vida vai virar um livro, e depois filme e ganhar um Oscar.

— Com certeza, a trilha sonora pode ser aquela canção da Beyonce.

Nora riu novamente.

— Sabe? — Amava quando ela ria. — Pretty hurts we shine the light on whatever's worst. Perfection is a disease of a nation. — Cantei e ela continuou rindo e olhando para os lados enquanto as pessoas nos encaravam como se fossemos loucos.

— Pare de nos envergonhar, Thomas, que falta de respeito com a minha história de vida. — Seus dedos percorrera a mesa com o sorriso irônico ainda fixo em seus lábios. — Mas vamos lá, sei que você pode fazer melhor que isso, quais são seus medos? Faculdade? Me conte mais sobre essa pessoa que você prende aí dentro. — Tocou meu coração com seu dedo indicador.

Sua mão estava parada e em um instante, ela percorreu uma trajetória chegando até meu peito e tocando meu coração. Meu corpo arrepiou, e eu tenho certeza que Nora notou, pois, seu rosto perdeu um pouco da cor pálida para deixar lugar ao vermelho.

— Não gosto de aranhas, cobras e sei lá, agulhas?

Lá estava, o sorriso completo. De fascínio. Ela apoiou o cotovelo na mesa e ficou me encarando. Queria tocar seu rosto e prende-lo em minhas mãos. Chegar minha testa bem próxima a sua e sussurrar canções em seu ouvido.

Continuei intacto no mesmo lugar, deixando que os olhos de Nora fossem meu maior público.

— Comecei a fazer faculdade, mas parei há um tempo... — Não queria falar sobre aquilo.

— Então você não é médico naquele hospital chique, você é dono.

— Co-sócio.

— Uma palavra chique e diferente para dono.

— Não sou dono daquilo tudo, seria exagero.

— Exagero? — Gargalhou na minha frente. — Thomas não tenho dinheiro as vezes para pegar um ônibus para voltar para casa, e tenho que voltar a pé. Você fez um cheque de 30 mil para os meus pais.

Dei de ombros. Não me importava com o dinheiro.

— Por que? — Os olhos dela me encararam curiosos. Ela queria desmiuçar tudo que tinha dentro de mim. Mas fiquei me perguntando se ela queria saber detalhadamente o porquê meu coração batia tão depressa quando ela estava perto de mim, e como podia ser capaz ele acelerar ainda mais quando ela tocava em mim ou só o porquê dei o dinheiro para os seus pais.

— Eu me importo com você, Nora. — Encarei-a. Era tudo que eu conseguia fazer naquele momento. — Nunca deixei de me importar com você, sei que..., mas me importo com você, e Erica também.

Nora ficou intacta me olhando.  Sabia o que rodeava sua cabeça. Beijos escondidos no corredor, transas rápidas no quarto, momentos constrangedores no elevador era tudo que tínhamos vivido, até que eu estraguei tudo. Era uma especialidade, estragar as coisas que estavam indo bem e sempre de proposito, principalmente quando a pessoa que estava do outro lado era alguém como Nora.

Nora.

Ela merecia muito mais do que eu podia dá-la.

— Eu basicamente te odiei por bastante tempo.

— Com toda razão. — Ri. — Eu fui um babaca.

— É, você definitivamente foi, meu Deus, era insuportável. — Ela bufou e tomou um gole do refrigerante.

— Não vamos exagerar.

— Não estou. — Os olhos dela continuavam fixos aos meus. — Mas, fico feliz que você melhorou.

Não tinha melhorado. Ela de certa forma tinha me melhorado, mas aquilo não iria se repetir. Não podia. Queria pedir desculpas naquele momento. Quis colocar suas mãos entre as minhas e conta-la tudo o que estava me afligindo. Infelizmente, eu só dei uma ultima mordida no lanche e esperei por aquela noite acabar, pois quando ela acabasse, eu sentia que todos aqueles sentimentos que nos rodearam em meio aquele fast food, iriam se esconder da mesma forma que eles sempre faziam.


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