What If...? escrita por Miss Daydream


Capítulo 9
Capítulo 9 - Intruso. Mas nem tão intruso assim.


Notas iniciais do capítulo

Demorei DE NOVO.
E pelos mesmos motivos meus amores, pelos mesmos bloody motivos! A escola tá foda viu...
Sem mais delongas, nos vemos lá embaixo!



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Só tente adivinhar quem quase finalmente manchou a ficha criminal intacta hoje? Se a resposta foi “Castiel”, você está completamente certo.

Sorte do Nathaniel que ele conseguiu se trancar em um banheiro antes que eu o alcançasse. E sorte dele também que levou o maldito baixo junto. Porque juro que eu seria capaz de quebrar aquela coisa em cinco partes diferentes! O que ele pensava que estava fazendo?! Além de me dar uma portada na cara fica mexendo com o meu ego! Alguém me diz se isso não é um motivo completamente válido para arrancar pela raiz a vida de uma pessoa?! Não precisa nem responder, porque a resposta é um gigantesco e óbvio sim!

– Quando você sair daí, eu juro que arranco fora a sua alma! – grito esmurrando a porta – E arranco pelo lugar mais desconfortável que você conseguir imaginar! Pra doer até que o último pedacinho de vida se esvaia!

– Ok, se acalma – ouço-o rir, ainda por cima. RIR. NA MINHA CARA! – Foi só uma brincadeira.

– Maldito o dia em que aquela maldita diretora me colocou num maldito quarto com o maldito demônio! – a cada palavra um soco na porta do banheiro. Lysandre entra no mesmo momento

– Demônio? É assim que você me vê? Que ponto de vista interessante... – ele diz sarcástico e imagino-o colocando o dedo indicador sobre o lábio inferior, coisa que ele faz só pra me irritar! Aposto que ele respira só pra me irritar!

– Seu estúpido! – começo a me abaixar, para passar por debaixo do vão da porta do banheiro, Lysandre me puxa contrariado – Me largue já!

– Nathaniel, a situação não está nada favorável para você – meu amigo de olhos heterocromáticos diz, respirando fundo – Sugiro que fique quieto antes que piore.

– Ele tem o final de semana inteiro para aprender a se comportar como gente – a voz dele parece bem confiante.

– Eu vou te mostrar como se comporta como gente! – o aperto do Lysandre se intensifica e eu me sinto irritado por ele ser mais forte que eu

– Ok, desculpe. – a voz não mais risonha de Nathaniel anuncia, muito contrariada – Não achei que ia te deixar tão irritado assim. Era só uma brincadeira.

– Você mesmo disse que não é meu amigo! Pare de agir como se fosse, então! – finalmente paro de me debater e Lysandre me solta um pouquinho

Silêncio. E uma pontinha de arrependimento vinda de mim. Nathaniel não responde mais, e sei que eu realmente não devia ter tido isso. Péssimo, como sempre Castiel!

Minha cabeça fica processando o que dizer, mas nada realmente inteligente e plausível se manifesta. Decido esquecer, na esperança de que ele esqueça também.

– Assunto encerrado – anuncio a contragosto, porque ainda estou com vontade de matá-lo e arrancar cílio por cílio daqueles olhos dourados – Está desculpado, cabeção. E você tem razão, vou esquecer tudo no final de semana. Mas durma com um olho aberto, representante! Vou logo avisando!

Saio de supetão do banheiro masculino, batendo a porta com tudo. Os alunos que passam pelo corredor me olham como se fosse o maldito Hulk. Só que vermelho. Não me testem, eu posso realmente decidir virar o Hulk e quebrar todos os ossos daquele mimadinho de merda. Um por um.

Enquanto ando sozinho e em passos pesados pelo corredor, minha cabeça martela. O que eu disse deixou Nathaniel sem palavras. E acredite quando digo que é praticamente impossível deixar Nathaniel sem palavras, porque aquela maldita cabeça loira sempre tem uma maldita resposta pra tudo!

À medida que ando, minha raiva se dissipa e dá lugar a outra coisa.

Um desejo incomensurável de vingança.

***

Saio do quarto com a minha mochila e minha guitarra assim que termino de arrumar tudo. Coloquei um casaco pesado porque o frio está começando a me congelar. Não que eu seja uma pessoa de calor ou algo assim, na verdade eu não gosto de nenhum extremo. Calor demais me faz parecer um presunto sendo assado. Além de ficar suado e fedendo. E frio demais me faz bater os dentes e querer ficar mais tempo do que o comum na cama. E ainda tem o fato de me deixar extremamente carente, percebi recentemente.

Coloco as duas chaves dentro do bolso. Estou com a chave do Nathaniel também (minhas vinganças são sempre muito maduras). Tirei aquele band-aid idiota da minha cara assim que cheguei ao quarto, substituindo-o por um bem mais másculo. Certifiquei-me de ficar de capuz o tempo todo, e me esgueirei pelas sombras todo o caminho de volta para o quarto.

Aposto que todo mundo achou que eu era o maníaco do bairro, não que eu me importe.

Decidi dar um gostinho de derrota ao Nathaniel, que provavelmente vai ficar muito bravo quando descobrir que perdeu as chaves do quarto e tiver que ficar sentado no tapetinho e encostado na porta do quarto, esperando o zelador com a chave mestra.

Gosto assim.

Se eu tivesse paciência, até ficaria escondido atrás da samambaia do corredor assistindo a cena inteira de camarote, mas devo chegar cedo em casa hoje. Além de ter que buscar Dragon na casa dos meus tios e segurar aquele cachorro que parece mais um furacão.

Meu nariz parou de doer, acho que foi por causa da raiva e da satisfação de uma boa vingancinha saudável. Ele desinchou consideravelmente desde a hora que Nathaniel me acertou, o que encaro como uma ótima coisa. Seria péssimo ser visto com o nariz do tamanho de uma batata gigante, ainda mais hoje.

Não encontro ninguém quando saio pelo portão. Elizabeth é a única que faz o mesmo caminho que eu, e ela deve ter ficado na escola estudando com o Nathaniel. Que, aliás, ultimamente está presente em tudo o que tem haver com ela, não que isso me irrite. É só que eles ficaram muito amiguinhos de uma hora pra outra, e parecem estar escondendo alguma coisa realmente importante...

Não que isso me incomode, repito!

Vou andando um pouco mais apressado até a casa dos meus tios, cumprimento-os e saio dali voando com o cachorro hiperativo. Tem um carro na porta de casa e meu coração se aquece involuntariamente.

Assim que abro o portão, solto a coleira de Dragon, que sai correndo enlouquecido para dentro de casa, provavelmente porque sentiu o cheiro de algo familiar.

Cachorro babão.

Preparo-me pra entrar, e então sinto um forte puxão na minha mochila, que me desequilibra, quase me fazendo cair.

– Mas que... – começo, e assim que olho para trás as coisas se tornam interessantes

Nathaniel está parado na minha frente, as mãos nos joelhos, respirando ofegante. Suas bochechas pálidas estão em um tom vermelho vívido e seus olhos incrivelmente dourados, e um pouco lacrimejantes por causa do frio, me encarando inquisidores.

– A... Chave... – ele diz entre uma respiração e outra, com esforço

– Puxa, você veio correndo da escola até aqui? – pergunto impressionado, erguendo uma sobrancelha – Sem parar nenhuma vez? Impressionante, admito.

– Me dá a droga da chave, seu delinquente – ele diz entre dentes, começando a erguer o tronco, um pouco recuperado do esforço físico

– O que te faz pensar que está comigo? – olho para ele inocentemente, com direito a até um biquinho

– Eu conheço você – ele está com tanta raiva que ela praticamente transborda dos seus olhos

– Tudo bem, aqui está – digo exibindo as chaves, presas no meu polegar direito, mas quando ele tenta pegar com agressividade eu desvio – Mas você vai ter que vir pegar.

Eu só comecei a me divertir. Achou mesmo que ia entregar a chave pra ele de bandeja?

– Quantos anos você tem?

– 16, e você?

– Estúpido.

– Olha só quem fala.

– Eu vou matar você – ele cerra os dentes, tentando alcançar a chave novamente

– Tente. – eu dou uma risadinha carregada de sarcasmo

Dois centímetros são praticamente a mesma coisa que nada. E eu sou só dois centímetros mais alto que o Nathaniel, sendo que ele tem 1,78 e eu 1,80. Mas esses dois centímetros sempre foram motivo de briguinhas e ódio gratuito. Ele era dois centímetros mais alto que eu quando éramos mais novos, e fazia questão de esfregar isso na minha cara o tempo todo.

Ah, abençoada seja a puberdade!

Sinto como se fosse a minha vez de esfregar meus dois centímetros a mais na cara dele desta vez, toda vez que Nathaniel tenta alcançar a maldita chave.

Ele puxa meu casaco, minha camisa e até meu cabelo. Apesar de minha barriga estar começando a doer por causa das risadas, continuo desviando habilmente dele. Batemos no portão e nos vasos de flores vazios da minha mãe, e ele quase nos derruba quando começa a tentar me escalar.

– Castiel? – ouço uma voz que há muito tempo não chega aos meus ouvidos chamar, preocupada – Está tudo...?

Ela para no meio da sentença, e nós também. Ele puxando a minha cabeça e eu tentando desviar, com a chave afastada.

Minha mãe nos encara atônita por alguns minutos silenciosos, e nós voltamos a nos comportar como pessoas civilizadas quando começamos a achar que a situação está ficando comprometedora.

Antes que possamos dizer algo, ela dá um enorme sorriso e vem correndo dar um abraço de urso no Nathaniel.

– Ah, como você está grande! – ela diz enquanto passa as mãos pelos cabelos loiros dele – Faz tanto tempo que não o vejo! Vocês crianças crescem tão rápido e parece que foi ontem que... – ela para de falar, dando uma boa olhada nele – Meu Deus como está mudado também! Esta camisa social e até... Uma gravata? Nem parece aquele menininho bagunceiro que era!

As bochechas dele coram, desta vez não por causa do frio.

– É ótimo revê-la, Valérie! – Nathaniel diz, e apesar de constrangido, parece genuinamente feliz

– Não me chama mais de Tia Val? Devo admitir que me sentia um pouco velha, mas era gostoso ser chamada assim... Ora, pra que essa formalidade toda! Você é de casa – ela sorri, mal imaginando tudo o que aconteceu no intervalo de um ano em que ela esteve fora

Não que eles não tenham vindo me ver por um ano, mas eu nunca contei o que realmente aconteceu. Eles vieram vez ou outra, mas não ficaram o final de semana inteiro, como vão ficar desta vez.

– Ah... Ér... – ele balbucia sem jeito, suas bochechas cada vez mais vermelhas

– Você deve estar congelando neste frio! Cassy onde estão seus modos ein? – ela me repreende, com uma olhada feia – Não o convidou para entrar?

– Ótimo revê-la mãe, é bem claro que você está bem feliz em me ver também, uh? – cruzo os braços com raiva. Poxa, ela é minha mãe! Será que Nathaniel tem que roubá-la de mim também?

– Seu bobinho – ela me puxa para um abraço muito mais apertado do que o que ela deu em Nate, e é minha vez de ficar com vergonha – Viu Nath? Ele continua um bebezão.

– Ah me larga! – digo fazendo cara de nojo e tentando empurrá-la, o que só a faz apertar o abraço

– Devo concordar – Nathaniel ri sarcasticamente atrás de mim, e eu quase já consigo ver o sorriso grande que ele dá para a minha mãe – Agora, Cassy, se você não se incomoda eu devo voltar para a escola. Então, dê-me minha chave.

Resmungo indignado enquanto jogo a chave na cara dele. Como ele ousa me chamar de Cassy? Juro, pior apelido já inventado na face da terra!

– Sempre gentil e suave como uma tijolada.

– Vai querer falar de tijolos? Porque eu posso fazer um TCC sobre portas batendo com tudo no meu nariz e o quebrando! – ouço minha mãe engasgar, entre a preocupação e a risada

– Não quebrou... – Nathaniel abraça a si mesmo, se protegendo do vento cortante – Devo ir agora mesmo. Foi um prazer como sempre, Tia Val – Nate sorri nostálgico e minha mãe se derrete

Porque o sorriso dele tem que derreter todo mundo? É melhor ele nunca ir pro pólo-norte, ou vai acabar agravando o problema com o derretimento das geleiras...

– Mas não quer ficar para o jantar? – minha mãe o segura pelo braço – Jean está com saudade de você também, e não seria problema nenhum ter mais um convidado na mesa hoje. Posso preparar a comida preferida de vocês dois e depois...

Se Nathaniel jantar conosco a situação vai ser no mínimo estranha. E logo depois constrangedora. E então ruim. Má ideia, em todos os aspectos

– Admito que a proposta seja tentadora – Nathaniel a interrompe educadamente – Mas vou ter que recusar. Não seria muito... Justo com a minha família, que não se agradaria nada com a perspectiva de eu não ter voltado para casa com eles e acabar vindo jantar aqui com vocês.

– Perspectiva? – ela o encara, completamente atônita – Ok, temos muito o que conversar. E lá dentro, você está congelando!

Ela começa a puxá-lo pelo braço, ignorando tudo o que ele disse e também os seus (e meus) protestos.

– Valérie, meu pai... – ele está se debatendo. Provavelmente pela possibilidade de voltar a entrar na minha casa

– O que dá na cabeça de vocês crianças, achando que são intocáveis! Qual o problema de levar um casaco?!

– Mãe, não é uma boa ideia... – começo meu protesto, contrariado

– Fique quieto Cassy! – ela ralha – Eu posso ligar para seu pai e explicar tudo, Nathaniel. Vou fazer isso agora!

– Não! – ele grita e nós paramos na soleira da porta, um pouco chocados – Quero dizer, acho melhor não dizer nada para ele...

– Que é isso, eu posso conversar...

– Por favor, não diga nada para ele! – Nathaniel praticamente implora e eu olho confuso para seus olhos assustados – Eu... Só não ligue pra ele, ok?

Minha mãe o encara com cuidado, mas não afrouxa o aperto no pulso do loiro.

– Você não vai ficar? – ela pergunta com a voz triste e até um pouco embargada

Ah mãe, sério?! Acha mesmo que o Nathaniel, que conviveu com você até nos momentos de TPM e conhece esse seu joguinho tão bem quanto eu, vai acreditar nessa ceninha psicológica?!

Ele suspira, passando a mão livre pelos cabelos e deixando-os ainda mais bagunçados.

– Tudo bem, mas vou voltar logo para o colégio – ele diz, derrotado e minha mãe seca as lágrima de crocodilo, dando um sorriso daqueles

Eu esperava mais de você Nathaniel!

– Jean vai adorar a surpresa! – ela diz enquanto entramos na minha casa, que está incrivelmente viva. – Tem que ver o que trouxemos para você desta vez Cassy, vai adorar! Cassy está quase completando aquela coleção de palhetas, sabe Nathaniel?

– Mãe...! – grito frustrado e constrangido. Não era pra ninguém ficar sabendo!

Nathaniel olha para a minha casa com atenção, como se tentasse memorizar cada detalhe. Não está mais encolhido e parece se sentir até aquecido. Seus olhos brilham, e eu observo sua expressão, intrigado. É só a minha casa, nada especial como a dele, que é grande e cheia de lugares e obras requintadas. É só uma casa simples e solitária, na maioria do tempo.

– Ah, era um segredo? – ela faz uma careta – Não importa, está seguro com o Nath! Cassy empreste um casaco seu para ele! Qual educação eu te dei?!

Resmungo irritado, então Dragon aparece pulando em cima de Nathaniel. Ele dá um grito e cai no chão, o cachorro gigante cheirando-o instintivamente. Quando Dragon parece lembrar-se de Nathaniel, começa a lamber seu rosto. Nate sorri e faz carinho no cachorro babão. Ele não é muito de cachorros, mas sei que Dragon sempre foi uma exceção.

Puxo Nathaniel do chão pela manga da blusa e vou andando com ele pelo corredor, em direção ao meu quarto. Minha mãe provavelmente segurou o cachorro e vai prendê-lo na lavanderia, para que não atrapalhe o jantar. Deixo-o parado na porta, só para manter as aparências enquanto vou remexer o meu armário.

– Meiga a coleção – nem virei as costas e ele já entrou no quarto, invadindo meu espaço pessoal

Que inferno! Ele vai ficar me atormentando em todo o lugar?!

– Não toque em nada – resmungo enquanto tento achar uma jaqueta limpa no meio do armário

– Não mudou muito. – ele me ignora, indo remexer meus CDs – Estes são novos – aponta para uns aleatórios, com uma cara interessada

– Achou que eu ficaria maluco e decidiria virar um emo-gótico em um ano? – continuo remexendo o armário. Malditas roupas que decidem sumir do nada!

Não ignoro o fato de ele se lembrar dos meus tão preciosos CDs, mas decido não comentar para não deixar a situação mais estranha.

– Você virou um emo-gótico em um ano – ele afirma, remexendo agora na tão famosa coleção de palhetas ao redor do mundo

Jogo a jaqueta recém encontrada no rosto dele, afastando-o temporariamente da caixa de vidro embutida na escrivaninha. Ninguém toca ali além de mim.

– Falei para não mexer nas palhetas – resmungo mais irritado do que antes, me aproximando. Ele olha com relutância para a peça de roupa, mas o frio vence qualquer parte conflitante do seu orgulho e ele decide vesti-la – E é bom manter as aparências, ok? Não te peço muita coisa, mas minha mãe está realmente feliz em te ver. Então não faça ou fale besteira na frente dela.

– Um por favor seria útil de vez em quando – ele sorri sarcástico, enquanto tenta puxar o zíper da jaqueta para fechá-la – E eu gosto muito dos seus pais... Nunca faria... Nada... De errado... – o zíper acaba ficando preso e ele fala tudo muito pausadamente, enquanto puxa o objeto para cima agressivamente – Ou... Com raiva... Droga!

Reviro os olhos e caminho até ele, parando na sua frente e puxando o zíper para baixo com cuidado, para não estragar uma das minhas melhores jaquetas.

– Será que você não faz nada direito? – pergunto rindo levemente enquanto subo o objeto metálico lentamente, para que não se prenda e arrebente

Ele me olha com cuidado e interesse, parece envergonhado.

– Seu nariz está melhor – Nathaniel observa

– Uhum.

– Que bom que não quebrou.

– É...

– Obrigado pelo casaco – ele aponta para si

– Por nada. – ajeito melhor a jaqueta e ele ri – O que é?

– Nada, deixa pra lá. – fala virando o rosto e afastando-se de mim

– Fala logo. – porque as pessoas insistem em complicar as coisas? Sinceramente...

– Você vai me achar idiota.

– Eu já acho.

– Educação, essa palavra existe no seu manual de conduta? – ele pergunta

Ficamos nos encarando por um tempo, o que me lembra dos vários jogos de sérinho que nós disputávamos quando não tínhamos nada para fazer. Sorrio com a lembrança, sem mostrar os dentes. Só os cantinhos da minha boca se erguem, e Nathaniel nem parece perceber.

– Cassy! Nathaniel! – ouvimos minha mãe chamar, da cozinha – Venham jantar!

– Estamos indo! – respondo, enquanto puxo-o pelo braço – Lembre-se do que prometeu.

– Eu sei... – ele suspira entediado, mas me segue

Quando chegamos à sala, eu vejo meu pai pondo a mesa. Abraço-o singelamente e sorrio.

– Senti sua falta, viu? – ele sorri de volta, e seu sorriso só aumenta quando avista Nathaniel atrás de mim – Ei, Nathaniel! Como você está?

– Vou bem, senhor. – Nathaniel sorri e meu pai dá risada

– Senhor? Que história é essa? – ele se aproxima do meu suposto melhor amigo e ergue a mão direita, afim de fazer carinho na cabeça dele, que é a maneira estranha de meu pai dizer “Não te vejo muito mas gosto de você!”

Nathaniel desvia bruscamente antes da mão do meu pai chegar perto de tocar-lhe o topo da cabeça, com o rosto numa expressão dolorosa e o corpo encolhido.

Meu pai arregala os olhos para a ação repentina e Nathaniel parece voltar à realidade, olhando muito envergonhado para meu pai.

– Ah, me desculpe... Eu... Droga. – ele bate a mão na testa – Foi por força do hábito, perdão.

– Força do hábito? – meu pai arqueia a sobrancelha, desconfiado

Parecendo ter cavado a própria cova, Nathaniel abre seu melhor sorriso amarelo e olha desesperado para mim, como se de alguma forma eu pudesse ajudá-lo a sair de algo que parece muito como uma roubada.

A sorte é que eu estou muito bondoso e compreensivo hoje.

– Nós damos tapas na cabeça um do outro – invento apressadamente – É uma brincadeira nossa – anuncio abraçando-o pelo pescoço com o braço direito e ele me olha confuso – Bem idiota, mas vivemos fazendo isso. Não é, Nate?

– É? – pode-se observar aqui um ótimo exemplo de um ser humano muito ruim em contar e inventar mentiras de última hora. Lanço-lhe um olhar de confirma-isso-se-não-vai-dar-ruim e ele parece entender dessa vez – Ah é! Sim, é isso mesmo!

– Tudo bem então – meu pai ainda nos olha desconfiado, enquanto sorrimos de orelha a orelha, e tudo está parecendo tão forçado que quase vomito

– Quer ajuda para por a mesa, senhor? – Nathaniel oferece, desvencilhando-se de mim e eu cruzo os braços

– Não me chame de senhor como se fossemos desconhecidos – meu pai sorri acalorado e as bochechas de Nathaniel coram mais uma vez – Que tal se simplesmente chamar-me de Jean, huh?

– Tudo bem então, Jean – o loiro sorri singelamente

– Aceito sua ajuda – os dois começam a colocar a mesa e Nathaniel pergunta como é ser piloto de avião, porque ele estava considerando seriamente a opção, já que envolvia ficar fora de casa e viajar o mundo inteiro

A possibilidade me deixa nervoso de certo modo, e meu coração dói ao bater. Sei de tudo o que aconteceu, sei que ainda estou nervoso e tudo mais, mas a simples possibilidade de que ele suma igual aos meus pais me assombra tanto que meu corpo se move sozinho, entrando no meio dos dois e interrompendo a conversa.

– Vou ajudar também – sorrio falsamente e fico empurrando Nathaniel para lá e para cá, tentando distraí-lo

Se tem uma coisa que eu odeio fazer é por a mesa! Na minha concepção, é literalmente inútil, porque a gente vai ter que tirar tudo depois. É mais fácil comer na pia.

Minha mãe coloca as fantásticas panquecas na mesa e sorri para nós dois, porque tenho certeza de que meus olhos brilharam ao ver tal obra prima tão perto de ir para o meu estômago. Quando sentamo-nos à mesa, Nathaniel é só sorrisos e parece muito confortável para alguém que nunca mais queria falar comigo. Fico feliz. A possibilidade de ter tudo isso de novo aquece alguma parte de mim, a parte bem idiota e sentimental. Mas aquece. Meus pais conversam e fazem inúmeras perguntas a ele.

Nathaniel informa que virou presidente do grêmio e que todas as tarefas são muito cansativas e rigorosas, mas ele gosta de ser uma pessoa responsável. Afirma que isso vai ser muito útil no futuro dele, e diz que seu pai ressalta sempre que a disciplina é a chave de tudo.

Não deixo de notar que meus pais se entreolham preocupados por várias vezes quando Nathaniel menciona a família, e não consigo entender direito o porque. Sim, os pais dele são rígidos, mas o que isso tem de especial?

Nathaniel cresceu, não é mais uma criança indefesa. O pai dele sempre foi estourado e eu lembro de Nate sempre aparecer com marcas de machucados no corpo, dizendo que não queria de jeito nenhum ser como o pai. Mas na época o Nathaniel era meio dissimulado e agitado, agora não há mais motivo para nada de ruim acontecer com ele.

Há?

As marcas roxas nas costas... Será que...?

– Castiel? – ouço a voz do meu pai chamar de longe – Comandante Paul para Castiel, Castiel ouvindo?

– O que? – desperto de meus devaneios e eles riem da minha confusão

– Perguntei se você pode pegar a sobremesa na geladeira – ele explica, e eu levanto reclamando aquele típico discurso de “tudo eu nessa casa”

– E como está a Ambre? – escuto minha mãe perguntar – Ainda gosta de você Cassy? Lembro-me dela escrever várias cartinhas, e de vocês as queimarem. Vocês dois eram muito malvados... – ela ri, brincando

Nathaniel se engasga com o suco e respira fundo.

– Ela vai bem – ele responde sem graça

– Continua me perseguindo – volto com a travessa de bolo para a mesa, revirando os olhos – Ela é maluca.

– Castiel...

– O que? Você sabe que sim. – respondo, cortando o primeiro pedaço e colocando-o no meu prato

– Ela continua sendo minha irmã – Nathaniel repreende – Elizabeth agora é o alvo maior dela, você não deveria reclamar.

– A Ambre é pirada – confidencio aos meus pais – Tentou empurrar a Lizzie da escada.

Meus pais nos olham horrorizados e Nathaniel não tem mais como defendê-la.

– Isso é grave – minha mãe anuncia ainda chocada – Pegue um pedaço, Nath.

– Não obrigado – ele ergue as mãos – Não gosto muito de doces.

– Pirado igual a irmã – confidencio aos meus pais e ele me olha feio

Depois de mais um pouco de conversa jogada fora, Nate olha para o relógio da cozinha e exclama impressionado.

– Já são onze horas da noite? – observa o relógio com atenção, para checar se está enxergando direito – Deus, tenho que voltar antes que os portões da escola fechem.

– Não vai pra casa Nathaniel? – meu pai pergunta enquanto pega outro pedaço de bolo

– Passo os finais de semana na escola, Jean – Nathaniel diz levantando-se da mesa – Muito trabalho no grêmio... Obrigado pela noite maravilhosa. Vocês continuam incríveis.

Minha mãe levanta-se para dar mais um forte abraço nele e meu pai lhe dá uns tapinhas nos ombros. Nathaniel devolve o abraço e sorri tranquilo.

– Você bem que podia passar a noite aqui...

– Sem chance – ele responde um pouco rápido demais – Já não me basta ouvir o Castiel roncar no nosso quarto a semana inteira. O final de semana é minha folga.

Meus pais dão risada, e eu resmungo feito um velho, levantando-me para levá-lo até o portão.

– Digam que eu mandei tchau pro Dragon.

– Ele vai ficar feliz com isso. – minha mãe sorri

Quando chegamos à soleira da porta, Nathaniel olha para trás e fica observando meus pais sorridentes. Parece estar em estado pleno de felicidade.

– Vamos. – insisto – Não é como se você nunca fosse vê-los outra vez.

Ele me olha, e dá um último aceno para os dois babões.

O frio piorou com a noite, e eu ergo o capuz da minha blusa, protegendo o rosto. Nathaniel se encolhe um pouco e coloca as mãos nos bolsos. Não há ninguém na rua tranquila.

– Aqui não mudou nada – ele fala sorrindo

– Você acha?

– Sim. – ele me espera abrir o portão

– Saiba que houveram sim mudanças – digo, feliz de que ele não possa enxergar meu rosto triste com clareza na escuridão da noite – Quando você foi embora.

– Castiel...

– Não me venha com essa. – ignoro-o – Sei que a culpa não é sua. Mas eu gostava de tê-lo como vizinho.

– Eu queria morar aqui ainda – ele olha para sua antiga casa, agora solitária, no terreno à frente da minha – Seus pais continuam incríveis.

– Você já disse isso – dou uma risadinha curta e olho para ele

Parece realmente triste de ter que ir embora, e está abrindo o casaco para retirá-lo.

– Você é estúpido ou o que? – seguro as mãos dele – Não está pensando em tirar e me devolver agora né?

– É claro que...

– Mais idiota do que eu imaginava – reviro os olhos, fechando a parte que ele abriu – Me devolve na segunda. Melhor, coloca em cima da minha cama.

Ele me olha por um tempo, em conflito interno como sempre.

– Certo – suspira – Obrigado. Por tudo. Foi mais do que ótimo, mais do que perfeito, rever sua família.

– Não agradeça. – sorrio

– Agradeço sim – ele me olha sério – Eles são fantásticos, tudo aqui é fantástico.

Depois de alguns minutos em silêncio, que está ficando bastante costumeiro entre nós, ele se mexe, saindo pela rua.

Observo-o dar uns cinco passos em direção da escuridão e mordo o lábio inferior.

– Ei, representante – chamo e ele para, olhando para mim

– O que? – responde, falando alto para que eu ouça

– Você ainda tem meu telefone?

Ele me olha surpreso.

– Ãhn... Sim?

– Me mande uma mensagem quando chegar na escola – digo, sentindo minhas bochechas esquentarem – Sabe, minha mãe vai ficar preocupada de você sumir ou ser sequestrado, essas coisas.

Ele sorri.

– Certo, eu mando. – ele começa a se virar, mas se volta novamente para mim – Boa noite, Castiel.

– Boa noite.

Observo-o desaparecer na curva escura da esquina mais próxima.

***

Não consigo pregar os olhos até receber a maldita mensagem.

De: Representante de Merda

Cheguei. Já pode avisar a sua mãe (Ou seria um código para eu-fiquei-preocupado-de-você-morrer-no-caminho-e-inventei-essa-história-toda?)

Obrigado por tudo de novo.


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Notas finais do capítulo

E o recorde de palavra "maldito" por capítulo vai paraaaaaaa: MIM! Não me culpem! Eu terminei The Maze Runner recentemente e me apeguei muito ao Newt (amor da minha vida), que usa muito a palavra "bloody" em seu vocabulário. E maldito é o mais próximo que eu encontrei para bloody no português.
O que acharam deste? Eu to com zero inspiração, queria ter feito esse capítulo mais bem feito... Bem, se encontrarem algo errado me avisem, e me digam o que estão achando, para eu poder ver se vocês estão gostando e no que tenho que melhorar!
Eu tava pensando aqui, meu eu escrevo uma fanfic de Amor Doce e não tenho meus leitores como amigos lá!!!!! Se quiserem adicionar, a minha conta principal é AnneLeftwood, e eu tenho mais outras, se vocês tiverem paciência de adicionar e tal (CassieCass, AliceWinkwell, mellarklover, SamLeftwood)
Beijooooos até o próximo!



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