A Chegada Dela escrita por Kam_ted


Capítulo 7
Capítulo 7




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 Ela abrira um furo incômodo no âmago da estrutura frágil da cidade. Eles, acostumando-se a tudo, ao que é bom e ruim, no final do décimo primeiro mês, não implicavam com a moradia daquela mulher que outrora causara reboliço. Ignoravam como ignoravam uns aos outros, aos próprios fatos ocorridos em suas casas: os maridos infiéis, a homossexualidade dos filhos. Porque fingir é mais brando do que ver e discutir; porque é mais fácil sentar-se do que ir à luta. Na película da minha vida, o sopro da sua passagem levara todo meu teto que eu imaginava ter para bem longe.

 Décimo primeiro mês. Tempo exato de sua estadia. Depois que a conheci moça e não o azedume de mulher, enumerei nossas noites agradáveis ora nos campos vertentes das colinas ora em sua casa quando eu conseguia sair sem alarde para não despertar curiosas perguntas em minha mãe. Mas esta parecia estar afundada em algum ponto de seu ser interior, não parecia mais uma mulher, se assemelhava a uma máquina cujas funções motoras trabalhavam incessantemente. Um dia cansa, um dia cai.

 O dia em que enxerguei novamente vida àquela mulher meu coração doeu como jamais poderia entender caso não houvesse sentido.

 Havia acordado tarde, passara toda à noite ouvindo os vinis que me era doado. A casa estava silenciosa e ao descer as escadas ouvi da cozinha o balbuciar desenfreado de uma reza; minha mãe estava ajoelhada esfregando com as duas mãos impacientemente o balcão do armário, os cabelos amarrados no alto da cabeça, o rosto vermelho liso, a saia longa levantada até o joelho mostrando o sangue pulsante do contato do joelho com o chão.

 O ritmo acelerado e desesperado que resmungava sua reza a fez aumentar o movimento das mãos esfregando o pano na madeira gasta do balcão e cada vez esfregava com mais força, como se ali enxergasse o seu homem beijar outra mulher e esfregava, esfregava, apagava o homem tocando outra, o movimento do corpo acompanhando os das mãos, esbravejava assustadoramente, expurgava o adultério realizado no beijo.

- Mãe... - Falei me aproximando com os pés nus mas ela não notou minha presença, continuou convulsa no ofício. Meus olhos lacrimejavam ao ver seu muro sofredor de fora.

 Num repelão sentou-se ao chão chorando com as mãos no rosto arrebatada, fora a primeira vez que a vi chorar nos meus dezesseis anos.

 Quis ajudá-la a levantar mas se segurou no balcão procurado por forças; me ignorou e disse que estava tudo bem, não me dando chances  para perguntas.

 Corri à casa ao lado com o coração dilatado.


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