1818, Londres.

A correria na casa dos Campbell, há muito não se via. Vozes estridentes, gritos ( que, na maioria das vezes, pertenciam à Sra. Campbell. ), o tilintar recorrente de pratos e talheres sendo lavados e o som de pegadas que ecoavam a todo instante.

Julie Scott nunca gostou de agitações como essa. Ela sempre fora a mais calma da família, a mais centrada. Enquanto lavava o décimo vestido de Danna Campbell, ela pensava no novo hóspede da casa, que chegaria em breve e já era a causa de tanto agito.

O Duque de Kent chegaria amanhã. Chamava-se Harry Heathcliff. Era rico e poderoso. com seus 27 anos de idade não era só mais um libertino. Ele era O libertino. Sua fama ia além. Toda semana, o Diário de Londres, o mais famoso jornal de toda a Inglaterra, fazia questão de expor todos os erros do mais famoso Duque.

Agora, depois de todas as acusações, o Duque decidira finalmente que era a hora de casar-se e o faria ( ou pelo menos, era esse o seu objetivo inicial. ) Casaria-se com Danna Campbell, a princesinha da família. O casamento era fruto de uma aliança poderosa entre as duas famílias mais influentes de toda a Inglaterra. Campbell e Heathcliff finalmente se uniriam.

Danna estava radiante com a ideia de casar-se com um Duque. Durante semanas, Julie escutara suspiros e elogios e não podia reclama, afinal morava na casa dos Campbell por conta da gentileza do filho mais velho da família Campbell.

Christopher Campbell era o único da família em que Julie podia confiar. Tinha 27 anos e era o melhor amigo de Harry. Quando o pai de Julie morreu, Christopher ofereceu abrigo para Julie, sua irmã Amanda e sua mãe. Mas, é claro que Amelia Campbell, a matriarca, não podia deixar aquilo de graça. Disse, então, que aceitaria-as na sua casa de bom grado, se todas trabalhassem. Como não tinham escolha, as três se mudaram e estavam morando lá desde então.

- Julie Scott. Esfregue mais esse vestido. Danna tem que estar impecável amanhã. Já comprou um chapéu novo? - Amelia gritou, fazendo com que Julie acordasse dos devaneios.

- Hã... Não. Não me pediram um chapéu novo, Sra. Campbell. Danna não me disse nada.

- E precisa? - Amelia disse, passando um dedo no móvel mais próximo e examinando-o em seguida. - A propósito, já limpou os móveis? Acredito que não.

- Ia fazer isso assim que terminasse de lavar as roupas da Srta. Campbell, minha senhora.

- Que assim seja. Não quero que o Duque veja sujeira por aqui. Somos uma família muito distinta, Srta. Scott.

- Eu sei. O Duque não terá do que se queixar, se depender de mim.

Amelia acenou e saiu dali. Julie respirou fundo e continuou a lavar as roupas, até que outra voz tirou sua concentração novamente.

- Mamãe já veio aqui para importuná-la outra vez, Srta. Scott? - Christopher disse, sorrindo e colocando o chapéu que usava de lado.

- Absolutamente, Sr. Campbell.

- Não minta para mim, Srta. Scott. Nós dois conhecemos muito bem as extravagâncias de minha mãe. - Julie sorriu e continuou a esfregar a roupa de Danna. - Estão doendo?

- Perdoe-me, Senhor?

- Suas mãos. Estão doendo? Aposto que sim. Nunca vi uma mulher esfregar roupas com tanta força e determinação.

Julie parou um pouco e finalmente encarou Christopher. Era exatamente como seus irmãos. Cabelos loiros e olhos azuis, numa harmonia inigualável. Tiraria a respiração de qualquer garota.

- Tenho que terminar logo. Ainda tenho todos os móveis para limpar e um chapéu para adquirir.

Christopher sorriu e apenas assentiu.

- Certamente não precisará comprar o chapéu, eu o farei para você.

Julie se atrapalhou tanto com o comentário que derrubou um pouco de sabão no chão. Começou a se maldizer baixinho e a limpar o estrago que tinha feito.

- Absolutamente, Sr. Campbell. Eu o farei. É meu dever.

- E o meu dever é proteger sua família dessa selva que minha mãe chama de casa.

Julie sorriu e suspirou.

- Tudo bem, mas por favor, não conte para sua mãe. Ela me mataria.

Christopher sorriu, pegando seu chapéu de volta e assentindo.

- Eu não teria coragem de fazê-lo pois aposto que ela me mataria também.

***

Mais tarde, todos estavam unidos à mesa enquanto Danna não parava de falar.

- Mamãe, acha que o Duque poderá vir a ter certo apreço por mim?

Amelia Campbell sorriu, pegando as mãos da filha.

- Mas é claro, minha querida. Quem em sã consciência não se encantaria por tamanha delicadeza e beleza?

Danna sorriu, assentindo e olhou para Julie em seguida. Esta, nem conseguia mover mais os pés. Estava trabalhando no automático.

- Julie, o que acha? O Duque cairá de amor por mim ou não?

- Com toda certeza, Srta. Campbell. - Disse, apenas, enquanto tirava os pratos da mesa.

Christopher assistia aquela cena sorrindo e imaginando como seu amigo aguentaria passar o resto de sua vida com a futilidade em pessoa. Amava a irmã e aquilo era evidente, mas todos sabiam que Danna só se importava com sapatos e vestidos. Nada além disso. O Duque, que prezava o mínimo de conhecimento e estudo, com toda certeza, se frustraria.

- Sr. Campbell, deseja mais alguma coisa? - Julie perguntou, ao tirar o prato que estava à sua frente da mesa.

- Absolutamente, Srta. Scott. Obrigada.

Julie sorriu e saiu dali, quase cambaleando de sono. Deixou o último prato na pia e voltou à sala.

- Se não desejarem mais nada, peço permissão para ir para meus aposentos.

- Na verd...

- Não, não desejamos mais nada, Julie. Pode ir descansar.

- Mas, Christopher...

- Ora, cale a boca, Danna. Não vê que ela está cansada? Deixe-a descansar para que esteja de pé cedo amanhã.

Danna assentiu, mesmo que a contragosto e Julie praticamente correu para o quarto onde sua irmã e sua mãe se encontravam. Sentou-se na cama, com um suspiro que exalava cansaço e frustração.

- Sinto muito por não ter podido ajudar hoje, mas a Sra. Scott me fez ensaiar o dia inteiro a mesma música para a pequena apresentação para o Duque de Kent. - Amanda disse, revirando os olhos.

- Ora, deixe de ser insolente, Amanda. A Sra. Scott está completamente certa. Se eu recebesse um Duque, faria exatamente as mesmas exigências.

- Mas é claro que sim, mamãe. Afinal, a senhora é a maior papa Duque que eu já conheci. - Amanda disse, dando gargalhadas.

- Amanda e Julie, sempre tenham em mente uma coisa : Amar é bom. Amar um Duque é melhor ainda. - Julie disse, imitando a voz da mãe, rindo em seguida.

- Ora, mas será possível? É claro que gosto de Duques. Sempre são lindos e possuem uma classe sem igual.

- O dinheiro, é claro, não conta. - Amanda disse, rindo.

- Ah, o dinheiro ajuda... - Sra. Scott disse, finalmente rindo.

- Sinto muito, mas o seu sonho de nos casar com Duques não será possível, visto que nossa situação financeira é tão ruim que não temos dotes para nenhuma das duas. - Amanda disse.

- Exatamente.

A mãe apenas anuiu com a cabeça e sorriu, em seguida.

- Vamos deitar, pois amanhã será um grande dia! O Duque de Kent finalmente chegará.

Amanda e Julie se entreolharam e sorriram.

- Boa sorte pra nós. - Julie disse, antes de deitar-se e desligar, por fim, as luzes.