Fragmentos escrita por Ly Anne Black


Capítulo 2
Farpas




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/591195/chapter/2

Remus a levou até um pequeno prédio de três andares atrás de uma praça, a duas quadras do seu próprio. Ele subiu com ela três lances de escada e parou em frente a uma porta de madeira escura, onde levantou a varinha e deu uma olhada para ver se as portas vizinhas estavam fechadas. Ela já sabia onde estavam, e sentia um arrepio de antecipação e curiosidade, mas também de dor.

– Juro solenemente que não desejo fazer nada de bom!

A porta estalou e abriu. Lá dentro cheirava a couro de dragão novo e loção de barbear, um cheiro tão próprio de Sirius que seu peito apertou de saudades.

– Vá em frente – Remus a encorajou. – Ele estava louco para lhe mostrar, de qualquer maneira.

Olivia entrou numa sala aconchegante, um pouco escura. Viu um sofá que parecia confortável, e um tapete com padrões de testrálios cobrindo grande parte do chão. Num canto, havia uma prateleira com porta retratos, com fotos deles em diversos momentos, fotos bruxas que se mexiam e mostravam pessoas alegres. Havia uma com eles dois, mais Lily, James, Remus e Peter em Hogwarts, após as provas finais do sétimo ano, com caras aliviadas. O desenho que Sirius tinha feito dela, com a mão estendida segurando uma estrela, também estava lá, emoldurada e pregada na parede. Ele tinha colocado uma cortina azul marinho sobre a janela. Num canto, ela viu uma caixa aberta, e alguma coisa lá dentro reluzia fracamente.

– Sirius estava fazendo alguns enfeites de Natal. Já tinha encomendado a árvore. Queria que vocês tivessem um natal como se deve ser, nas palavras dele.

Ela se agachou e pegou algumas estrelas de madeira cheias de brilho dourado. Elas tinham o nome deles esculpido caprichosamente. Olie sentiu a visão embaçar em lágrimas, e tentou respirara fundo, mas seu corpo todo tremia. Johanne se interessou pela caixa, tirando de lá alguns bonecos de neve que balançavam bracinhos de galhos enfeitiçados.

Olivia levantou e achou um corredor, que ligava a sala aos únicos dois quartos do apartamento pequeno. Em um deles havia uma cama de casal grande e revolvida. Era típico de Sirius dormir fazendo um redemoinho de lençóis, e ela sorriu ao ver a completa zona do quarto. Ali cheirava muito forte a ele, não só a sua loção pós barba, mas ao seu cheiro particular, aquele que ela procurava quando encostava o rosto em seu pescoço e aspirava sua pele.

Tudo estava em suspenso, o guarda roupas aberto, os sapatos jogados ao acaso no carpete. Parecia ter deixado a casa com pressa, da última vez. Com pressa pra quê? Pra trair seus melhores amigos? Para salvar sua família?

– ‘Avalooo! – Johanne deu um gritinho empolgado do outro quarto, e Olivia correu para lá. Com impacto, descobriu o lugar incrível que Sirius estava montando para a sua princesa. As paredes eram lilás e havia uma pequena cama de dossel. Um unicórnio de madeira enfeitiçado era o que tinha empolgado a bebê, ela batia palmas e perseguia o brinquedo pelo quarto. Muitos desenhos dela estavam cuidadosamente pendurados na parede, dentro de molduras brancas. Sobre uma penteadeira em tamanho mini, ficava uma pequena moto esculpida em madeira, e sobre ela, um rapaz, uma jovem e uma menininha na garupa.

Sirius sempre fora bom com as coisas manuais. Aquela pequena escultura deles era realista e incrível e fez Olívia desabar de vez. Ela se encostou num canto do quarto colorido e deixou as lágrimas correrem silenciosamente pelo rosto. Porque não tinha vindo com ele? Poderia ter evitado tudo aquilo, ou então, poderia ter estado com ele naquela noite, de qualquer forma, não estaria ali sozinha, tendo que enfrentar tudo o que jamais viveriam juntos.

Remus sentou–se no tapete cor–de–rosa e brincou um pouco com Anne. A ajudou a subir no unicórnio e cavalgar sem cair.

– O que eu faço, Moony? O que eu faço agora?

– Eu tenho certeza que ele sente a sua falta. O que quer que tenha acontecido, seja ele culpado ou não, ele amava você e a Johanne mais do que qualquer coisa.

– Eu estou sendo injusta, não é? Eu deveria ter ido no instante que soube... eu não acredito que não fui vê–lo esse tempo todo. Me sinto desprezível...

– Não é tarde demais, Olie. Nunca é.

– BD –

25 de Dezembro de 1981, Mar do Norte, Ilha de Azkaban.

O Natal era uma farsa, e era estúpido.

Era nisso que Olívia pensava enquanto pegava a embarcação rumo a prisão de Azkaban. Nada de sinos tilintando, fadinhas piscando, estrelas de natal, meias para presentas, canções de esperança. Era frio, úmido e pesado daquele lado do mundo de onde o mar do norte levava à ilha dos criminosos.

Enquanto atravessava as ondas num barquinho pequeno, com um guarda hostil como única companhia, ela se sentia insignificante, sufocando e enjoando com o cheiro forte de sal. Ao chegar a ilha, foi destituída da sua varinha.

A fortaleza de Azkaban. Uma gigantesca e espectral construção de pedras negras, cujas torres se perdiam nas nuvens. Suas muralhas tinham resistido bravamente através dos tempos, aguentando as ameaças das tempestades, da umidade, do salitre, e da magia negra que abrigava. Não era nada mais do que uma armadura, forte o suficiente para proteger sua prole maligna, os piores bruxos e bruxas, atores de atrocidades inimagináveis.

As paredes de pedras limosas lhe davam arrepios de nojo enquanto circulava um labirinto de corredores que cheiravam ao passado. Quando chegou a ala de segurança máxima – uma grande torre central, alta e estranha, lhe deram um colar com uma chama azul tremulante dentro de um pingente. Ela não prestou muita atenção, enquanto uma ansiedade doente ia subindo por sua garganta.

Sentiu o frio especifico dos dementadores, e viu alguns vultos, mas eles não lhe afetaram muito. Foi levada a uma sala circular de pedra com grilhões, na base de uma torre interna, e esperou. Esperou, esperou, ficando quase louca.

Uma mera burocracia permitia que os prisioneiros recebessem visitas em datas importantes. O Natal, Halloween e Páscoa eram os únicos feriados em que prisioneiros de segurança máxima podiam receber familiares.

Um par de dementadores escoltaram o prisioneiro até aquela sala macabra e o deixaram lá, trancando–os, lançando–os no breu. Lentamente dois pares de luzes tremeluzentes vindas de archotes enfeitiçados se acenderam na parede, e ela pode ver Sirius entre as sombras.

Ele era um homem confuso, aéreo e faminto. Precisou de um minuto inteiro para focar os olhos nela e ainda assim não se moveu do lugar. Olivia, que sabia sobre as consequências nefastas que a prisão tinha sobre o psicológico de seus prisioneiros, o observou procurando sinais de que ele a reconhecia. Ele estava sob influencia direta de dementadores há quase dois meses, agora. Parecia não estar se alimentando bem, e a falta de sol tinha dado à sua pele morena um tom amarelado e doente. Usava vestes cor de chumbo ásperas e seus braços estavam pesadamente acorrentados. Algumas tatuagens sobre suas omoplatas traziam uma identificação da sua cela. A barba tinha crescido, o cabelo embaraçara–se.

Olivia deu alguns passos a frente.

– Sirius. – chamou com dor.

Ele correu os olhos pela sala de visitas fedorenta de Azkaban, com uma curiosidade vaga. Demorou a olhar para ela novamente.

– Sirius, eu sinto muito não ter vindo antes.

– Que dia é hoje? – ele murmurou, para um ponto atrás dela.

– 25 de dezembro. Natal. – ela colocou a mão no bolso das vestes e tirou pequena escultura de pai, mãe e filha sobre a moto voadora. Ela reluziu na luz fraca das chamas. – Olhe. Eu fui até o apartamento.

Ele não parecia estar ouvindo, enquanto identificou a peça e estendeu a mão.

– Eu fiz isso.

– Sim! Você fez um monte de coisas. Eu vi o quarto da Johanne, ficou absolutamente lindo, ela gostou do unicórnio, e os desenhos... ah, Sirius! Eu sinto tanto. Eu devia ter ido até lá antes com você. Me desculpe.

Ele pegou o enfeite na mão dela. Fechou a mão e o apertou, ocultando–o completamente entre os dedos compridos.

– Eu matei Lily e James. – ele disse duramente, mas sem encará–la.

Ela sentiu os lábios secos. Tinha esperado, só por um momento, que ele negasse, que alegasse sua inocência e pedisse sua ajuda para ir embora.

– O quê... por quê... O que houve aquela noite? Eu não entendo...

– EU MATEI LILY E JAMES! EU OS MATEI!

Ela se afastou para trás, assustada com os gritos.

– Vá embora Olívia! O que você está fazendo aqui? Eu os matei! Sou um assassino, sou um monstro, você não devia ter vindo, no que estava pensando?

Eles se encararam, Sirius duro e feroz, ela sobressaltada. Havia tanta angustia no par de olhos negros em que se acostumara a ver amor, que seu coração se apertou. Ela tomou ar e coragem, falando sem tremer:

– Se você o fez, tenho certeza que teve um motivo.

– Como pode dizer uma coisa dessas? Que motivo eu teria para matá–los? Eram minha família!

– O que fizeram com você, para você contar a localização deles?

Ele lhe deu um sorriso amargo. Não disse nada.

– Remus acha que ameaçaram a mim e a Johanne. Isso é verdade? É por isso que você queria que fôssemos com você aquela noite? Porque estávamos em perigo?

– Remus não sabe de merda nenhuma.

Ele se aproximou, levantando a mão para tirar uma mecha de cabelo do rosto dela. Olhou no fundo dos seus olhos, e Olivia não pôde sustentar o olhar dele, abaixando o rosto. Não conseguia suportar o que eles lhe mostravam, não eram os olhos do homem que amava.

– Vocês estavam seguras. Eu nunca deixaria ninguém machucar vocês.

– A não ser agora, que você está longe de nós, e nos deixou sozinhas. – ela se arrependeu assim que falou. O rosto dele se fechou numa expressão inescrutável.

– Você está certa. Ferrei com tudo.

– Isso vai se resolver... olhe, eu conversei com papai. Se nós lhe conseguimos um julgamento, e você explicar o que aconteceu, talvez...

– Não vai haver julgamento algum.

– As coisas vão se esclarecer, eu sinto que a guerra está no fim. Estão caçando os comensais, e sem Voldemort, eles não são nada, eles não podem continuar adiante...

– Cuide da Johanne por mim. – ele a interrompeu.

Olivia estava começando a ser tomada pelo desespero.

– Você está dizendo que não vai nem lutar pra sair? Vai nos deixar? O que houve com você, diabos!

– Eu preciso pagar por isso, Olivia. Eu os matei.

– Por favor, me diga o que houve aquela noite! Eu preciso saber!

– Eu não lembro muito bem. Talvez você deva voltar outro dia... Enquanto isso olhe por nossa princesa.

Olivia sentiu as lágrimas vindo. Logo elas eram continuas, com soluços, com descontrole e medo e tristeza. Aquele definitivamente não era o seu Sirius, e tinha sido um erro ir até Azkaban. Ele as estava deixando, depois de tudo. Sendo covarde e inacessível. Qualquer que fosse o motivo, não confiava nela para compartilhar. Sentiu que ele a puxava para si, e a encostava contra seu corpo. Não se sentiu acolhida ali; no fundo, a sensação de solidão crescia e a engolia como nuca antes.

– Está tudo resolvido agora. – ele murmurou baixinho, em seu ouvido. – Cuide dela por nós. Tenha cuidado. Eu amo você.

– Como pode querer ficar aqui?

– Eu preciso. Sou culpado. Não há paz para mim lá fora.

– BD –

Aquela noite, após colocar Johanne para dormir, Olivia deixou a casa de seus pais, escondida, e se vestiu com um pesado sobretudo capaz de ajuda–la a enfrentar a névoa gelada de St. Sensille, o mesmo que tinha usado mais cedo para atravessar o mar do norte.

Atravessou andando com a varinha em punho a pequena cidade, que àquela hora da noite tinha a maioria das janelas apagadas. Logo estava ladeando a orla da Floresta Branca – uma peculiar floresta que circundava a metade norte da vila, fazendo uma meia lua, e assim chamada devido ao seu chão de areia esbranquiçada, onde apenas uma coleção de árvores esguias e curvadas conseguia crescer e compor a vegetação. Suas copas também eram brancas, à luz da lua, brilhavam como folhas de prata. A névoa era ainda mais densa na floresta, cobrindo o chão como um tapete vivo, escondendo as raízes das árvores e parte dos seus troncos nodosos.

A parte de um pio ou outro de corujas, era silenciosa e sombria. Ninguém gostava muito de entrar nela, desde que seu principal bem tinha sido extinto, há muitos anos. As pedras sensille, que davam nome à vila, já não podiam mais ser achadas ali, e o que restara delas tinha virado pó, dando aquele tom à areia da floresta e também da cidade. Nada podia ser cultivado ali, St. Sensille nunca tivera um solo fértil.

Ela venceu a orla da floresta e chegou ao lago que marcava a fronteira entre St. Sensille e Godric’s Hollow. Se atravessasse a ponte, teria uma distancia a caminhar igual a que já tinha vencido, mas não o fez. Ao invés disso, seguiu a margem do lago até um ponto onde o terreno se inclinava, com algumas formações rochosas formando pequenas grutas que eram morada para animais da noite. Procurou uma gruta específica, um pouco maior, cuja entrada tinha um ângulo que a deixava escondida de vista. Teve de entrar ali agachada. Quando murmurou lux, alguns morcegos se agitaram e saíram voando para a noite.

A gruta não era especialmente grande e tinha teto baixo; de pé, sua cabeça ficava a pouco menos de dez centímetros do teto. Andava com cuidado para não bater numa estalactite. Um fio de água brotava do chão como uma serpente e mais a frente, terminava num espelho d’água de um metro de diâmetro. Outros dois fios d’água escorriam pela parede e o alimentavam. No entanto, sua superfície era imperturbável como vidro.

Ela tentou lembrar de como fazia aquilo, quando era mais jovem. Não era tão difícil, naquela época. Quando ela desacreditava um pouco menos que hoje.

Se concentrou na superfície.

– Me mostre Sophia. – ordenou, para a água.

Se sentia estúpida. Não ia funcionar, não sem varinha.

Mas para a sua surpresa, sentiu um formigamento nas palmas das mãos e uma fisgada atrás dos olhos. Ao mesmo tempo, o rosto de Sophia surgiu na superfície. Apesar de preocupado, parecia bem saudável e corado. Ela tinha os cabelos loiros numa trança.

– Isso foi rápido – Olivia comentou. A prima lhe deu um sorriso.

– Eu estava esperando você fazer contato!

– Porque não me mandou nenhuma coruja? Ficamos sem notícias todo esse tempo, papai está preocupado!

– Eu estou bem.

– Que tal a França?

Ela sorriu pacientemente.

– Pode ir direto ao assunto, Olie. Estou te vendo pela pia do banheiro, então, não temos muito tempo.

– O quê? Neveu não quer que você faça magia?

– Não esse tipo de magia.

– Pensei que esse fosse o seu tipo de magia.

Seus olhos, que eram claros e não escondiam nada de Olívia, deixaram passar um brilho melancólico.

– As coisas mudam. Que tal, você, prima, fale. Sei que não usou magia elementar para me contatar à toa.

A jovem suspirou pesadamente.

– Fui visitar Sirius.

Sophia ficou esperando o resto, mas Olivia estava numa luta contra as lágrimas.

– Ele... ele disse que os matou.

– Foi mesmo? – sondou a expressão da outra. Olívia era uma confusão de cachos cor de caramelo e olhos inchados. Seu sobretudo vermelho com golas altas retinha a torrente de cabelos na altura do pescoço, emoldurando o rosto transtornado. – E você acreditou?

– Eu não sei o que pensar. Ele não quer um julgamento, ele nem mesmo quer sair de lá! É como se tivesse desistido. Desistiu de nós, Sophia!

– Ah, minha querida. Eu sinto muito. Talvez tenha sido demais pra ele.

– Ele não pode simplesmente desistir! O que eu vou fazer, sozinha, com um bebê para cuidar? Sirius prometeu que tomaria conta de nós!

– Você precisa entender – Sophia lhe deu um olhar terno e condolente – Azkaban muda as pessoas.

– BD –

Estava parada à soleira da porta entreaberta há mais de meia hora, e apesar de um dos pés estar um pouco dormente, não se importava. A cena que espreitava na sala de inverno tomava toda a sua atenção.

– Que história você quer ouvir hoje, Jojô?

– Pincesa!

– Qual de princesa?

– Pincesa derelela!

– Cinderela, vamos lá. Era uma vez uma menina muito bonita, a mais bonita do reino.

– Nãn! – a bebê protestou, no colo do avô.

– Não? E quem é a menina mais bonita do reino?

– Jo-jô!

O velho senhor riu gostosamente. Olívia também sorriu, escondida atrás da porta entreaberta.

– Está bem. Mas me deixe contar a história. Fique quietinha.

Ao longo da história, a bebê adormeceu. Joseph passava os dedos distraidamente pelo cabelo muito escuro da neta, enquanto murmurava o final feliz da Cinderela, olhando para o fogo da lareira. Olivia só entrou na sala quando se certificou que a filha ressonava tranquilamente.

– Então o senhor anda contanto histórias trouxas para a minha filha, seu Joseph – brincou, em tom de reprimenda.

– Ela não gosta dos nossos – ele se justificou, dando de ombros. – Aqueles contos bobos de Beedle, o bardo, não fazem a cabeça das crianças, se você quer saber.

– Sei. – ela ocupou a poltrona ao lado da dele, aproveitando o calor da lareira. Sempre que estava ali se lembrava do salão comunal da Grifinória. Às vezes ficava bem quieta e fingia que estava em Hogwarts, esperando que chegassem Sirius e com seus amigos. Sem as grandes preocupações e dores, e então, o mundo real, o presente, podia se passar por um pesadelo que terminaria ao amanhecer. Do lado de fora, a névoa era densa e embaçava os vidros. – Eu falei com Sophia ontem.

– E ela está bem?

– Ah, está sim – Olivia continuou, sorrindo levemente, saboreando a sensação de ter o calor do fogo aquecendo seu corpo. – Ela pediu desculpas por ter saído sem se despedir, e manda beijos.

– Talvez Sophia estivesse mesmo certa, Olivia – Joseph suspirou. A filha levantou os olhos para ele, esperando uma conclusão. – Você não acha que sim? Ela fez o que queria, seguiu o seu coração, não se deixou levar pela opinião das pessoas que não viviam sua vida. Acho que esse é o melhor jeito.

– Ela parece feliz, papai.

– E você? – ele perguntou depois de algum tempo. – Achou respostas em Azkaban?

Olivia suspirou longa e pesadamente.

– Sim, eu acho. Mas eu continuo confusa, ainda mais até, depois de... – e parou de falar, caso contrário choraria novamente. A dor sobre Sirius ainda era inacreditável.

– A compreensão vem com o tempo, filha.

– Mas o senhor acha que tudo vai ficar bem, um dia?

– Bom, Olivia – foi a vez de Joseph suspirar, conformado. – Eu já lhe disse... só ficará bem se você acreditar que vai ficar.

– BD –

10 de Janeiro de 1982, St. Sensille.

Da janela do terceiro andar da casa da Sra. Longbotton, Olivia conseguia ver a sua própria casa, as montanhas nevoentas e até mesmo uma parte da Floresta Branca, ao longe. Ainda estava frio, apesar da chegada da primavera, e as duas moças que conversavam naquele sótão se encontravam encapotadas e enluvadas, assim como as duas crianças que brincavam entre os baús empoeirados.

– De todo, eu gosto desse lugar. É tranquilo, não é? Decididamente o que eu preciso depois de toda essa guerra enlouquecida. Ainda não entendo porque reclamam tanto! – Alice comentou distraidamente, abrindo uma caixa com um cuidadoso feitiço, a qual parecia prestes a se desmanchar de tão antiga.

– Espere só daqui a alguns meses, e então me diga como vai se sentir. – Olivia rebateu, ao mesmo tempo que tentava alcançar Anne para prender seus cabelos que escapavam do elástico.

– Não me venha com essa conversa, Olivia, eu estou feliz! – a jovem de rosto redondo disse com um meio sorriso.

– Completamente feliz? – perguntou erguendo as sobrancelhas.

– Claro que não completamente feliz! Você sabe, Frank está lá na Irlanda, mas ainda assim, Olivia, é bom que ele tenha arranjado um bom emprego!

– Por outro lado, teve que vir morar com sua sogra... – insinuou com um risinho.

– E eu gosto muito de Augusta. Sabe, ela me trata bem como uma filha e me ajuda a cuidar do Nev. – e olhou o filho de relance, sabendo bem da propensão a causar estragos que ele possuía, apesar da pouca idade.

– Continue jogando o jogo do contente então, se isso lhe agrada.

– Só estou tentando levantar o astral das coisas... – Alice suspirou baixo. – Mas e você, como se sente?

– Eu estou me esforçando muito para parecer feliz, pelo menos. Você sabe, sem o Sirius – olhou pro outro lado antes que seus olhos pudessem umedecer – cuidando sozinha da Johanne, com a minha mãe repetindo o tempo todo que sempre soube que... que ele era um marginal assassino. – concluiu com a voz aguda.

– É impossível que ele tenha feito algo do tipo. – Alice comentou baixo. – O Sirius jamais faria mal a Lily e James.

– Pois é. – Olivia devaneou, cansada. Aquela questão tinha tirado sua paz nos últimos meses, e então ela a tinha jogado no fundo da mente e aceitado que não havia uma resposta boa o bastante. Não tinha ido a Azkaban novamente, ela não se sentia capaz de confrontar o noivo, após a última experiência.

A vida de fato parecia ter melhorado depois da chegada de Alice, já que agora Olívia tinha alguém para dividir ideias, se distrair e cuidar de Johanne, assim como ajudava a cuidar de Neville. As duas foram amigas em Hogwarts, de modo que lembranças passadas eram sempre trazidas a tona, tornando os dias mais suportáveis.

Agora, Olie se sentia quase tranquila. Os maus pressentimentos não lhe deixariam facilmente, mas podiam ser deixados de lado durante os momentos em que se dedicava a reviver a amizade com sua antiga companheira de aventuras, como se fossem jovens novamente.

As melhores ocasiões eram quando Frank ia visitar a família em St. Sensille, e assim como trazia notícias do mundo mágico, tecia conversas animadas até tarde da noite, e eles quase se sentiam novamente em Hogwarts, falando mal dos professores no pé da lareira.

Aquela tarde, elas tinham se envolvido numa arrumação do sótão da Sra. Longbotton. O principal objetivo era ressuscitar muitas décadas de moda sofrível da velha senhora, e se divertir com os objetos de gosto duvidoso que a senhora excêntrica tinha colecionado ao longo da vida.

Até agora tinham achado um chale que parecia com asas de morcego, botas feitas com casca de explosivin escovada e um horrível chapéu com um urubu empalhado em cima, que estava assustadoramente bem conservado.

Alice tirava algumas luvas cor de mostarda com estranhos apliques de contas roxas quando uma coruja entrou pela janela e deixou a carta para a moça. Ela desenrolou o pergaminho e o leu em voz alta, com o cenho erguido.

Cara Alice,

Respondo a sua carta para lhe atualizar sobre as Nossas atividades nesses últimos meses. Temos espionado aqueles que suspeitamos terem estado envolvidos com atividades escusas, e perseguido alguns dos que temos certeza.

Apesar do visível recuo dos nossos inimigos após a queda de seu líder, temo que a segurança completa ainda seja um caminho a se percorrer. A senhorita corre risco, pois é uma militante conhecida, permaneça sempre atenta.

Qualquer acontecimento incomum ou informação que considere importante, não hesite em entrar em contato conosco. Se precisar de ajuda, estamos igualmente disponíveis.

A Fênix.

– Dumbledore – Olivia concluiu, ao reconhecer o codinome – Vocês tem se comunicado, então?

– Às vezes. A maioria dos integrantes da Ordem tem tentado reconstruir a própria vida, agora que as coisas tranquilizaram, mas tem mais ou menos uma dezena que continua trabalhando.

– Eu não falo com ninguém, além do Remus, desde... você sabe.

– Sim. Eu não acredito que o perigo seja o mesmo para você, já que ninguém chegou a lhe ver nas ruas, lutando. Por isso imagino que Dumbledore não lhe escreveu.

Olivia assentiu. No ultimo ano tinha ficado longe das ruas, sem lutar, por causa da gravidez e depois, para cuidar da bebê. Apenas participava das reuniões da Ordem, mas Sirius a impedia de ter qualquer ação mais ativa na guerra. Ela protestava que até mesmo Lily, que estava igualmente grávida, costumava se envolver em lutas, mas é claro que o maroto não lhe dava ouvidos.

Lily não tinha escolha, é claro. Ela tinha saído dos NIEMS diretamente para um emprego no Departamento de Planejamento e Inteligência Tática do Ministério da Magia. Um ano depois, passara a Inominável. Somando–se isso a sua origem trouxa, tinha sido como um imã para Comensais da Morte. E depois viera a profecia…

– Eu acho que deveria tomar cuidado, de qualquer jeito. Nunca é demais.

– Frank acha St. Sensille uma cidade segura. Nunca foi atacada, então eu tenho que concordar com ele. Parece que as coisas ruins não chegam aqui.

Olivia deu uma risadinha irônica, Alice não fazia ideia. As coisas ruins já estavam em St. Sensille. Ninguém que conhecesse sua história diria que era uma cidade segura, tendo um índice de suicídio e disfunções mágicas duas vezes mais alto do que qualquer outra cidade completamente bruxa da Grã–Bretanha. Mas, desde que a amiga estava empolgada e acabara de se mudar, a jovem preferiu não comentar aquilo.

– BD –

15 de Maio de 1982, Sábado, St. Sensille, Inglaterra.

– Jojô, olha só esse sol!

Dias como aquele eram raros para a pequena vila bruxa. A bebê, ainda sonolenta, olhou pela janela e sorriu para a mãe.

– Sol! – Anne repetiu olhando pela janelona do seu quarto – sol, mamã.

– Parece que hoje de noite vamos ter estrelas... – ela disse vaga – um céu limpo, para variar.

– Etelas para papá – a moreninha riu.

– Sim, seu pai gostava de estrelas. Você lembra disso?

Ela assentiu e veio para mãe, passando seus bracinhos pelo pescoço de Olivia e não vendo as lágrimas que brotavam de seus olhos e eram refletidas pelo grande espelho da parede. A mulher se fitava como a uma estranha, cansada de perguntar qual o dia em que voltaria a ser ela mesma.


I've been looking in the mirror for so long.
That I've come to believe my soul's on the other side.
Oh the little pieces falling, shatter.
Shards of me,
To sharp to put back together.
To small to matter,
But big enough to cut me into so many little pieces

(Estive olhando no espelho por tanto tempo
Que vim a crer que minha alma está do outro lado
Todos os pequenos pedaços caindo, quebrados
Pedaços de mim
Afiados demais para serem postos de volta
Pequenos demais para terem importância
Mas grandes o suficiente para me cortar em tantos
Pequenos pedaços)

– Um dia, filha – ela disse afastando a menina para olhar em seus olhos – voltaremos a sentar na varanda e ver as estrelas. Eu, você e papai. Eu amo você, Jojô – Olivia suspirou, limpando as lágrimas. – Você é a coisa mais importante da minha vida.

– Mamã tliste. – a bebê percebeu, passando a mão miúda no rosto da mãe.

Mas quando Olívia achava que a dor tinha ido embora, ela voltava ainda mais sufocante.


If I try to touch her,
And I bleed,
I bleed,
And I breathe,
I breathe no more.

(Se eu tentar tocá-la
E eu sangro.
Eu sangro
E eu respiro.
Eu respiro, não mais)

– Bom dia, querida – Joseph disse quando Olivia apareceu na sala de estar com Anne ao lado. – Bom dia, Jojô.

– Bom dia, pai – ela disse vaga, deixando Johanne ir para os braços do avô. – Bom dia, mãe.

– Aquela tal de Alissa passou aqui e disse que precisa falar com você – comunicou a Sra. Loren enquanto batia as panelas – Não sei como Frank, um rapaz tão bem criado, foi acabar com aquela sujeitinha... você viu como ela cria o filho? – ela olhou para o marido, indignada – o menino está se tornando um monstrinho desastrado!

– É Alice! – Olivia corrigiu zangada, se sentando na mesa – Ela é tão bem criada quando Frank, se a senhora quer saber! Além disso – terminou bufando – Neville é uma graça de criança.

– Uma desgraça, você deveria dizer! – sua mãe devolveu – Da última vez que chegou perto dessa casa, derrubou cinco caqueiros das minhas margaridas! Ele é um demolidor, não pode ver nada na frente que consegue destruir.

– Ah, Amélia, por favor – seu marido a interrompeu – é só uma criança.

A Sra. Loren teria gostado de falar mais impropérios, porém a mesa silenciou. Johanne cantarolava, brincando com a colher. Alguém tocou na porta da frente.

– Eu atendo. – Olivia murmurou.

Quando abriu a porta, o rosto sorridente de Alice se revelou para ela, uma cesta nas mãos e o cabelo curto meio desalinhado.

– Bom dia, amiga!

– Bom dia, Ali.

– Credo, que animação! Eu imaginei que você estava assim – completou com ar de sabe–tudo – e, imagino que você esqueceu, mas hoje é o aniversário do Frank!

– Eu lembrava. – ela disse com um sorriso fraco.

– Então! Ele não aguenta mais ficar em casa... e nós pensamos em um piquenique.

– Você e ele?

– Eu, você e ele! – ela exclamou – francamente, qual é o seu problema? Vamos logo! Pega a Johanne, a gente deixa ela na casa da Augusta e vai pra beira do rio.

Olie concordou, de forma automática. Sair seria bom. Deveria ser. Certo?


Take a breath and I try to draw from my spirits well.
Yet again you refuse to drink like a stubborn child.
Lie to me,
Convince me that I've been sick forever.
And all of this,
Will make sense when I get better.
I know the difference,
Between myself and my reflection.
I just can't help but to wonder,
Which of us do you love.

(Eu respiro e tento desenhar o que meus espíritos induzem
Mais uma vez você se recusa a beber como uma criança teimosa
Minta pra mim,
Convença-me que estive doente desde sempre
E tudo isso
Fará sentido quando eu melhorar
Mas eu sei a diferença
entre mim e o meu reflexo
Eu só não posso evitar de querer saber
Qual de nós você ama)

– Parabéns, Frank! – ela disse abraçando o amigo com força – Feliz aniversário!

– Obrigada, Olinha – ele beijou o topo da cabeça dela – é bom ver você sorrindo.

Ela deu de ombros. Eles seguiam pela estrada que levava ao lago à beira da Floresta Branca. Apesar do sol e do céu claro, uma brisa fria soprava sobre eles de tempos em tempos.

Frank fora o primeiro amigo que Olivia tivera em Hogwarts, assim que entrara em seu primeiro ano. Ele era duas turmas mais avançado que ela, mas a certa altura se tornara uma inspiração para ela. Mais tarde, fora ela própria a unir ele e Alice, numa divertida festa do dia dos namorados, em que aprontara, pela primeira vez, junto com os Marotos.

Por fim, chegaram a um lugar bom à beira do lago, debaixo de uma árvore de copa volumosa, onde estenderam a toalha para comerem as guloseimas da Sra. Longbottom.

– Vamos ficar por aqui mesmo, minha barriga está roncando! – Frank disse, já estendendo o pano xadrez na grama.

– Quem ouve isso acha que eu o mato de fome! – Alice teatralizou para Olivia, que forçou um sorriso.

– Vamos, a comida da Sra. Longbotton não pode esperar! – e sentou confortável sobre a toalha, sentindo a umidade refrescante que vinha da grama, e o vento suave que varria a superfície do lago.

Conversaram até o entardecer cair ao seu redor. A noite em St. Sensille estava seca, e dali a pouco, a névoa seria tão intensa que os impossibilitaria de estar do lado de fora sem agasalho.

O trio arrumou os restos do que fora um piquenique e enfiaram tudo na cesta, junto com a toalha, e começaram a andar rumo à estrada que os levaria a St. Sensille, beirando a orla da floresta.

– Aposto cinqüenta galeões que sua filha vai se apaixonar pelo meu filho assim que perceber que ele é o garotão mais charmoso da Inglaterra. – Frank, continuando a conversa sobre o futuro, sentenciou.

– Neville? – Olivia deu uma risadinha cínica – Que nada, a Johanne vai querer ficar longe das traquinagens, ela é uma boa menina.

– Eu não posso ver como a filha do pior Maroto de todos fosse ser uma boa menina!

Um silêncio um pouco constrangedor se seguiu aquelas palavras, por que, via de regra, eles evitavam o assunto Sirius. Isso lhes deu oportunidade para ouvirem galhos estalarem muito perto deles. Instintivamente, estavam alertas e com as varinhas nas mãos. Os tempos de guerra não se iam tão facilmente.

– Que foi isso? – a morena perguntou olhando para os lados. Olivia deu de ombros. Frank tomou o caminho das árvores– Frank, cuidado...

Atentos, os três entraram na floresta. Estava tudo muito silencioso e a luz de um luar minguante começava a entrar pelas frestas entre as copas das árvores, iluminando o caminho.

– Expeliarmus! – alguém gritou por trás de uma árvore. Alice gritou e foi jogada para trás alguns metros, sua varinha se perdendo no chão coberto de névoa ondulante. Quem lançara o feitiço apareceu perante os olhos surpresos e Olivia e Frank, mas não desacompanhada.

Havia três pessoas ali, que eles conheciam o suficiente para temerem.

Dois homens e uma mulher. A mulher era a líder do grupo, e estava um pouco mais à frente. Tinha brilhantes cabelos negros, era alta e com olhos tão escuros como os do resto da sua família. Olivia odiava aquela mulher. Mais até do que odiara o próprio Voldemort.

Seu nome era Bellatrix.

(Continua...)


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Música do capítulo: Breathe no More - Evanescence

E ai, o que acham que vai acontecer como resultado desse encontro épico? Bellatrix x Olivia, apostas? 



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Fragmentos" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.