Capítulo 010

Aprendiz (Parte 6)

Três ciclos se passaram após o incidente envolvendo Kayan e Viktor. Os dois rapazes mantiveram hostilidades um para com o outro nesse meio tempo, mas limitaram-se a discussões e palavras ásperas. O Atreius tentou desafiar o Smalter para um duelo oficial, mas ele sempre evitava-o dizendo que já o derrotara uma vez e isso era desnecessário. Por fim, o garoto de cabelos negros desistiu das tentativas.

Ele também temeu pelo que o mestre de defesa contra magia negra, Jean Bearn, sabia, mas ele continuou a tratá-lo como se nada houvesse ocorrido.

Nesse meio tempo, Spaak levou-o até a taverna da ordem duas vezes, sendo que em uma delas Sakuro e Katherine, a noiva do granmestre, juntaram-se aos dois. O rapaz convidou Mathen e Sarah nas duas ocasiões, mas apenas a garota compareceu em uma delas. O Muscort dizia sentir-se pressionado com a presença de um mestre e que preferia não ir.

A confiança que Kayan tinha em Spaak apenas aumentava, pois eles se identificavam de alguma maneira e a amizade também crescia a cada dia. As experiências pelas quais o mestre havia passado auxiliavam o aprendizado do garoto.

Certo dia, o Atreius chamou o Firyn para uma conversa em particular. Ele disse que não era algo para ser discutido na taverna e o mestre concordou em subir até o último andar da torre dos aprendizes, onde ninguém frequentava à noite.

– Certo, o que você queria discutir comigo que precisava de tanto sigilo? – perguntou-lhe Spaak assim que atingiram o local designado.

– Acho que falar vai ser mais difícil. Mostrar será a maneira mais fácil.

O mestre cruzou os braços e dispensou um olhar intrigado ao rapaz. Ele, por sua vez, posicionou-se em uma postura ereta e dobrou o braço direito de maneira que a palma de sua mão ficasse virada para cima. A seguir, concentrou sua aura no membro estendido e ela começou a tomar a forma de pequenas chamas negras. Cada uma delas flutuou por uma fração de segundos acima de cada um de seus dedos. Então, ele pronunciou o nome do feitiço:

– Durhan crisis.

Assim que ele pronunciou o nome, as pequenas chamas uniram-se no centro de sua mão e formaram uma pequena esfera de não mais que dez centímetros de diâmetro.

Spaak, que observava-o atentamente, surpreendeu-se com o que via. Seus olhos se abriram completamente ao ver a cena e, num impulso, seus braços foram descruzados.

– C... como você aprendeu um feitiço tão poderoso como este, Kayan?!

– Com um livro. Na verdade, este foi o primeiro feitiço que consegui executar.

Enquanto falava, o rapaz fazia com que a pequena esfera de chamas negras flutuasse ao seu redor. Ela pairava no ar e fazia círculos em volta de seu corpo conforme ele comandava. Spaak não parava de fitar o pequeno feitiço.

– Pode parar com isso?! Este feitiço não é brincadeira pra você ficar se divertindo com ele desta maneira!

Kayan achou estranho o fato de que a voz de Spaak deixava uma pontada de insegurança transparecer. Portanto, encerrou o feitiço no exato momento em que ele pediu.

– Sei que não é brincadeira. Eu também me assustei quando li tudo o que ele era capaz de fazer e como era algo difícil de aprender. Tanto é que ele não está sequer incluso nas disciplinas da academia das ordens, uma vez que nenhum aprendiz conseguiria aprende-lo. Mas o que me deixou mais aterrorizado foi o que esse fato significava. Minha esfera primordial... Eu sou um mago negro, não sou?

– É, você realmente é um mago negro – Spaak confirmou enquanto caminhava para o lado do rapaz.

– Isso significa que existe a possibilidade de eu me tornar um mago das trevas, assim como Zeffirs?

O mestre fez uma pausa e encarou o garoto de perto.

– Não necessariamente. É verdade que a maioria dos magos malignos tiveram a magia das trevas como sua esfera primordial. Isso aconteceu porque ela é muito poderosa e pode acabar corrompendo a mente das pessoas. No entanto, existem muitos magos negros que são boas pessoas; veja o mestre Jean Bearn por exemplo. Você tem uma boa estrutura, amigos e felicidade, ao contrário de Zeffirs. Não se preocupe em se tornar alguém corrompido pela magia, isso não irá acontecer com você.

Ao ouvir o que o amigo tinha a dizer, a tensão de Kayan diminuiu consideravelmente. Ele, então, fez a próxima pergunta que tinha em mente.

– Estou agindo errado em esconder minha esfera?

– Não. Você agiu certo e deve manter isso oculto por enquanto. Evite revelá-lo até que todos confiem de verdade em você. Os magos negros sofrem certos preconceitos quando são muito jovens, ninguém sabe se eles se tornarão instáveis ou não e é este preconceito que acaba desviando-os do caminho.

– Entendo.

Os dois ficaram em silêncio por alguns segundos. Após isso, Spaak voltou a falar.

– Você sabe os efeitos do durhan crisis, não sabe?

– Sei. Se atingir uma pessoa ou ser vivo, vai consumir seu corpo até o final, a não ser que seja um mago e tenha uma aura forte o suficiente para suportar os efeitos do feitiço. Se atingir um objeto inflamável, será praticamente a mesma coisa que um crisis normal, talvez apenas queime um pouco mais rápido.

– Certo. Então nunca use-o contra alguém desta ordem. Mais tarde você poderá aprender a controlar os efeitos do feitiço, mas, por hora, não arrisque-se. No entanto, não deixe de praticá-lo. Todos te acham muito promissor nas outras esferas, então você será fantástico em sua própria.

– Obrigado pelos conselhos, Spaak.

O mestre colocou a mão esquerda em seu ombro e dispensou-lhe um sorriso amistoso.

– Os amigos são para estas coisas. Além do mais, seu pai me ajudou muito no passado, então apenas estou retribuindo o favor fazendo o mesmo pelo filho dele.

Ao dizer estas palavras, o Firyn retirou-se do ambiente. Kayan ainda permaneceu ali por algum tempo enquanto pensava no que o amigo havia lhe dito. Por fim, resolveu voltar para seu quarto. No entanto, naquela noite ficou imaginando qual seria o momento certo para revelar seu segredo aos amigos e a todos da Ordem de Drugstrein.

* * *

Kayan acordou quando uma pequena esfera dourada ao lado de sua cama começou a girar e a emitir uma música recheada de instrumentos de corda e tambores. O garoto, ainda sonolento, tateou em busca do objeto e encontrou-o. Assim que o fez, desceu um pouco mais a mão e girou a ampulheta que se encontrava abaixo deste. O som parou imediatamente após isso.

Ele levantou-se em seguida, ainda sentindo-se um pouco zonzo. Caminhou até a janela de madeira que se encontrava próximo ao armário e, após afastar as cortinas, a abriu, deixando os primeiros raios de sol da manhã entrarem. Ao passar os olhos pelo quarto, verificou que Fedrick já havia se levantado, pois sua cama encontrava-se vazia.

O Atreius caminhou até onde o amigo, Mathen, estava adormecido. Sacudindo e chamando seu nome, ele o acordou. Ambos vestiram-se de maneira rápida e silenciosa, após isso, seguiriam até o banheiro mais próximo para lavarem o rosto.

Havia se passado quase um ano desde que Kayan ingressara como aprendiz na Ordem de Drugstrein e, nesse meio tempo, ele fez amizades e até mesmo inimizades. Além disso, aquela etapa estava concluída e ele, além de todos os que estudaram no mesmo período, estavam no segundo ciclo dos exames finais.

Na primeira parte havia ocorrido as avaliações dos feitiços básicos, onde eram feitos exames teóricos e práticos. Naquele momento, os dois rapazes subiam até o último andar da torre, onde seria efetuado o exame de arte do duelo.

– Sabia que não devia ter aceitado seu convite de ir até a taverna ontem. Agora estou quebrado justo na avaliação de duelo – reclamou Mathen.

– Não seja um resmungão, Mathen. Graças a mim você conheceu o granmestre Sakuro e o Spaak. Além disso, tenho certeza de que você achou tudo muito divertido.

– Nisso você tem razão. Até mesmo a discussão entre a Sarah e a Thays foi engraçada. E o Fedrick tomando fora de todas as garotas com as quais ele tentava alguma coisa foi o máximo.

Assim que eles chegaram ao local designado, viram que a maioria dos aprendizes já estava lá e três dos mestres haviam se posicionado na maior arena que havia no local para avaliar os alunos. A dupla uniu-se a Sarah, que já os aguardava. Segundos mais tarde, Thays passou por eles e cumprimentou Kayan de maneira alegre para, então, unir-se a uma garota de cabelos longos e castanhos e um rapaz magro e de baixa estatura. A Harppon fechou a cara assim que a garota passou por eles.

– Não entendo essa sua implicância com a Thays, ela é uma garota legal – questionou-a Kayan.

– Ontem à noite foi ela quem começou a discutir comigo – defendeu-se a garota.

– Mas por que vocês brigaram, afinal? – indagou Mathen.

– Nem me lembro direito, algum motivo qualquer. O fato é que não nos damos bem e ponto.

– Garotas, vá entender.

O comentário final de Mathen rendeu-lhe um doloroso pisão no pé desferido por Sarah, que não aprovou nem um pouco a maneira com que o garoto havia falado. Kayan limitou-se a rir da cena.

O nível de barulho das conversas diminuiu de repente quando o exame teve seu início. Os duelos durariam apenas três minutos e cada um deveria mostrar seu melhor, independentemente de ganharem o embate ou não. O que importava ali era mostrar que sabiam duelar.

O trio continuou apenas a observar enquanto comentavam algo que sabiam sobre cada um dos participantes que subia na arena. A atenção deles redobrou quando eles viram que Thays Cyren seria a próxima a prestar o exame.

– Quero ver do que ela é capaz; todos os mestres falam muito bem dela – Mathen comentou com os amigos.

– Eu sei que ela é melhor que eu no domínio do fogo.

– Que isso, Kayan, deixe de ser modesto – protestou Sarah.

Thays subiu na arena enquanto era acompanhada de um outro rapaz muito alto para a própria idade. Ela enrolou uma mecha dos cabelos de tons azulados enquanto esperava o sinal do mestre para começar.

Assim que ele autorizou o início do embate, ela foi muito rápida. Suas mãos envolveram-se em chamas e estas começaram a agrupar-se a sua frente, tomando a forma de enorme dragão em chamas. Sua cabeça lembrava a dos draconianos que eram descritos nos livros de história e possuíam até mesmo os três chifres das espécies mais poderosas. Seu corpo, porém, lembrava mais o de uma serpente com pequenos braços e patas, pois esta forma facilitava o controle do feitiço. Para finalizar, suas costas eram adornadas por asas de fogo de uma grande envergadura.

Em seguida, a garota manipulou a forma recém formada para que esta avançasse contra seu oponente. O rapaz, então, tentou defender-se com um contra-feitiço. As rochas do chão da arena moldaram-se para formar uma imponente barreira a frente do rapaz. O dragão de fogo chocou-se com ela e, em meio a uma explosão, a fez em pedaços. A seguir, Thays fez com que ele cercasse seu adversário, impossibilitando qualquer ação que ele pudesse tomar.

– Viu o que eu disse? Eu não consigo controlar o crisis assim tão bem – elogiou-a Kayan, o que fez com que Sarah protestasse.

– Mas seu feitiço tem mais força que o dela.

Ao perceber que a garota estava decidida no fato de que ele era o melhor, Kayan achou melhor desistir de argumentar.

– Tenho é pena do garoto, nem teve tempo de duelar – comentou Mathen.

– Não se preocupe, todos terão uma segunda chance se não se saírem bem na primeira.

A resposta de Sarah o deixou aliviado, pois ele próprio não estava tão seguro quanto a sua vez de prestar o exame.

Alguns minutos mais tarde, quando muitos deles já haviam tido sua chance de mostrar o que sabiam fazer, foi a vez de Mathen duelar. Seu adversário foi seu amigo e colega de quarto: Fedrick.

Os dois rapazes subiram na arena e se encararam. Ambos sabiam exatamente o que fariam e tinham certeza de que isso impressionaria os mestres. Eles tocaram o chão enquanto utilizavam o feitiço clayn visgoon. Era uma forma poderosa de utilizar o feitiço que incluía um pouco de manipulação da esfera natureza e eles ainda não a dominavam completamente, mas foi suficiente para que alguma coisa fosse feita. Pedras e raízes começaram a moldar-se em uma forma humanoide até que dois golens de pouco mais de meio metro de altura se formassem de cada lado.

O passo a seguir foi fazer com que os dois se digladiassem até se destruírem por completo. Para finalizar e garantir que seriam aprovados, os dois garotos começaram a desferir feitiços de terra um contra o outro. Entretanto, após o tempo estabelecido terminar, nenhum deles havia saído vitorioso.

Mathen juntou-se aos amigos um pouco aborrecido. Então, comentou o que o havia deixado daquela maneira.

– Queria ter vencido o Fedrick, ele vive se gabando de ser o melhor.

– Pelo menos você não perdeu – argumentou Sarah, mas não conseguiu evitar de rir e o rapaz a encarou de maneira nada satisfeita.

– Convenhamos que aqueles golens não seriam úteis em uma batalha de verdade. Mas continue praticando que logo você fará algum muito bom – Kayan incentivou o amigo.

Quando quase todos os aprendizes já haviam sido avaliados, os mestres chamaram Sarah e, para fazer par com ela, alguém que a deixou muito nervosa: Kayan.

– Tantos aprendizes e eu tinha que fazer o exame justo com o que é melhor em tudo – comentou, demonstrando estar muito apreensiva.

– Não sou o melhor em tudo. Além disso, não pegarei pesado com você. Se vier com tudo o que tem pra cima de mim certamente será aprovada.

Ainda relutante, ela devolveu-lhe um aceno de cabeça enquanto seguiam lado a lado para a arena. O casal se posicionou e, assim que o mestre autorizou o início, Kayan esperou que a garota tomasse a iniciativa, pois assim ela teria alguma vantagem.

Sarah executou o feitiço warhi de maneira perfeita e um potente jato d'água foi lançado contra o rapaz, que limitou-se a se esquivar para o lado. A seguir, em contra-ataque, ele lançou um feitiço crisis. No entanto, ele colocou pouca aura ao criá-lo e a garota pôde evitá-lo facilmente com um novo warhi.

Assim que ela viu-se livre da ameaça, tentou mudar de estratégia e lançar o feitiço de fogo. Ela atrapalhou-se na concentração, o que a fez demorar um pouco, mas Kayan retardou sua ação para dar tempo a ela.

Um pequeno escudo de energia semi transparente bloqueou o feitiço quando Kayan utilizou um aurus pinn. A seguir, o rapaz decidiu que deveria atacar um pouco, para que a garota demonstrasse sua habilidade em se proteger. Ele fez isso com o feitiço básico de água, que foi bloqueado por um simples, mas eficaz, feitiço escudo.

Novamente ele esperou que a amiga contra-atacasse. Ele sabia que os mestres percebiam o que ele fazia, mas também notava a aprovação em seus rostos.

A Harppon executou uma série de feitiços crisis e a cada vez que Sarah repetia o feitiço uma nova rajada de fogo era emitida. Sua confiança estava crescendo enquanto ela sabia que nada que fizesse poderia ferir o amigo. Ela também havia percebido o quanto ele estava facilitando, por isso surpreendeu-se quando ele fez um movimento usando toda sua habilidade.

Enquanto se esquivava de todas os projeteis de fogo, Kayan aproveitou a oportunidade para encerrar o embate e, com ele, o exame. No momento em que ele executou o feitiço jinn pareceu que nada iria acontecer, mas, no instante seguinte, uma forte rajada de vento afastou o fogo e atingiu Sarah, que acabou perdendo o equilíbrio e quase caindo.

Quando a garota conseguiu se estabilizar, surpreendeu-se novamente por não conseguir contato visual com o Atreius; parecia que ele havia desaparecido. No instante seguinte, porém, sentiu seus braços sendo imobilizados enquanto suas costas se chocavam contra o tórax do rapaz.

– Acho que já foi o suficiente – disse ele.

– S... sim – respondeu Sarah, enquanto sentia seu rosto corar.

Só então que Kayan percebeu a maneira como estava abraçando a garota. Neste momento, ele a soltou imediatamente, pois também começou a se sentir constrangido.

E daquela maneira seguiram-se todos os exames para que os aprendizes atestassem tudo o que haviam aprendido com seus mestres.