inCOMPLETO escrita por Lorenzo


Capítulo 10
A quase completa ausência de sentidos


Notas iniciais do capítulo

Peço desculpas pela demora, pessoal.



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Qui. 07.06.2012

Andei refletindo um pouco sobre o desenho de Juan. Talvez ele tenha apenas esquecido de terminar o desenho da menina, talvez não tenha tido tempo, talvez me convencer de qualquer mentira seja melhor do que aceitar o que está a minha frente. As coisas fariam um pouco de sentido se tudo fosse como o desenho me mostra, mas no momento eu não faço questão de sentido. Não quero apelar para a razão, quero me convencer de qualquer mito que minha mente possa criar para simplesmente rechaçar a verdade simples e evidente. Emily não tem uma perna? – me pergunto. Ela tem! Eu a vi... Eu a vi daquela vez que... – A realidade é que nunca a vi. Ela sempre usa saia e vestidos muito longos. Talvez seja por algum motivo religioso – digo a mim mesmo. Tudo não passa de um talvez.

Ontem tia Jaque estava ao telefone na cozinha e sussurrava. A menos que ela acredite estar sendo espionada pela polícia federal ou qualquer órgão super secreto que o governo possa vir a ter – e eu prefiro acreditar nisto também – ela está me escondendo algo. Tia Jaque está doente, e eu sei disso. Essa é uma verdade que me obriguei a aceitar desde o princípio, porém tocar no assunto com ela é algo que ainda não consegui. Penso ser fraco e incapaz, revivo aquela velha imagem de aleijado frágil e dependente que sempre tive de mim apenas para manter-me inerte. Não fazer nada é uma das escolhas mais fáceis e atordoantes que qualquer um pode tomar: nos ausentamos da culpa e, ao mesmo tempo, toda ela pesa por sobre os nossos ombros sem que sequer notemos.

– Meu amor? – ela entra no meu quarto.

– Oi? – tento ver qualquer sombra de melhora em seu rosto para que eu possa, ao menos, passar o resto desta madrugada tranquilo.

– São quase quatro horas da madrugada e você ainda não dormiu?

Num primeiro momento me pergunto como ela sabe que eu não dormi, num segundo me pergunto o porquê dela ainda não ter dormido.

– Acredito que nós dois estejamos sendo assombrados pelos nossos fantasmas, tia. – Percebo que não a olho nos olhos, e que sequer sei em que parte do meu quarto ela está. Tudo está um breu.

Sinto que ela se senta em minha cama, o colchão de meche suavemente.

– Você quer dividir comigo sua carga, meu bem? – ela deve estar tentando me ver em meio àquela escuridão. Me pergunto o motivo dela não ter acendido a luz.

– Na verdade não.

Pior que aquela escuridão é o silêncio que está reinando. A ausência de sons e imagens me deixam um pouco tonto, mais tonto do que já sou. O que é uma façanha.

– Você ainda muito misterioso ultimamente, Quin. – ela se levanta da cama e sinto um cheiro estranho no ar.

– A opinião de uma especialista no assunto sempre conta. – sei que devo estar sendo insuportável, mas simplesmente não posso ter bom humor de madrugada e as circunstâncias atuais também não favorecem.

– Você anda mudado – ela suspira.

– Queria poder dizer o mesmo da senhora, Jaqueline.

Ela suspira novamente e sai do quarto. Ouço o som da porta sendo fechada devagar e sei que ela vai chorar depois de tudo que falei.

Não sei como me comportar, essa é a verdade. Eu deveria apoiá-la ou trata-la dessa forma rude e dura? A verdade é que eu não sei. Cabe mais a ela que a mim. Ela poderia me contar o que está acontecendo e simplificar tudo isso. Diminuir minha angústia e seu sofrimento, mas ela prefere se calar. Ela prefere guardar tudo o que sente a confiar em mim. Ela me faz crer que sou indigno de qualquer fagulha de confiança, que não mereço ao menos saber que ela está doente. ELA ESTÁ DOENTE.

Assim que ela se levantou senti aquele cheiro, mas só agora posso identificá-lo com clareza: sangue. Aquele cheiro era apenas sangue. Tudo faz sentido. Ela não acendeu a luz e não permaneceu muito tempo no quarto e eu pude apenas ouvir sua voz afetada. A lógica me inunda abruptamente: uma gota de sangue consegue fazer muita sujeira, porém quase não se percebe o seu cheiro. Duas gotas sujam pouco mais, porém ainda assim são quase que inodoras a grandes distâncias. Não se trata de pouco sangue, imagino. E tudo o que ela faz é esconder-se por detrás do breu. Trata-se de muito ou nenhum amor? Proteção ou raiva? Ela quer descontar em mim toda responsabilidade que teve por cuidar do sobrinho dos pais mortos ou apenas me proteger de qualquer outra coisa que ela possa imaginar que me venha a ferir? Tudo o que consigo pensar é numa equação bem extensa, repleta de incógnitas, potências e raízes e ao final dela um sinal que a iguala a tia Jaque. Isso é o que ela se tornou. Algo indecifrável para mim.

. . .

– Você tem certeza, Quin? – Juan me diz com sua cabeça apoiada em meu ombro.

– Sim. Eu conheço bem o cheiro de sangue, Juan. Eu saberia reconhece-lo de longe. – olho para meus pulsos por breves e imperceptíveis centésimos de segundos que parecem minutos em minha mente: a enxurrada de memórias dolorosas dos episódios em que tentei tirar minha vida. A corrente de sangue me lavando, o cheiro forte que impregnou meu nariz, o desespero de tia Jaque e tio Alfredo – que Deus o tenha em sua memória – e os segundos que antecederam a inconsciência.

– Você não irá perguntar nada a ela? Vai continuar sendo imaturo quando ela mais precisa de você? – seu tom afiado me machuca.

– Ela não confiou em mim. Ela preferiu que as coisas fossem assim. Apenas ela. – sei que se eu falar por mais alguns segundos eu não conseguirei conter as lágrimas.

– Na verdade quem não está mostrando confiança é você. – ele conseguiu me machucar.

– Vindo de você isso até doeria, mas você é outro dos que me esconde segredos. Somos dois grandes idiotar imaturos, entende? – como um soldado ferido durante a guerra eu resolvo apenas atacar. Atacar a qualquer um para, num esforço vão, ferir ou matar todos que posso numa tentativa de não sentir minha própria dor.

Ele me encara e sinto que seu olhar sonda até a parte mais secreta de mim.

– Você precisa aprender que nem tudo é como você quer, Quin. Reconhecer isso é avançar a maturidade.

Eu sei que ele tem razão, mas apenas me calo e choro.

Ele está certo – digo a mim mesmo.


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Notas finais do capítulo

Hey! O que acharam deste capítulo? O objetivo dela foi apenas prepará-los para o que vem adiante, e espero tê-lo alcançado. Novamente peço perdão pela demora, mas ando de fato muitíssimo ocupado mas trago aqui a promessa que inCOMPLETO não será abandonado de forma alguma! Grande abraço! (: (:



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