Destinados escrita por Tsuki Dias


Capítulo 19
18 - No Mercado




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— Ei, Erischen, quando vai me deixar brincar? — ela perguntou manhosa, chacoalhando suas correntes de maneira irritante.

— Logo, estamos chegando na próxima cidade. — ele respondeu, sem desviar o olhar dos papeis que analisava. — Pare de birra.

— Mas quero brincar agora!

— Aguente um pouco. Quando chegarmos vai ter muitos com quem brincar.

— Brinca comigo, então? — Sentiu-a se aproximar e roçar-se a ele, fazendo-o sentir seu corpo magro sob as amarras e as correntes que a impediam de matar qualquer um que estivesse em qualquer lugar perto dela. — Estou entediada.

— Não posso brincar com você agora, estou ocupado. — Suspirou irritado, vendo-a surgir debaixo da mesa, com sua cabeça emergindo dentre suas pernas, com aquela venda terrível que a deixava ainda mais assustadora. — Pare com isso.

— Eu gosto de brincar com você. — ela sorriu aquele sorriso branco e doentio, enquanto se esfregava nele. — Brinca comigo.

— Sei. — Ele suspirou, tentando afastá-la. — Não vou brincar hoje.

— Manda alguém brincar comigo, então. — Ela fez bico, não parecendo nada fofa, se era esse seu objetivo. — Qualquer um. Pode até ser aquela moça que vem te ver às vezes.

— Não! — Erischen afastou-se dela com repulsa, vendo-a cair com o rosto no chão. — Está proibida de chegar perto da Lysvrill!

— Então brinca comigo! — ela pediu ao se levantar, mesmo sem poder usar as mãos. — Você é o único que aguenta minhas brincadeiras.

— Não posso ficar te dando novos brinquedos toda vez. Nem ficar te mimando.

— Você quer que eu ratreie a Kira, não? Então me mantenha entretida. — ela barganhou. — Ou me soltarei e brincarei com todo mundo.

— Faça, idiotas com sede de sangue arrumo aos montes.

— Então tá. E ainda poderei brincar com a Lysvrill quando ela vier. — Ainda bem que ela estava com aquela venda cravada na pele, impossibilitada de ver qualquer coisa, pois se tivesse ideia do quanto ficava assustadora sorrindo daquele jeito… Ou conhecesse o tom pálido que tingia o rosto do elfo em certos momentos... Se ela pudesse confirmar o que só supunha, ela o dominaria no ato.

— Volte para a caixa que mandarei alguém brincar com você.

— Obrigada, Eri. — Ela o beijou repentinamente, sem ele ao menos ter visto seus movimentos. — E apresse o passo, pois quem você mandar, não vai aguentar mais que algumas horas comigo.

— Então pare de quebrar seus brinquedos. — ele repreendeu sério, vendo-a rir enquanto era levada.

— Mas essa que é a diversão.

–-**--

A porta da enfermaria estava fechada, confinando Mikhil e Phay ali dentro pelo que parecia ser horas. Os primos estavam no escritório, cada qual em seu canto, ao lado de uma Kira ansiosa e apreensiva, esperando qualquer notícia. Depois que o grupo saiu do alcance da barreira que envolvia o exército do Tirano, se instalaram numa cidade relativamente grande, onde um exército estava sendo reunido. O plano era que não ficariam ali por mais de um dia, tempo mais que suficiente para comprarem o necessário para a menina viajar com conforto com eles.

Mas claro que a pequena parada reacendeu um tópico delicado.

Kira andava de um lado a outro no escritório do médico, roendo as unhas já curtas, e remoendo a aflição. Apesar de já conhecer parte dos resultados, da maior notícia que ele podia dar, não estava preparada para o parecer médico nem para descobrir as sequelas que a vida nas ruas deixou naquela menina.

— Muito bem, Phay, boa garota! — Mikhil anunciou ao abrir a porta. — Se saiu muito bem!

Kira assistiu a menina pegar um embrulho pequeno da mão do médico e correr para ela, enterrando o rosto em seu colo e passando seus braços curtos em torno do seu corpo. Olhou apreensiva para o médico e suspirou aliviada, quando constatou na face dele que não havia nada de errado com a menina… Pelo menos em parte.

— Agora, gatinha, suba e tome um banho. — Mikhil mandou autoritário. — Vamos sair para te comprar mais roupas. Não se esqueça de lavar a cabeça e usar algo limpo.

— Tá. — ela concordou desgostosa, puxando a mão da princesa. — Vem comigo!

— Um minuto, Phay. — Kira pediu, soltando-se do aperto dela. — Preciso ver uma coisa antes.

— Vocês vão namorar?

— N-Não! Que ideia! — Kira ruborizou violentamente, desviando o olhar do sorriso do médico. — Desfaça essa cara, Mikhil, não tem graça!

— Tem sim. — Ele riu, aproximando-se para tocar a cabeça da menina. — Costumamos namorar mais à noite, querida, mas não quer dizer que eu não possa agarrá-la agora.

— Mas seu… — Kira rosnou irritada, arrancando uma gargalhada do médico e dos primos. — Até vocês, traíras!

— Não vou te agarrar agora, Viyânia, relaxe. Preocupe-se quando escurecer. — Ele riu, apontando a porta para a menina. — Phay.

— Ok! — ela respondeu a contragosto, degustando o doce enquanto se dirigia ao andar de cima.

Os quatro ficaram ali, observando a porta por alguns momentos como se a menina ainda estivesse passando pelo portal. O clima estava pesado e a ansiedade voltou a dominar a todos. Era a hora de saberem o que se passava.

— Precisamos conversar. — ele começou e uma onda fria subiu pela espinha dela. — Sente-se.

— Odeio essa fala… — Kira respirou fundo, obedecendo à sugestão.

— Tem alguma coisa de errado com ela, Mikki? — Lissa perguntou preocupada.

— É o que vou falar.

— Manda. — Kira pediu, engolindo em seco.

— Pelos exames, não há nada de errado, fisicamente Phay está saudável e forte, daqui por diante só tomaremos cuidado com sua alimentação e seus exercícios. — ele começou, sentando-se ao lado dela.

— Que bom. — Lissa suspirou aliviada.

— Mas? — Leo perguntou apreensivo.

— Ela sofreu abuso. — ele revelou sério, observando Kira atentamente. — E você sabia disso.

— Sabia… Eu matei o porco que fazia isso com ela. — Kira contou um tanto aliviada, mas não menos preocupada. — Detectou alguma sequela?

— Fisicamente ela está saudável, creio que seus atos contra o cara a tenham consolado. Mas estou preocupado ainda. Precisamos ser atentos. Um trauma desses não sumirá tão cedo.

— Sim, teremos. — Ela parou um pouco e suspirou, exteriorizando seu alívio momentâneo. — Ainda bem… Achei que…

— Eu também. Queria eu ter acabado com ele… — ele comentou sério. — Ele tocou em você?

— Só nas solas das minhas botas. — Kira sorriu, arrancando um mover de lábios do médico.

— Como aconteceu? — Leo perguntou.

— Ele apareceu no refúgio querendo ela e o dinheiro… O sangue me subiu à cabeça.

— Imagino como ela agirá quando tiver mais idade… — Lissa comentou ausente.

— Ela é forte, vai tirar de letra. — Mikhil pensou por um momento. — Como vocês reagiriam se estivessem na pele dela?

— Isso… Isso é complexo, não sei responder. — a maga respondeu defensiva e o guerreiro apenas negou com a cabeça. — Kira?

— Não agiria… — Ela se calou um momento. — Pelo menos até ter certeza de que ganharia.

Silêncio se estabeleceu no cômodo, unindo os quatro como nunca estiveram antes. Aquele sentimento de impotência e revolta se instalou em seus corações e pareciam incapazes de superar o fato. Na verdade, não havia o que superar, deviam apenas controlar a raiva e seguir em frente, esperando que outro monstro como aquele cruzasse seus caminhos para exteriorizarem aquela revolta.

Esse tipo de monstro devia ser erradicado em nível atômico.

— Vamos nos aprontar. Quero voltar da cidade antes de escurecer. — Kira pediu, encontrando o olhar do médico por um momento, depois o abrangendo para os primos. — Querem vir?

— Não sei como você lida com isso. — Lissa comentou indignada. — Está agindo como se nada tivesse acontecido àquela garotinha!

— E o que quer que eu faça, Lys? Mate o cara? Eu já fiz isso. — Ela suspirou, levantando-se e se dirigindo à porta. — Agora, o que precisamos é trabalhar com ela, estar com ela e fazê-la feliz. Isso leva tempo e vem dela o resultado, o que podemos fazer é apoiar.

— Kira! Venha ver! Essa água é rosa! E é cheirosa! — Phay chamou do andar de cima e um sorriso apontou no rosto da princesa. — Rápido! Rápido!

— E é isso que devemos proteger. — Ela sorriu, antes de subir de encontro com a menina.

–-**--

Por um momento, Leo achou que aquela cidade tinha saído de algum jogo neomedieval, com suas construções castelísticas, o grande mercado, a praça de preces e o palacete ao fundo. Por mais que aquele lugar se parecesse muito com vários outros por onde passaram desde o começo da aventura, o que o diferenciava era a segurança fortificada, um bando de soldados espalhados por todos os cantos, parecendo avatares dos jogadores, enquanto o resto da população não passava de NPC’.

Quando avistaram a movimentação, no momento em que chegaram, ficaram à sombra para entender o que havia naquele lugar, se era um inimigo real. Mikhil se adiantou e fez suas pesquisas, voltando com a informação de que aquela cidade resistiria à ameaça do Tirano e que não estavam nem perto de colaborar com ele. O que não foi um alívio em nenhum momento, pois sabiam que não teriam chances, ainda mais com o pouco cotingente liderado por aquele brasão desconhecido.

Phay andava mais a frente com Lissa (que vestia um manto de mago sobre os cabelos vermelhos), ambas explorando o mercado e parando frequentemente nas barracas para analisar os produtos. A menina ria e observava tudo com os olhos maravilhados, mas distante o bastante para seus velhos hábitos estarem sob controle. Leo, Mikhil e Kira as assistiam um pouco mais atrás (também cobertos por capas), dando-lhes liberdade para ir e vir sem a pressão de estarem acompanhadas.

Estavam no fim da visita e haviam comprado muita coisa. Kira e Lissa montaram o enxoval da menina, enquanto os garotos compravam os móveis para seu quarto. A mágica de Mikhil não funcionaria naquela vez, porque ele não contava com a nova integrante. Pelos comentários, conseguiram um quarto completo por uma bagatela, e pelos planos do médico, aquela obra ficaria divina.

Kira observou a menina e sorriu, gravando na memória a nova versão dela. Os véus e as túnicas marrons se foram, dando lugar a roupas coloridas, com laços e babados, modelos que ela mesma já usara quando criança e que ainda lhe caía no gosto, se não se forçasse tanto a ter um guarda-roupa funcional. Naquele momento o sol da tarde acariciava os cabelos claros da menina, reluzindo nos chifres de marfim que apontavam em sua cabeça. A roupinha amarela era um conjuntinho de short bufante e blusa com corte trapézio, com babados laranja e um laço na altura do busto na mesma cor. E como os cães, sua felicidade era medida pelo balançar de sua cauda.

— Ela parece contente. — Leo comentou com um sorriso. — Mas ainda não entendi o motivo de tê-la adotado.

— Um dos meus sonhos era ter uma casa com cerca branca e um monte de pirralhos remelentos correndo pelos cantos. E cachorros! Quanto mais, melhor. — Mikhil revelou com o olhar longe e um sorriso no rosto. — Eu gosto de crianças e me pareceu uma boa oportunidade para realizar meu desejo. Sem falar que foi um jeito bem eficaz que achei para implantar essa ideia na cabeça da Kira.

— Idiota. — ela bufou, batendo nele com as costas da mão. — Não vou me casar com você.

— Viu? Foi muito efetivo. Ela já me ama. — Ele riu, recebendo mais alguns golpes. — Calma! Prometo que só faço o pedido depois que tudo acabar!

— Já pensaram em ter filhos alguma vez? — Leo perguntou inocente, percebendo a tensão da prima. — Kira?

— Não está no meu destino. — ela revelou baixo, controlando o suspiro enquanto tocava o ventre.

— Por que não? — Mikhil indagou, vestindo-se de seu rompante profissional. — O que há de errado?

— Só não é algo que eu possa vislumbrar no momento, não antes de tudo acabar.

— Já te machucaram? É por isso? — Aquela pergunta a calou. — Kira?

— Não força, Mikhil. — Leo advertiu, tocando o ombro da prima. — Desculpe levantar o assunto, Ki. Vamos pescar aquelas duas antes que comprem a feira toda.

— Boa sorte com isso. Vou esperar ali. — Ela apontou para uma árvore no meio da praça, onde sua sombra crescente parecia convidativa.

Kira sentou-se em uma das raízes e fechou os olhos, apreciando o vento que soprava quente. Ouviu Mikhil se aproximar e sentar-se ao seu lado, perto o bastante para sentir seu cheiro bruto enredá-la. Com um suspiro rendido, tombou a cabeça e apoiou-a em seu braço forte, recebendo um afagar nos cabelos em resposta. Sempre tão carinhoso…

— Você sempre foge do assunto… — ele comentou sério. — Por quê?

— Não é algo que me interessa discutir. — Kira respondeu, sentindo-se abraçar pelo médico.

— Te machucaram tanto assim? — ela suspirou em seus braços.

— Isso mesmo é algo que você tem que saber?

— Me ajudaria a entender.

— Por que quer saber se sou virgem, Mikhil? — Ela levantou a cabeça e o encarou seriamente.

— Sempre achei que era de aquário. — Ele riu, tentando dissipar a nuvem negra que se formou sobre eles. — Ou seria sagitário?

— Quer mesmo saber se já tive alguém? — ela perguntou, notando a tensão no rosto dele. — Isso realmente importa? De verdade?

— Não, não importa. Mas às vezes penso nisso, penso naqueles que te machucaram quando não estive perto… Penso até mesmo nas feridas que posso ter te causado. Acho que só quero saber qual minha parte nisso.

— Não faça perguntas que não queira ouvir a resposta.

— Mesmo assim… Diga-me. — pediu decidido, vendo-a suspirar.

— A função “Princesa” pode ser decorativa, mas enche o saco com certas coisas. — Kira pegou a grande mão e a apertou, deslizando o dedo sobre o anear dele. — Como na vez que vovô achou que precisava de ajuda para me proteger. O noivo que ele me arranjou não era um príncipe encantado… Agora posso dizer que nem todos eles vestem uma armadura reluzente.

— Como assim?

— Não quero falar sobre isso. — respondeu por fim.

— Sinto muito.

— Sim, não é uma lembrança agradável… — ela concordou, voltando seu olhar para o médico. — Eu o odiava. Ainda odeio na verdade.

— O matarei se tiver chance.

Kira não respondeu, sorriu carinhosa e ergueu-se para tocar os lábios dele com os seus, recebendo a retribuição daquele carinho. Se ele soubesse… Se ele soubesse que entendia Phay mais do que devia… Se Mikhil soubesse o quanto pensara nele durante aqueles dias…

— Não em público, crianças. — A voz de Lissa soou em seus ouvidos e os afastou sem graça. — Não olhe, Phay. Vai te influenciar.

— Engraçadinha. — Kira riu, tomando a menina nos braços. — Se divertiu hoje?

— Sim! — Phay sorriu, mostrando um saquinho pequeno cheio de cristais rolados. — Olha! Dá pra fazer peças com elas! A mulher disse que cada uma tem uma coisa mágica. Tia Lys vai me ajudar!

— Que bom!

— Vou comprar algumas coisas, podem voltar sem mim. — Lissa falou decidida.

— Vamos andar mais um pouco e voltamos todos juntos. — Mikhil sugeriu, notando a movimentação da tropa daquela cidade. — Não gosto desse movimento.

— Soube que estão se posicionando contra o Tirano. — Lissa comentou.

— Devemos tomar cuidado então. — Kira concluiu, segurando a mão da menina. — Nos encontramos na saída às seis.

Lissa assentiu com a cabeça e conduziu o grupo até um pedaço do caminho, antes de se afastar com Leo em seu encalço. Mikhil e Kira passearam com Phay até perto da hora de ir embora. Olhavam uma barraca de artesanato quando Kira sentiu algo estranho percorrer sua espinha. Atentou-se em sua volta discretamente e notou um grupo de soldados à distância, observando-os intensamente. Analisou-os atentamente e notou o emblema que ostentavam. O brasão da cobra alada sobre as cores do crepúsculo. Correu os olhos por todo o lugar e empalideceu quando percebeu o mesmo símbolo estampado pelos cantos. Não podia ser verdade…

— Algo errado, Querida? — Mikhil sussurrou carinhoso, passando o braço pelos ombros dela e trazendo-a mais perto. — Estão nos encarando.

— Sim, precisamos sair daqui rápido… — Ela engoliu em seco, sentindo o suor escorrer frio pela pele.

— São inimigos? — Ele perguntou apenas por costume. Quem naquela dimensão não era um possível inimigo no momento?

— Pior… — Com um vislumbre de um cavaleiro se aproximando do grupo vigilante, de certo para obter alguma informação, Kira respirou fundo e procurou calma. — Pegue a Phay e vamos embora.

Mikhil não discutiu, beijou o topo da cabeça de Kira carinhosamente e chamou a fadinha com ternura. Quando Phay se aproximou, tomou-a nos braços (sentindo-a se retesar um momento) e sussurrou-lhe a situação por um momento, pedindo que agisse como há pouco. A menina sorriu nervosamente e forçou-se a abraçá-lo enquanto os três seguiam para a saída da cidade, com Kira contatando os primos pelo cristal que usava no pescoço.

— Estão nos seguindo. — Phay falou baixo, depois de olhar para trás. — O homem no cavalo tem alguma coisa na mão.

— Isso não é bom… — Kira gemeu, apertando fortemente a mão do médico. — Precisamos correr.

— Será pior.

— Já é pior. Precisamos sair do alcance deles… — Ela estremeceu, sentindo a sensação ficar mais forte. — Mikhil… Por favor…

— Se prepare então. — ele comandou, segurando firme a menina.

— Ei, vocês! — O cavaleiro chamou autoritário.

— Vai! — Mikhil deu a ordem e se pôs a correr junto com ela.

O som de galope ecoou naquela perseguição e o corredor de curiosos se abriu para a passagem das partes envolvidas. Mikhil mantinha a fadinha segura nos braços enquanto corria e Kira se esforçava para colocar a maior distância do cavaleiro que podia. Só alguns metros até a saída e dali o despistariam sem problemas, ainda mais com a magia de Lissa a seu favor.

— Parem! — o cavaleiro gritou e Kira sentiu algo enlaçar-lhe o pescoço.

E era isso que queria evitar.

O laço de energia apertou-se e algo pesou em seu peito, parecia que uma coleira tinha se agarrado a ela e a subjugado como se fosse uma cadela que fugira do dono. A força do coice foi tanta que Kira caiu para trás e se sentiu arrastada, enquanto o cavaleiro de aproximava rapidamente. Definitivamente, devia ter se informado mais sobre quem estava naquele lugar.

— Eu mandei parar! — o cavaleiro esbravejou, indo mais perto da moça caída. — Que coisa! Por que você tinha que…

Ninguém viu de onde saiu o golpe que o derrubou do cavalo. Quando Kira se situou, Phay estava ao seu lado, sibilando ameaçadora enquanto Mikhil se postava em guarda à sua frente, com suas linhas dançando ao redor naquela coisa hipnotizante que só as aranhas conseguiam fazer. Sua aura emanava perigo e por trás dele sua sombra se pronunciava sedenta de sangue, como sempre.

Gostava tanto quando ele perdia o controle para protegê-la...

— Não dê mais nenhum passo. — o médico avisou perigoso, quando o cavaleiro se levantou do chão e ameaçou se aproximar. — Seja lá o que jogou nela, desfaça. Agora.

— Ela mesma poderia desfazer se quisesse, não é mesmo, Alteza? — ele falou alto e sarcástico, estendendo a mão em direção à moça, que se levantava trêmula. — Que bom vê-la novamente.

— Não posso dizer o mesmo. — ela respondeu rouca, massageando o pescoço agredido enquanto se aproximava.

— O conhece? — Mikhil indagou, carrancudo e arredio, impedindo com o corpo a aproximação do cavaleiro de suas meninas.

— Infelizmente. — ela completou, tocando levemente o ombro do médico. — Lorde Woys. Demorei um tempo para notar seu novo brasão. Se soubesse que era você, não teria pisado aqui.

— Tão áspera! Houve um tempo que você era um doce! — Ele riu com uma reverência. — Mas está realmente encantadora, como sempre foi.

— Tire o capacete. — ela mandou.

A risada do cavaleiro ecoou pelo aço enquanto o tirava, revelando o rosto por baixo da carapaça metálica reluzente. Mikhil olhou aquele homem com antipatia e se perguntou que tipo de relação ele teria com Kira. Não era bonito, pelo contrário, tinha traços normais e diria até inferiores. Duas cicatrizes cortavam a face, uma se encontrava sobre o olho e outra subia o maxilar em direção ao nariz. Seus olhos e cabelos eram castanho-claros e de maneira nenhuma podia descrevê-los com boas palavras. Talvez por causa de algo incomodá-lo no fundo do âmago, não podia deixar de pensar que aquele ser era desprezível, de várias maneiras possíveis, mesmo sendo um lorde. Como se posição social fizesse pessoas melhores… O Tirano estava ali para provar a tese.

— Como est… — ele começou, mas não terminou o cumprimento, pois o soco que Kira desferiu o jogou para trás, fazendo-o girar como um peão e aterrissar no chão como um fracassado.

Grande garota! Era isso que estava sentindo falta nela.

— Isso foi por quase me enforcar. — ela cuspiu, sacudindo a mão. Esquecera que ele tinha uma resistência estupidamente alta para um cara franzino.

Minha garota. — Mikhil sorriu orgulhoso, pegando a mão dela e massageando os nós vermelhos com carinho, depois de beijá-los em reverência.

— Sempre gostei desse seu lado impetuoso. — Lorde Woys riu, levantando-se e cuspindo o sangue que parara na boca. — Está mais forte do que me lembrava. Quase não a reconheci sem os esvoaçantes vestidos de chiffon e renda.

— Não se aproxime. — ela avisou com repugnância, mas não conseguiu repelir o abraço repentino.

— Solte a minha mãe! — Phay sibilou arisca.

— Mãe? Você teve filhos? — ele a soltou surpreso, vendo-a se refugiar na companhia do médico. — E esse é o pai? Estou confuso… Me esclareça esta história, querida.

— Não lhe devo explicações, Heijo. — ela sibilou evasiva.

— Claro que deve! Se não devesse, não teria mais isso com você. — Ele levantou a mão onde fios de energia brilhante se enlaçavam, igual aos que enlaçavam o pescoço da moça.

— Quem, diabos, é você? — Mikhil indagou possesso, já antevendo a resposta no íntimo.

— Ora! Sou o noivo dela.


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Notas finais do capítulo

Olha só! Mais um capitulo! Espero não ter errado na mão, e que tenha gostado.
Por motivos de TCC demorarei um pouco para atualizar, espero que entenda.

Para quem não lembra: Viyânia é o modo carinhoso que Mikki chama a Kira. É como chamá-la de minha amada. E reparem que ele só a chama assim quando ela não está escutando srrssr



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