Destinados escrita por Tsuki Dias


Capítulo 16
15 - Duo Auro


Notas iniciais do capítulo

Perdoem o atraso, espero que goste!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/582684/chapter/16

Quando um pequeno talho se prendeu em sua pata – de novo – ela teve que usar as presas para soltá-lo. As garras estavam maiores dessa vez, então precisaria apará-las se quisesse continuar a viajar naquela forma poderosa. A profusão de cores e cheiros chegava-lhe numa velocidade imensa, grande demais para sua forma humana processar. Se bem que preferia muito mais viajar naquele corpo, sentindo a terra sob suas patas, os galhos roçando em seu pelo e o vento batendo em suas orelhas, sussurrando segredos e lhe dizendo onde encontrar suas presas, que sentir os pés doerem dentro das botas e a roupa apertar seu corpo.

Sua próxima vítima vivia num campo perto dali, provavelmente com alguns filhos e marido, vivendo numa casa em meio a um prado, onde animais pastariam, ela secaria as roupas no varal enquanto o pai e os filhos faziam outras coisas. A abordagem seria simples: primeiro se aproximaria o máximo que a vegetação permitisse, depois esperaria ser notada. Caso demorasse demais, voltaria à sua forma humana e falaria com ela, dando-lhe algum tempo para se despedir da família. Mas, normalmente quando as Sombras de Kira a avistavam, já sabiam que seu tempo estava contado e que naquela noite, Taiga viria matá-las e absorvê-las.

Sim, essa era a missão que recebera da Kira antes de deixar o palácio. Na verdade, naquela época as coisas eram mais simples. Tudo o que devia fazer era pegar de volta a energia que as sósias continham, o que as fazia voltar ao normal, não havia matança. Mas desde que sentira a quase morte de Kira, a vida das Sombras passou a ser necessária.

Apesar da tristeza, estava feliz por ter sido incumbida disso ao invés de ver sua Kira sujar as mãos. Matar já estava em seu sangue e manchava profundamente suas patas. Já matava pessoas antes mesmo de ser recrutada pela princesa Kira, quando ainda era uma filhotinha. Estar na tropa dos tigres a endurecera e a única vez que soube um pouco do valor de uma vida foi depois de conhecê-la. Kira era gentil e bondosa, matar para ela devia ser somente a última opção. Não imaginava o que aconteceria se fosse ela quem tivesse que coletar as Sombras.

Não queria admitir, mas tinha pena de sua Kira. Sempre presa, sempre reprimida, sempre subestimada, mantida como um dos tesouros do reino num quarto sem janela e sem a sua personalidade. As únicas horas em que podia sentir o ar fresco eram na parte da tarde, quando podia sair ao jardim e respirar. À noite? Nunca. Não desde que aquele primeiro assassino apareceu em seu quarto. Queria tanto ter acabado rápido com aquele cretino... Se não tivesse acordado a tempo, ele poderia ter matado sua amiga.

Amiga... Kira estava mais para uma irmã, mesmo que não merecesse sua afeição.

Taiga parou um momento e fungou o ar, sentindo o vento trazer-lhe uma grade emocional que conhecia bem. Kira estava por perto e mal podia esperar para vê-la. Sua grade emocional sempre foi um tanto melancólica, fria, solitária. Mas a julgar pelo calorzinho que passava no momento, podia jurar que alguém preenchera aquele bendito buraco em seu coração. E podia apostar suas presas que era um homem mais velho que o fizera.

Sorriu um sorriso felino e voltou à sua caminhada, desejando sorte para a garota. O prado com a casinha estava perto e, como previra, a Sombra estava lavando roupa. Agora o que devia fazer era esperar... E torcer para que esses atos sangrentos nunca repercutissem na vida de sua amada amiga.

–-**--

As dores começaram como pontadas em suas costas e braços, depois subiram para a cabeça e olhos, antes de fazê-la acreditar que estavam martelando seu cérebro com pinos de boliche. Normalmente não tinha esse tipo de coisa, mas desde que Lissa a confrontara sobre o Plano Maior e sua liderança, uma dor-de-cabeça monstruosa se instalou de mala e cuia em seu lóbulo frontal, então não se surpreendeu quando começou a ver dobrado enquanto um bebê dinossauro tentava nascer de seu crânio.

Quase desejava um Hefáistos para abri-la e deixar sair uma versão Kira de Athena.

Depois que a ruiva ganhou o Poder Ancestral do templo, sua relação com Leo esfriou um pouco, resumindo-se a uma fraternidade quase indiferente, o que fez o rapaz esfriar também. Leo não mais a protegia tão fervorosamente quanto antes e ela também parara de se ater a ele, parara de tocá-lo a toda hora e de estar sempre ao lado dele. E dado o amor que sabia que ambos tinham um pelo outro, isso era preocupante. Mas mais ainda foi descobrir alguns detalhes do Plano que nem mesmo Damon sabia: eles deviam ir para o norte e encontrar um sábio no Pico do Cânion, mas antes Leo e Lissa deveriam superar a si mesmos e à Kira. Coisa que já aconteceu, rápido demais para o seu gosto.

O que indicava que seu tempo estava acabando.

O grupo seguiu viagem depois que Lissa e Mikhil ministraram a desintoxicação de Leo. Por sorte, o sangue do dragão o protegeu do veneno e evitou que ele se desintegrasse de dentro para fora, o que foi uma benção, pois aquela coisa era corrosiva e poderosa demais até mesmo para Mikhil lidar. Assumindo que ele fosse bom o bastante para tal.

Mentira, ele era bom sim.

– Para onde está nos levando, Kira? – Lissa perguntou cansada.

– Noroeste. – Kira revelou, não deixando de exprimir sua animação. – Encontraremos com Taiga em Dongrit!

– Taiga está por perto? Legal! Dela eu gosto. – Lissa comentou venenosa, observando a reação da prima.

– Ela é incrível mesmo. – Kira riu, ignorando as alfinetadas.

– Quem é essa? – Mikhil perguntou curioso. – Sua protetora?

– Sim! – Kira riu divertida. – Mal posso esperar para vê-la tentar matá-lo.

– Que maldade, Kira! – Leo comentou rouco, mas totalmente recuperado. – Onde vai encontrá-la? Na cidade?

– Não, ela nos achará na casa. Isto é, se ela puder entrar, certo Mikhil? Afinal, a casa é sua.

– Você é quem manda, Alteza. – Ele gracejou, reverenciando-a com exagero. – Precisarei me vestir de acordo, Madame? Fraque ou smoking?

– Idiota. – Ela bufou, escondendo o riso.

Uma náusea repentina a abateu e pareceu que sua cabeça alçou voo com o vento. Tudo o que sentiu antes de sua mente ficar em branco foram as mãos de Mikki amparando-a. Sua mente voou pelas terras do reino, pousando num ponto distante de uma floresta, sob as raízes de um abeto tombado, onde Taiga jazia ferida e acuada.

– Caramba! – ela exclamou alarmada, pulando sobre seus pés e observando em volta, procurando o traço de sua amiga. – Ai, droga...

– O que houve? – Mikhil perguntou preocupado.

– Taiga está ferida. – ela praguejou, andando em círculos e parando perto da borda da estrada, procurando por algo. – Droga! Não consigo achá-la!

– Calma! – Leo interrompeu sua andança com ambas as mãos em seus ombros. – Como sabe que está ferida?

– A maioria dos protetores tem uma conexão direta com seus protegidos. – Mikhil explicou. – Você a viu? Onde?

– Num bosque de clima temperado, sob uma árvore tombada. Um abeto, se não me engano. – ela respirou fundo, acalmando-se. – Ela está perto, mas não tanto. Precisamos achá-la rápido.

– Como?

– Tem um jeito... Mas preciso que vocês vão pegá-la. – Kira apontou para Lissa e Leo antes de se aproximar de Mikhil, pegar as mãos dele e pousá-las em sua cintura. – Peguem um fio do meu cabelo e usem-no para achá-la. Você, Mikhil, vai ficar comigo.

E antes que pudessem perguntar algo mais, seus joelhos cederam e ela caiu para frente, sendo amparada rapidamente pelo médico.

– Por Zeus, Kira! Kira? – ele chamou tocando-lhe o rosto desfalecido. – Mas...

– Ela está dando um pouco de sua energia para que possamos trazer Taiga... Imagino que só isso já a deixa fraca demais para ficar acordada. – Lissa explicou, puxando uma mecha de cabelo da prima, sem nenhuma delicadeza. – Vamos logo, Leo. Mikki, leve-a para casa e cuide dela.

Quando Mikki acenou e tomou Kira nos braços, embrenhando-se no mato para convocar a entrada de sua casa, Lissa encantou o fio prateado e usou-o para abrir um portal, que revelava uma floresta fechada do outro lado.

E uma trilha de sangue.

–-**--

Estava difícil abrir os olhos mesmo com a força extra que recebia de Kira. Tinha certeza de que a intenção da amiga fosse ajudá-la a voltar à forma humana e chegar até ela para ser curada, mas mal sabia que nem mesmo isso conseguia – além do mais, se curava bem melhor como tigre –. Depois que absorveu a Sombra, as coisas ficaram complicadas. O marido seguiu a mulher e viu o momento de sua morte pelas garras da Tigresa. Colérico e cego pela vingança, ele convocou os vizinhos para caçá-la pelos prados, com armas disparando contra seu flanco e armadilhas caindo em sua cabeça. Por não ter assimilado direito a Sombra, ficara mais lenta e isso custou muito para despistá-los, mas com certeza a trilha de sangue que deixara os atrairia como um chamariz para tubarões.

– Taiga? – ouviu uma voz baixa e conhecida, mas ao mesmo tempo estranha. – Taiga, acorde.

Abriu vagamente um olho e mirou a abertura luminosa por qual entrara. Duas silhuetas se projetavam contra a luz, observando-a com cuidado. O homem lhe era familiar, mesmo com a lembrança confundindo-a, seu cabelo estava um pouco maior, assim como sua força e a maturidade de seu olhar. Mas mulher... Aquela estranha era poderosa, e segurava uma parte de Kira.

– Somos nós, Leo e Lissa. – ah, sim, Kira avisara que a prima ganhara as cores. – Você nos salvou de uma fera quando chegamos aqui com o Tio Damon. Lembra?

Sim, lembrava, mas não acreditava que os dois estivessem tão evoluídos em tão pouco tempo. Isso significava que o tempo estava acabando.

– Kira pediu para levá-la até ela. Podemos nos aproximar?

Sem muito a fazer, desarmou sua guarda e, com um bufar sôfrego, permitiu que se aproximassem. Ouviu-os descer pelo buraco e se aproximar pé-ante-pé, falavam baixo sobre sua condição e sobre a dificuldade de movê-la sem prejudica-la ainda mais. O cheiro do seu próprio sangue impregnava seu nariz, mas não a impedia de saber que seus caçadores estavam perto demais. E estava tão cansada...

– Ela vai perder a consciência. – Lissa anunciou preocupada. – Precisamos levá-la já para o Mikki.

– Temos companhia. – Leo avisou, já sacando suas armas. – São apenas camponeses! O que você andou aprontando, Taiga?

– Atrase-os enquanto tento movê-la.

– Não pode mandá-la daqui?

– Não sem saber como estão os ferimentos. – ela praguejou, vendo o irmão sair pela abertura. Quando a briga começou, Lissa soltou um palavrão e ativou o comunicador que ganhara de Mikhil junto com a chave da casa. Pressionou a joia do brinco e esperou que ele respondesse. – Mikki? Temos problemas, ela está morrendo e Leo está lutando contra os caçadores dela. A energia de Kira não é suficiente e não estou conseguindo estancar a hemorragia. O que faremos?

Abra para mim, Rany. Farei minha mágica. – ouviu o médico falar ao seu ouvido. Ele tinha que ter esse tom sensual até nessas horas?

Lissa não perdeu mais tempo com tais pensamentos, com um movimento da mão traçou um pequeno círculo no ar e espalmou-o, liberando a energia necessária para abrir a brecha que ele pedira. Não demorou muito para um braço forte surgir e tocar o pelo luzidio e ensanguentado da tigresa.

Taiga sentiu, em sua semiconsciência, o gostoso afagar de uma mão cálida e poderosa. Aquele toque era diferente dos que já sentira – mesmo em sua forma humana – e despertava lembranças estranhas. Não entendeu bem o que houve no início, quando uma forte onda de energia varreu seu corpo e não a deixou ficar parada. Levantou-se pesadamente e gemeu de dor, sentindo as balas alojadas “dançarem” em seu corpo. A mão ainda a tocava e ela sentiu a desesperada necessidade de ver quem a energizara. Devagar virou a cabeçorra e viu o braço se recolher e desaparecer num pequeno portal aberto por Lissa. Seja lá quem fosse, iria vê-lo logo.

– Taiga, vamos logo, preciso te tirar daqui antes de mandá-la para Kira. – Rany falou tocando-lhe o pescoço. – Dgrov vai nos dar cobertura.

Dgrov? Ah, sim, essa devia ser a alcunha de Leopold.

Devagar, acompanhou a ruiva até o ar livre, segurando-se para não desmontar antes da hora. A luz cegou-a por um momento e com isso roubou o resto de suas forças. Quando vislumbrou o campo de força formado pela arma de Leo, Taiga se deixou abater sobre o chão perto da entrada. Provavelmente não eram só balas que a atingiram, tinha certeza de que alguma estava envenenada.

– Aguenta um pouco, vou te passar por um portal. Pode voltar à forma humana?

Definitivamente não.

– Ok, veremos com Mikki lá. Estamos indo, D! – Lissa anunciou por cima do ombro.

– Passe-a primeiro. Estou suportando bem aqui. – ele falou sério, observando o sangue corrente tingindo as listras mais claras da grande gata. – O tempo está acabando, Lys.

A visão de Taiga começara a falhar quando viu as mãos da ruiva se moverem. Um vórtice de energia se abriu acima dela, sugando e jorrando rajadas de vento com cheiros distintos. Pouco a pouco a coisa baixou sobre ela, enviando-a para outro lugar, um pequeno jardim em frente a uma casa, onde ervas-medicinais dominavam a terra. Uma sombra se aproximou apressada e Taiga queria muito poder rugir em aviso, mas as forças já lhe escapavam. Sem o que fazer, ela deixou-se sugar para a escuridão com o último vislumbre dos olhos da pessoa: um lindo verde e o outro vermelho.

–-**--

A cirurgia correu melhor do que imaginava, mesmo com as complicações, a parada cardíaca e a mão de Kira firmemente presa à de Taiga. Não que Kira atrapalhasse em sua tentativa de dividir sua energia com a tigresa, mas agradeceria muito se ela se mantivesse acordada. Já tinha preocupações demais com a nova paciente para desviar sua atenção para Kira de minuto em minuto para constatar que não parara de respirar.

Depois que Lissa a atravessou pelo portal, esperou um momento para ser visto e atacado, assumindo que ela se lembrasse de seu cheiro. Mas quando notou a respiração rasa e a transformação retrógrada, engajou-se na árdua tarefa de salvá-la. As balas alojadas ameaçavam pontos vitais e havia locais feridos pelas que entraram e saíram, felizmente conseguiu tirá-las e fechar todos os ferimentos, interrompendo a hemorragia.

Mikhil afastou-se da grande cama onde pousou as “gêmeas” e observou-as com atenção e nostalgia. Por alguma piada do destino, elas se encontravam na exata posição em que as vira na vez em que invadira o quarto da princesa no palácio. Amas dormiam segurando a mão da outra, Kira de costas – como se estivesse oferecendo seu coração para ser esfaqueado – e Taiga de bruços, emanando uma ferocidade imensa para uma menina tão delicada. Mas ao contrário daquela época, agora elas estavam crescidas, bonitas, poderosas... E desejáveis.

Ainda lhe custava um pouco acreditar fielmente que aquela menininha insegura tivesse se tornado uma guerreira tão incrível.

– Como ela está, Mikki? – Lissa perguntou quando entrou no quarto, trazendo uma jarra de água e toalhas limpas. – Está virando lugar-comum ver a Kira desmaiada desse jeito.

– Que veneno, Rany, ela é sua prima. Está fazendo o melhor por vocês.

– Às vezes duvido disso... Como agora. – ela suspirou profundamente, observando a cama com suas ocupantes. – Não dá para entender...

– O que?

– Elas, a devoção da Taiga, a fé cega que vocês põem na Kira... Só eu que acho que as coisas estão erradas demais para prosseguir às cegas?

– Você tem que confiar no destino, Rany.

– Você confiaria em alguém que sacrificou a própria família? Anami não salvou ninguém que importava para ela, só bolou esse plano idiota e jogou em nossas mãos. Ela deixou que nossos pais fossem capturados e que pessoas morressem, como Xhab, O Imperador e... Damon.

– Quem?

– O marido dela, tio do D. Ele... Ele se sacrificou para nos salvar do Erischen...

– Tem certeza de que estão mortos?

– Absoluta.

– E você acha que mais alguém vai ser sacrificado? Mais algum deles?

– Não sobrou mais ninguém, Mikki. Todos foram levados, só sobrou a gente. Estou com medo pelo D... Se ele se for, estarei sozinha.

– Já pensou que tudo o que está acontecendo tem um motivo? Não parece que a Destino sacrificaria seus entes assim. Talvez esses ainda estejam vivos, só esperando para...

– Está passando tempo demais com a Kira. – ela o cortou, dando-lhe sua carga e se retirando do quarto. – O que me irrita é que sou a única sã neste lugar.

– Achar que todos os outros estão loucos, não te faz a mais sã. – ele falou alto, detendo-a na porta por alguns momentos. – Medite bem sobre o que sabe, Rany. Meditação é um dos fundamentos da magia. Devia saber disso, já que esteve no Templo.

A maga não respondeu, simplesmente saiu pela porta e sumiu pelo corredor. Mikhil suspirou e pôs-se a preparar as toalhas, perdendo-se por alguns momentos nas palavras de Lissa. A garota estava certa, por mais que não quisesse admitir. Anami realmente foi ardilosa e insensível ao permitir que tantas coisas ruins acontecessem, principalmente com aqueles a quem amava. Se o que ouvira for verdade, nem mesmo a própria filha recém-nascida foi poupada.

– Ela tem razão... – ouviu da cama. – Mas não totalmente.

– Ei, está de volta! – ele sorriu, aproximando-se de Kira. – Como se sente?

– Não sou eu a sua paciente hoje, doutor. – ela riu. – Taiga vai ficar boa?

– Com sua esplêndida ajuda, vai sim. – Mikhil sorriu, levando uma mão aos cabelos de Kira e afagando-os. – Não se culpe pelo que a Rany disser.

– Não, ela está certa. É injusto e cruel, mas é necessário. Tenho certeza de que a Destino fez o melhor para todos e continua fazendo. Só precisamos ver isso com outros olhos, outra perspectiva.

– Espero que não esteja programada para dizer isso. – eles riram.

– Você sabe do que estou falando? – ela perguntou séria, encarando-o nebulosa. – Não sabe?

– Sei, e sou grato por isso. – ele baixou o rosto em direção ao dela. – Muito... Grato...

Se Kira estivesse vendo direito, perceberia o olhar grave que tomava os olhos do médico, que tinham por foco seus lábios. O veria se aproximar devagar, somente testando suas rações e sua aceitação. Se ela estivesse vendo direito, também o veria desejá-la com aquele olhar, enquanto a aquecia com sua respiração sobre sua pele. Ele ia beijá-la e ela ia deixar, pois não estava vendo direito e se estivesse... Teria deixado do mesmo jeito.

– Kira? – ele chamou baixo, a centímetros dos lábios dela. E sua simples resposta foi um suspiro profundo que escapou dela quando sua cabeça virou para o lado, mergulhando-a ainda mais num sono pesado. – Não acredito que dormiu agora...

Com um pequeno riso conformado, depositou um beijo na testa dela e pôs-se a trabalhar rapidamente em Taiga. Felizmente não havia muito que fazer por ela no momento, vistoriou as bandagens, checou as funções vitais e deu-se por satisfeito em ver que já começara a se recuperar. Lançando um último olhar para as “gêmeas”, saiu do quarto e desceu para a cozinha.

Leo e Lissa estavam lá, sentados um em frente ao outro, quietos e desconfortáveis. Coisa que vinha acontecendo desde volta da moça. E essa frieza entre pessoas que já se amaram muito, não era bom sinal.

E se ainda fosse seu antigo Eu teria os deixado assim. Mas agora, seu lado psiquiátrico o impelia a se intrometer. Como sempre.

– Bem, não costumo me intrometer nos assuntos alheios, mas... O que está acontecendo com vocês? – indagou preocupado, sentando-se em frente a eles. – Se é sobre a Kira, podem me contar, ela não vai saber de nada. Prometo.

– Está dando inicio à sessão de hoje, Mikki? – Lissa riu, remexendo sua xicara de chá. – Tem que ser de cortesia, pois não vou pagar por ela.

– Falar ajuda, Lys. – Leo comentou tristonho. – Só diga o que houve.

– Não aconteceu nada, meninos. Parem de me pressionar! – ela se levantou num impulso e se retirou, deixando para trás um rastro de frustração e raiva.

– Rebeldia pós-puberdade? – Mikhil gracejou, recebendo um suspiro em resposta. – Sei que sou bonito, mas não precisa suspirar para mim. Kira já fez isso hoje.

– Não sei mais o que fazer, Mikhil. Ela não fala nada, se afasta, nos questiona o tempo todo e não para pra ouvir. É como se ela tivesse sofrido lavagem cerebral naquele lugar! Minha irmã sumiu!

– Dê um tempo para ela. Pelo que sei, os magos devem sacrificar algo no templo. Rany só... Só deve estar sentindo falta do que deixou para trás. Além do mais, há toda a história do plano maior e tal. Deixe-a assimilar as coisas.

– É fácil para você falar, Doutor. Está ganhando a Kira. – O guerreiro bufou frustrado. – O que vai fazer quando a Taiga acordar?

– Como assim?

– Você sabe: protetora da princesa, cara suspeito... Ex-assassino que invadiu o quarto da Kira... O que vai fazer se ela se lembrar?

– Correr primeiro. – ele riu antes de suspirar. – Uma hora terei que me explicar, não é? Mas torcemos para que ela não se lembre tão cedo.

– Vai mentir?

– Omitir, seria mais apropriado. Não vou alarmá-las ainda. – Mikhil levantou o olhar e encarou o teto, imaginando o cômodo acima deste, onde suas pacientes estavam. – Kira nunca mais confiaria em mim se contasse agora.

– Por quê? Já não tentou matá-la outras vezes? Ela só vai acrescentar mais um à lista.

– Sou aquele que arruinou a vida dela. Pelo que sei, depois que “falhei”, o Imperador a confinou num quarto fechado e limitou até mesmo suas saídas ao jardim. Eu me odiaria imensamente se soubesse disso se fosse ela.

– Pelo que vejo, já se odeia o bastante pelos três. – ele riu ao se levantar. – tentarei levar a Lys para a cidade. Quer que tragamos algo?

– Algo para o jantar e a sobremesa. – sugeriu cansado.

O rapaz assentiu e saiu pela porta, talvez fazendo o trajeto que a irmã fizera.

Mikhil esperou os dois saírem antes de ir à sala e jogou-se num dos sofás, permitindo-se relembrar daqueles momentos que estivera com ela, há tantos ciclos atrás, quando ela o mudou drasticamente. Por mais que quisesse que ambas soubessem, orava ferozmente para as entidades superiores para que não soubessem ainda.

E com esses pensamentos em mente, ele caiu no sono.

–-**--

Taiga abriu os olhos lentamente, ainda se acostumando com a pouca claridade. Não, o ambiente estava claro, seus olhos é que estavam nebulosos. Seu corpo doía imensamente e por pouco não se deixou abater pelas pontadas que sobrecarregavam seus nervos. Acomodou-se pesadamente e tentou ver mais que as dores em seus olhos. Aos poucos sua visão foi clareando e pode perceber um amontoado de fios prateados. Forçou-se mais um pouco e suspirou aliviada quando a imagem de Kira adormecida surgiu à sua frente.

E também agradeceu por estarem sozinhas, pois não imaginaria o embaraço que sentiria se alguém a visse com lágrimas aos olhos por constatar que a amiga ainda segurava fortemente sua mão.

– Pode soltar, Kira, estou bem. – sussurrou suavemente para a amiga. O aperto em sua mão suavizou e a tigresa pode finalmente mexer os dedos.

Taiga se levantou com cuidado e sentou-se na beira da cama. Seus afiados olhos dourados esquadrinharam o quarto e fizeram suspirar admirada. As cores... A simplicidade... Era o lugar perfeito para Kira repousar tranquila. Quem quer que os acolhera, precisava agradecê-lo. Ficou de pé com dificuldade e assistiu os panos que a cobriam caírem de uma vez.

Tomara que suas roupas não tivessem sido perdidas. Não ia achar outro traje mágico fora do Tempo tão rápido.

Foi até o armário e abriu-o, constatando com desagrado a pouca variedade presente. Bem diferente do imenso closet que Kira tinha no castelo, esperava que Kira não estivesse usando as mesmas roupas por muito tempo a ponto de elas saírem andando sozinhas. Se dependesse da amiga, não teria nem mesmo um bauzinho, duas peças de cada parte seriam o bastante para passar a vida.

Sentindo suas costas doerem ao menor movimento, surrupiou uma camisa de botões do cabide e vestiu-a, aliviada por ser escura e longa o bastante para cobrir suas pernas, pois a dor era tanta que precisava ficar curvada.

Devagar, Taiga explorou o andar e desceu a escada com cuidado, se atendo à mágica peculiar que impregnava o lugar. Mal esperava para conhecer o dono daquela casa, devia ser um aliado muito poderoso...

O odor masculino que atingiu suas narinas a despertou de seus devaneios. Tinha chegado à base da escada quando ouviu aquela respiração ritmada, acompanhada daquele cheiro conhecido. O homem deitado no sofá perto da janela se remexeu adormecido e suspirou em sonho, talvez antevendo o momento de acordar. Taiga aproximou-se devagar, como uma gata curiosa, e se postou ao lado dele, observando-o atentamente.

Além de poderoso, o filho da mãe era bonito... Não podia culpar a Kira por gostar dele.

Quando ele suspirou baixo, abriu os olhos e encarou-a preocupado com o precioso olhar de gemas díspares, tudo que veio guardando por todos aqueles ciclos voltou com força. Aqueles orbes... Sim, nunca poderia esquecê-los. Eram os mesmos do assassino que invadira o quarto de Kira pela primeira vez. Aquele olho vermelho continha o mesmo mal sombrio que aquele cretino. Foi ele quem a confinou, foi ele quem roubou a liberdade dela, trancando-a num cômodo silencioso e sem janelas.

Era ele.

– Você lembra... – ele murmurou entendido, movendo-se devagar. – Entenderei se quiser me matar, mas não aqui nem agora. Você e Kira precisam de repouso.

– Como ousa dizer o que nós precisamos? Você não tem direito!

– Sei que não, mas sou seu médico nesse momento e digo para descansar. – quando tentou se levantar, Taiga o agarrou pelo colarinho e jogou-o de volta para o sofá, ameaçando-o com as garras e as presas engatadas. – Olha, entendo sua raiva, Kira me contou o que houve e me odeio imensamente pelo que aconteceu depois. Mas primeiro recupere as forças, sem tê-las de sua “patroa”, e depois pense em me matar. No momento estou mais preocupado com a situação dela que a sua.

– Para que? Te pagarão mais se nos entregar juntas e vivas? – ela rosnou raivosa. – Quem te mandou? Quem está por trás disso?

– A ceifadora que me caçou naquela noite. – ele revelou baixa e firmemente, vendo-a afrouxar o aperto. – E ela disse: “você a acompanhará até o fim, se ela morrer, voltarei para te buscar”. Quero cuidar dela e você dirá que é somente por causa do que a ceifeira decretou. Mas não, já tinha esse sentimento muito antes de saber quem vocês são. Então, se quer me fuzilar, faça com os olhos enquanto come alguma coisa.

Taiga não respondeu, soltou-o com um empurrão e se afastou arcada, sentindo as feridas repuxarem em sua cura. Viu-o se levantar e saiu de seu caminho, olhando-o desconfiada enquanto ele acenava com a cabeça para o pequeno corredor que se dirigia para a cozinha.

E claro que o instinto de Taiga não a deixaria dispensar uma refeição, mesmo que não confiasse naquele quem a dava.

– Eu sinto pelo que aconteceu depois... Não era minha intenção ser notado naquela noite. – ele começou, servindo-a.

– Sua intenção era matá-la sem ninguém perceber? – ela rosnou arredia.

– Não diga isso, não sou tão cretino assim. Eu acho... Se bem que naquela época eu era mesmo... Mas não naquele momento... Ou fui? Não sei, estava confuso. – ele riu, voltando o olhar para o teto. – Agora não mais, embora ainda nos metamos em confusão.

– Você é estranho. – ela bufou, começando a comer. – Se está se fazendo de bobo para me dobrar, tire o rabo da chuva. Não confio em você e não me agrada a Kira aqui, com essa sombra imprevisível dentro de você ameaçando-a dia e noite. Quem me garante que não vai tentar matá-la ou vendê-la quando não estiver olhando?

– Só depois que essa coisa toda termine. – ele riu quando teve um rosnado por resposta. – Calma! Estou brincando. Eu...

– Mikki! Apareça! Você tem trabalho! – A voz de Lissa ecoou pela casa, enquanto o som da porta foi ouvida. – Entre, ele já vai atendê-lo.

– O dever chama. Coma um pouco e suba para descansar. Quero que Kira acorde logo também.

– Por quê?

– Vê-la assim me apavora. Me lembra que posso não conseguir salvá-la numa próxima vez.

– E com isso, trazer a foice para o seu pescoço.

– Pelo contrário, não tenho medo de morrer, dado meu histórico até mereço. A Kira é... – ele parou e pensou, soltando um suspiro. – Ela é como um raio de luar prateado que ilumina a noite mais escura. É aquele brilho de esperança em meio à batalha sangrenta. O mundo seria um lugar horrível sem ela, não acha?

Taiga não pôde deixar de concordar com ele. Depois que viu-o sumir para a sala e começar a atender o paciente, ela se deu um tempo sozinha à mesa e se levantou, sentindo-se mais cansada que o costume. Aquela sinceridade dele a abalou, não podia acreditar que ele falava a verdade, simplesmente não podia. Todos mentem, essa é a verdade universal. Aquele cara não podia ser excluído à regra e por isso, não podia confiar nele, mesmo sua contraparte a censurando por isso.

Caminhou devagar pela casa e parou rapidamente à porta, analisando atentamente a rápida consulta. Eram dois homens e eram acompanhados por um cão-demônio. Um deles estava machucado, mas já era atendido pelo médico, então iriam embora logo. A breve conversa que travavam revelou o motivo da ferida: caça malsucedida. A presa deles feriu muitos do grupo, mas escapou ajudada por alguma força desconhecida, e o resquício de poder que recolheram do sangue os levara para aquela região. De acordo com o líder, o que acompanhava o ferido, fora muita sorte acharem um médico em meio àquela caçada, pois não queria para por nada.

Ah, droga!

– O que estão caçando? – Mikhil perguntou calmamente.

– Uma fera assassina. – o líder revelou no momento em que o cão aos seus pés saltou e rosnou, apontando com o focinho e os três olhos para a direção de seu alvo.

– Segure seu cão, senhor. – Mikhil ordenou sério, lançando linhas prateadas sobre o animal, subjugando-o antes que subisse as escadas. – Não permitirei desordem em minha casa!

– Se está escondendo essa besta assassina aqui, Doutor, saiba que haverá mais com que se preocupar que sua casa! – o líder vociferou, agarrando o colarinho do médico com raiva. – Esse animal matou minha esposa, e não deixarei que nada me atrapalhe. Solte meu cão, ou o jogarei sobre seu cadáver.

– Fora da minha casa. – Mikhil vociferou, abrindo a porta com a mente. – AGORA!

O que aconteceu a seguir foi um tanto confuso e esclarecedor ao mesmo tempo. Mikhil simplesmente ignorou a investida dos homens e os arrastou para a porta, suportando os golpes e xingamentos. Leo e Lissa desceram alarmados com a algazarra e pararam confusos com a cena. O cão focou-se nos dois e lutou para se libertar, dividindo a concentração do médico e conseguindo a liberdade que queria para atacar pelas escadas.

Seu instinto de sobrevivência só não foi mais forte que o de proteger sua metade. Quando viu o cão-demônio se soltar e se voltar para a escada, Taiga invocou o poder de dentro e se transformou, ali mesmo, revelando-se para todos e atacando o animal. A briga se estendeu um pouco dentro da casa e continuou do lado de fora, sobre a grama, plantas e canteiros que Mikhil cultivava.

Claro que suas feridas se abriram nessa brincadeira.

Tiros ecoaram pelo local e a terra sob suas patas recebeu o impacto das balas. Saltou para o telhado e observou em volta, constatando o cerco a casa e a maldita armadilha armada pelos caçadores: levaram o cara ferido para abrir caminho e fazê-la se revelar, assim que obtivessem a confirmação do líder, poderiam ou invadir a casa ou atirar nela se saísse. Eles miraram e prepararam-se para atirar novamente, mas algo desviou a direção das balas. Rugiu estrondosa e voou para o mato, sendo seguida pelo cão e pelos caçadores.

Não se importava de morrer por Kira, contanto que ela não se envolvesse naquela confusão.

– Te peguei! – ela ouviu quando um estalo se seguiu de uma horrenda dor na pata. Uma armadilha para urso? Como raios fora cair numa coisa dessas?

– Não adianta tentar, demônio! – o Marido da Sombra veio devagar, engatilhando sua arma enquanto a encarava. – Vai pagar pelo que fez a ela!

Taiga sibilou em desafio e se pôs parada, suportando a dor dos dentes rasgando sua pata, devolvendo-lhe o olhar enquanto via-o erguer o cano da arma em sua direção. A cada segundo que ele demorava para apertar o gatilho, Taiga se via refletida nos olhos dele, no assassino brilho vingativo. Quase podia ver as lembranças que ele cultivara da Sombra, os risos e as lágrimas, as brigas e alegrias... Os filhos... As noites de amor... Tudo destruído... Por sua causa.

– Morra. – ele anunciou quando finalmente apertou o gatilho.

– Não! – a voz de Kira soou pelo lugar em meio ao estampido.

Taiga assistiu abismada sua contraparte se interpor entre ela e a arma, desviando sua rota e iniciando uma métrica de força com o homem, que não poderia sustentar. Ele a empurrou com a arma e golpeou-a na testa, fazendo-a cair aos pés da tigresa. Taiga rugiu e se agitou, tentando se soltar para se por afrente de sua amiga, protegê-la daquele mal vingativo que se originou de suas ações, não as dela. Era taiga quem devia assumir as consequências, não Kira.

– Saia da frente, menina! Senão atirarei em você também! Anda!

Kira não disse nada, apenas limitou-se a levantar a cabeça (que ganhara um corte preocupante sobre os olhos) e encarou-o seriamente com aqueles olhos dourados. E isso fez o homem vacilar. Taiga viu-o baixar a arma pouco a pouco, como se o objeto não pudesse mais ser sustentado pelos braços. Tremores o abalaram, o que indicava que estava fazendo um esforço imensurável para se manter no lugar. Seus olhos não abandonaram o rosto de sua gêmea e o suor que escorria pela face dele quase refletia as muitas perguntas que invadiram sua mente.

– Não deixarei que a machuque mais, senhor. Já chega.

– Por que você tem o rosto dela? – ele balbuciou aturdido. – Como?

– Não sou eu que tenho o rosto dela. – Kira falou baixo, virando-se um momento para olhar nos olhos de sua protetora e acenar com a cabeça, antes de voltar sua atenção para o viúvo. – Ela é quem tinha o nosso rosto.

Nesse momento Taiga iniciou a transformação reversa e se revelou para o homem, revelando o rosto que ele tanto amara. Viu-se refletida nos olhos dele e desgostou do que viu: uma jovem presa pela mão em uma armadilha de urso, com os cabelos desgrenhados, feridas sangrentas em seu flanco... E nua, completamente. Era como ver Kira pelos olhos dos outros e isso era inadmissível.

– O que são vocês?

– Sou Kira e ela é minha protetora. E eu sinto por ter que reivindicar a vida de sua esposa, senhor. – Kira começou baixo, levantando-se com cautela. – Mas o destino dela era me devolver a centelha que foi dada. Sua esposa era minha sombra.

O homem deixou cair a arma e se pôs de joelhos no chão, deixando rolar as lágrimas enquanto alternava o olhar entre uma e outra. O luto e o desolamento o cobriram de tal maneira que era impossível não ter pena dele.

– Deus... Por que...? – ele sussurrou em pranto.

– Sinto muito... Se pudéssemos, teríamos feito diferente. – Kira falou culpada, notando a presença do médico. – Vá para seus filhos, senhor. Não os deixe sem pai.

– E o que vou dizer a eles?

– Diga que a mãe deles se tornou uma princesa. – Mikhil sugeriu, ao se aproximar. – Diga que a Fera Guardiã veio buscá-la para reinar ao lado dos grandes. Diga que foi isso que estava escrito nas Tábulas Antigas. Diga que ela os amava e não teria ido se pudesse escolher.

Kira assistiu o médico passar o olhar por ela, e se fixar em Taiga com intensidade, examinando-a aparentemente. Viu-o tirar o casaco e colocá-lo sobre os ombros da morena, ocultando sua nudez, e libertando-a da armadilha. Por algum motivo, sentiu-se enciumada pela atenção que Taiga recebera de seu médico, mas tratou de reprimir o sentimento, já que ele se afastara em seguida para se por protetor atrás dela, um tanto longe e pronto para defendê-las.

Ao invés de se importar com isso, se focou no problema maior: a aproximação dos outros.

– Pare-os, senhor. Não destrua a essência da sua esposa. Por favor.

A expectativa tomou conta do momento enquanto os companheiros do viúvo se aproximavam com o cão-demônio. O tempo passava devagar enquanto decidiam o que fazer. Tudo estava nas mãos do homem e nenhum dos três estava disposto a levar aquilo às últimas consequências se ele tentasse cumprir sua vingança.

– Senhor? – Kira o chamou, trazendo-o para a realidade. – Decida agora.

– Não a desperdice. – ele falou por fim, tomando a arma nas mãos e se lançando para o mato.

Os sons pararam por alguns momentos antes de se afastarem, e os três puderam suspirar aliviados. Acabou.

– Está bem, Taiga? – Kira perguntou, voltando-se para ela. – Machucou muito?

– Estou bem. – ela respondeu, levantando-se ao recusar a ajuda do médico. – Vou me curar. Já estou, na verdade.

– Que bom. – ela sorriu, deixando-se cair cansada. – essa foi por pouco...

– Calma. – Mikhil pediu, aproximando-se dela com preocupação.

– Fique longe dela, assassino. – Antes que ele a tocasse, Taiga se interpôs entre eles.

– Taiga! – Kira repreendeu a amiga

– Esse cara não é confiável. Ele tinha as armas dos caçadores sob comando e quase atirou em mim! E também as tinha no homem de agora. Não vou deixar que ele a mate.

– Taiga...

– Bravo, Tigresa, descobriu o plano todo em pouco tempo. – Mikhil aplaudiu, assumindo parcialmente a personalidade daquele incômodo preso em sua cabeça. – Posso continuar com meu trabalho ou quer dificultar ainda mais?

O sangue de Taiga ferveu em suas veias. Kira viu as garras da amiga se alongarem e sua sede de sangue se pronunciar, tendo o dele como desejo. Por mais que brincasse, dizendo que queria vê-los brigando, não podia deixar que isso acontecesse. Quando a tigresa avançou contra o médico, Kira se levantou num átimo e abraçou a amiga, impedindo-a de concluir a violência.

– Kira, me solta.

– Ele não é o inimigo, Taiga.

– Você não entende? Ele vai te fazer mal! – ela esbravejou, sem desviar o olhar do médico. – Ele é a assassino que tentou te matar! Ele a confinou! Ele a colocou naquele quarto! Foi ele! Ele!

– Eu sei, eu sei. – Taiga parou de lutar, voltando sua atenção para a amiga. – Sei quem ele é, minha amiga, você não precisa mais se preocupar com ele.

– Mas Kira... Ele vai te matar...

– Shh... – ela sussurrou, acariciando os cabelos da morena. – Tudo bem, tudo bem.

– Mas... Ele te confinou...

– Não foi ele, Taiga. Ele não teve nada com aquilo. – A voz de Kira era mansa e gentil, fazendo com que a tigresa se acalmasse pouco-a-pouco. – Não foi culpa dele.

– Oh, Kira...

– Shhh... – Kira sussurrou, abraçando-a mais forte. – Já acabou.

Mikhil assistiu as lágrimas tomarem os olhos dourados da tigresa e seus joelhos se dobrarem diante de seu peso, enquanto enlaçava Kira num abraço sangrento e emocionado. Quantas coisas essas garotas não passaram por causa dele? Quanto não as fez sofrer com sua presença descuidada? Deuses! E em pensar que ela sabia... E o perdoara... O defendera...

– Vamos, Taiga, vamos cuidar de você. – Kira sussurrou para a amiga, amparando-a com dificuldade. – Posso pedir ajuda ao Mikhil? Ele pode te ajudar?

Não sabia se a morena concordara, mas se aproximou quando Kira o chamou e tomou Taiga nos braços, constatando sua inconsciência.

O caminho de volta para casa foi silencioso e incômodo. Kira o acompanhava com uma mão em seu braço, mas mantinha-se quieta, pensativa e atenta às condições de Taiga. Queria falar com ela, queria explicar o que houve naquela noite e se desculpar por tudo que houve depois.

Tudo.

– Está tudo bem? – Leo perguntou quando chegaram à porta. – Se machucaram?

– Estamos bem, vou examiná-las agora. E vocês?

– Estamos bem. Abatemos alguns quando Lys inutilizou as armas deles. O líder veio e os levou embora há poucos minutos. – ele contou. – O que houve?

– Um mal entendido. – Kira revelou definitiva, tocando brevemente o braço do primo. – Obrigada.

– Tudo bem. Lys está preparando os remédios.

– Obrigado. – Mikki sorriu, levando Taiga para dentro. – Vem, Kira.

Ele esperou que ela o acompanhasse e seguiu para o quarto em que iria examinar as duas: o seu. Apesar de ter transformado a sala anexa ao seu escritório numa enfermaria (ambulatório, consultório e cirurgia) para poder tratar de seus companheiros sem se preocupar em trocar o enxoval toda vez, naquela vez precisava levá-la para seu interior, para dentro do seu coração, naquele quarto onde guardava parte da vida que queria que ela conhecesse.

– Aqui, Mikki – Lissa chegou com os remédios. – Precisa de algo mais?

– Obrigado, Rany. É tudo.

– Precisa de ajuda?

– Não, obrigado. – ele sorriu, lançando um rápido olhar para trás. – Estaremos bem.

Rany acenou com a cabeça e se retirou, sem ao menos olhar para as duas dentro do quarto. Mikhil fechou a porta e se voltou para suas pacientes.

– Quer comer alguma coisa? – perguntou solícito, começando seu trabalho nas feridas de Taiga, que felizmente já começavam o processo de cura.

– Não, obrigada.

– Me avise quando quiser. – ele sorriu e ambos caíram em silêncio.

Taiga continuava desacordada sobre sua cama, deitada de bruços para facilitar o trabalho. Kira permanecia em silêncio ao lado da amiga. Parecia tão abatida, fraca e doentia... Queria poder fazer algo por ela, queria falar tudo o que viera ensaiando durante todos aqueles ciclos... Mas como dizer?

– Acha que ela vai ficar bem?

– Ah, ela é forte e tem sua força. Logo vai estar em pé. – ele sorriu para ela, antes de cair em silêncio novamente por um tempo. – Desde quando você sabia?

– Você contou, lembra? Quando cortou meu cabelo. – ela revelou ao juntar as mãos. – Achei, por um momento, que não sabia quem eu era de verdade. Mas aquele olhar... Até me senti mal por não ter me lembrado de você de início.

– Bem que falou que ela ia tentar me matar. – ele riu, puxando uma cadeira para sentar-se em frente a ela. – Foi intencional?

– Desculpe por isso. Deixei-a alimentar esse ódio por nada...

– Ah, eu mereci. Era para eu ter te matado aquela noite mesmo. – o olhar que recebeu dela o fez sorrir como um garoto travesso. – Nunca contou a ela?

– Queria que fosse uma lembrança só minha. – ela corou quando encontrou o olhar díspar mergulhado em surpresa. – Foi um dia importante para mim, Mikhil. Você não tem ideia do quanto.

– Eu tenho, acredite. Mas não entendo o motivo de não compartilhar isso com sua protetora.

– Eu... Eu teria de contar o motivo de você ter me salvado. – ela suspirou. – Quando eu tinha quatro, invadi o antigo escritório da Xhab e abri um livro. Nele tinha instruções sobre o plano maior e ensinava como criar dopplengangers. Eram instruções para mim, entendi isso imediatamente. E as segui, passo a passo, mesmo com medo de o vovô descobrir. Taiga surgiu assim. Dei a ela tudo o que não tinha, a fiz forte e imponente, uma guerreira poderosa que não se abalaria por nada, ela seria o que eu não podia ser, seria a Kira que andaria fora daquelas paredes. Um tenente do meu avô me encontrou com ela nos braços, e o fiz jurar mortalmente que aquele segredo seria guardado. E ele guardou e fez o favor de treinar minha amiga. Ela é tão incrível... Não sei como ela ainda me escuta, não pedi que fosse fiel a mim.

– Eu sei por quê. – ele sorriu, segurando as mãos dela. – E então?

– Taiga é parte de mim. É tudo que queria ser naquela época e tudo o que eu tento alcançar hoje. Ela se tornou mais que meus olhos fora da gaiola e mais que minha professora entre as grades. Ela é tudo para mim, Mikhil, e não queria decepcioná-la. Sabe, algumas vezes compartilhamos memórias... E não queria que ela soubesse o que houve aquele dia. Foi ela quem me sugeriu as escapadas, mas me fez jurar não me colocar em perigo. Nunca. Quebrei meu juramento aquele dia.

– Não tinha como saber o que acontecer aquele dia.

– Eu que me joguei na frente do caminhão. – ela revelou num átimo, deixando o médico em choque. – Eu estava cansada de fazer tudo igual, de ser a mesma princesa fraca... Então, quando vi a brecha se abrindo pensei: talvez algo mude. Mas não esperava que você me salvasse, Mikhil, e ainda o fiz me acompanhar pela cidade e enfrentar dificuldades... Sinto muito...

– Kira, por favor, não sinta. Você conseguiu fazer um assassino frio, insosso e insensível te salvar. Não importa se foi intencional ou não, era para acontecer e fico feliz de não ter cedido à voz que pedia para apreciar a cena que não aconteceu.

– Então por que tenho o sentimento de que te manipulei?

– Porque você é uma boba? – ele riu, levando uma mão ao rosto dela. – estar com você, naquele dia, foi a melhor coisa que me aconteceu. Você é a melhor coisa que já me aconteceu. Então não se desculpe por nada do que aconteceu. Mas aceite as minhas pelo que houve depois.

– Não foi você quem me confinou, Mikhil, isso fazia parte da loucura do meu avô. Cedo ou tarde ele ia surtar daquele jeito, você tendo aparecido ou não... – ela desviou o olhar e fixou-se em sua “gêmea” na cama ao lado. – Ele queria afastá-la de mim.

– Deve ter sido difícil.

– Foi, mas foi necessário. Não estaria aqui hoje sem ter passado por aquele dia. – Kira voltou seus olhos para os dele e sorriu, segurando as mãos dele com força. – Obrigada, Mikhil, por tudo.

Mikhil não soube dizer se o sorriso que deu era de surpresa, incredulidade ou bobo, mas o que sabia era que estava mais do que feliz por ter ouvido cada palavra que saíra da boca dela. Baixou os olhos às mãos conectadas e as trouxe até os lábios, beijando cada dedo delicado. Rubor subiu pelas bochechas alvas da garota e ele não reprimiu o sorriso satisfeito, deleitando-se com aquela visão adorável.

– Eu que a agradeço, Kira... – Mikhil sussurrou, puxando-a delicadamente para seus braços. – Agradeço...

O beijo foi leve e carinhoso, sem pressa e sem preocupações. Mikhil acolheu-a em seu colo, acomodando-a sobre suas pernas e pressionando-a contra seu peito. Kira enlaçou os braços em volta do pescoço dele, deixando-se conduzir e aproveitar aquela sensação gostosa que ele passava. Sua consciência estava tranquila agora que sabia com certeza quem ele era e que a atração que sentia não era errada e nem fugia de seu destino.

Que bom que era real.

– Por favor, vão para outro lugar, esse cheiro me enjoa... – Taiga gemeu sobre a cama. – Tire a boca daí, Kira, você não sabe por onde ele passou.

– Também gosto de você, Taiga. – Mikhil sorriu travesso, abraçando Kira e recebendo um rosnado como represália. – Como está, gatinha?

– Estaria melhor sem você bolinando minha irmã. – ela rosnou ao sentar-se, sem se importar se estava quase totalmente nua. – Sai daí.

– Ciúmes? – ele provocou, abraçando ainda mais uma Kira mais vermelha que os cabelos de Lissa.

– Sai logo, preciso falar com ela. A sós. – Taiga anunciou definitiva, encarando-o séria.

Mikhil não respondeu, desviou o olhar de Taiga e encontrou com os olhos dourados de Kira, que o observavam com seriedade e apelo. Ele suspirou quando recebeu um aceno em resposta, num pedido mudo para atender à tigresa. Com um leve beijo na garota em seus braços, esperou-a se levantar e rumou para a porta. Arriscou um último olhar para as duas e se retirou, torcendo para que seja lá o que Taiga tinha para dizer, não o afastasse de Kira.

Não agora que acabara de ganhá-la.

–-**--

– Você não precisa ficar com raiva dele, Tai. – Kira comentou encabulada, sentando-se ao lado da amiga. – Se está preocupada...

– Estou partindo amanhã, Ki. – ela interrompeu séria, encarando os olhos da amiga com peso e seriedade. – Você deve ir também.

– Não posso ir ainda! Tem... Tem coisas para serem feitas ainda.

– Sua missão para com eles já acabou. Eles te superaram em pouco tempo. Você se deixou superar. Agora tem que correr atrás do prejuízo. Venha comigo por um tempo. Vai te fazer bem.

– Não quero ir, Tai. Não agora...

– Seu destino não é ficar aqui com ele! Lembre-se disso! Olhe para você! Está fraca e indefesa! Quando decaiu tanto? Até parece aquela menina que fora trancada no castelo! Você precisa ser forte. Por todos nós!

– Eu sei, mas não acho que ir embora justo agora seja a solução.

– Então ache um jeito de voltar a ser poderosa se quiser ficar. Pois se continuar assim, eles morrerão. Entendeu? – sem resposta. – Kira, você entendeu?

– Entendi.

– Então, o que você vai fazer?

–-**--

Já era noite e Mikhil fumava do lado de fora, sentado ao batente da porta e observando o céu escuro que se seguia. O grupo tinha assistido à tigresa receber um último abraço de Kira, mais cedo, e se afastar, dando as costas para a casa para se embrenhar no mato e sumir em meio à vegetação com suas listras bi colores e pelo negro luzidio. A presença da tigresa na casa tinha causado comoção (durante as horas em que se recuperara), mas sua partida não foi a mesma. Por algum motivo, a sensação de que uma nova fase se iniciava se instalou no coração de todos e tensão pairava no ar.

E foi isso que o fez voltar a fumar, já que seu maldito companheiro retornara do limbo com souvenires e colares hula.

– Vejo que ele voltou. – Kira comentou ao sentar-se ao seu lado. – Sobrou um pouco para mim?

– Fumar faz mal à saúde. – ele comentou, tirando o cachimbo do alcance dela.

– Olha quem fala. – ela riu, voltando seu olhar para o céu sem estrelas. – É uma noite feia.

– Sim... Triste. – concordou pensativo, observando-a de perto. – Tudo bem?

– Levei uma bronca... Taiga queria que eu partisse com ela hoje. – contou cabisbaixa, brincando com os dedos dede. – Recusei.

– E isso me contentou muito. Mas pela sua cara... Você acha que não fez certo?

– Não é a hora, ainda. Mas não posso discordar dela... Eu regredi.

– Por que acha isso?

– Por que... Por que antes eu podia sustentar a Taiga e outras duas sombras quando ainda estava em treinamento. Pude escapar dos selos que meu avô me colocara e... E eu era leve, rápida e forte. Não conseguiria ganhar uma luta daquela do bar novamente.

– Entendo... Você acha que aquela experiência de quase morte a enfraqueceu... – ele murmurou pensativo, segurando a mão dela. – E vocês não podem depender de mim, certo?

– Preciso ser forte. Não entenda mal, não é com você. É a missão que negligenciei... – ela suspirou, enterrando o rosto nas mãos. – Não sei o que fazer...

– Se tivéssemos tempo e condições, lhe diria para treinar em novos ares. – ele deu de ombros quando ela o olhou com uma sobrancelha erguida. – Eu sempre te vejo treinando, se fortalecendo, meditando, lendo livros, analisando rastros e pistas... Mas nunca te vi realmente aprender algo sozinha. Tipo, tudo o que você aprendeu ate agora foi para repassar para seus primos, claro que iriam te superar logo. Se pudéssemos, te diria para achar um lugar diferente de tudo o que já viu e treinasse lá. Aprendesse coisas para seu desenvolvimento, coisas que só você vai saber. Aí sim vai crescer linda e forte como sempre foi.

– Experiência própria?

– Sim. – ele riu. – Quando se termina os primeiros ciclos da Ordem, nos é mandado nos estabelecermos numa cidade e atuar como médicos. Acabei indo para a Colina da Ovelha. Sim, aquele vilarejo de pastores e agricultores de quintal onde a maior aventura que se pode ter é roubar frutas do pomar do vizinho.

– Não te imagino morando lá... Sério.

– Nem eu, mas fui mesmo assim. E digo: os primeiros meses foram um inferno! Não havia nada para fazer o dia todo e o máximo de ação que acontecia lá eram brigas de vizinhos por causa de galinhas. Eu sempre estive em movimento, sempre tive ação à minha volta, então estar num lugar onde até o tempo passa lentamente... Foi torturante.

– Imagino...

– Mas um dia, depois de muito tempo só tratando resfriados e tendo o marasmo por companhia, fui chamado para atender uma ocorrência. Estava chovendo, parte das ruelas estavam alagadas e o vento queria passageiros para Oz. Aquele dia foi a resposta pelas minhas preces por ação. E me arrependi de tê-las feito.

– Alguém morreu?

– Sim... – ele se calou um momento antes de continuar. – Consegui quase todos os feridos pela tempestade e ainda pude ajudar nos resgates. Quando tudo terminou e a contagem foi feita, descobriram um corpo sob os escombros de um casebre meio soterrado em lama... Atrás da minha casa. Um órfão morava lá desde que a irmã morreu a pouco... A casa em que eu morava era deles. Eu não fazia ideia.

– Não foi culpa sua.

– Foi sim, eu o negligenciei. Ele ficava lá, todo dia, todo dia passava por ele, todo dia o via pela janela, todo dia... Se não estivesse tão imerso no meu próprio umbigo, teria o chamado para ficar comigo na casa, pelo menos por aquela noite. Foi ali que percebi o que tinha que aprender ali. Precisou um morrer para despertar minha consciência. Trágico, não?

– Sinto muito.

– Tudo bem... Há males que vêm para o bem. Me tornei mais observador, mais solícito e mais... Condescendente. Eram coisas que precisava aprender sozinho num lugar estranho e totalmente diferente. Aqui, por exemplo, não deve diferir do que você tinha no palácio, não é?

– Sabe... Daqui a pouco vou te promover a guru espiritual particular. – ela riu, beijando-o no rosto. – Feche os olhos.

– Vou gostar disso?

– Talvez. – ela esperou que ele obedecesse e passou um cordão pelo pescoço dele, assistindo as pedras deslizarem por sua pele e se alojarem no vão de seu peitoral, bem sobre o coração. – Abra.

Mikhil abriu os olhos e encarou o cordão prateado em sua pele que sustentava duas pedras preciosas, uma amarela e outra vermelha. Eram brilhantes e calorosas, emanando poder e beleza ao olhar. Não tinha palavras para explicar o que sentia.

– Fiz um para eles também. Fiz o cordão com os fios do meu cabelo e as pedras são as que me cobriram quando... Uma atrai a outra, servirão para nos encontrarmos se... Nos separarmos.

– Obrigado. – ele sorriu agradecido e ao mesmo tempo decepcionado. Pensara que seria o único.

– Se... Se você quiser falar comigo, mesmo estando longe, é só ativar a vermelha. – ela corou, voltando seu olhar para o céu. – Eu tenho o par dela.

– Par?

– Você sabe: duas. – ela suspirou e tomou coragem para encará-lo. – Não estou te dando isso para que você fique me enchendo ou me espionando. Só use quando precisar, entendeu?

– Sim, senhora. – ele sorriu aproximando-se dela. – Obrigado...

– Ótimo. – ela o beijou uma vez e se levantou num salto. – Boa noite.

Uma sensação estranha tomou o peito dele enquanto a assistia voltar para dentro da casa. Tinha a sensação de que algo iria acontecer a ela, e não sabia se era boa coisa. Aquele olhar decidido... Será que foi uma boa coisa ter dado aquele conselho a ela? Só esperava que ela não o seguisse. Não aguentaria perdê-la logo agora que acabara de ganhá-la.

Se bem que era exatamente isso que sua impressão dizia.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Destinados" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.