Leão! Leão! Leão! Rugindo como um trovão

O sábado amanhecera um dia maravilhoso. O sol brilhava alto no céu, quando um gritinho eufórico quebrou o silêncio em que a casa de dois andares estivera mergulhada. Sozinho em seu quarto o pequeno filhote, pulando sobre sua cama, arremessava seu pijama a esmo devido sua felicidade pelo dia que se iniciava.

Havia contado os dias, riscando no pequeno quadro negro que se encontrava posicionado estrategicamente ao lado da mesinha, a qual o pequeno utilizava para brincar e fazer suas mais diversas atividades.

Voltando os olhinhos curiosos para o quadro, abriu um sorriso traquina e apenas trajando a cueca com um leão estampado no traseiro, voltou a pular sobre a cama. Imitando, agora, os rugidos de seu animal preferido, claro, logo depois de Socks, seu fiel cãozinho de estimação.

Deu um pulo, e era uma vez
Um cabritinho montês

Leão! Leão! Leão! És o rei da criação

Adentrando no quarto, o homem de longos cabelos castanhos sorriu divertido. Sabia que depois das muitas vezes que havia contado as histórias de Kimba o Leão Branco, para seu pequeno filhote, este não parava de agir como se ele mesmo fosse o animal de linda juba.

Novo rugido. As mãozinhas a frente do corpo como se fossem as patas de um verdadeiro leão, com as garras expostas. A boca muito bem aberta, dando para o pai ver a ‘campainha’ do filho.

Tua goela é uma fornalha
Teu salto, uma labareda
Tua garra, uma navalha
Cortando a presa na queda

- Ok, leãozinho! Hora de parar com a algazarra. – pediu sem, no entanto, ser atendido pelo garotinho. Socks juntava-se a farra, latindo e uivando fininho, o que tornava a sinfonia mais parecida com uma bagunça.

- Roaarrr!!!! – Regulus pulou sobre o pai, imitando seu novo herói, Kimba, a pular sobre uma presa.

Jogando um pouco o corpo para trás, Ilias gargalhou e acabou por entrar na brincadeira, rugindo mais alto.

Surpreso, Regulus soltou-se do abraço do leão mais velho e pulando para o chão, correu sorrateiro até perto da mesinha, subindo sobre esta e ficando sobre ‘quatro patas’.

Leão longe, leão perto
Nas areias do deserto
Leão alto, sobranceiro
Junto do despenhadeiro

- Roaaarrr!!! – outro rugido. – Eu sou um lião feroiz! – a vozinha fina, quase esganiçada. – Sou o Rei da cliação, papai!

Rindo, Ilias levantou-se da cama do filho. Com passos ligeiros, parou a poucos centímetros dele. Baixando um pouco o corpo, recostou sua testa na do garotinho. Os olhos brilhantes de tons idênticos mirando-se com intensidade.

- Não, não, você é o príncipe dos leões, o papai é o rei. – gracejou, e ao ver o pequeno armar um bico, esticou os braços puxando-o para si e o jogando para os ombros. – Ok! Leãozinho, serás o rei se não reclamar de ir tomar banho!

- Não... não queio, não papai! – remexeu-se o pequeno sobre o ombro largo do mais velho. – Gato tem medu di água!

- Ora, mas o leão não tem! Lembra, o Kimba se jogou no rio e nadou? – perguntou ao colocá-lo já dentro do box.

Fungando o pequeno concordou com um aceno de cabeça. E com movimentos rápidos, assim que o pai lhe fez sinal para retirar a cuequinha e lhe entregar, este o fez, então esperou pela água, que caiu em abundancia sobre seu corpo mirradinho.

Leão! Leão! Leão! És o rei da criação

Após um tempo, o pequeno leão estava cheiroso e já vestindo roupas leves. O cabelo penteado com esmero. Os cotovelos apoiados sobre a ilha da cozinha, aguardando seu café da manhã. Os pezinhos balançando levemente. O olhar curioso e peralta na direção do relógio de parede.

- Roaarrr...

Balançando a cabeça, Ilias revirou os olhos. Já havia visto o filho ficar aficionado por alguma outra novidade, mas realmente a história de Kimba o cativara. A fixação era tanta, que havia pedido várias coisas com carinhas, estampas e o que fosse de leão. E se fosse igual a imagem que vira de Kimba, era melhor.

- Roaaarrr!!!!

- Uuuuuuuh!!!

- Regulus, agora chega! – pediu o leão mais velho, ao ouvir novo rugido seguido do uivo fininho de Socks, que se encontrava encarapitado bem embaixo de seu dono. – Você pode ficar com dores de garganta. Está forçando muito as cordas vocais, e aí, quando seu tio Sisífo e o tio El Cid chegarem, você não conseguirá mostrar a eles o seu rugido. – mirando o filho nos olhos, percebeu o descontentamento, mas o pequeno era obediente e, tão logo viu seu prato de sucrilhos e a caneca de Power Rangers com leite achocolatado, começou a comer e a beber com gosto, lembrando mesmo um pequeno felino.

- Papai, lião gosta de ‘sucrios’? – perguntou Regulus. Pegando um biscoito, disfarçadamente deixou o mesmo cair sobre a cabeça do husky, que em seguida o abocanhou.

- Não, meu filho! – respondeu contendo a vontade de gargalhar. – Leão gosta de carne, mas quando é filhote, igual a você, ele toma muito leite, e que tal você também terminar seu café da manhã?

Com um balançar de cabeça, Regulus continuou tomando seu café da manhã, e em pouco tempo estava nos fundos de sua casa, brincando no gramado com Socks. Os tios estavam atrasados e aquilo já começava a deixá-lo agoniado.

Quando iria perguntar as horas pela quarta vez ao pai, ouviu o ronco do motor da caminhonete do tio Sisífo. Arregalando os olhinhos e correndo meio agachadinho pelo gramado, sorrateiro como se fosse um felino a espreitar sua presa, o pequeno leão queria fazer surpresa ao tio, e assim que o avistou, lançou-se em sua direção.

Agarrando na perna direita de Sisífo, sentou sobre o pé e segurou-se como pode, enquanto o tio continuava a caminhar.

Leão na caça diurna
Saindo a correr da furna

- Roaaarrr!!! Peguei você, tiuuu! – o olhar brilhante sustentando os do tio.

- Ora, vejam só! Temos mesmo aqui um filhote de leão. – gracejou Sisífo. – Cuidado, El Cid, ele pode achar que és um cabrito montês. – fez troça, fazendo menção ao signo zodiacal do namorado.

- Não dê ideias ao gatinho, Sisífo! – riu com gosto o espanhol.

Olhos curiosos voltaram-se na direção do tio espanhol.

- Tiuu El Cid!!! Cabritinho é o que o lião mais gosta! – e soltando-se da perna de Sisífo, Regulus tentou alcançar o moreno alto sem muito sucesso. – Pega o tiuu Cid, Socks! – cão e leão correndo atrás do cabrito. A cena era muito divertida. E foi assim que adentraram na cozinha.

Ao parar para cumprimentar o amigo, El Cid riu ao sentir o baque em sua perna. Era difícil rir, mas ali, no meio da família que o acolhera, não conseguia deixar que as emoções e a diversão daquele pequeno leão não o contagiassem.

Leão! Leão! Leão! Foi Deus quem te fez ou não?
Leão! Leão! Leão! És o rei da criação

- Olá, Ilias! Belo espécime de leão tem aqui! – e indicou o pequeno grudado em sua perna.

O riso cristalino misturando-se aos do recém chegados. Saudou o irmão mais novo.

- Regulus ficou assim, achando que é um leão e querendo tudo a respeito, pois contei a ele a história de Kimba, o leão branco.

- Kimba... roaaarrrr! Eu sou o Kimba!

- Ok! Kimba, deixa o tio El Cid deixar as coisas do churrasco lá fora. – pediu Sisífo. – Depois teremos todo tempo do mundo para brincar do que quiser!

- Não... – Ilias murmurou. Sabia que o filhote iria querer brincar o dia todo de caçar as presas do leão faminto. Mas já era tarde.

- Oba! – bradou o pequeno. Soltando-se da perna do moreno, correu em volta da mesa sendo seguido por Socks. Pulando, saltando por cima de coisas e correndo para o quintal. – Vem Socks, o lião salta mais altu que qualquer animal, veja, veja!

O salto do tigre é rápido
Como raio, mas não há
Tigre no mundo que escape
Do salto que o leão dá

Imitando o leão, o pequeno subia sobre os bancos de madeira, saltava próximo ao husky. Voltava a correr. Dava cabrioles, reviravoltas e tornava a saltar. Rugindo alto.

- Vai Socks, você é um rinoceronte, eu o lião, você tem que ter medo du lião! – e dizendo isso, o pequeno moveu-se na direção do cãozinho que, ainda filhotinho, desviou para outro lado, correndo em círculos com seu dono atrás de si.

Não conheço quem defronte
O feroz rinoceronte
Pois bem, se ele vê o leão
Foge como um furacão

Assim que saíram para o quintal, os três adultos encontraram o pequeno ainda brincando de ‘caça ao cão’. Regulus fora um presente maravilhoso na vida de Ilias. Quando a mulher falecera, ele nunca imaginara que iria conseguir dar a volta por cima, mas pelo filho deles, por aquele leãozinho endiabrado, ele lutara para dar o melhor de si. E a recompensa estava sendo colhida a cada dia. Uma família maravilhosa, com o irmão e o cunhado por perto e um filhote que era tudo para os adultos.

- Ei, Regulus, vamos jogar bola! – convidou Sisífo, ao mostrar a bola novinha que havia trazido para o sobrinho.

- Obaaa!

Leão! Leão! Leão! És o rei da criação
Leão! Leão! Leão! Foi Deus quem te fez ou não?

- Mas e o leão? – perguntou El Cid assim que ele se aproximou dos mais velhos.

- Ah! Lião tamém gosta de bolinha! – e sorriu.

Não tinha jeito mesmo! O pequeno Regulus tinha uma saída pra tudo!