Sociopathy escrita por Ille Autem


Capítulo 19
Parte III - A Caçada - XIX




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Uma semana depois.

–A cidade de Trevo nessa manhã amanheceu tensa aguardando o desfecho do caso De Lune. Essa semana a família passou por grandes tribulações e não suportaram a crise, o império da família desmoronou em pouco tempo, mas ainda todos aguardam os toques finais. -dizia a repórter na televisão naquela manhã.- Essa semana a família foi acusada de cumplicidade com o caso do falso padre, Roberto Javier, vulgo Valério. O trabalho do padre era descobrir uma maneira de arrecadar os diamantes de uma suposta mina que haveria abaixo da igreja matriz da cidade. Com isso, o padre contou também sobre o envolvimento da família com o assassinato do memorável Padre Maycol Caleb, o que levou a mais investigações dos membros mais próximos da família, dentre eles a família Curious e Klein. Até então não se sabe o quanto a família pode estar envolvida com a morte de Padre Maycol. -uma pausa.- A família também foi vítima de um sequestro no dia seguinte a prisão de Roberto Javier, o neto do Sr. e da Sra. De Lune, Maycol Klein foi sequestrado e com a ajuda de homens contratados pelo famoso escritor Ken Isao e da polícia, ele passa bem e não sofreu maus tratos. Não se sabe o motivo.



–Um filho muda tudo, não muda? -perguntou Stella a Ken, estavam os dois apoiados no parapeito da varanda do quarto principal do casarão naquela manhã. Corria uma brisa fresca, a cidade era bela naquele horário, a praia vazia, as ondas batendo nas pedras aos pés do penhasco da mansão e a bela torre da igreja.

–Um pouco. -respondeu.- No fim das contas serviu de alguma coisa eu ter mandado sequestrarem o garoto.

Stella o olhou abismada.- Foi você? Ken, ele é uma criança, não tem nada a ver com essa sua sede de vingança!

–Eu fui abandonado prematuro na porta da casa paroquial, também era um inocente e olha aonde eu cheguei.

–Ele é seu filho!

–Ele não sabe disso, Stella.-rebateu o rapaz.- Seja como for, ele já está a salvo e bem.

–E agora? -perguntou ela se sentando no parapeito de pedra.- Quero dizer, os De Lune estão na lama, os investidores estão caindo fora, eles perderam o respeito de todos na cidade e no mundo, isso sem todos saberem o real envolvimento deles com a morte do seu pai, quando souberem, aí sim as coisas ficaram realmente ruins. George vai ser condenado pela morte de Enzo e mais sera acrescentado a ficha criminal dele se confirmado o envolvimento com a morte do Maycol. Trina já se mudou com Joe. Julie Carter também está sendo acusada de invasão de privacidade e difamação por você. Rita se recuperou da morte de Enzo e Enrico também te deixou em paz, todos já esqueceram o que ele fez e vocês continuam amigos. Acabou, Ken.

O rapaz riu e se aproximou dela.- Não, ainda não. Harold será acusado pela contratação da gangue que sequestrou o filho. Eu instalei umas falsas mensagens no celular dele e tudo vai ser acrescentado a ficha criminal deles.

–Já não basta isso tudo? O que mais você quer?

–Quero que eles saibam que eu consegui dar a volta por cima, quero que eles saibam de tudo, que tudo o que sofreram foi por mim, quero que eles saibam da verdade, mas que não possam fazer nada porque ninguém vai acreditar em corruptos, ladrões e cínicos.

–Eu quero muito ver isso.

–Uma pena que não vai, titia. -ele disse e empurrou a mulher do parapeito.



–Nesta manhã um acidente chocou a todos os moradores de Trevo. -começou o jornalista da tarde na televisão.- Stella Chevalier, dona da rede de restaurantes Stella e presidente do Comitê de Direitos Humanos morreu num acidente no casarão de seu amigo, Ken Isao. De acordo com o escritor, que está em estado de choque, ela se assustou com um pássaro que os sobrevoava enquanto conversavam. Ela estava sentada no parapeito. De acordo com ele, nunca pensou em pôr proteção pois a casa perderia o charme e ele nunca cogitou tal acidente.

–Trevo está realmente em foco. -disse Madeline pousando a xícara de chá na mesa de cabeceira.- Tudo parece desmoronar.

–De fato está, pelo menos para nós. -respondeu Roger.- Não há o que fazer se não esperar o nosso fim.

–Não entendo ainda como isso está acontecendo conosco. Como isso tudo começou, quero dizer.

–Começou com a prisão de Valério, ou Roberto, ou seja lá quem ele for. -resmungou o marido.- Não interessa, já estamos completamente afundados nos problemas.

–Não! Eu quero saber quem é o desgraçado que está querendo acabar com a gente. Porque o Roberto foi embora? Ele sumiu e não deu satisfação, quando vimos, ele já estava preso e nós sendo acusados.

–O que adianta? O que faz você pensar que ele apenas não quis sumir?

–Porque se fosse isso ele teria mudado de identidade como sempre, inventado alguma desculpa e não sumido sem explicação e preso. Nenhuma polícia saberia das farsas dele sem uma denúncia.

–O que você quer fazer?

–Vou procurar Roberto, ele vai ter que me explicar essa história.



O velório de Stella foi na manhã seguinte, contou com a presença dos principais socialites de Trevo. O caixão de madeira escura permaneceu fechado devido a distorção brutal do corpo. Ela foi homenageada com muitas coroas de flores e por um esquadrão de aviões de fumaça contratados pelo amigo, Ken Isao. O prefeito declarou luto de um dia na cidade e nada funcionou.

–Eu sinto muito. -disse Claire se aproximando.

–Não sinta, tinha que acontecer. -Ken respondeu ajeitando os óculos escuros, ele estava num canto do jardim aonde o corpo era velado. Dom Leoni tinha acabado de rezar as exéquias.- Ela sabia de mais.

–Você está dizendo que... matou Stella?

Ken deu um meio sorriso.- Digamos que eu dei um empurrãozinho.

–Até Stella, Hugo?

–Não seja idiota, Claire. Eu não poria tudo a perder assim, tão facilmente. Stella era realmente muito influente, inteligente, rica e poderia muito bem me desmascarar. Ela quem quis se envolver, assumiu os riscos, ei-los.

–Quando isso vai acabar?

–Quando eu quiser, e não ouse tentar acabar com isso você, se não eu começo tudo de novo.



–Madeline. -disse Roberto quando a mulher entrou na sala reservada para as visitas.- Que surpresa, eu espero que, boa.

–Não se anime, Roberto. Estamos todos afundados graças as suas últimas declarações.

–O que você queria? Eu estou preso, em tudo o que eu puder colaborar eles vão aliviar a minha barra. Você é rica, Madeline, vai arrumar um jeito de se safar dessa, já eu não. Eu vivo mudando de faces para poder sobreviver, estou farto disso. -ele fechou os olhos com força.- Stella morreu, não é?

–Não me venha de conversinha. Quem te mandou embora?

–Armaram pra mim. -ele olhou para o lado.- Stella me convenceu a deixar a cidade e vocês para minha segurança, eu confiava nela e aceitei, mas era uma armação. Era uma emboscada, e funcionou.

–Mas agora ela está morta, não faz sentido.

Ele riu.- A não ser que ela foi mandada por alguém. Aquele Ken Isao parece bem suspeito. Os dois viviam de conversinha, talvez eles apenas me usaram para atingir você e sua família. Ele deve ter um motivo muito bom, vejo isso por que eu tenho anos de prática. O cara é muito bom.

Madeline então se levantou apressada.- Você realmente me ajudou, Roberto, vou me lembrar disso, apesar de parecer impossível o que eu estou pensando, mas... eu preciso tirar isso a limpo. -e saiu.

–Harold, onde está o Maycol? -perguntou Claire entrando em casa apressada.- Harold? -chamou novamente e seguiu para a sala.

–Sra. Klein? -perguntou um homem fardado quando ela entrou no cômodo. Haviam outros policiais na sala e Harold de cabeça baixa na poltrona, algemado.- Seu marido está sendo preso pelo sequestro do filho de vocês, Maycol Klein. Ao que tudo indica, ele suspeita que o menino não seja filho dele, mas sim do maníaco Hugo Caleb.

–Não fale assim de Hugo! -ela berrou e logo se recompôs.- Desculpe, aonde está o Maycol?

–Seu pai saiu com o menino e o seu marido está sendo levado preso.

Claire o olhou abismada. O que fazer numa hora daquelas? Como ele tinha descoberto isso? Seja lá como tivesse sido, ela não poderia entregar o jogo assim, já estavam muito longe e ela precisava manter o sangue frio.- Por que você fez isso, Harold?

–Você era namorada dele antes de se casar comigo! -berrou o rapaz.- Eu pensei que nos amávamos, que tínhamos construído uma família juntos. Você disse que Maycol tinha nascido prematuro, mas era mentira!

–Não era mentira! -mentiu.- Você sabe que não era, sabe que eu sempre te amei e ainda assim não confiou em mim. Eu pensei que nos amávamos.

–Claire, pare... -pediu o marido chorando.- Não negue o óbvio.

Ela o encarou abismada.- Seu idiota. -e saiu.



–Estava nos esperando? -perguntou Roger entrando na varanda de mãos dadas com o neto que parecia curioso. Eu sorri para o menino e ele retribuiu, o avô o soltou e ele correu na minha direção abraçando as minhas pernas. Eu me surpreendi e sorri o pegando nos braços, era leve como uma almofada, tinha um sorriso lindo e um detalhe curioso nos olhos. Um olho era verdade e o outro azul, o encarei e ele me abraçou novamente.

–Obrigado, Ken. -ele disse com a voz fina de criança. De certa forma eu ofeguei, o abracei com força e sim, segurei as lágrimas. Ele era meu filho, tinha sangue do meu sangue ali.- Você me salvou.

–Eu faria muito mais por você, meu pequeno. -murmurei no ouvido dele e dei-lhe um beijo no rosto.- Você é um menino muito especial, nunca se esqueça disso.

Ele sorriu e fez que sim com a cabeça.- Não vou esquecer.

–Nunca deixe que ninguém o faça de bobo, meu pequeno. -eu disse olhando nos olhos dele. Era intrigante o fato de que ele parecia entender como gente grande, iria ser um rapaz lindo quando ficasse adulto. Inteligente se quisesse, um homem de sucesso e muitos talentos, era claro aquilo como o céu que nos banhava naquela fim da tarde.- Não se deixe enganar pelo o que os outros querem que você pense, não deixe que influenciem no que você acredita e lute por isso. -ele assentiu e eu o coloquei no chão.

–Você não me respondeu. -perguntou Roger.

–Eu dei ordens para que se fosse qualquer um de vocês, De Lune, eu atenderia.

–E porquê? -

Eu sorri.- Quando todos chegarem nos entraremos em detalhes.

–Que todos?

–Papai. -chamou uma voz conhecida, era Claire adentrando o quarto.- Ken.

–Claire? -perguntou Roger surpreso. Eu observava Maycol sentar-se ao piano no canto do meu quarto.- O que você faz aqui?

–Eu vim fazer a mesma pergunta.

–Eu...

–Deixe seu pai em paz, Claire. Sua mãe deve chegar a qualquer momento, logo esclareceremos tudo.

–Do que você está falando?

–Ken Isao. -chamou uma voz animada entrando no quarto apressada. Madeline usava uma espécie de terninho preto, tinha os cabelos soltos esvoaçantes, o salto estalava no piso de madeira do quarto. Ela sorriu para o neto e deu-lhe um pequeno carinho na cabeça.- Claire? Roger?

Pai e filha a olharam surpresos.- O que está acontecendo aqui?

–Maycol, meu pequeno. -eu chamei e ele olhou sorrindo.- Pode nos dar licença? Por que você não desce e assiste um filme na televisão enquanto conversamos aqui em cima? Fique à vontade, a casa é sua, divirta-se. -ele assentiu e saiu do quarto apressado.- Acho que estamos todos.

–O que se trata essa reuniãozinha? -perguntou Madeline rindo.- O que vocês dois estão fazendo aqui?

–Eu provoquei esse encontro, para evitar qualquer tipo de maus entendidos.

–Com o objetivo de...?

–De dizer que já chega de máscaras, eu sei de tudo o que acontece nessa cidade, com vocês e com os ligados a vocês, que estão também ligados a mim.

–Se sabe tanto, é por que você é o causador disso tudo. -rebateu Madeline.- Não é mesmo, Hugo?

Eu sorri.- Você demorou muito para perceber, não acha, Madeline? -perguntei.- Sinceramente, pensei que você fosse mais inteligente, mas me decepcionei. Você é burra.

–Não ouse falar comigo nesse tom, moleque. -esbravejou.- Ficou claro para mim agora, quando fui falar com Pe. Valério. Você só fez mau aos que te fizeram ma, mas agora já chega de falsidades, já sabemos de tudo. Você não tem como fugir.

–Não nos equivoquemos, Madeline. Vocês estão na lama, ou preciso lembrá-los? Vocês estão sendo investigados até a raiz do cabelo, a cada hora recebendo novos dados que comprovam o envolvimento de vocês com vários crimes e principalmente com a morte do meu pai.

–Você é um canalha.

–Eu quero apenas que a verdade fique clara aqui, entre nós. -eu sorri.- Eu causei tudo de ruim que contribuiu para a derrota de vocês, e consegui. Foi muito fácil matar o pai da Rita e me aproximar dela como um amigo e sair como um herói sem que ninguém desconfiasse. Contratei um garoto de programa para embebedá-la e tirar dela a confissão de que Dom Leoni era o pai dos gêmeos, depois matei o moleque. O vídeo eu usei para ameaçá-lo, conseguir o casarão para poder chamar a atenção de todos para mim. Que melhor maneira de disfarçar a sujeira varrendo a pra debaixo do tapete? Vocês nunca desconfiariam de um escritor fanático, rico e que gostava de aparecer, tudo uma farsa, exceto gostar de aparecer. -eu ri.- Aprendi e gostei da fama.

–Seu... doente! -berrou Madeline e olhou para o marido e a filha.- Vocês vão ficar quietos diante disso? Ele nos fez de idiota.

Eu olhei para Claire, ela estava de cabeça baixa em prantos, desviei o olhar e dei um sorriso para Madeline.- É doloroso quando não podemos mais confiar naquele em que tanto confiamos um dia. Depois que eu comprei o casarão, apareci na premiação do Chá de Direitos Humanos à Fundação Padre Maycol, por minha secreta indicação, e me mudar para Trevo, nada melhor que um baile para abrir com chave de ouro o meu legado. Foi fácil influenciar Enzo a continuar investindo em Trina, uma mulher casada. Eu sabia o quanto George mudava de opinião com facilidade e o quanto ele estava ficando doente com isso e com o peso na consciência, matei Enzo e pus a culpa no idiota do jornalista.

Julie, continuei, foi mais fácil ainda. Contratei um homem qualquer para se fazer de padre, segui-la e de algum modo dizer que a minha amizade com Dom Leoni era falsa e que eu devia ter algum segredo por trás. Ela foi curiosa e logo achou parceria, Enrico, que também tinha um pé atrás comigo. Armei para ambos também, o pai de Julie me condenara, eu descobri isso assim que sai daquele muquifo que chamam de prisão. Quanto a Harold, eu armei o sequestro do meu filho e o incriminei, foi fácil já que consegui implantar falsas mensagens no celular dele. De cancha, ainda sai como um herói, vejam o menino, ele me ama, e eu o amo.

–Não diga isso! -berrou Claire em lágrimas.- Você não o ama.

–Eu o amo sim. -falei.- Tanto que quando descobri que ele é meu filho, eu o salvei, se não sim, eu teria o matado e mandado a cabeça dele para a sua casa numa caixa de bolo para que você sofresse todos os dias por uma perda grande e sentido o que eu senti quando perdi tudo o que eu tinha.

–Você é doente, macabro. -sussurrou Claire.- Só se importa com você.

–Não! -eu elevei a voz.- Me importo com meu filho também, agora que sei que o tenho. Em breve ele ficará ciente de tudo o que se passou e garanto que ele não vai sofrer com isso, ele é um prodígio, inteligente, bonito e muito carismático. É a cara do pai. -eu ri.

–Foi você quem mandou Stella despachar Roberto, não é?

–Ela era minha tia. -falei sorrindo.- Stella fugiu na noite da explosão da casa pois tinha discutido com os pais sobre ser adotada e mudou de nome. Ela me ajudou um pouco nisso sim, mas ela sabia de mais, então eu a matei também. Ela estava me chateando com lições de moral e poderia pôr tudo a perder a qualquer momento, preferi não arriscar.

–Prometi a Valério que o ajudaria se ele me ajudasse, e funcionou, tanto é verdade que vocês estão aqui agora.

–Desgraçado. -berrou Madeline.

–A verdade dói, Madeline, mas é a verdade.

A mulher deu um passo a frente e apontou o dedo no rosto de Ken.- Você é um canalha, seu desgraçado. Eu vou te perseguir até o inferno se for preciso, mas você não vai se safar de tudo o que fez.

–E nem pretendo, Madeline. -respondi me ajeitando no parapeito de pedra.-Não pretendo sair imune disso tudo, nunca pretendi isso. Eu sei que tudo o que eu fiz, nem tudo foi legal, não para a lei dos homens, mas sim para a minha. Eu não serei hipócrita a ponto de querer justiça e não ser justo.

–Então você vai se entregar?

–Vou, vou me entregar para o maior juiz de todos os tempos, ele que foi, é e sempre será o maior entre todos os justiceiros. Ele vai dar a minha sentença, enquanto vocês vão apodrecer aqui.

–Você é doente, o que está dizendo?

–Veja com os próprios olhos.

Naquele instante eu joguei meu corpo para trás e me entreguei ao maior juiz de todos os tempos, Deus. Meu corpo caiu e a última coisa que eu vi antes das pedras destroçarem meu corpo foi o céu escurecendo e a lua começando a brilhar no horizonte. Senti a água atingir o meu corpo, fria e gélida como a própria morte, em fim, o fim.


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