Eu sempre morei no bairro onde as casas eram todas iguais, ou pelo menos parecidas. Nunca tive com quem brincar, era filho único e isso era bem chato. Um dia os vizinhos da casa ao lado estavam de mudanças, e a casa já estava vendida para outra família, fiquei muito curioso para saber quem eram os novos vizinhos.

Na época eu tinha 9 anos, não me considerava um garoto muito criança, para minha idade, eu era compreensivo em relação a muitas coisas, exceto meus sentimentos, eu nunca conseguia entende-los.

Havia se passado 1 semana desde a mudança dos vizinhos, minha mãe pediu para que eu fosse com ela dar boas vindas e explicar como o bairro funcionava e trocar contatos. Não queria ir, mas ao mesmo tempo queria, gostaria de saber se tinha alguém legal para poder brincar. E então fomos, minha mãe bateu na porta e quem abriu foi uma mulher, mais ou menos a mesma idade que a minha mãe, ela usava um avental de cozinha, olhando atrás dela pude observar um garoto sentado no chão brincado com alguns carrinhos.
–Vocês são os novos vizinhos, sejam bem-vindos! -Minha mãe disse, cumprimentando a mulher-
–Ah, muito obrigada por nos receber, foi uma mudança em cima da hora, e não confiávamos muito no bairro, é bom saber que alguém se preocupa, Gostariam de entrar? Estou preparando o almoço.
–Não quero incomoda-lá, só vim trazer uns recados.
–Não não, que isso, eu insisto, vamos.

Entramos na casa da mulher, ela nos acomodou até a cozinha que era localizada no canto esquerdo, para isso teríamos que passar pela sala, onde o garoto se localizava, tentei não olhar para ele.
–Eu me chamo Rosa, vim para essa cidade por conta de emprego, meu esposo deu sorte de conseguir um trabalho por perto, eu ainda estou a procura de um.
–É bem comum hoje, várias pessoas aqui da região se mudam por conta de trabalho, estou acostumada já. Ah, este é meu filho. - Minha mãe me olhou com um sorriso que dizia 'Vamos logo, e dê um oi"
–Oi... -Falei em um tom meio baixo-
–Que gracinha, eu tenho dois filhos, Aline e Alex. No momento só o Alex está em casa. ALEX VENHA AQUI!

O garoto surgiu na porta da cozinha, a moça pediu para que ele se apresenta-se, disse seu nome e sua idade, ele era 1 ano mais velho que eu. Enquanto minha mãe conversava com a mãe do Alex, ele havia me chamado para brincar com ele, resolvi aceitar. Ele pegou seus brinquedos e fomos até o quarto dele, que era após o corredor próximo á sala. Quando entrei me surpreendi, o quarto dele estava tão bem organizado, com vários quadros de personagens na parede, como aquela casa poderia ser tão bem organizada em apenas 1 semana?
–Você é bem tímido né? -Alex falou para mim, enquanto pegava algumas revistinhas na gaveta- Olha só, esses são meus heróis preferidos, você conhece algum?
–Ah... -Apontei para uma das capas e sorri- Esse aqui é meu preferido.
–Sério? Ele é um dos que eu mais gosto também. -Alex sorriu de volta- Você tem essas revistinhas?
–Não... minha mãe nunca quer comprar, ela é chata.
–Ah, se quiser, pega pra você. Eu já tenho um bonequinho dele mesmo.

Não falei nada, apenas peguei a revista e olhei, ela parecia antiga como item de colecionador, ninguém nunca me deu nada especial assim, não pude conter um sorriso.
–Puxa, você tem um sorriso bonito sabia?
–Ah.. e-eu.. obrigado.
–Smile.
– O que?
–Smile é sorriso em inglês. Vou te chamar de Smile tá?
– ...

Desde aquele dia, eu e Alex viramos muito amigos, sempre íamos brincar juntos, um ia na casa do outro. E assim fomos crescendo. Tinha se passado uns 3 anos e nós continuávamos amigos, frequentando a mesma escola que era próxima ao bairro, nessa época eu já estava com 12 anos e o Alex com 13, e foi ai que descobrimos as coisas que todo adolescente vive. Em um dia específico, minha mãe estava trabalhando, e a mãe do Alex havia saído para as compras junto com sua irmã, combinamos de eu passar na casa dele depois da escola, para conversarmos sobre as coisas da vida, e qualquer merda que dois garotos tinham pra falar.
–Eaí, tem assuntos em mente? -Perguntei para o Alex, que estava deitado em sua cama, e em encostado nela lendo algumas HQ-
–Queria saber o que você acha das garotas da minha sala, eu sinceramente não vi nenhuma bonita.
–Ah, aquela loira dos olhos castanhos é bonita, eu pegaria.
–Tem mais alguém que você pegaria?
–Sei lá -Estava concentrado na leitura-
–Smile... você ficaria com um garoto?
–Ah... ahn? -Fechei a revista- Como?
– C-Como o que? -Ele estava corado-
–O que você falou?
–Nada... você ouviu coisas.

Eu tinha certeza que não ouvi coisas, aquela pergunta ecoava na minha mente.
–Isso mudaria algo? -Perguntei pensativo-
–Isso o que? -Me virei para ele, que não tirava os olhos de mim, meio assustado-
–Isso! Isso que você perguntou.
–Como assim "mudaria"?
–Ficar com uma pessoa do mesmo sexo é diferente?
–Não, não é normal? -A ficha havia caído-
–Então... você já teve experiências com isso...
–Na verdade não, é por isso que eu perguntei.

Ficamos naquele vazio, olhando um para cara do outro, eu realmente não sabia o que fazer. Podia ver que os olhos do Alex desciam até meus lábios, aquilo me deixava constrangido, resolvi virar o rosto e tentar tornar a ler, mas algo não me deixava, meu coração batia forte. Por trás, pude sentir alguns dedos tocando minha nuca, o que me deixou arrepiado, me virei e deparei com o Alex bem próximo á beirada da cama, ele estava de joelhos me observando, esperando alguma ação, senti aquilo como um convite. Eu estava curioso para tirar aquela dúvida, será que eu seria capaz de ter um tipo de relacionamento com um garoto? A hora de responder era agora, mesmo não tendo experiência total, resolvi arriscar e ver se era mesmo um tabu que todos dizem ser. Me ergui, e encostei os braços na cama, me aproximando do rosto do Alex, ele colocou as mãos na gola da minha camiseta e as puxou, e foi assim, que eu tive meu primeiro beijo com um garoto.

Dias depois daquilo, as coisas começaram a ficar diferentes, tivemos mais ficadas, porém elas eram controla-das, e ninguém nunca suspeitou das nossas ações. Estava indo tudo tão bem, porém percebi que começamos a nos distanciar, ficávamos cada vez menos, nos víamos cada vez menos. Eu não queria tirar satisfação com o Alex, por que sabia que o que tínhamos, não era um relacionamento oficial, sendo assim não tinha motivos para perguntar o motivo daquela separação repentina, acredito que ele pensou o mesmo que eu, e assim paramos de nos falar.

Se passou alguns anos, e mesmo ele sendo meu vizinho, eu não o via, mudei de escola pois a que estava tinha fechado para reforma, e eu não podia passar o ensino fundamental e o médio sem estudar. Comecei o ensino médio ainda na escola antiga, e só troquei quando começou as aulas no ano seguinte, eu já estava no segundo ano, e não havia sinal do Alex.

Comecei o primeiro dia com expectativas novas, eu estava mais maduro do que antes, talvez algumas decepções me deixaram assim. Carregava alguns livros e junto um papel dentro, indicando a sala que eu estaria. Por acidente um garoto mais baixo colidiu comigo, e levou todos os meus livros ao chão, ele reclamou de dor.
–Opa, foi mal eu não tinha te visto. -Disse para ele tentando ajuda-lo-
–N-Não foi sua culpa...Eu vim correndo e não te vi, desculpa.
–Ta tudo bem? Você se machucou?
–Estou bem, ah seus livros. -Ele se agachou e os pegou me entregando-
–Ah.. obrigado, tem certeza que está bem?
–Tenho sim -Nesse momento o sinal tocou- Tenho que ir, tchau.
–Espera! -Ele já havia saído correndo- ...

O garoto (ou garotinho) me lembrava de quando eu era menor, todo desastrado e vergonhoso, o que me fez lembrar de todo o meu passado, porém, não me afetava mais, eu consegui seguir em frente e esquecer as coisas ruins. Ergui a cabeça e sorri, era o que eu sempre fazia quando pensava nas coisas ruins.