POSSESSÃO

Os olhos de Accelerator se moveram na direção da menina, perplexos. Yomikawa Aiho reprimiu a vontade de rir. De repente, na opinião do garoto de cabelos platinados, o apartamento tinha ficado absurdamente quente.

– Exatamente, como chegamos nesse ponto? – Curvou uma sobrancelha, encarando a menina diante de si, no meio da sala.

– Misaka precisa de treinamento, diz Misaka enquanto confirma o que foi dito anteriormente. – A menina levantou um dedo, explicando a situação.

– Desde quando você tem um namorado? – Sentia a mão que envolvia a lata de café gelado se crispar em torno do metal.

– Misaka não tem um namorado, ainda. Diz Misaka enquanto as bochechas de Misaka queimam de acanhamento. – O que na verdade era uma mentira, já que apesar das coisas que dissera, sua pele mantinha o mesmo tom saudável.

– Acho que isso seria inevitável, hora ou outra. – Yomikawa desviou o olhar da revista que lia e lançou a resposta diretamente para Accelerator.

– Inevitável? Ela só tem doze anos. – Para Accelerator, a menina ainda deveria estar correndo por ai, provocando as irmãs e se trancando para fora do apartamento, acidentalmente.

– Eu não vejo problemas nisso. Meu primeiro namoradinho foi com dez anos. – A mulher respondeu em um tom saudoso.

– Eu não quero saber da sua vida pessoal. – Cortou antes que a mulher devaneasse ainda mais.

Accelerator teve vontade de trocar a lata, já com visíveis marcas de amassado, pelo pescoço da tutora. Não sabia se era mais absurdo ouvir que Last Order iria a um encontro com um garoto que ele nem fazia ideia existir ou o fato da mulher adulta achar tudo àquilo perfeitamente cabível.

– E então, questiona Misaka enquanto enlaça suas mãos as costas e deixa os olhos brilhando em pedido súplice? – E ela estava fazendo exatamente o que descrevia, encarando o adolescente com um olhar de cachorro pidão.

– Tsc, eu não vou compactuar com isso. – Bateu a lata na mesa de centro, terminando de amassá-la e se arrastou de volta ao quarto.

O que Accelerator não poderia imaginar é que suas palavras seriam prontamente ignoradas e horas depois ele seria arrastado para o que chamaria de circo. Porque Last Order estava realmente fazendo muito alarde sobre aquilo.

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Eles estavam sentados na sala novamente, desta vez sem a presença de Yomikawa. Cada um em um sofá. Last Order havia feito o pedido novamente, sem corar ou se envergonhar e isso o deixava perturbado.

Por treinamento, a menina queria dizer coisas básicas que se fazia em um encontro. Que tipo de conversas deveria ter com o garoto, se eles pegariam na mão e no final, se eles se beijariam. Yomikawa disse que era uma possibilidade e isso deixou a pequena em pânico. Ela não sabia beijar, seu único conhecimento no assunto era baseado nos filmes que vira na televisão, de forma que parte do treinamento incluía isso.

– Eu já disse que não vou beijar você. – Accelerator falou pela quinta vez seguida, depois de ouvir novamente os argumentos da menina.

– Mas Misaka não pode ir a um encontro sem esse tipo de conhecimento, afirma Misaka pensando em como Misaka se sentirá envergonhada se Iroha-kun tentar beijá-la e Misaka não souber o que fazer.

Iroha-kun? Quem era esse desgraçado afinal e como eles tinham se conhecido? Last Order sempre falava pelos cotovelos, como nunca ouvira falar sobre o fulano antes?

– Afinal, quem é esse garoto? – Tentou se mostrar desinteressado, mas não conseguiu.

– Iroha-kun é um amigo que Misaka conheceu no parque, diz Misaka se lembrando de que Iroha-kun pagou um sorvete para Misaka após os dois se esbarrarem e o sorvete de Misaka cair no chão. – Então era assim que eles tinham se conhecido. Parecia normal, mas Last Order era do tipo que sempre atraia problemas. Nada impedia de ser uma pessoa mal intencionada se abusando da inocência da criança.

– Não devem ser tão amigos assim, você nunca disse nada sobre ele. – Respondeu com descaso.

– Misaka tentou contar, diz Misaka admitindo, mas Accelerator nunca estava em casa, Misaka completa chateada. – Era verdade que andava muito ocupado com suas funções no GROUP e quase nunca trocava mais do que meia dúzia de palavras com a menina, mas se Last Order quisesse realmente contar, ela teria dado seu jeito. Ela sempre dava.

– De qualquer forma, não acha que você é muito jovem para um encontro? – Resmungou.

– Misaka já é uma mocinha, diz Misaka enquanto Misaka faz uma pose para mostrar que já é adulta.

A porta abriu e Yoshikawa Kikyou entrou no apartamento. Removeu os sapatos no hall de entrada e jogou a bolsa em umas das poltronas.

– Yoshikawa-san, Misaka chama a atenção da mulher para si. Accelerator não quer ajudar Misaka com o plano, explica Misaka enquanto aponta acusadoramente para o rapaz. – Os olhos da cientista foram da menina falante para o garoto jogado no outro sofá.

– Então você também está a par dessa história? – Cuspiu as palavras.

– Na verdade, Iroha-kun é filho de um colega e acho que seria uma experiência enriquecedora se Last Order tivesse contato com outros garotos, além de você. – A mulher explicou.

– Enriquecedora? Você tem noção do perigo que ela pode estar correndo saindo por ai com um completo desconhecido?

– Iroha-kun é um esper com grandes habilidades. – A mulher interpôs.

– Claro – rebateu sádico. – Como se um pivete pudesse defendê-la dos perigos que normalmente corre. – E lançou um olhar de desagrado para a mulher.

– Você poderia escoltá-los, já que está tão preocupado... – As palavras ficaram dançando no ar.

– Eu não estou preocupado. – Rebateu. – Só acho que...

– Oh, então é só ciúme? Nunca imaginei que fosse do tipo possessivo. – A morena cortou. O pálido rosto de Accelerator assumiu um tom rosado, que desapareceu instantes depois e foi substituído por um olhar assassino. A vontade de esganar Yomikawa não era nada perto da vontade que tinha de dizimar Yoshikawa.

A mulher sorriu diante da reação e migrou para a cozinha, deixando as duas crianças na sala.

– Accelerator tem que ensinar Misaka a beijar, diz Misaka irritada de não receber ajuda. – Ela parecia ter ignorado completamente a pequena discussão que ocorrera entre o esper e a cientista.

O garoto a encarou por um instante. Sabia que se não concordasse, ela o azucrinaria pelo resto da vida, usando todo tipo de argumento possível. Por outro lado, era moralmente errado beijar a menina, até mesmo para ele que não ligava para essas coisas. A diferença de idade entre eles era enorme e ele não conseguia vê-la mais do que uma pirralha irritante.

– Misaka pensa que podemos fazer como Jin e Hana em Eternos Corações, diz Misaka se lembrando do beijo apaixonado que o casal do filme trocou na praia, quando ele a tomou nos braços e a inclinou e...

– Já entendi. Vamos acabar logo com isso. – Se deu por vencido, deslizando para a beirada do sofá.

Last Order abriu um sorriso gigante e se inclinou, fazendo um biquinho engraçado e fechando os olhos. Accelerator a puxou pelos ombros, unindo seus lábios. Era um contato estranho. Ela era muito quente. Ele muito frio. Ela tinha os lábios macios. Os dele eram ásperos.

A garota não abriu a boca devidamente e os dentes se choraram, barulhentos e dolorosos. Accelerator também não tinha exatamente muita experiência, mas prosseguiu, aumentando o aperto nos ombros da garota e introduzindo a língua na cavidade molhada. O órgão serpeou pela boca, deslizando pelos dentes e se roçando na língua menor.

De repente sentiu as mãos pequenas empurrarem seus ombros. A menina fazia uma careta engraçada que ele não entendeu.

– O que está fazendo, pergunta Misaka enquanto tenta entender o que está acontecendo e por que o beijo não se parece nada com o que Misaka viu na televisão.

– Você acha mesmo que as pessoas na vida real se beijam daquele jeito? – Questionou incrédulo.

– Mas Accelerator enfiou a língua na boca de Misaka, Misaka narra se lembrando da sensação nojenta de ter uma minhoca dançando dentro da boca. – E a careta enjoada permanecia estampada na face infantil.

– Mas beijos são assim, inclusive o que você terá com o... como é mesmo o nome do garoto? – Provocou.

Os olhos se arregalaram por um segundo, como se tivesse descoberto uma grande verdade que só ela desconhecesse.

– Yay!!!!! Misaka não quer mais ir a encontro algum, diz Misaka balançando a cabeça tentando não se lembrar da minhoca dançarina. Misaka não quer fazer essas coisas nojentas. – E se levantou com um salto e correu para cozinha, num pranto fingindo, chamando por Yoshikawa.

Da sala, Accelerator podia ouvi-la dizer coisas desconexas de forma muito rápida, mas entendeu as palavras minhoca e encontro cancelado. Refestelou-se no sofá e passou a língua pelos lábios, a sensação quente e suave ainda estava lá e ele se sentiu culpado por ter sido responsável pelo primeiro, e traumático, beijo de Last Order. Mas no final, ela é quem insistira naquela barbaridade, a culpa era dela mesma.

Mas ao menos não haveria mais encontro algum e ela permaneceria em casa protegida de todos os perigos. Sabia que sua encanação não era apenas por precauções excessivas. Ele não estava pronto para dividir Last Oder com ninguém. Sabia que um dia a garota se apaixonaria e seria livre para ter um namorado, mas esse dia não era aquele e ele se sentiu no direito de ser um pouco possessivo.