Enfim, rei? escrita por Maga Clari


Capítulo 1
Passo número 1 - A barganha




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Há muitos e muitos anos, existiu o que nós, asgardianos, chamamos de Éter. Os nove reinos eram todos repletos dessa substância corrosiva, num ambiente em que vida alguma tinha vez. Apenas criaturas das trevas habitavam-na. Malekith e seus elfos negros tentaram — e continuam tentando — a todo custo os tempos sombrios de volta aos nove reinos, mesmo travando lutas sangrentas com Thor, filho de Odin, pai-de-todos, e seu exército asgardiano.

No entanto, não só de heróis se fez o reino de Asgard; a algumas montanhas de distância, existia uma prisão bem afastada. E nela, havia um modesto deus do gelo, sorrindo o seu sorriso mais cínico, e cumprindo sua pena perpétua a mando do próprio Odin, não somente pai-de-todos, como também seu pai adotivo.

O deus das pegadinhas ofegou quando tentou, mais uma vez, comprimir suas mãos algemadas na parede de tijolos. Desgraçado! Praguejou, ao assinar seu atestado de feiticeiro incompetente, por não conseguir ao menos se livrar das algemas. Mas e o que ele queria, afinal? Que uma prisão para deuses fosse fácil de se burlar?

Loki estava de saco cheio. De tudo, já. Havia passado da fase depressiva há muitos anos, e o momento de agir por impulsos também. Ele havia crescido, virado um homem adulto, afinal. O tempo era muito relativo na vida de um deus; Loki não fazia ideia alguma do número de pôr-do-sóis que perdera ali, enjaulado numa prisão ilusória. Que ironia! Justo ele, mestre do ilusionismo, preso num lugar que mexia com seu inconsciente. Talvez houvessem posto ele lá de propósito. Odin sempre fora bastante inteligente, diga-se de passagem.

— Bom dia, dorminhoco! — uma voz feminina tirou-o de seu próprio mundo encantado, quando ele fugira para seu refúgio mental.

— Ora, ora. Veja se não é Lady Sif, huh?

A guerreira forçou um sorriso mal forçado e jogou uma tigela nos pés do prisioneiro. Loki ergueu a sobrancelha, com um sorriso de deboche.

— Como espera que eu a beba, oh adorável Sif? — tentou sua melhor simpatia, muito embora desejasse estrangular, ele mesmo, aquela guerreira metida a besta.

— Isso não é meu departamento. Recebi ordens para entregá-lo, não alimentá-lo. Aliás, você fazia como antes? Aposto que deve ter sido uma cena engraçada. Vê-lo beber feito um animal.

— Caso esteja esquecida, Lady Sif, as algemas não estavam aqui até ontem. Ora, vamos. Nenhum de nós gostaria desse constrangimento. Solte-me só enquanto bebo a sopa e depois você as prende outra vez. Você estará aqui para me vigiar. E então, o que acha?

A jovem pareceu ponderar. Hesitando, Lady Sif se aproximou do prisioneiro e quando estava prestes a soltá-lo, recuou.

— Ah, o que foi agora?! — gritou, já esquecendo-se de controlar a raiva.

— Como posso ter certeza de que não vai desaparecer?

— Eu juro! — ele ergueu os dedos o máximo que pode — Posso ser um criminoso, mas eu cumpro meus juramentos. Além disso, não tem como escapar. Acha mesmo que nunca tentei?

Loki soltou uma gargalhada gostosa e encostou a cabeça na parede de tijolos. Lady Sif não estava achando nada daquilo engraçado. Cruzou os braços e olhou fuzilante para ele.

— É claro, Sif, por que eu ainda acredito em você? — ela bateu na própria testa e tratou de desalgemar o deus das pegadinhas.

Loki sorriu, sentindo-se vitorioso, enquanto entornava a tigela na direção dos lábios, deliciando-se com o líquido quente. Soltou um gemido de satisfação e limpou o rosto, antes sujo pela sopa. Ficou encarando a guerreira carrancuda à sua frente, imaginando como a abordaria.

— Admita, Lady Sif, sou o único a quem você já mudou de opinião. — vendo que ela não entraria na conversa tão cedo, continuou: — Aposto que adoraria ter mais regalias, não? Deve ser muito chato ficar sempre nessa posição obscura, né? Sempre nas sombras, nunca no poder...

— Esse aí é você, Loki, não eu. — ela se levantou, resoluta, em direção às algemas dele.

— Espera, espera, espera! - falou, com urgência.

— Loki, eu tenho coisas a fazer. Não pense que estou à sua disposição para bater um papo o tempo inteiro. Se me der licença...

— Só escute-me, por favor.

— Seja breve. Eu e Thor temos que...

— Tenho uma proposta para lhe fazer — ofegou, sorrindo ao ver a expressão curiosa no rosto dela — Eu. Você. Se me ajudar, teremos juntos o trono de Asgaard que até o meu irmão despreza. Ninguém sairá ferido, a não ser quem merece. Precisaremos ir atrás do Malekith. O resto acontecerá naturalmente. Nunca quis ser rainha, Lady Sif?

— Mas e quanto a Sigyn? — ergueu a sobrancelha, surpresa com tamanha audácia de proposta.

— Esqueçamos a existência dela, por hora. — esboçou um sorriso sedutor.

É preciso dizer que Lady Sif ficara extremamente intrigada com aquela conversa que tivera com o deus Loki. Já ouvira vagamente alguns relatos sobre a promiscuidade do deus, mas achava aquela proposta muito estranha. Por que justo ela? Havia algo muito errado ali e ela trataria de descobrir.

— O que você quer dizer, Loki? Diga-me logo. Sem rodeios. Sabe que odeio rodeios, não sabe? Em qual pegadinha você pretendia me colocar? Olha, eu realmente estou surpresa por achar que eu não desconfiaria... Sabe que eu o conheço a tan...

— Você fica esplêndida discutindo, sabia, Lady Sif? — Loki a interrompeu, com um sorriso de deboche. A cabeça pendia para o lado e ele balançava os pés, displicentemente. — Principalmente quando estreita os olhos assim, olha. Fiz certo?

Loki fechou os olhos, sorrindo, e conseguiu se transformar numa mistura bizarra entre ele próprio e uma Lady Sif um tanto quanto máscula. A magia ainda não estava livre completamente, então ele não conseguira o efeito desejado; a guerreira, por sua vez, estreitou os olhos novamente e virou-se para bater naquele imprestável do deus Loki.

— Ei, ei, ei! — gritou, entre um tapa e outro — Não acha covardia bater num prisioneiro algemado? Não posso revidar.

— Se tem magia para se transformar, tem para rebater — disse, simplesmente.

Pensando por essa lógica, até que ela tinha razão. Que será que sua amada Sigyn estaria fazendo naquele momento? Será que ainda demoraria muito? Não podia protelar mais tempo com aquela guerreira carrancuda... Mas por que diabos a barreira mágica ainda não fora totalmente quebrada? Não aguentaria mais um segundo sequer ao lado de Sif. O que seu irmão vira nela, afinal?

— Já terminou? — indagou-a depois de seu quinquagésimo tapa.

— Ah, perdeu a graça — cruzou os braços e resolvera que estava mais do que na hora de ir embora. No entanto, Loki se desesperou ao ter visões de Sigyn cada vez mais perto.

— ESPERA, LADY SIF! — ele ofegou, e conseguiu, finalmente, soltar-se das algemas magicamente — Quero a sua ajuda. Ora, vamos... Posso te dar ouro, roupas, jóias. Armas?

O pobre deus tentou de tudo, mas nada parecia animar tanto assim a guerreira. A menção de armas até alegrou-a um pouco; mas nada comparado a última frase proferida por Loki, em seu melhor sorriso de vitória:

— Posso te dar o meu irmão.


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