PLAFT.

Maka abriu os olhos lentamente, sua visão ainda embaçada. Fez uma careta para a luz que entrava sem permissão em seu quarto e irritava seus olhos recém-abertos. Constatou que eram 5:50 ao olhar para o relógio em sua cabeceira e gemeu em frustração. Ainda era muito cedo! A aula só iria começar às 7:30, e eles moravam tão perto da escola!

Ela podia jurar que tinha ouvido um barulho, mas a casa estava silenciosa como sempre. Maka notou que não conseguia escutar os roncos suaves de Soul, mas não deu muita atenção a este detalhe. Não é como se ele não pudesse parar de roncar por pelo menos uma noite.

Maka gemeu mais uma vez e se enfiou debaixo das cobertas, tentando se esconder da luz e dormir novamente – o travesseiro estava seduzindo-a, e Maka não pensou duas vezes antes de agarrá-lo e mergulhar seu rosto no tecido macio. Era tão bom, tão aconchegante, tão –

PLAFT.

Ela abriu os olhos em um segundo e logo se pôs de pé. Definitivamente, ela tinha escutado um barulho.

E uma risada logo depois.

E um miado.

É, era Blair, aprontando mais uma. Maka esfregou os olhos preguiçosamente e se forçou a levantar. Já que fora acordada, é melhor aproveitar o dia. Ela prendeu seu cabelo em um coque malfeito e desceu para o café ainda meio grogue - não era fácil acordar cedo.

Ao chegar na cozinha, porém, Maka deparou-se com vários livros espalhados pelo chão. “Ah.” Ela analisou o local, fazendo uma inspeção. “Soul deve ter jogado esses livros naquela gata.” Ela reconheceu alguns de seus próprios livros – Orgulho e Preconceito, Mil e uma Noites, Os Relógios – e outros ela identificou que eram os livros de Soul, coletâneas de partituras modernas e, para sua surpresa, clássicas. Um dos livros que jazia no chão tinha como título “Mozart: as melhores e mais belas sinfonias Op. 25”. Maka não fazia ideia do que significava “Op.”, mas sentiu um estranho calor invadir seu peito ao perceber que, no fundo, Soul ainda guardava algumas lembranças de sua vida antiga, de sua família.

Falando nele...

Maka voltou-se para Soul com um olhar inquisitivo, mas ele não estava sequer encarando-a de volta. Soul estava apoiado desleixadamente na mesa da cozinha com o rosto voltado para baixo. Ele estava segurando uma xícara de café e sua mão, Maka percebeu com um susto, estava tremendo. De raiva, talvez? Ela não sabia.

Percebeu, também, que havia um leve rubor em suas bochechas e Maka riria se a situação não fosse tão esquisita. Nunca que Soul Eater, o garoto “maneiro”, se permitiria a apresentar um rubor, mesmo que leve. Ele sempre estava com aquela máscara de tédio e nunca permitia que os outros soubessem o que estava sentindo.

Os olhos de Maka procuravam os de Soul, que estava escondidos atrás dos fios prateados. Ela aproximou-se um pouco mais dele.

E ele levantou a cabeça abruptamente, encarando-a com aqueles olhos vermelhos tão transparentes. Maka aprendeu a ler seus olhos no primeiro mês de parceria e o fazia com a maior facilidade na maior parte do tempo. Naquela hora, porém, ela não pôde descrever ao certo os sentimentos que estavam presentes naquelas íris.

Raiva era o sentimento predominante, embora não o único. Ela identificou algo como confusão e... nervosismo, talvez? Havia uma pincelada de frustração e mais alguma coisa que ela não conseguia identificar.

– Soul? Está... está tudo bem?

Ela recebeu um grunhido como resposta e ele se desencostou da mesa, indo na direção do seu quarto. Ela suspirou, sentindo sua irritação crescer. Não tenho que lidar com essa merda logo de manhã. Não quer me contar, ótimo. Vai fazer birra em outro lugar.

Ele murmurou um ‘bom dia’ e antes que ela pudesse ao menos raciocinar alguma coisa, Soul deu um leve tapa da testa de Maka, pra depois esbarrar em seu braço e continuar seu trajeto até seu quarto.

A crescente irritação de Maka elevou-se ao máximo. Com o sangue fervendo, ela pegou o post-it amarelo que uma certa arma havia delicadamente colado em sua testa e forçou-se a lê-lo, mesmo que seus instintos implorassem para dar um Maka-Chop naquela cabeça platinada. Mas Maka sentiu a irritação se esvair quando relanceou para o bilhete. Tinha alguma coisa errada ali.

Aquela letra não era de Soul. Ela reconheceria a letra desigual e itálica de Soul em qualquer lugar.

Resolveu, então, ler a porcaria do post-it. Já que aquele acéfalo tinha grudado aquilo na testa dela, deveria ter alguma coisa importante no conteúdo.

...

Importante, pois sim. À cada palavra que ela lia sentia o sangue ferver novamente, e a irritação que havia se dissipado retornou com mais força. Não contente, porém, havia levado uma onda de nervosismo junto com ela.

– BLAIR.

Maka tacou o post-it em cima da mesa da cozinha e voltou para o seu quarto em passos largos e pesados, batendo a porta em seguida.

Jogou-se na cama e forçou-se a acalmar. Ela sabia que estava sendo infantil demais, pavio-curto demais, mesmo que tivesse todo o direito de ficar irritada. Maka já deveria ter previsto que algo assim iria ocorrer, ainda mais com aquela gata manipulando-os com aquela droga de contrato, mas não podia evitar ficar sem-graça e nervosa com a situação que Blair os estava colocando

Suspirando, Maka se levantou e pegou as roupas para se trocar, as palavras do bilhete flutuando em sua mente.

"Nya, bom dia! Não tive paciência para fazer uma lista fofa e bem-feita, então aqui vai o primeiro dever de vocês: ir à escola abraçados! Blair ama vocês. Mas vocês vivem de mãos dadas por aí, então por que não?

Eu vou indo, esse post-it é pequeno demais e não consigo escrever muito. Não se esqueçam de comprar leite pra Blair!"

Maldita Blair. Maldita lista. Maldito Soul.