Avalanche escrita por Aarvyk


Capítulo 15
Avanços


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura, amados!



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Nos dois dias que se seguiram, Alexander apenas me pediu para que descansasse em meus aposentos. Fiz a maioria das refeições no quarto, e somente vi o príncipe nos poucos almoços que compareci, nosso contato era breve e polido, ele parecia novamente ocupado com seus planos misteriosos. No mais, apenas sabia que o carregamento das armas inglesas já havia chego em Illéa, uma quantidade bem generosa pelo que pude entender, também seria enviado outro dali a um mês. Me acalmava por dentro saber que não existiam mais segredos, a partir disso eu podia traçar planos estratégicos mais efetivos.

Por outro lado, as Selecionadas faziam barulho o tempo todo, mesmo que sete delas já houvessem sido eliminadas. Algumas cochichavam sobre Mason, outras pareciam falar sobre Alexander e, caso aguçasse mais os ouvidos, escutaria alguns comentários maldosos sobre mim. Eu não era tão bonita quanto a princesa Kaya, não parecia simpática e nem dava possibilidade para sequer me cumprimentarem. Os padrões ingleses e os de Illéa simplesmente não eram compatíveis. Na Nova Inglaterra, as mulheres eram destemidas e poderosas, enquanto ali ainda estavam descobrindo a própria força no meio de um país monárquico tão jovem.

Segurei o riso ao pegar uma revista para ler. A foto de capa era Mason e uma das Selecionadas no meio de um encontro, os dois riam ao provarem sobremesas de outros países. Falsidade pura.

Eu havia criado coragem o suficiente para ir até o Salão das Mulheres, um espaço que a maioria das garotas, até mesmo a rainha, usavam para ter uma certa privacidade feminina. Havia estado ali poucas vezes, e era estranho vê-lo cheio de rostos curiosos e estranhos. Tentei imaginar Kaya com sua animação estúpida ali no meio, conversando com cada uma delas como se já fossem cunhadas.

Suspirei. Algumas garotas conversavam baixinho à minha esquerda, e com o canto do olho notei quando uma delas se aproximou.

— Alteza – ela fez uma reverência um pouco desajeitada, o que me lembrou Eli quando tinha medo de meu mau humor.

Deixei a revista de lado, enquanto segurava o riso. A garota possuía lindos olhos castanho-escuros, seu cabelo preto era longo e cacheado, o que achei invejável logo de cara. Parecia simpática, porém nervosa. Entretanto, se uma delas tinha coragem o suficiente para vir falar comigo, talvez devesse dar uma chance.

— Estávamos pensando se a senhorita não gostaria de se juntar a nós.

Quando encarei as outras duas garotas no sofá à esquerda, vi o quão receosas elas também estavam. Ambas me reverenciaram da mesma forma desajeitada.

— Adoraria, senhorita! – respondi, levantando em um pulo de minha poltrona.

Caminhamos até o sofá. Pude notar que algumas Selecionadas do outro lado do salão nos olhavam curiosas, era visível o quão pressionadas todas se sentiam, e eu podia ser uma grande aliada caso nenhuma delas soubesse do ódio que eu sentia por Mason.

— Eu me chamo Anya Grace. – A garota gesticulava, enquanto tentava controlar em vão os tiques nervosos de seus dedos. – Estas aqui são Louise Madison e Marian Kodak.

Uma delas era de uma beleza magnificente, enquanto Louise e Anya possuíam feições bonitas, Marian tinha algo a mais em si. Os cabelos eram tão loiros que se confundiam com o branco, e suas íris eram de um azul desbotado que combinava perfeitamente com sua pele pálida. Imaginei porque alguém como ela se inscreveria em algo tão patético quanto a Seleção.

— Eu sou Avery Black, é um prazer – soltei uma curta risada, a qual elas acompanharam. É claro que todos sabiam meu nome. – Como estão passando?

Elas se entreolharam, em parte pude notar como estavam admiradas com meu sotaque. Perguntei-me porque Alexander nunca havia sequer expressado nada referente àquilo, talvez por ser polido o suficiente ou por simplesmente ignorar o detalhe.

— Ah, eu estou adorando o castelo! – Louise falou, parecia animada e menos tensa. – Meus pais eram Sete, então ainda não conseguimos conquistar tudo o que queríamos. Estar aqui muda tudo, acho que vou até mesmo entrar para a Universidade caso o príncipe me dispense.

— Penso o mesmo que você. Quero cursar Química como minha irmã! – Anya sorriu para a amiga, elas pareciam se dar muito bem apesar da competição.

Não pude deixar de notar o leve comentário feito sobre as castas. Os Sete costumavam ser os trabalhadores braçais mais explorados do antigo sistema, não me espantava a fala de Louise ser tão animada com a vida da realeza. No entanto, dava para ver que mesmo abolidas, ainda tinham as castas como referências.

— Parece um ótimo plano – assegurei, dando um meio sorriso na direção da garota, que parecia orgulhosa de si.

Marian pareceu pensar por alguns instantes, mas logo se pôs a falar.

— Está sendo agradável, é sempre bom vivenciar novas experiências. – A voz dela soava como ferro, rouca e fria, tão inusitada quanto sua aparência. – Como são as coisas em seu país, Alteza? Como é o seu palácio?

Não precisei forçar uma expressão feliz. Achava incrível quando perguntavam de mim e amava de todo o coração falar sobre a antiga Grã-Bretanha.

— É o completo oposto de Illéa! – soltei um riso irônico, elas entenderam completamente o que eu queria dizer. – A Nova Inglaterra é fria e os dias são acinzentados, não vemos muito o sol no ano. Já sobre o palácio... Creio que Buckingham seja um pouco menor que aqui, mas isso só o torna mais aconchegante. É a mansão de minha família há milênios.

Todos sabiam que éramos a monarquia mais consolidada do mundo, inspirávamos respeito e tenacidade. O nacionalismo era a característica mais marcante após o fim da última guerra, isso dava sentido a vida dos ingleses, trazia prazer em ser um cidadão da Nova Inglaterra. E eu amava cada parte daquele sentimento.

— Já estive uma vez em seu país, Alteza! – uma outra Selecionada se aproximou de nós com uma reverência esplêndida, parecia ser uma das que eu considerava horrível logo de cara. –  Gravei um filme em Londres, a capital é fantástica! Como meus pais eram Dois, obviamente não segui uma carreira qualquer e resolvi que seria atriz desde criança. Acabei conquistando mais fama do que esperava.

Ela falava comigo como se a conhecesse há décadas. De fato, possuía traços belos, os quais eu já deveria ter visto em algum filme por aí. No entanto, as outras três garotas ao meu lado pareciam um pouco intimidadas com sua presença. Mais uma vez as castas haviam sido citadas, e eu sabia muito bem que os Dois compunham em grande parte os rebeldes da Sociedade do Sul, ao mesmo tempo que possuíam um orgulho muito frágil.

— Fico feliz com isso! – tentei expressar minha falsidade em cada letra, o que não a agradou nem um pouco. – Aliás, acho que nunca te vi antes. Poderia me dizer seu nome?

Marian cobriu a boca por um instante e Anya mordeu os lábios. Ambas queriam desesperadamente rir.

— Hannah Taylor – eu pude ver o brilho da raiva em cada parte de seus olhos. Se eu não fosse da realeza, talvez estivesse morta com suas mãos em meu pescoço.

Quando estava prestes a soltar mais um comentário sarcástico, notei que uma criada se aproximava discretamente, indo até o ouvido da garota e falando algo tão baixo que não consegui entender.

No mesmo instante, Hannah fez uma pequena reverência e nos lançou um olhar orgulhoso, levantando um pouco o queixo.

— Se me dão licença, tenho um encontro com o príncipe, Alteza. Passar bem.

Os saltos dela faziam um som tão irritante que eu só pude agradecer por Mason ter um péssimo gosto para mulheres. Entretanto, quando me virei para as outras três Selecionadas, notei que cada uma delas parecia um pouco afetada com o que havia acabado de acontecer.

Louise suspirou.

— Me pergunto quando terei um encontro com ele... Parece tão difícil agradá-lo! – disse, perdendo um pouco sua compostura.

— Não se preocupem com isso. Homens não são tão importantes assim. – dei um sorriso sarcástico para cada uma delas, que se entreolharam animadas.

Anya pegou as revistas que estavam ao lado do sofá, e me mostrou uma enquanto seus olhos brilhavam de emoção. Quando me vi na capa, meu coração quase parou. Era eu e Alexander rindo ao recepcionar as Selecionadas, talvez um pouco depois que soltei aquele comentário idiota à uma das garotas.

— Vocês são o casal do momento, Alteza. – disse Louise, com a mesma expressão animada. – Acho tão engraçado a senhorita nos dizer algo do tipo.

Tentei ficar inexpressiva o máximo que consegui, pegando a revista em mãos e lendo o que estava escrito sobre mim.

A princesa inglesa segue sendo um mistério! Sem participações no Jornal Oficial de Illéa e nenhuma entrevista até o presente momento, Avery Black já é tida em grande estima por nosso país. O príncipe ainda nos garantiu se tratar de uma mulher impressionante que está ajudando Illéa como se já fosse nossa princesa...

Elogios e mais elogios. Alexander simplesmente havia criado a figura perfeita para toda a imprensa, tudo era com base em sua palavra ou pelas poucas fotos que tinham minha. Não conseguia acreditar em como o príncipe havia manipulado tão bem aquilo tudo.

— A senhorita e seu noivo parecem combinar tanto, Alteza. Acho que nunca vimos o príncipe dar tantas entrevistas na vida, alguns até achavam que ele ia sair da família real... Quase não o víamos na televisão! – Anya disse, tirando-me dos meus pensamentos como se fosse um solavanco.

Meu estômago revirou. E quase tive certeza de que iria vomitar nos pés de alguém.

— Não tinha visto essas notícias ainda – confessei. – Como assim sair da família real?

Anya ficou tensa. Talvez não soubesse ao certo se devia me dizer aquilo ou não. Louise, tomando seu lugar, se aproximou um pouco mais.

— O príncipe Alexander nunca dava as caras, Alteza. Ele sempre pareceu tão distante do povo... Muitos acreditavam que iria renegar o cargo como príncipe. Mas então a notícia de seu casamento mudou tudo, desde então ele se mostrou uma ótima pessoa e com um coração gigante. – A garota sorriu largamente na última frase, falando cada palavra como se tornasse o mundo mais brilhante.

Fingi uma expressão suave, mostrando que estava tudo bem falar sobre aquilo. No entanto, dentro de mim, as emoções estavam à beira de um colapso. Marian me encarava com seus olhos frios, mas parecia trazer uma certa empatia, como se lesse através da máscara que eu vestia.

— Não vamos entrar nas intimidades da princesa, Louise. Que tal tomarmos um chá? – ela se apressou em dizer, me surpreendendo mais uma vez com o quão inteligente parecia.

Dei um meio-sorriso e ajeitei minha postura. Queria correr para os meus aposentos, me abrigar nas anotações que eu estava tentando planejar para Alexander. No entanto, não podia simplesmente jogar fora o esforço de Marian. Se uma das Selecionadas saísse e falasse mal de mim, iria pôr a prova tudo o que o príncipe havia garantido sobre minha imagem. Sem contar que eu já estava sendo antipática o suficiente com todo mundo ali dentro.

Então me mantive tranquila o máximo que deu. Logo pedimos a uma criada que nos servisse um pouco de chá com bolachas na parte coberta dos jardins do palácio. Acompanhei as três meninas até lá, que pareciam radiantes em minha presença mais do que eu achava necessário.

Elas conversavam e riam entre si, pareciam confiar em mim de alguma forma. Talvez pela forma como tratei a pobre Hannah Taylor, sentiam-se livres apenas para agir de forma mais natural. E era naquele momento que eu via o peso da realeza britânica sobre os meus ombros, jamais poderia me dar ao luxo de ser ingênua ou pueril como Kaya ou uma Selecionada. Illéa parecia ser um país de pessoas genuinamente felizes quando aceitavam viver sem o preconceito das castas.

Suspirei e bebi um pouco mais de chá. Camomila sempre era agradável.

— Meu Deus, ele está vindo em nossa direção, Alteza... – Louise cochichou, arrancando toda a tranquilidade que eu havia reunido.

Olhei para a parte aberta dos jardins. Não era um dia de muito sol, e por isso vi com todos os detalhes possíveis Alexander andando entre alguns arbustos floridos, os olhos fixos em algo à sua direita não o impediam de seguir rumo à nossa mesa. Ele estava diferente, parecia mais convicto do que nunca, vestido com uma camiseta de manga curta azulada e calças não muito sociais.

Assim que Alexander chegou mais perto de nós, sorriu para as Selecionadas de uma forma um tanto superficial. No entanto, eu podia ver com o canto do olho o quão vermelhas todas as três garotas estavam, tentando em vão fazer o movimento de uma reverência.

Quando ele finalmente voltou sua atenção para mim, me senti um pouco desconfortável com a situação. Todos achávamos que éramos um casal, menos nós mesmos.

— Avery – disse, estendendo sua mão para mim. – Poderia tomar um chá comigo agora?

Fiz que sim com a cabeça, um tanto vermelha e esticando meu pulso na direção de sua mão. Assim que dei uma última olhada nas meninas, notei que Marian cruzava os dedos para mim ao sorrir, o que desfez no exato momento que Alexander as encarou mais uma vez.

— Não era a intenção atrapalhá-las, senhoritas. – explicou-se.

Anya arregalou os olhos.

— Não, Alteza. Imagina! – a voz dela era tão preocupada que eu quase tive vontade de rir se não me sentisse tão fora de mim.

Fingi mais um sorriso para as Selecionadas e me levantei de minha cadeira, agarrando o braço do príncipe como se mais uma vez aquilo fosse me salvar. Alexander pareceu não se importar, e então me guiou para dentro das portas do palácio. Paramos em uma saleta na direção da sala de jantar. Pude ver a poucos metros de nós o general Leger ao lado de uma mulher franzina e um tanto delicada. Ela carregava um bebê nos braços com todo o amor que uma mãe poderia ter.

Escutei um suspiro profundo de Alexander.

— Madame Lucy demorou anos para engravidar – disse, sem tirar os olhos da família do general.

Era como se aquela cena tivesse ido direto para o meu coração, como um fogo cálido que acalmava só de ser contemplado.

— Tenho certeza que ela vai ser uma ótima mãe. – Tentei dar um sorriso confiante, mas eu sabia que a tristeza crescia cada vez mais em meu peito ao me lembrar do pior dia da minha vida.

Alexander chacoalhou levemente seu braço, fazendo com que eu prestasse atenção nele. Ao olhar em suas íris, senti que parecíamos nos entender só naquilo. Ele captava com maestria cada sentimento que eu emanava.

— Não pense demais no passado, Avery. Daqui a pouco você já vai estar de volta ao seu país como se nunca tivesse saído dele. – o tom sincero de sua voz rouca era exatamente o que eu precisava, mas o príncipe não sabia que voltar para casa significaria voltar para o meu pai.

Tentei sorrir. Era gentil demais da parte dele, uma gentileza que poucos haviam tido comigo. Talvez, por baixo do semblante desinteressado e preguiçoso de Alexander, escondia-se uma empatia gigante.

— Obrigada por isso. Não vou esquecer do que está fazendo por mim – toquei em seu braço com minha outra mão, sentindo seu calor.

Ele sorriu e desviou nossos olhares.

Quando olhei de volta para o general Leger, vi que ele estava se despedindo de sua esposa e andando um pouco lento em nossa direção.

— Altezas – sorriu, e pude ver o quão feliz um homem poderia ser. – Do que devo a honra?

— Achei que o senhor tivesse dito que queria falar conosco, em especial com a princesa. – Alexander conteve um riso.

O general semicerrou os olhos, e então pareceu se lembrar de alguma coisa.

— Ah, sim. Perdão! – pediu, ainda parecendo com os pensamentos em sua família. – Queria agradecer a princesa pessoalmente pelas informações que repassou. Aquelas táticas de espionagem de longe são mais eficientes que as nossas, não temos muita especialidade nisso ainda. Creio que junto dos armamentos que a Nova Inglaterra está nos mandando, conseguiremos ter um avanço grandioso na situação do Sul. Ainda tenho minhas dúvidas sobre algumas questões, e por isso gostaria que conversássemos.

Não havia como não estar feliz por ajudar Illéa naquele momento. O general Leger parecia sorrir ainda mais, afinal de contas, seu trabalho era defender o próprio país, bem como sua família e os outros bilhares de cidadãos.

— Claro. Não há de quê! Caso precisem de mais alguma coisa, é só falarem comigo. – Pensei por mais alguns segundos, incerta de como prosseguir minha fala. – Aliás, como meu irmão anda muito ocupado com seus deveres de herdeiro, isso é quase um favor para ele.

Não queria passar por cima de Cam. Porém, ele já havia feito isso mais vezes comigo nos últimos meses do que na vida toda.

— Precisamos de mil homens com uma mira impecável, de preferência que não morram por nada e que sejam divinos em estratégia! – o general soltou uma risada nem um pouco contida, o que fez com que Alexander se divertisse com a cena.

Por outro lado, meu cérebro parecia raciocinar ao escutar aquela piada horrível. E, pela primeira vez, senti que tinha um plano que podia realmente dar certo.


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Notas finais do capítulo

É, Avery pensou em um plano. Não vou dar spoiler. Mas é O plano.
O que vossas senhorias acharam do capítulo?